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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 14, Número 2, Abr/Jun - 2010

PESQUISA

 

Condições de trabalho da enfermagem nas enfermarias de um hospital universitário

 

Working conditions of the nursing team in the patient wards of a university hospital

 

Condiciones de trabajo del equipo de enfermería en las salas de enfermos de un hospital universitario

 

 

Maria Yvone Chaves MauroI; Andréia Fontes da PazII; Carla Christina Chaves MauroIII; Michely Alexandrino de Souza PinheiroIV; Viviane Gomes SilvaV

I Enfermeira do Trabalho/Ergonomista. Profa Titular da FENF/UERJ. Brasil. E-mail: mycmauro@uol.com.br
II Enfermeira do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Mestranda da FENF/UERJ. Brasil. E-mail: afontespaz@gmail.com
III Arquiteta/Enga Segurança do Trabalho/Ergonomista. Mestre em Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ. Brasil. E-mail: carlamauro@uol.com.br
IV Acadêmica de enfermagem da FENF/UERJ. Bolsistas PIBIC/CNPQ. Brasil. E-mail: michelyale@gmail.com
V Acadêmica de enfermagem da FENF/UERJ. Bolsistas PIBIC/CNPQ. Brasil. E-mail: vivigms@gmail.com

 

 


RESUMO

Trata-se de um estudo que aborda a temática do trabalho de enfermagem e tem como foco a percepção dos trabalhadores de enfermagem sobre as suas condições de trabalho. O estudo é do tipo não experimental, com abordagem quantitativa. O objetivo deste artigo é identificar e discutir as condições de trabalho dos trabalhadores de enfermagem nas enfermarias de um Hospital Universitário (HU). Utilizou-se como campo um HU do Estado do Rio de Janeiro, com uma amostra constituída de 296 trabalhadores de enfermagem, no ano de 2008. Nos resultados, foram indicados os fatores de riscos biológicos, físicos, ergonômicos e químicos. Conclui-se que as condições de trabalho são inadequadas e desfavorecem a saúde dos trabalhadores de enfermagem. Este estudo permite ao trabalhador e à instituição discutir o meio ambiente ocupacional e propor mudanças no processo de trabalho.

Palavras-chave: Condições de Trabalho. Saúde do Trabalhador. Riscos Ocupacionais.


ABSTRACT

The present study addresses the issue of the work performed by the nursing team and it is focused on the perception the nursing staff has of their working conditions. This research is a non-experimental investigation, with a quantitative approach. The objective of this paper is to identify and discuss the working conditions of the nursing staff in charge of the patient wards of a University Hospital (UH, Portuguese acronym). The research field was a University Hospital in Rio de Janeiro, and it was conducted with a sample group of 296 nursing employees in the year of 2008. Among the results, biological, physical, ergonomic and chemical factors were highlighted. We conclude that the working conditions are inadequate and adverse to the health of the nursing staff.

This study gives the employee and the institution elements to discuss the occupational environment in order to propose changes in the work process.

Keywords: Working conditions. Occupational Health. Occupational risks.


RESUMEN

El presente estudio aborda el tema del trabajo realizado por el equipo de enfermería y se centra en la percepción que estos profesionales tienen sobre las condiciones laborales bajo las cuales desarrollan su actividad. Este estudio es una investigación de tipo no - experimental, de enfoque cuantitativo. El objetivo de este artículo es identificar y discutir las condiciones de trabajo del equipo de enfermería encargado de las salas de enfermos de un hospital universitario (UH, siglas en portugués). El campo de investigación fue un hospital universitario de Río de Janeiro y se llevó a cabo con un grupo muestra de 296 trabajadores de enfermería en el año de 2008. De entre los resultados, se subrayaron los siguientes factores: biológicos, físicos, ergonómicos y químicos. Se concluyó que las condiciones de trabajo son inadecuadas y adversas para la salud de los trabajadores de enfermería.

Este estudio permite a los empleados y la institución discutir el entorno ocupacional con el objetivo de proponer cambios y mejoras al proceso de trabajo.

Palavras chave: Condiciones de trabajo. Salud Laboral. Riesgos ocupacionales.


