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CAPES

Volume 14, Número 4, Out/Dez - 2010

PESQUISA

 

Caracterização de idosos internados em enfermaria de pronto-socorro quanto à vulnerabilidade social e programática

 

Characterization of older individuals hospitalized in an Emergency Ward as regards social and programmatic vulnerability

 

Caracterización de los ancianos internados en enfermería de Urgencias sobre la vulnerabilidad social y programática

 

 

Hellen Cristina SthalI; Heloisa Wey BertiII; Valéria de Castilho Palhares III

IGraduada em Enfermagem pela Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP; aprimoranda em Enfermagem em Saúde Pública pelo Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. Botucatu - SP. Brasil. E-mail: hellen_sthal@hotmail.com
IIDoutora em Saúde Pública; docente do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. Botucatu - SP. Brasil. E-mail: weybe@fmb.unesp.br
IIIMestre em Enfermagem; supervisora da Seção Técnica de Enfermaria de Adultos do Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas de Botucatu - UNESP. Botucatu - SP. Brasil. E-mail: valeria@fmb.unesp.br

 

 


RESUMO

O aumento da população idosa acarretará grandes transformações socioeconômicas, repercutindo diretamente no setor saúde. O estudo objetivou caracterizar idosos hospitalizados quanto aos aspectos de vulnerabilidade social e programática. Trata-se de estudo quantitativo, realizado na Enfermaria de Adultos do Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas de Botucatu - UNESP. Os dados foram coletados no período de maio a outubro de 2009, por meio de entrevistas e de informações constantes nos prontuários. A amostra foi constituída por 71 sujeitos, a média de idade foi de 74,30 anos, a maioria dos indivíduos reside com algum familiar e possui vínculo com um serviço de saúde, mas apenas oito frequentam alguma associação comunitária ou outro recurso de lazer social. Urge que o cuidado integralizado seja uma realidade no atendimento ao idoso, utilizando uma abordagem individual centrada na pessoa, e não na doença, atentando para suas vulnerabilidades e respeitando sua autonomia e dignidade.

Palavras-chave: Enfermagem. Vulnerabilidade. Saúde do Idoso.


ABSTRACT

The increase in elderly population will result in major socioeconomic changes, which will directly affect the health care sector. The study aimed characterizes hospitalized older individuals as regards social and rogrammatic vulnerability. It is a quantitative study performed at the Ward for Adult Patients at the Emergency Unit of the Botucatu University Hospital - UNESP. Data were collected from May to October, 2009 by means of interviews and information from patients? charts. The sample consisted of 71 individuals whose mean age was 74.30 years. Most of them lived with a relative and were assisted by a health care service, but only eight were members of a community association or participated in other forms of social leisure. Integrated care to older persons must urgently become a reality, and an individual approach focused on the person rather than on one?s disease must be utilized, paying attention to older patients? vulnerabilities and respecting their autonomy and dignity.

Key words: Nursing. Vulnerability. Health of the Elderly.


RESUMEN

El aumento de la población anciana causará grandes transformaciones socioeconómicas y repercutirá directamente en el sector de la salud. El estudio pretendió caracterizar ancianos hospitalizados en cuanto a los aspectos de vulnerabilidad social y programática. Se trata de un estudio cuantitativo, realizado en la Enfermería de Adultos de Urgencias del Hospital de Clínicas de Botucatu ? UNESP. Se compilaron los datos en el período de mayo a octubre de 2009, por medio de entrevistas y de informaciones constantes en los expedientes. La muestra fue constituida por 71 sujetos, el promedio de edad fue de 74,30 años, la mayoría de los individuos viven con algún familiar y tienen vínculo con un servicio de salud, pero solamente ocho frecuentan alguna asociación comunitaria u otro recurso de ocio social. Hace falta que el cuidado integrado sea una realidad en la atención al anciano y que utilice un enfoque individual centrado en la persona, y no en la enfermedad, atendiendo a sus vulnerabilidades y respetando su autonomía y dignidad.

Palabras clave: Enfermería. Vulnerabilidad. Salud del anciano.


