Volume 14, Número 1, Jan/Mar - 2010
PESQUISA
Câncer de colo uterino: caracterização das mulheres em um município do sul do Brasil
Cervical cancer: characterization of women in a city in the south of BRAZIL
Cáncer del cuello uterino: identificación /caracterización de las mujeres en un município del sur de BRAZIL
Marilu Correa Soares I; Silvana Martins Mishima II; Sonia Maria Könzgen Meincke III; Giovana Paula Rezende Simino IV
IDoutora em Enfermagem em Saúde Pública pelo Programa de Pós-Graduação Materno-Infantil e Saúde Pública MISP da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas. Brasil. E-mail: enfmari@uol.com.br,
IIDoutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno- Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Brasil. E-mail: smishima@eerp.usp.br.,
IIIDoutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas. Brasil. E-mail: meincke@terra.com.br,
IVEnfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação Materno-Infantil e Saúde Pública - MISP da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Brasil. E-mail: gsimino@yahoo.com.br.
RESUMO
Este estudo objetivou identificar e analisar características socioeconômicas, comportamentais e biológicas de mulheres com câncer de colo uterino que utilizaram os serviços públicos de saúde em um município do sul do Brasil. Trata-se de um estudo qualitativo com vinte mulheres com diagnóstico de câncer de colo uterino. A pesquisa teve como suporte teórico a integralidade da atenção à saúde. Para coleta dos dados, utilizamos as informações do Sistema de Informações do Câncer do Colo do Útero e entrevista semiestruturada. Foram identificadas características de faixa etária, escolaridade, frequência à consulta médica e intervalo de realização do exame preventivo. Os achados mostram que as mulheres ainda apresentam dificuldade em considerar a importância do pré-câncer para detecção precoce e prevenção do câncer de colo uterino. O desafio para o alcance da integralidade está na necessidade de repensar saberes e práticas profissionais no cuidado às mulheres, independente do motivo que as levou ao serviço de saúde.
Palavras-chave: Enfermagem. Neoplasias do Colo do Útero. Saúde da Mulher. Serviços de Saúde Comunitária. Assistência Integral à Saúde.
ABSTRACT
The aim of this study was to identify and analyze socioeconomic, behavioral and biological characteristics of women with cervical cancer that used public health services in a city in the south of Brazil. This is a qualitative study, realized with twenty women with a diagnosis of cervical cancer. The survey had as theoretical support the integrality of attention to the health. To collect data it was used the information from Information System of Cervical Cancer and a semi-structured interview. Characteristics of age, education, frequency to the medical consultation and the interval of prevent exams were identified. The findings make possible to say that women still have difficulty in considering the importance of pre-cancer in order to precocious detection and prevention of cervical cancer. The challenge to reach integrality is in the necessity of rethinking knowledge and professional practices in the care to women, independent of the reason which led them to the health service.
Keywords: Nursing. Uterine Cervical Neoplasms. Women´s Health. Community health services. Comprehensive Health Care.
RESUMEN
El presente trabajo tuvo como objetivo identificar y analizar las características sociales y económicas, comportamentales y biológicas de mujeres con cáncer de cuello uterino que utilizaron los servicios públicos de salud en un município del sur de Brasil l. Este es un estudio cualitativo, que se llevó a cabo con veinte mujeres que Fueron diagnosticadas con cáncer de cuello uterino. La encuesta tuvo como apoyo teórico la integración de la atención a la salud. Para recolectar los datos fueran utilizadas las informaciones del Sistema de Informaciones del Cáncer de Cuello Uterino y entrevistas semi-estructuradas. Se clasificaron las las características por rango de edad, escolaridad, frecuencia con que se presentaron a la consulta médica e intervalo en el que realizó la prueba preventiva. Los resultados muestram que las mujeres todavía tienen dificultad para entender la importáncia que tienen las prácticas pré-cáncer para la detección precoz y la prevención del cáncer de cuello uterino. El desafio para lograr la integralidad está en la necesidad de repensar el conocimiento y prácticas profesionales en el cuidado a las mulheres, independientemente del motivo que las motivo a buscar el servicio de salud.