 

 

INTRODUÇÃO

Trata-se de um estudo que aborda a temática do trabalho de enfermagem e tem como foco a percepção dos trabalhadores de enfermagem sobre as suas condições de trabalho.

Este estudo emergiu a partir dos resultados de uma dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2009, em que os trabalhadores de enfermagem indicaram problemas relacionados à suas condições do trabalho, a partir de sua percepção.

Esta pesquisa integra-se ao projeto: Inovação de Gestão das Condições de Trabalho em Saúde para Hospitais do Sistema Único de Saúde SUS/BRASIL, da Linha de Apoio: 1.2. do Edital MCT/CNPq/ MS-SCTIE-DECIT nº023/2006, que se insere entre os demais projetos na linha temática: "Estudos sobre as formas de Gestão do Trabalho (riscos) em Saúde". Pretende-se com este estudo contribuir para o estabelecimento de um modelo de aplicação de metodologia inovadora de avaliação de riscos no trabalho hospitalar.

O objetivo deste estudo é identificar e discutir as condições de trabalho dos trabalhadores de enfermagem em enfermarias de um Hospital Universitário (HU).

Tem-se como hipótese que as condições de trabalho são inadequadas para os trabalhadores de enfermagem nas enfermarias do HU, e sabe-se que as condições de trabalho são determinantes para o processo saúde-doença dos trabalhadores.

Condições de trabalho são definidas como o conjunto de elementos e circunstâncias de caráter material, psíquico, biológico e social que, influenciados e determinados por vários fatores de ordem econômica, técnica e organizacional, se inter-relacionam e interatuam, constituindo o meio e a forma em que se desenvolve a atividade laboral.1.

As condições de trabalho nas instituições públicas vêm se evidenciando como desfavoráveis à saúde dos profissionais de saúde. A crise no sistema de saúde brasileiro, principalmente nas organizações hospitalares públicas, não é novidade, e está associada à conjuntura econômica do país e ao descaso dos gestores públicos em relação à administração da saúde. A gravidade deste problema aumentou após a reforma do Estado, tendo em vista que esta definiu como diretrizes básicas a redução de despesas, principalmente do quantitativo de funcionários públicos (responsabilidade fiscal), propiciando, dentre outros, efeito imediato na política de recursos humanos em saúde, que trouxe dificuldades assistenciais e gerenciais, afetando diretamente o quantitativo de pessoal nas instituições hospitalares.2

Mundialmente, os trabalhadores da saúde constituem uma categoria profissional numerosa e diversificada que precisa ser valorizada. No entanto, inversamente a outros meios de trabalho, o sistema de saúde tem demonstrado tardiamente seu interesse pelos conteúdos de cargas de trabalho, obrigações e riscos a que estão expostos os trabalhadores, bem como sua capacidade de suportar as dificuldades decorrentes da atenção àqueles que são objeto de seu cuidado. Além disso, existe uma grande necessidade de humanizar o trabalho do profissional para obter, consequentemente, uma boa atenção aos clientes, objeto de sua responsabilidade, mas, para isto é imperioso uma atenção especial à sua própria saúde, que precisa ser valorizada.3

O estudo das condições de trabalho permite ao trabalhador e às instituições de saúde identificar os problemas e, por meio da discussão destes, propor mudanças no processo de trabalho, o que contribuirá para a melhoria das condições de trabalho, influenciando, assim, na promoção da saúde e na prevenção de doenças nos trabalhadores de enfermagem.

Neste sentido, acredita-se que esse estudo pode contribuir para compreender melhor o processo de trabalho de enfermagem e a saúde do trabalhador de enfermagem, suscitando discussões com gerentes e trabalhadores, para implementar mudanças no processo de trabalho que favoreçam a saúde destes e melhor qualidade na assistência.

O presente estudo também visa à produção de conhecimentos relativos às condições de trabalho dos trabalhadores de enfermagem.