 

 

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, temos assistido a um aumento significativo do número da população idosa mundial, com prognóstico de um crescimento ainda maior nos próximos anos. A população brasileira também vem envelhecendo de forma rápida,1-3 e o censo demográfico de 2000 apontou uma população idosa de 14,5 milhões de pessoas, o que corresponde a 8,6% da população total do país, estimando-se para o ano de 2020 a cifra de 30,9 milhões de pessoas idosas.2

Segundo projeções da Organização Mundial de Saúde (OMS)4, em 2025, o Brasil será o sexto país do mundo com maior número de idosos. Além disto, no contingente de idosos brasileiros, tem aumentado o número de pessoas com 80 anos ou mais, alterando a composição etária dentro do próprio segmento populacional idoso.2 Neste novo cenário populacional, a redução das taxas de fecundidade e de mortalidade eleva a expectativa de vida e remete à nova configuração populacional do país. Surge assim a transição epidemiológica, caracterizada pelo declínio das doenças infecto-parasitárias e aumento das enfermidades crônicas não transmissíveis.

A inversão da pirâmide populacional acarretará grandes transformações nas estruturas da sociedade, o que repercutirá diretamente no setor saúde, que irá requerer recursos, suporte e auxílio orientado por profissionais especializados.

Vulnerabilidade e direitos do idoso

O envelhecimento é um processo comum a todos os seres vivos, sendo influenciado por fatores biológicos, psicológicos, econômicos, sociais, culturais, dentre outros. É um processo dinâmico e progressivo, no qual modificações morfológicas, funcionais e bioquímicas podem interferir na capacidade de adaptação do indivíduo ao meio social em que vive, tornando-o mais vulnerável aos agravos e doenças e comprometendo sua qualidade de vida.2

A palavra vulnerabilidade deriva do latim vulnerare = ferir, vulnerabilis = que causa lesão.5 Desse modo, o indivíduo vulnerável é aquele que pode ser ferido, afetado de forma negativa, prejudicado.

O conceito de vulnerabilidade relaciona-se com princípios da bioética como autonomia, dignidade e integridade; os princípios de dignidade, integridade e vulnerabilidade foram consagrados na Declaração Universal sobre Bioética e os Direitos do Homem, da Unesco, em 2005, complementando os princípios clássicos já consagrados pelo Relatório Belmont (1978): autonomia, beneficência e justiça.6

Pessoas vulneráveis são todas aquelas que, por quaisquer razões, tenham sua capacidade de autodeterminação reduzida e que não possuem capacidade, total ou parcial, para proteger seus interesses.5

No contexto da saúde, Ayres et al.7 apontam um modelo de vulnerabilidade constituído por três componentes interligados: o individual (comportamento pessoal), o social (contexto social) e o programático ou institucional (programas de combate às doenças). De acordo com os autores, a vulnerabilidade individual refere-se à quantidade e à qualidade de informação de que os indivíduos dispõem sobre saúde e a capacidade de operacionalizar essa informação, transformandoa em atitudes protetoras. O componente social da vulnerabilidade diz respeito ao acesso à informação, ao acesso a recursos cognitivos e materiais, a instituições sociais como escola e serviços de saúde, envolvendo também o poder de influenciar decisões políticas. Já o componente programático da vulnerabilidade refere-se ao grau e à qualidade de compromisso, recursos e monitoramento de programas de prevenção e cuidado voltados ao controle de enfermidades.

O processo de envelhecimento populacional tem sido discutido e acompanhado por medidas destinadas a proteger os idosos. No Brasil, até a década de 70, os idosos recebiam atenção quase somente de cunho caritativo de instituições como entidades religiosas e filantrópicas. O marco mundial que iniciou as discussões direcionadas aos idosos foi a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorreu na Áustria em 1982.8

Estabeleceram-se, então, princípios para a implementação de políticas para o envelhecimento sob responsabilidade de cada país. Destes princípios, destacam-se os seguintes: a estipulação da família como a unidade fundamental mantenedora e protetora dos idosos; cabe às políticas sociais prepararem as populações para os estágios mais tardios da vida; aos idosos deve ser proporcionada a oportunidade de contribuição para o desenvolvimento dos seus países, assim como a participação ativa na formulação e implementação de políticas; os órgãos governamentais, não governamentais e todos que têm responsabilidades com os idosos devem dispensar atenção especial aos grupos vulneráveis, particularmente aos mais pobres, mulheres e residentes em áreas rurais.1