Palabras clave: Enfermería. Neoplasias del Cuello Uterino. Salud de La Mujer. Servicios de salud comunitaria. Atención Integral de Salud.
INTRODUÇÃO
O câncer de colo uterino (CCU) constitui um grave problema de saúde que atinge as mulheres em todo o mundo. Os países em desenvolvimento são responsáveis por 80% desses casos, e o Brasil representa uma taxa expressiva desta estatística. A distribuição de novos casos, de acordo com a localização primária, é bem heterogênea entre os estados e capitais brasileiras. As taxas mais elevadas se encontram nas regiões Sul e Sudeste; Norte e Nordeste mostram taxas mais baixas, enquanto a região Centro-oeste apresenta taxas intermediárias. Com relação ao CCU, a região Sul apresenta uma incidência de 28/100.000; região Norte, 22/100.000; Centro-oeste, 21/100.000; e Nordeste, 17/100.000 ocorrências.1
Estudos realizados sobre mortalidade entre as mulheres demonstram que o CCU, apesar de apresentar queda nas taxas padronizadas de mortalidade, ainda tem lugar de destaque como causa de óbito.2,3 A taxa de mortalidade é elevada nas mais variadas faixas etárias, sendo que o pico de incidência do carcinoma in situ está entre 25 e 40 anos e o carcinoma invasor, entre 48 e 55 anos.4
O CCU praticamente inexiste nas mulheres que não iniciaram a atividade sexual, contudo, a possibilidade da doença aumenta com o início precoce da atividade sexual, com o número de parceiros, exposição às doenças sexualmente transmissíveis e o baixo poder aquisitivo.4,5 O desenvolvimento natural de um câncer invasivo do colo uterino poderá ser curto, em torno de dez anos, embora a média seja de 30 anos.5
O planejamento de ações no âmbito da prevenção do CCU se dá, prioritariamente, no plano técnico por meio do diagnóstico precoce das lesões precursoras mediante realização do teste de Papanicolaou e exames colpocitológicos que seguem uma lógica epidemiológica de risco e de relação custo-benefício/efetividade que norteiam as intervenções em saúde pública.4, 5
Porém, parece-nos relevante acrescentarmos outros suportes para olharmos para as mulheres de maneira mais ampliada, independente do motivo que as levou a se consultar na Unidade Básica de Saúde. A integralidade pode ser um caminho. Do ponto de vista da organização das práticas e serviços de saúde, a integralidade emerge como um princípio de organização do processo de trabalho nos serviços de saúde e busca aumentar as possibilidades de efetivamente se apreender as necessidades de saúde da população.6
Este estudo teve como objetivo identificar e analisar características socioeconômicas, comportamentais e biológicas de mulheres com câncer de colo uterino que utilizaram os serviços públicos de saúde em um município do sul do Brasil.
PREVENÇÃO DE CÂNCER DE COLO UTERINO
A prevenção do CCU obedece a dois níveis: a prevenção primária que pode ser realizada pelo uso de preservativos durante a relação sexual, sendo uma das formas de evitar o contágio pelo vírus papiloma humano (HPV), o qual tem importante papel no desenvolvimento do CCU e suas lesões precursoras (está presente em 90% dos casos de câncer uterino); e a prevenção secundária que é realizada por meio do exame preventivo do câncer do útero (exame Papanicolaou).1
A prevenção do CCU, diante dos altos índices de incidência e de mortalidade, torna-se de grande relevância e transforma-se em um problema de saúde pública à medida que compromete de forma intensa a vida das mulheres, sendo fundamental que os serviços de saúde capacitem seus profissionais para orientarem as mulheres, família e a comunidade em geral sobre a importância do exame preventivo e o esclarecimento quanto aos fatores de risco para o CCU.1.