 

REVISÃO DE LITERATURA

O trabalho se materializa através do processo de trabalho que engloba as condições objetivas, como os instrumentos e materiais utilizados e as condições subjetivas, que compreendem as aspirações, desejos e possibilidades exercitadas pelo trabalhador de acordo com o significado e o sentido que o trabalho adquire em sua vida.4

As transformações ocorridas nas últimas décadas no mundo do trabalho têm repercutido na saúde dos indivíduos e do coletivo de trabalhadores. A intensificação laboral é traço característico da atual fase do capitalismo. A insegurança gerada pelo medo do desemprego faz com que as pessoas se submetam a regimes e contratos de trabalho precários, percebendo baixos salários e arriscando sua vida e saúde em ambientes insalubres, de alto risco.5

O trabalho é determinante da construção e desconstrução da saúde. Ele se torna nocivo quando a organização do trabalho constrange o trabalhador e reduz suas possibilidades de construção da saúde, que é dependente das possibilidades que o trabalhador tem para evitar os riscos, atenuá-los ou eliminá-los durante a realização de suas tarefas.6

A saúde do trabalhador reflete no seu trabalho cotidiano e o trabalho influencia a sua saúde. Entre uma pessoa e seu ambiente de trabalho material, psicológico e social, existe uma interação permanente que pode influenciar positivamente ou negativamente na saúde dessa pessoa, uma vez que o bem-estar físico e mental do trabalhador interfere na sua produtividade.7

Os determinantes da saúde do trabalhador compreendem os condicionantes sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais responsáveis pelas condições de vida e os fatores de risco ocupacionais que estão presentes nos processos de trabalho. Por isso, as ações de saúde do trabalhador têm como foco as mudanças nos processos de trabalho que contemplem as relações saúde-trabalho em toda a sua complexidade.8

O meio ambiente de trabalho é tudo o que está relacionado às condições físicas, químicas, biológicas e ambientais, que podem produzir fatores condicionantes sobre as atividades dos trabalhadores.9. Logo, quando se fala das condições de trabalho, não se refere apenas às condições físicas (calor, ruído, postura, iluminação, etc.), mas também às condições sociais do trabalho, a vida social, o salário e as perspectivas do trabalhador.

Na maioria das vezes é o contrato de trabalho que define as condições de trabalho, compreendendo a carga horária, a jornada, as atividades, a remuneração e outros aspectos. Entretanto, existem aspectos que não estão implícitos no contrato de trabalho, como as tensões, cobranças, o clima organizacional que o trabalhador vai desvendando no seu dia-a-dia de trabalho.

No meio ambiente laboral, a vida do trabalhador sofre a influência do processo de trabalho em vários aspectos de ordem social, como organização do trabalho, distâncias da residência, constrangimentos do trânsito, inexistência de creches, responsabilidade exagerada do cargo, despersonalização das relações entre trabalhador e patrão, apreensão ante a possibilidade de demissão ou aproximação da aposentadoria, redução de gastos da empresa (situação econômica), provocando sensação de fadiga e aborrecimentos.10

Destacam-se como condições inadequadas de natureza física a temperatura, umidade, iluminação e audição; as de natureza química, a presença de substâncias nocivas que contaminam o meio ambiente; as de natureza biológica, os micro-organismos patogênicos, muito comuns no ambiente de atuação dos trabalhadores da saúde, os quais habitualmente se alienam desta realidade. Considera ainda a presença de fatores ergonômicos relacionados ao trabalho em turnos, o trabalho monótono e repetitivo e adoção de posturas inadequadas; enfim, uma série de condições que exigem muito esforço de adaptação do trabalhador e que na maioria das vezes são ignoradas pela empresa e pelo próprio trabalhador.10

Nas últimas décadas, a assistência à saúde tornou-se cada vez mais sofisticada, complexa, exigindo mais equipamentos, profissionais mais capacitados, o que leva à consequente elevação dos custos dos procedimentos. Em contraponto, há a redução das receitas, corte dos recursos humanos, provocando a sobrecarga das atividades dos profissionais de saúde. A distância entre as duas pontas do processo é tão grande que cada um passa a ver apenas a sua atuação, a sua necessidade e a sua realidade.11

A assistência de enfermagem nas instituições públicas, em geral, tem sido penalizada com a deficiência dos recursos humanos e materiais, o que interfere diretamente na qualidade da assistência prestada à população, gerando insatisfação nos profissionais que se sentem impotentes e frustrados com a situação.12

O contexto social, político e econômico interfere na organização e na regulação das relações de trabalho e, consequentemente, nas políticas de recursos humanos das organizações, fazendo com que seus gestores, na tentativa de equacionar seus problemas financeiros, optem pela redução do quantitativo de recursos humanos ou pela adoção de medidas de flexibilização das relações de trabalho, também para o trabalho dos profissionais de saúde.13

 

METODOLOGIA

Estudo do tipo não experimental, com abordagem quantitativa, apoiado na ergonomia, epidemiologia e bioestatística.