No Brasil, em 4 de janeiro de 1994, foi aprovada a Lei Nº 8.842/1994, que estabelece a Política Nacional do Idoso (PNI). Esta lei tem por finalidade assegurar direitos sociais que garantam a promoção da autonomia, integração e participação efetiva do idoso na sociedade, de modo a exercer sua cidadania. Como previsto nesta lei, estipula-se o limite de 60 anos de idade ou mais para uma pessoa ser considerada idosa.1

O estatuto do idoso, sancionado em 2003, por meio da Lei Nº 1.0749 de outubro de 2003, é um dos principais instrumentos de direito do idoso no Brasil e sua aprovação representou um passo importante da legislação brasileira. O Estatuto corrobora os princípios que nortearam as discussões sobre os direitos humanos da pessoa idosa. Trata-se de uma conquista para a efetivação de tais direitos, especialmente por tentar proteger e formar uma base para a reivindicação de atuação de todos (família, sociedade e Estado) para o amparo e respeito aos idosos.

Apesar da proteção legal citada acima, a garantia dos direitos dos idosos não tem se concretizado de forma efetiva. O cumprimento e respeito aos direitos garantidos por lei dependem da cobrança organizada da sociedade civil, com destaque ao próprio idoso. É necessário reivindicá-los em todos os espaços sociais, com participação ativa do idoso pela melhoria de sua própria qualidade de vida.1

Como integrante do setor saúde, a enfermagem possui responsabilidade direta no cumprimento dos itens relacionados aos direitos de saúde do idoso. Essa categoria profissional muito tem contribuído na abordagem do cuidado em aspectos do processo de envelhecimento (capacidade funcional, independência e autonomia, fragilidade, avaliação cognitiva, engajamento social, qualidade de vida, promoção de saúde, prevenção de doenças, entre outros) e da senilidade (condições crônicas de saúde, situações de urgências e emergências, atenção domiciliar, entre outros). Entretanto, ainda há muito que se fazer para garantir uma assistência que atenda totalmente aos direitos, necessidades e peculiaridades dos idosos.1

O idoso hospitalizado está exposto a diversas facetas da vulnerabilidade, como vulnerabilidades biológicas, sociais, culturais, econômicas, entre outras, enfocando-se no presente estudo a vulnerabilidade social e programática.

Estudos comprovam que o apoio social (tanto da família quanto de redes sociais e comunitárias) é de extrema importância para a pessoa idosa.2,10,11 Égrande a expectativa dos idosos de serem cuidados por seus filhos em suas casas. No entanto, este cuidado familiar geralmente não se dá quando há rupturas no sistema de reciprocidade entre as gerações. Nesse caso, o cuidado por estranhos em casa ou em instituição de longa permanência configura-se como opção. Há evidências de que os idosos que possuem uma rede social ampla (coabitam com cônjuge, possuem amigos e participam de atividades na comunidade) possuem suporte emocional, material, afetivo e informativo e melhor qualidade de vida.11

A vulnerabilidade social do idoso decorre da diversidade de circunstâncias enfrentadas no cotidiano. Tais circunstâncias referem-se a questões culturais, sociais, econômicas, de saúde, entre outros. No Brasil, o baixo valor das aposentadorias constitui um fator de vulnerabilidade social, expondo não apenas a pessoa idosa, mas todo o grupo familiar que sobrevive com esse recurso.12

Quanto à vulnerabilidade programática, percebe-se violação aos direitos do idoso através da omissão do Estado na oferta e na avaliação de instituições que oferecem assistência aos idosos. Nas instituições hospitalares, observa-se a vulnerabilidade programática e institucional no que se refere à falta de preparo dos profissionais de saúde para orientar o idoso e o seu cuidador, principalmente no momento da alta hospitalar. Outro ponto importante é o cuidado de enfermagem domiciliar e as visitas domiciliares realizadas por enfermeiros do Programa de Saúde da Família, bem como o fornecimento de subsídios para estruturação de programas de cuidado domiciliar que atendam à demanda dos pacientes idosos.12

Tendo por base os direitos e a vulnerabilidade do usuário idoso do sistema público de saúde, pode-se pensar em mudanças possíveis para que a assistência à saúde seja mais qualitativa e humana. A visualização desses direitos permite maior respeito ao paciente (sua autonomia) e a prevalência da solidariedade crítica sobre o paternalismo.6 Como parte desse desafio, destaca-se o trabalho da enfermagem junto à população idosa, identificando problemas do idoso dentro do contexto familiar e social e efetivando ações no ensino, na pesquisa e na assistência.1

Assim, justifica-se a realização deste estudo, que objetivou caracterizar idosos hospitalizados quanto aos aspectos de vulnerabilidade social e programática.