Estes aspectos são reforçados quando se verificam os possíveis fatores para as mulheres não realizarem o exame Papanicolaou, quais sejam: a vergonha, o sentimento de que o exame não lhes é adequado, o não reconhecimento de ser integrante do grupo de risco, o medo do exame, o desconhecimento da importância do exame, a omissão dos profissionais, a objeção do companheiro, o temor da doença, a inatividade sexual e o nível socioeconômico e cultural. Aqui poderíamos evidenciar a importância de ações preventivas e resolutivas que, efetivamente, proporcionem à mulher a possibilidade de um cuidado, mas que, prioritariamente, garantam-lhes o entendimento da relevância dos motivos e maneiras de se prevenir do CCU. 7,8
Na América Latina, as maiores taxas de incidência do CCU, ajustadas por idade, estimadas em 1990, também foram observadas no Brasil, na cidade de Belém do Pará (64,8/100.000 mulheres), seguida pelo Peru, na cidade de Trujillo (53,5/100.000 mulheres). A taxa de mortalidade não teve alteração significativa, mantendo-se na faixa de 4,2/100.000 mulheres na cidade de São Paulo. Tais estatísticas relacionam-se ao perfil epidemiológico que essa doença adquire nesses países traduzido pela frequência dos fatores de risco, grau de implementação de ações efetivas no plano técnico, no diagnóstico precoce da doença e no tratamento das lesões detectadas e planejamento nas áreas educacional, social, política e econômica.9
A introdução do exame Papanicoloau, no Brasil, se deu na década de 70, e a implantação do Programa de Assistência Integral a Mulher (PAISM), em 1983, tinha como objetivo implantar ou ampliar as atividades de diagnóstico precoce do câncer cervical e promover ações educativas buscando uma assistência mais integral à mulher para além do ciclo gravídico-puerperal.9
O Instituto Nacional do Câncer admite que o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a introduzir o exame citopatológico (Papanicolau) com a finalidade de detecção precoce do CCU, porém a doença continua sendo um problema de saúde pública, pois 30% das mulheres realizam o Papanicolau apenas três vezes na vida, o que explicaria o diagnóstico já na fase avançada em uma proporção de 70% dos casos.1
Assim, ao pensarmos em como poderíamos intervir no desenvolvimento do CCU, uma questão inicial nos remete a refletir se os serviços de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) estão organizados para a atenção a este agravo, apesar deste se constituir em uma das prioridades do Pacto pela Vida, documento base do Ministério da Saúde brasileiro. De que modo os serviços públicos de saúde poderiam contemplar a integralidade da assistência à mulher quando pensamos os processos de produção de cuidado no controle do CCU, pois, a despeito das políticas públicas de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde, as estatísticas são de certa forma preocupantes, uma vez que, no Brasil, o CCU é a terceira neoplasia maligna mais comum e a quarta causa de morte entre as mulheres, e a estimativa para 2006 foi de 19.260 novos casos com risco estimado de 20 mil casos para cada 100 mil mulheres.1 Além disso, dentre todos os tipos de câncer, o CCU tem a prevenção relativamente barata e os mais altos potenciais de cura quando o diagnóstico é realizado com precocidade 1,10.
A Agenda de Compromissos pela Saúde aprovada em janeiro de 2006 estabelece três pactos entre o Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais para o fortalecimento do SUS, sendo que um dos acordos, como já apontado acima, denominado Pacto pela Vida, define como prioridade na atenção à saúde a redução da mortalidade por CCU e câncer de mama.11
Quando analisamos os fatores de risco para o CCU: início precoce da atividade sexual, baixa condição socioeconômica, multiplicidade de parceiros, tabagismo, higiene íntima inadequada e uso prolongado de contraceptivos orais, observamos a íntima relação com as condições econômicas, sociais e culturais das mulheres.1,4,5 Dessa maneira, reforçamos a importância de um planejamento nas áreas educacional, social, política e econômica para a implantação de políticas de prevenção do CCU.
Contudo, a prevenção do CCU é relativamente barata quando levamos em consideração a relação custo/benefício. Por outro lado, a maioria dos problemas da população não depende diretamente de alta tecnologia para sua prevenção ou controle, mas da assunção da responsabilidade pelos profissionais de saúde quanto ao seu papel de educadores e formadores de uma consciência sanitária junto às mulheres, incentivando-as a prática do exame preventivo e fortalecendo sua participação social no processo.