O presente estudo foi desenvolvido em um Hospital Universitário (HU) de grande porte, com cobertura assistencial estimada de um milhão de habitantes, considerado centro de excelência e referência para o Estado na área de ensino e saúde. Situa-se na zona norte domunicípio do Rio de Janeiro, fazendo parte da rede de serviços de saúde da Área Programática 2.2. Funciona com 600 leitos e 16 salas cirúrgicas, segundo informação da direção do hospital.

Definiu-se como local do estudo enfermarias do HU, as quais compõem ambientes de assistência e ensino, destinados a internações de pacientes de baixa e média complexidade, com a finalidade de diagnósticos e tratamentos.A população deste estudo foi constituída pelos trabalhadores de enfermagem do HU que atuam em enfermarias. Para realização do estudo utilizou-se uma amostra estratificada constituída de diferentes categorias e serviços de enfermagem do HU, com a intenção de tornar mais uniforme e fidedigna a amostra representativa dos trabalhadores de enfermagem.

Participou do estudo um total de 296 trabalhadores, sendo 37 enfermeiros, 98 técnicos e 161 auxiliares. A amostragem foi realizada por conveniência, convidando todos os trabalhadores que estavam presentes nos setores durante os dias de coleta de dados para participar da pesquisa, respeitando os critérios de inclusão e exclusão, a seguir:

Critérios de inclusão: ser trabalhador de enfermagem de ambos os sexos, atuantes, pelo menos há 6 meses, nas enfermarias do Hospital, e aceitar participar da pesquisa.

Critérios de exclusão: ser trabalhador de enfermagem que atua nos serviços excluídos deste estudo, ou encontrar-se de férias ou licença durante o período de coleta de dados, e aqueles que se recusaram participar da pesquisa.

O instrumento de coleta de dados é composto de questionários que foram desenvolvidos a partir dos Guias de Avaliação de riscos nos lugares de trabalho em indústria, criado por Boix e Vogel e adaptado por Mauro.3

A coleta de dados aconteceu no período de maio a setembro de 2008 e teve a participação de acadêmicos de enfermagem, como bolsistas de iniciação científica PIBIC e CNPq da orientadora deste estudo e treinados para esta pesquisa por uma consultora de ergonomia.

Os dados coletados foram inseridos pelos acadêmicos em um banco de dados, no Programa Statical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 12.0, sob supervisão de um consultor de estatística do projeto matriz. Utilizou-se a análise descritiva dos dados, com emprego de estatística simples e utilização de uma escala de Likert com o objetivo de classificar a frequência e identificar os reais problemas, que fazem parte do cotidiano desses trabalhadores de enfermagem. Assim sendo, consideraram-se realmente existentes os fatores classificados pelos trabalhadores como "sempre" e "frequentes". Os dados coletados são apresentados em gráficos e tabelas e discutidos a partir da literatura existente.

Atendendo às determinações da Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996, do Ministério da Saúde, o projeto desta pesquisa foi entregue e aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa de um Hospital Universitário com o número do protocolo de aprovação nº 2011-CEP/HUPE.

Foram respeitados os direitos dos trabalhadores em querer ou não participar deste estudo, e foi entregue, antes da aplicaçãodos instrumentos, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi assinado pelo respondente e pesquisador em duas vias, conforme orienta a Resolução nº 196.

Ressalta-se que foi garantido o anonimato dos participantes da pesquisa e que estes não seriam prejudicados a partir das informações obtidas nesta pesquisa.

 

RESULTADOSE DISCUSSÃO

Caracterização sociodemográfica e profissional da amostra

O resultado da caracterização da amostra foi agrupado no Quadro 1 para melhor compreensão dos dados.