 

METODOLOGIA

Trata-se de estudo quantitativo, transversal, prospectivo e descritivo, realizado na Enfermaria de Adultos do Serviço Técnico de Pronto-Socorro (STPS), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. Os dados foram coletados no período de maio a outubro de 2009, por meio de entrevistas e de registros de informações constantes nos prontuários, utilizando-se um instrumento de coleta de dados elaborado especificamente para o estudo. Foram incluídos na pesquisa todos os idosos (pessoas com idade igual ou superior a 60 anos) que permaneceram internados por, no mínimo, 48 horas (2 dias), na referida enfermaria, durante o período de tempo mencionado.

A pesquisadora frequentou diariamente a Enfermaria de Adultos do Pronto-Socorro, identificando os sujeitos da pesquisa para entrevista e observação. Nas situações em que a entrevista com o paciente idoso apresentou-se inviabilizada entrevistou-se o acompanhante ou familiar responsável pelo paciente. O tempo de 48 horas mínimas de internação foi estabelecido a fim de se obter tempo suficiente para encontrar e entrevistar os familiares, nos horários de visita, no caso dos idosos que apresentavam dificuldade para verbalizar ou que apresentavam quadros de confusão mental.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, conforme Ofício 14/09-CEP. Os sujeitos do estudo e/ou seus responsáveis foram devidamente esclarecidos sobre os objetivos e métodos da pesquisa e só foram entrevistados e incluídos no estudo após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 71 sujeitos, o que corresponde a 62,83% dos idosos internados na enfermaria no período em questão.Os demais indivíduos não foram incluídos por apresentarem tempo de internação inferior a 48 horas, com exceção de oito indivíduos que não foram incluídos porque não apresentavam condições para a entrevista, e os familiares não foram encontrados pela pesquisadora para serem entrevistados.

Caracterizando a amostra, 36 indivíduos (50,70%) pertenciam ao sexo masculino e 35 (49,30%), ao sexo feminino. A média de idade foi de 74,30 anos (desvio-padrão de 9,48 e mediana de 74 anos), sendo que a idade mínima encontrada foi de 60 anos e a máxima, de 107 anos. A maioria dos idosos (73,24%) tinha idade entre 60 e 79 anos, de modo que 38,03% pertenciam à faixa etária de 60 a 69 anos e 35,21%, à faixa de 70 a 79 anos, conforme Tabela 1.

O número médio de anos de estudo da amostra foi de 2,57 anos (desvio-padrão de 2,98 e mediana de 3 anos), sendo que 4 sujeitos (5,63%) foram excluídos deste cálculo devido ao fato de familiar entrevistado não ter conhecimento do número de anos de estudo do idoso. O número máximo de anos de estudo encontrado foi de 15 e o mínimo, de zero ano, sendo que 28 sujeitos (41,79%) não tinham nenhum ano de estudo (ver Tabela 1).

Quanto à profissão/ocupação que os idosos exercem ou exerciam, as mais frequentes foram: trabalhador rural (26,76%), dona de casa (16,90%), empregada doméstica (12,68%) e pedreiro (7,04%). Três idosos (4,23%) referiram que ainda trabalham, não estando aposentados. Os demais 68 encontram-se aposentados. Destes, 59 (86,76%) recebem aposentadoria da previdência social, os demais dependem da renda do cônjuge ou são viúvos e recebem pensão por ter cônjuge falecido.

Com relação ao estado civil, 28 idosos (39,44%) encontravam-se casados, 28 (39,44%) viúvos, 6 (8,45%) solteiros, 5 (7,04%) divorciados e 4 (5,63%) vivendo em união estável com o parceiro. O número médio de filhos por indivíduo foi de 3,65 (desvio-padrão de 2,69 e mediana de 3,00 filhos); o número mínimo encontrado foi de nenhum filho (zero) e o maior foi de 13 filhos. A maioria das pessoas (56,40%) possuía entre 1 e 4 filhos (Tabela 1).