Se considerarmos que, dentre todos os tipos de câncer, o CCU tem os mais altos potenciais de prevenção e cura, pois, quando diagnosticado precocemente, a possibilidade de cura chega a 100% e que a prevenção é de baixo custo, simples e indolor,1,10 mais uma vez ecoará a questão: o que poderemos fazer para mudança desse quadro tão desalentador que observamos nos dados estatísticos?
METODO
Este estudo é um recorte dos dados de uma pesquisa que utilizou abordagem qualitativa e como marco referencial a integralidade. A proposta desse manuscrito foi identificar e analisar algumas características socioeconômicas, comportamentais e biológicas das mulheres com CCU que utilizam os serviços de saúde públicos em um município do sul do Brasil.
Como passo inicial foi solicitada autorização por escrito à Secretaria Municipal de Saúde, a seguir o projeto foi encaminhado para análise junto ao Comitê de Ética em Pesquisa seguindo as normatizações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa CONEP, presentes na resolução do CNS 196/96 e Capítulo IV da Resolução 251/9712. O projeto foi aprovado sob parecer Nº 030/06.
Os dados secundários originaram-se das informações do SISCOLO. A captação dos dados primários teve como local o domicílio, o local de trabalho e a Unidade Básica de Saúde (UBS) das mulheres identificadas com diagnóstico de CCU entre os anos de 2003 a 2005. O local de coleta dos dados dependeu da escolha das mulheres.
Para viabilizar a coleta dos dados empíricos, optamos pela entrevista semiestruturada, enquanto técnica de pesquisa, por possibilitar a introdução de certos questionamentos básicos e até aprofundar outras questões que pudessem surgir no transcorrer da entrevista.
Participaram deste estudo 20 mulheres identificadas por meio dos registros do SISCOLO para os anos de 2003-2005 e que preencheram os critérios de seleção: diagnóstico comprovado de CCU realizado na rede pública de saúde do município no período de 2003 a 2005; ser moradora do município do estudo; consentir na gravação da entrevista; disposição para participar do estudo, permitir a divulgação dos dados no meio científico.
RESULTADO E DISCUSSÃO
As mulheres identificadas neste estudo como portadoras de CCU e identificadas pelo SISCOLO, que utilizaram a rede de atenção à saúde do SUS para diagnóstico e/ou tratamento são caracterizadas em seu perfil sociodemográfico e epidemiológico na sequência.
As mulheres identificadas neste estudo como portadoras de CCU utilizam a rede de atenção à saúde do SUS, sendo que a faixa etária predominante foi de 45 a 55 anos. Esse dado se torna relevante, visto que é o mesmo evidenciado em estudos realizados no município de Pelotas-RS, em 1998, e que apontam uma cobertura do exame Papanicolaou de 65% para as mulheres na faixa etária de 20 a 69 anos.13
É importante salientar que esses achados corroboram as informações da literatura já referenciada nesse estudo, de que o agravo se faz presente com alta taxa de mortalidade nas mais variadas faixas etárias, com o pico de incidência do carcinoma in situ entre 25 e 40 anos e do carcinoma invasor entre 48 e 55 anos.4
Ainda, pela Tabela 1, a questão da escolaridade, já apontada anteriormente constitui-se em um dos fatores de risco para o desenvolvimento do agravo.1,9,14,15 Em consonância, os resultados dessa pesquisa nos apontam que a escolaridade de 45% das entrevistadas que estão na faixa do ensino fundamental incompleto corresponde a dois/três anos de estudo do ensino fundamental, sendo que apenas uma (5%) era analfabeta, o que vem ao encontro das referências bibliográficas consultadas. Ao considerar aquelas com primeiro grau incompleto e sem escolaridade, teremos dez mulheres, ou seja, 50% das entrevistadas, apresentando baixa escolaridade (menos de 8 anos de escolarização).
Porém, outro dado com relação à escolaridade aponta para uma porcentagem de 20% das mulheres com ensino fundamental completo e 30% com ensino médio completo, o que poderíamos considerar um contraponto positivo, na população estudada, nessa questão da escolaridade.