Quanto ao perfil sociodemográfico da amostra, destaca-se que a maioria é do sexo feminino (81,6%), na faixa etária adulta entre 40 e 49 anos (48,6%) e casada (50,7%). Estes aspectos, somados, podem sinalizar um aumento das responsabilidades e atividades diárias, uma vez que na sociedade atual a mulher ainda tem de se dividir entre o trabalho e a responsabilidade de cuidar das tarefas domésticas e familiares, gerando uma dupla jornada de trabalho, que sobrecarrega a trabalhadora de enfermagem.

Estudos apontam um grande número de mulheres que vivem a complexidade de serem mães e profissionais de enfermagem, ressaltando que conciliar a atividade remunerada com o cotidiano familiar nem sempre é uma tarefa simples. Essa dupla jornada de trabalho é causa de cansaço e estresse, sobrecarregando a mulher com o acúmulo de funções.12

Quanto ao perfil profissional, destaca-se que a maioria dos trabalhadores está na categoria de auxiliar de enfermagem ou técnico de enfermagem, que somados representam 87,5% da amostra, o que destaca que a divisão técnica do trabalho da enfermagem neste hospital tem como característica uma maior concentração do nível médio e técnico, trazendo repercussões para o processo de trabalho desses trabalhadores.

Em relação ao contrato de trabalho, observa-se que a maioria é estatutário estadual (63,3%) como seria esperado, uma vez que se trata de uma instituição pública. No entanto, nota-se que cerca de 30% são contratos temporários, o que reflete uma precarização do vínculo de trabalho, presentes inclusive em instituições públicas.

Destaca-se que quase a metade, cerca de 47% dos trabalhadores, apresenta mais de um vínculo empregatício, o que justifica o sofrimento decorrente do aumento da sobrecarga de trabalho do profissional. Quando questionados em relação à carga horária na unidade em estudo, observa-se que a maioria realiza 30 horas semanais, que se somadas a outras unidades (quando existe outro vínculo), podem chegar a 60 horas e até 70 horas semanais, refletindo mais uma vez uma sobrecarga de trabalho.

Alguns estudos apontam que a sobrecarga de trabalho e o pouco tempo destinado ao descanso são situações que comprometem também a saúde mental do trabalhador de enfermagem, podendo acarretar problemas pessoais, nas relações interpessoais e no desempenho de suas atividades profissionais.5,22

Quanto à renda salarial, observa-se que a maioria, 63,3%, recebe até 5 salários mínimo, apesar de um grande número possuir duplo vínculo empregatício. Neste sentido, a remuneração insuficiente pode ser responsável pela necessidade de manter outro vínculo de trabalho, o que é possível na profissão, uma vez que esta atua nas 24 horas e permite conciliar o trabalho em turnos diferentes (diurno e noturno); isso leva o trabalhador a sacrificar seus horários de descanso e lazer para manter mais de um emprego. Entretanto, essa prática sobrecarrega o trabalhador de enfermagem, gerando danos físicos e psicossociais ao seu corpo.

As condições de trabalho nas enfermarias

Para avaliar as condições de trabalho, utilizaram-se como modelo os Guias de Avaliação de riscos nos lugares de trabalho em indústria, criados por Boix e Vogel. É utilizada uma versão para aplicação em unidades de saúde, adaptada por Mauro3, empregando uma escala de Likert, que considerou existentes os fatores classificados pelos trabalhadores como "sempre" e "frequentemente".

O Gráfico 1 retrata a realidade pesquisada.

Os problemas observados com maior frequência no ambiente de trabalho foram agrupados de acordo com os riscos ocupacionais, apresentando-se em ordem decrescente os riscos biológicos, seguidos dos riscos físicos, ergonômicos e químicos.

Os riscos biológicos foram evidenciados através do risco de contrair infecção/doença (71,3%), exposição a riscos biológicos (53,1%), exposição ao vírus da hepatite (50,2%), exposição ao vírus HIV (49,1%), falta de equipamentos de proteção individual (50%).

O contato do trabalhador de enfermagem com sangue, secreções e materiais contaminados expõe este grupo aos riscos biológicos diariamente. Para a proteção destes trabalhadores, é necessário programar e adotar medidas de precaução padrão por meio do uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) (luvas, capotes, máscaras, óculos, gorro, etc), sempre que necessário, independentemente do diagnóstico do paciente. Outras medidas específicas devem ser tomadas, de acordo com o modo de transmissão da doença, diante de diagnósticos prévios e através de EPI específicos conforme recomendações do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, Atlanta, EUA (CDC/Center of Disease Control and Prevention).