Quanto à religião, a maioria dos sujeitos (77,46%) declarou-se católica, e 15,49% evangélicos, 1 pessoa (1,41%) declarou-se adventista do 7º dia e 4 (5,63%) afirmaram não serem adeptos de nenhuma religião, contudo não se consideraram ateus. Dentre os 67 idosos que referiram seguir alguma religião, 23 (34,33%) referiram frequentar esporadicamente os cultos/missas de sua religião, 11 (16,42%) referiram frequência mensal e 19 (28,36%), frequência semanal. Dez indivíduos (14,93%) relataram ser praticantes de uma religião, porém não possuem condição física para ir às reuniões religiosas e 4 sujeitos (5,97%) definiram-se como não praticantes, ou seja, possuem religião mas não frequentam os cultos/missas.

Quanto à(s) pessoa(s) com quem residiam, 20 pessoas (28,17%) residiam com filho(s), 16 (22,56%) com cônjuge, 14 (19,74%) com cônjuge e filho(s), 5 (7,04%) moravam sozinhos, 2 (2,82%) moravam com acompanhante pago (cuidador contratado) e 2 (2,82%) em casa de repouso. Os 12 restantes (16,92%) residiam com outros familiares, sendo que 5 moravam com irmã, 5 com neta, 1 com a mãe, e 1 com o sobrinho.

Verificou-se ainda que 32 indivíduos (45,12%) moravam em residência oferecida pela família, 17 (23,97%) idosos ofereciam moradia a algum familiar e em 22 casos (31,02%) o idoso não oferecia moradia, mas também não morava em residência oferecida pela família, ou seja, possuía casa própria e residia sozinho ou apenas com o cônjuge. Com relação a auxílio financeiro, 28 idosos (39,44%) recebiam ajuda financeira da família, 13 (18,31%) forneciam ajuda a algum familiar, 25 (35,21%) não recebiam e nem ofereciam auxílio financeiro e 5 (7,04%) recebiam ajuda, mas também ofereciam.

Quanto aos vínculos com serviços de saúde, 61 indivíduos (85,92%) frequentavam algum serviço de acompanhamento do estado de saúde (consultas de rotina), os outros 10 (14,08%) procuravam os serviços de saúde apenas quando apresentam algum sinal ou sintoma. Dentre estes 10, duas pessoas justificaram que não frequentam este tipo de serviço porque residem em sítio/fazenda em região não inclusa na área de abrangência das Unidades Básicas de Saúde de seu município e não dispõem de condução para ir até o serviço. Os outros 8 afirmaram não ver necessidade do acompanhamento de rotina.

Dentre os que frequentavam rotineiramente algum serviço de saúde, a maioria (60,66%) frequentava Unidade Básica de Saúde (UBS) em seu município de origem, os demais frequentavam ambulatório(s) da Faculdade de Medicina de Botucatu e/ou consultório(s) particular(es).

Dentre os 71 idosos incluídos no estudo, apenas 8 (11,27%) frequentavam alguma associação comunitária ou recurso de lazer social, sendo que os locais citados por estes oito foram: clube de dança ("baile"), clube de pesca, clube de futebol, grupo de pacientes com câncer, clube de idosos "Terceira Idade", grupo de idosos da UBS, Clube de jogos. Apenas um paciente referiu frequentar mais de uma associação e todos os 8 sujeitos que referiram frequentar estes locais pertencem ao sexo masculino.

Com relação ao destino do paciente ao final da internação, 49 pessoas (69,01%) receberam alta hospitalar, 11 (15,49%) foram a óbito e os outros 11 (15,49%) foram transferidos para outras unidades de internação do hospital. Quanto aos pacientes que tiveram alta hospitalar, 36 deles (73,47%) receberam alta sem necessidade de cuidados como: sonda nasoenteral, oxigênio domiciliar, mudanças de decúbito, banho de leito, entre outros. Os outros 13 sujeitos (26,53%) apresentaram algumas dessas necessidades, e, com a alta, tais cuidados passaram a ser de responsabilidade da família. Dentre estes, quatro não receberam nenhum encaminhamento e nem foi feita contrarreferência para a unidade de origem, oferecendo-se ao paciente/família apenas orientações no momento da alta.

 

DISCUSSÃO

Corroborando os censos e projeções que indicam um crescimento cada vez maior do segmento idoso da população, os idosos representaram mais da metade do total de internações da Enfermaria de Adultos no período referido. A distribuição quanto ao sexo mostrou-se homogênea, com leve predominância do sexo masculino.