Na Tabela 2, podemos observar que 30% das mulheres são casadas e na mesma proporção apresentam-se solteiras. Deste universo, as mulheres viúvas, divorciadas e separadas somam 40%. Ao analisarmos esses dados, poderemos considerar o comprometimento da qualidade de vida das mulheres e de seus familiares, levando-se em conta que 40% das mulheres poderão ser as mantenedoras do sustento familiar e esteio das relações familiares. Assim, o CCU compromete a saúde dessas mulheres e interfere na sua condição de vida na medida em que as impossibilita para o trabalho e para o exercício de suas atividades cotidianas.
Com relação à ocupação das mulheres entrevistadas, quatro (20%) atuavam como empregadas domésticas e quatro (20%) como trabalhadoras de serviços gerais, o que pode explicar o baixo poder aquisitivo referido nas entrevistas. Ainda, cinco (25%) afirmaram não desenvolver atividades profissionais fora de casa, muitas vezes tendo um ambiente mais restrito de relações, o que pode se constituir um fator dificultador na geração de estratégias para lidar com as dificuldades advindas do CCU.
A renda familiar das mulheres entrevistadas girava em torno de um a dois salários mínimos para doze das entrevistadas; seis possuíam uma renda familiar de três a quatro salários mínimos, e duas mulheres referiram renda familiar acima de 7 salários mínimos. Esses dados vêm ao encontro de outros estudos apontando que o baixo nível socioeconômico e pouca escolaridade podem explicar a baixa adesão aos programas de prevenção do CCU.13,16 Cabe salientar, contudo, que a questão da baixa adesão certamente está marcada por outros determinantes de ordem cultural e social, que não foram objeto desta investigação.
Os resultados apresentados na Tabela 3 nos fazem refletir sobre uma possível falha no diagnóstico referente ao exame, podendo ter ocorrido na coleta, na interpretação do exame ou na conduta médica pós-resultado ou ainda falha na comunicação dos resultados dos exames anteriores ao que diagnosticou o câncer. Isto porque 35% das mulheres referiram fazer o exame pré-câncer com intervalo recomendado para sua realização (semestral, anual e bianual); porém, das vinte mulheres participantes do estudo, dez (50%) apresentaram como resultado do exame colpocitológico, no momento do diagnóstico, carcinoma invasor NICIII, quatro (20%) carcinoma invasor NICIV e seis (30%) carcinoma epidermoide NICIII. Esse quadro nos leva a considerar os dados do Ministério da Saúde que estimam que 40% das mulheres brasileiras nunca fizeram o exame Papanicolau. Apenas 30% delas realizaram o exame pelo menos três vezes na vida, o que resulta na possibilidade de diagnóstico já na fase avançada, em cerca de70% dos casos.10
Em consonância, ao pensar em integralidade na saúde da mulher, também se pressupõe que essas mulheres, em algum momento de suas vidas, fizeram uso dos serviços de saúde para atendimento de seus problemas e necessidades, ou de seus familiares, momento em que poderiam ter sido orientadas quanto à importância dos cuidados necessários à prevenção do agravo ou de sua detecção precoce.
A integralidade como prática de cuidado poderia mudar os dados dessa pesquisa quando observamos a porcentagem de 40% das mulheres que não realizaram o citopatológico e de 20% que o realizaram a mais de cinco anos, sendo, desse universo, 5% na faixa etária de 25-35 anos, mulheres jovens que poderiam ser rastreadas em outros momentos de comparecimento à Unidade Básica de Saúde.
Assim, esses achados nos permitem inferir que as mulheres do estudo não foram conscientizadas da importância da realização do exame pré-câncer para a prevenção secundária e detecção precoce do CCU. E apontam para a necessidade de se investigar outras questões presentes no contexto sociocultural destas mulheres que as levaram a apresentar baixa adesão a um exame que se caracteriza pela facilidade de realização, acesso na rede de serviços de saúde, ser de baixo custo e indolor, de forma a se estruturar outras estratégias que possibilitem maior adesão ao exame.1,14
Na Tabela 4, chama a atenção que 50% das mulheres entrevistadas só vão à consulta médica quando apresentam algum agravo à sua saúde, pois têm o entendimento de que procurar a UBS é sinal de estar doente. Somando a faixa daquelas que não sabiam informar e não se consultam, teremos uma porcentagem de 70% das mulheres que não consideram a importância de atitudes preventivas para o cuidado à saúde e melhoria da qualidade de vida.