Um estudo desenvolvido em uma unidade de internação também apontou como situação de risco elevado: a exposição a agentes biológicos e a necessidade de atender a várias tarefas ao mesmo tempo. Os trabalhadores revelaram adotar comportamentos preventivos recomendados. No entanto, para os casos de descumprimentos, alegaram a não disposição dos meios necessários, a complexidade de tais normas ou o desconhecimento de todas as medidas a tomar, o que leva à necessidade de considerar a importância das variáveis estruturais e organizacionais (cursos de formação, dotação de mais recursos e meios que ajudem a colocar em prática tais medidas de segurança).14

Neste sentido, considera-se importante para os trabalhadores de enfermagem desse estudo promover atualização sobre as medidas de precaução padrão e específicas, por meio de cursos de formação. No entanto, devem-se disponibilizar recursos materiais e humanos para realização adequada das medidas de proteção.

Os riscos físicos se destacaram pela má distribuição do espaço físico (53,9%), ordem e limpeza insuficientes (36,9%), ventilação insuficiente/inadequada (38,9%), iluminação insuficiente (37,9%) e exposição a ruído (30,8%).

Estudos destacam a presença do risco físico no ambiente hospitalar, por variáveis como a iluminação, o ruído ou as vibrações e as altas temperaturas.14

Neste sentido, os trabalhadores de enfermagem e a gerência devem discutir e planejar a estrutura física hospitalar, visando melhorar o meio ambiente de trabalho, minimizando danos para o trabalhador e melhorando o resultado do seu trabalho.

Os riscos ergonômicos foram evidenciados por alguns fatores organizacionais, como recursos insuficientes para realizar o trabalho (53,5%), ritmo de trabalho acelerado (44,1%), e, associados à classificação "às vezes", atingem cerca de 72% da amostra. Ainda, nos riscos ergonômicos, aparece o esforço físico, que produz fadiga (50,5%), manipulação de cargas pesadas (41,4%), posturas forçadas para realização de alguma tarefa (49%); este último fator quando somado à classificação "às vezes", chega a apresentar 78%.

O ritmo laboral frenético da enfermagem contribui significativamente para o desgaste psíquico no ambiente hospitalar, interferindo no processo saúde-doença, e conduzindo-os ao adoecimento físico e/ou psíquico. Chama-se atenção para citações de alterações como: irritabilidade, ansiedade, tristeza, insônia, frustração, hipertensão, taquicardia e modificação do fluxo menstrual, decorrentes do ritmo de trabalho.15

Na maioria das vezes, esse ritmo intenso da enfermagem se deve ao acúmulo de funções, em virtude da inadequação dos recursos humanos e materiais, que exige do trabalhador uma energia muito maior para desenvolver as suas atividades, gerando uma sobrecarga com repercussões físicas e psíquicas em seu corpo.

Os fatores ergonômicos, como a repetição de movimentos, manutenção de posturas inadequadas por tempo prolongado, esforço físico, fatores organizacionais e psicossociais, e outros fatores, quando associados à intensidade, duração e frequência, podem concorrer para o surgimento de Lesões por Esforços Repetitivos (LER)/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT).8.

Um estudo de revisão sobre trabalho de enfermagem e distúrbios musculoesqueléticos evidenciou um crescimento do adoecimento muscoesquelético do trabalhador de enfermagem, que tem como fator de risco a inadequação das condições de trabalho.16

Vários autores enfatizam que grande parte das agressões à coluna vertebral em trabalhadores de enfermagem está relacionada com fatores ergonômicos inadequados de mobiliários, posto de trabalho e equipamentos, além de falta de treinamento e de pessoal, que envolvem fatores ambientais e organizacionais.14,16

O risco químico caracterizou-se pelo risco com substâncias químicas (36,2%). Nesse sentido, sabe-se que, no ambiente hospitalar, o trabalhador de enfermagem se expõe ao risco químico pelo contato com medicamentos, inclusive antibióticos e quimioterápicos. Além disso, encontra-se um grande número de substâncias tóxicas utilizadas para limpeza e desinfecção dos ambientes hospitalares e outros fins.