A média do número de anos de estudo foi baixa, encontrando-se uma grande porcentagem de analfabetos. Pires e Silva13 relatam que antigamente o estudo não era valorizado socialmente. A escolarização era difícil tanto para homens quanto para as mulheres, uma vez que os homens assumiam muito cedo o sustento da família, e as mulheres dividiam suas atribuições entre o trabalho na lavoura e os cuidados da casa e dos filhos. Essa tendência cultural reflete o baixo índice de escolarização entre as pessoas idosas. Contudo, o baixo grau de instrução, quando associado às condições econômicas precárias e à dificuldade de acesso à rede de suporte, pode trazer dificuldades no autocuidado e no gerenciamento dos problemas de saúde pelo idoso e por sua família, acarretando a institucionalização.

Em estudo realizado com o objetivo de identificar indivíduos octogenários em diferentes contextos de vulnerabilidade, verificou-se a existência de menos octogenários nos contextos de alta vulnerabilidade social - escolaridade e renda precárias - comparado ao número de indivíduos vivendo nos contextos de vulnerabilidade muito baixa. Isso pode ser explicado pela relação que há entre expectativa de vida e nível socioeconômico. Assim, poucos indivíduos vivendo em situação de alta vulnerabilidade social conseguem atingir a idade de 80 anos.14

A baixa escolaridade também se mostra associada às profissões/ocupações referidas pelos sujeitos, ou seja, encontramos predominantemente profissões que não requerem escolarização, como trabalhador rural, empregada doméstica e pedreiro.

A maioria dos indivíduos encontra-se aposentada ou são pensionistas (principalmente no caso das mulheres viúvas). Pela dificuldade de inserção no mercado de trabalho, os idosos constituem uma parcela da população bastante vulnerável ao estado de pobreza, dependendo significativamente de outras fontes de renda, principalmente da aposentadoria. Além disso, tendem a apresentar maior instabilidade em sua estrutura de gastos, principalmente devido ao surgimento de despesas com a saúde. Apesar de a aposentadoria representar a garantia de direitos e de inclusão social, apresenta valores que não permitem o atendimento adequado das necessidades de sobrevivência, sobretudo para aqueles que envelhecem com doenças e incapacidades, já que 70% dos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) recebem um salário mínimo por mês.15

O número médio de filhos por indivíduo foi de 3,65. Nas últimas décadas tem ocorrido, cada vez mais, um declínio nas taxas de fecundidade, o que, em parte, é decorrente do processo de urbanização e das crises econômicas, as quais agravam as condições de vida de famílias numerosas. Os dados demográficos têm demonstrado que as famílias geram cada vez menos filhos, fato que, em um futuro próximo, poderá constituir em dificuldade para o cuidado familiar ao idoso.16

Em nossa sociedade, culturalmente é esperado que, na velhice dos pais, os filhos ou os demais integrantes da família assumam a responsabilidade pelos seus cuidados, mas nem sempre isso ocorre. Em determinadas situações, a capacidade da família para o cuidado apresenta-se comprometida ou fragilizada, muitas vezes nenhum dos familiares deseja assumir a responsabilidade do cuidado para com o idoso, então a institucionalização passa a ser vista como uma solução para o problema.10

Ainda, com relação à moradia, em muitos dos casos, não é o idoso quem mora com o familiar, e sim o familiar quem mora com o idoso, uma vez que a residência pertence ao idoso e, às vezes, este provê o seu próprio sustento e também o de outros familiares.

A religião pode representar um meio de suporte social, uma vez que a pessoa se relaciona com outras, cria vínculos de amizade e de auxílio mútuo. Contudo, muitos dos sujeitos desse estudo referiram uma frequência esporádica às reuniões religiosas ou incapacidade física de frequentá-las, o que tende a diminuir a efetividade deste tipo de apoio social.

Apenas 8 dos 71 idosos frequentam alguma associação comunitária ou recurso social de lazer e todos eles pertencem ao sexo masculino. Há uma grande parcela da população idosa que se afasta de todas as relações sociais e fica restrita ao espaço do lar, situação que favorece a ocorrência de isolamento e solidão.11 Muitas mulheres tendem a se apegar na religião com único meio de relação social extradomiciliar, principalmente após a viuvez.

Estudos mostram que o rompimento de vínculos sociais altera as defesas orgânicas, deixando as pessoas mais susceptíveis à doença. Atualmente, uma das formas que tem se mostrado eficaz para congregar e assistir o grupo populacional idoso é por meio dos grupos de terceira idade, que constituem espaço de socialização, interação e valorização, promovendo a autonomia e a cidadania desses sujeitos.11

Com relação ao apoio familiar apresentado durante o período de internação do idoso, vale lembrar que oito idosos foram excluídos do estudo porque os familiares não foram encontrados durante o período de internação para serem entrevistados. Alguns dos idosos que foram incluídos no estudo também não receberam visitas durante o período de internação. O papel de solidariedade desempenhado pela família na hospitalização do idoso é fundamental, muitas vezes ajudando-o a lidar melhor com a doença e com os sentimentos que ela causa.17

Além disso, também é muito importante o papel de solidariedade desempenhado pela equipe de saúde. O cuidado de enfermagem ao idoso hospitalizado deve envolver, além do cuidado físico, um apoio emocional, um canal aberto de comunicação, ações centradas na família, favorecendo o vínculo com o idoso durante o período de internação e incentivando o comportamento de independência e autonomia. A população idosa representa uma clientela cada vez mais presente nos serviços de saúde, daí precisarmos aprender a cuidar das peculiaridades envolvidas e nos conscientizarmos da fonte benéfica que a comunicação interpessoal constitui.18

Quanto aos indivíduos que receberam alta hospitalar apresentando características e/ou equipamentos que necessitam de cuidados específicos, vale lembrar que os cuidados que parecem tão simples para a equipe de saúde geralmente assustam a família, que passa a ter medo de levar o familiar para casa e não conseguir prestar os cuidados devidos. Desse modo, a contrarreferência para a UBS que acompanha o paciente ou o encaminhamento para um serviço de saúde que possa ajudar o paciente e a família mostram-se essenciais, principalmente nestes casos que sugerem cuidados de saúde específicos a serem realizados pela família. No entanto, muitos profissionais ainda acreditam que as orientações fornecidas rapidamente no momento da alta e um retorno bimestral são suficientes para suprir as necessidades do paciente e da família enquanto cuidadora.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto à vulnerabilidade social, verificaram-se poucos anos de estudo formal, alguns indivíduos não possuem acesso a um serviço público para acompanhamento do seu estado de saúde, poucos indivíduos frequentam alguma associação comunitária ou outra atividade de lazer, o que favorece o processo de isolamento social. Alguns idosos não receberam visitas durante o período de internação. Além disso, há um grande destaque para a vulnerabilidade socioeconômica, uma vez que os valores de aposentadorias e pensões fornecidas a muitos dos idosos não são suficientes para atender suas necessidades e às vezes eles ainda ajudam financeiramente algum familiar.

Como o paciente idoso necessita de significativo suporte social, as associações solidárias, como o voluntariado, podem ser de grande importância para melhorar as condições de saúde e romper o isolamento individual. Nesse caso, a disponibilidade de apoio solidário pode aumentar a vontade de viver e a autoestima do paciente, contribuindo com o sucesso do tratamento.

Quanto ao componente programático e institucional, percebe-se um despreparo dos profissionais de saúde e dos cuidadores leigos que prestam cuidados aos idosos, principalmente no que diz respeito aos cuidados referentes à alta hospitalar. Em consonância, programas específicos de acompanhamento do idoso fragilizado praticamente inexistem. As políticas públicas existem, mas não são colocadas em prática, assim como serviços que não oferecem qualidade no atendimento da demanda constituindo-se em elementos de vulnerabilidade programática e institucional para a população idosa. O processo de envelhecimento traz consigo algumas implicações que requerem políticas públicas ao longo do mesmo, no sentido de assegurar aos indivíduos acesso à saúde, transporte, moradia, alimentação, dentre outros.

Assim, quanto maior o grau de compromisso, a qualidade, os recursos, a gerência e o monitoramento de programas de promoção da saúde, prevenção de agravos e de cuidado ao idoso, maiores serão as chances de canalizar os recursos sociais, otimizar seu uso e identificar a necessidade de outros recursos.

Urge que o cuidado integralizado seja uma realidade no atendimento do idoso, respeitando-se a velhice e seu processo e utilizando uma abordagem individual centrada na pessoa, e não na doença. A especificidade quanto à população idosa está em atentar para suas vulnerabilidades, sua autonomia e minimização de sua dependência.

 

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Recebido em 03/03/2010
Reapresentado em 27/09/2010
Aprovado em 17/10/2010

 

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