Observa-se, neste estudo, que, segundo a percepção dos trabalhadores, todos os fatores de risco foram encontrados, mas em diferentes intensidades. Neste sentido, os fatores de riscos que menos apareceram foram em ordem crescente: agressividade, assédio sexual ou violência no trabalho (6,3%), conflito com trabalhadores (6,9%), desconhecimento/formação insuficiente sobre riscos do trabalho (8,8%), situação de discriminação (9,2%), risco de incêndio ou explosão (9,5%), trabalho isolado que dificulta contato com o grupo (10,3%), conflito com clientes ou pacientes (12,2%), risco de contato elétrico (13,4%), pouca oportunidade de decisão sobre a realização do seu trabalho (17,3%), exposição a temperatura excessiva (17,7%). A pouca intensidade e até ausência de alguns fatores de risco, segundo a percepção de alguns trabalhadores pode ser considerada positiva porque preserva a saúde dos trabalhadores. No entanto, estes riscos podem mostrar-se pouco evidentes devido à falta de informação e conhecimento dos trabalhadores, sinalizando, assim, a importância do treinamento sobre riscos ocupacionais para a equipe de enfermagem.

Os trabalhadores desconhecem alguns aspectos no ambiente de trabalho, apontando, em primeiro lugar, as situações de violência no trabalho, através do desconhecimento da agressividade, assédio sexual ou violência (51,6%) e situação de discriminação no trabalho (38,2%). Também informam desconhecer a sinalização das saídas de emergência (37,3%) e o risco de incêndio ou explosão (33,9%).

O desconhecimento sobre tais situações pode não significar que estes fatores não acontecem, mas, sim, que os trabalhadores não possuem informações suficientes para opinar e classificar sobre estes aspectos, o que indica a necessidade de treinamento e segurança no trabalho.

O risco ocupacional pode estar oculto por ignorância, falta de conhecimento ou de informação, o que faz com que o trabalhador não suspeite do risco17, o que pode ser muito desfavorável para a sua saúde, uma vez que a eliminação dos riscos implica, primeiramente, conhecê-los.

 

CONCLUSÃO

As condições de trabalho influenciam no processo de trabalho e contribuem sobremaneira para determinar o processo de saúde-doença dos trabalhadores de enfermagem.

Os recursos materiais, psíquicos e sociais das condições de trabalho, determinados pelos fatores de ordem econômica, técnica e organizacional do meio ambiente dos trabalhadores de enfermagem, foram evidenciados neste estudo e discutidos com a base na literatura consultada.

O objetivo de identificar e discutir as condições de trabalho de acordo com a percepção dos trabalhadores de enfermagem foi alcançado neste estudo.

Nos resultados, os fatores de risco que se destacaram foram os riscos biológicos, seguidos dos riscos físicos, riscos ergonômicos e riscos químicos.

A menor intensidade de alguns fatores de risco pode ser considerada positiva porque preserva a saúde dos trabalhadores. No entanto, isso pode ser reflexo da falta de informação e conhecimento dos trabalhadores, sinalizando, assim, a importância do treinamento sobre riscos ocupacionais para a equipe de enfermagem.

O desconhecimento de outros fatores pode ser reflexo da falta de informações e treinamentos específicos para a prevenção de acidentes relacionados a estes fatores.

Pelo exposto, conclui-se que a hipótese levantada de que as condições de trabalho são inadequadas para os trabalhadores de enfermagem é verdadeira no hospital estudado.

Recomenda-se, portanto, que: (1) sejam implementadas melhorias no ambiente de trabalho com a participação efetiva dos trabalhadores nas estratégias de mudança; (2) seja criado um Comitê de Ergonomia para operacionalizar o processo de avaliação e implementação das melhorias no HU; (3) sejam desenvolvidos permanentemente, com o apoio do Comitê de Ergonomia, programas de capacitação em reconhecimento de riscos no trabalho e promoção de medidas.

 

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Recebido em 12/02/2009
Reapresentado em 21/09/2009
Aprovado em 05/10/2009

 

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