Assim, ao analisarmos a Tabela 4, podemos inferir que as mulheres desse estudo procuraram a assistência médica e a realização do exame pré-câncer na busca de sanar um episódio infeccioso ginecológico. Após a medicalização resultante da consulta não voltaram para o retorno com o resultado do exame pré-câncer, talvez por não estarem conscientes da importância do exame citopatológico, não apenas como preventivo do CCU, mas também como detector precoce de lesões precursoras do agravo.1,16
CONCLUSÃO
O CCU é um problema de saúde pública por sua alta taxa de mortalidade, grande probabilidade de cura quando diagnosticado precocemente e passível de ser prevenido pela educação e informação da população. O CCU provoca grandes alterações na vida das mulheres acometidas por ele e de seus familiares, e a maioria está na fase reprodutiva da vida.
Pensar em CCU, por todas as suas características de prevenção, fatores de risco, possibilidades de melhor qualidade de vida para a mulher acometida pela doença, entre outras tantas observações que poderemos fazer, nos remete à discussão, ou, pelo menos, à tentativa de entender como os serviços de saúde se organizam para contemplar a integralidade do cuidado a essa faixa específica da população. Nesse estudo, a integralidade é entendida não apenas como um princípio proposto pelo SUS, mas também como boas práticas de cuidado no atendimento às mulheres e como os profissionais de saúde circulam dentro deste contexto de cuidado.
A organização dos serviços para atender à população, o comprometimento dos profissionais no desempenho de suas práticas, a consciência que as pessoas têm de si e de seu valor enquanto cidadãos, somados ao compromisso que o serviço público de saúde deverá ter em defesa da qualidade de vida das pessoas, nos permitem pensar a integralidade como prática efetiva para o cuidado.
Acreditamos na necessidade do comprometimento do Estado e dos profissionais da saúde com a continuidade da assistência à população nos diversos níveis de atendimento, cabendo aqui ressaltar que atender às necessidades e demanda com que as mulheres buscam os serviços de saúde é também pensar na articulação de ações preventivas com as ações assistenciais, nos diversos pontos de atenção à saúde.
As ações preventivas e as assistenciais têm impactos diferentes quando nos deslocamos para o campo das políticas de saúde. As atividades assistenciais respondem às necessidades de saúde dos usuários do SUS, e as ações preventivas são planejadas com o intuito de modificar o quadro social da doença e, com isso, no futuro, podem alterar a demanda por serviços essenciais.17
Assim, o enfermeiro, juntamente com os demais profissionais da área da saúde, tem significativa importância no planejamento, execução e avaliação da programação das ações da saúde, em seus diferentes níveis de atuação.
A educação em saúde torna-se imprescindível quando olhamos para a prevenção do CCU, e as ações educativas e preventivas necessitam ser desenvolvidas de forma ininterrupta na vida das mulheres. Assim, educar, ensinar e informar as mulheres quanto às medidas de prevenção do agravo é também conscientizá-las de seu papel de sujeitos responsáveis por sua saúde e bem-estar.
Investir em ações preventivas quando falamos de CCU é também diminuir a percentagem de novos casos e garantir melhor qualidade de vida às mulheres acometidas pelo agravo. Para que isto ocorra é de fundamental valor que os profissionais de saúde observem, olhem, escutem e atendam as mulheres dentro de uma lógica que traga como marco referencial a integralidade, que é entendida não somente como a existência de um serviço de assistência à população, mas, muito mais, como um vínculo que deve ser estabelecido entre as mulheres usuárias do sistema e os profissionais de saúde, com respeito à individualidade e atendimento às necessidades específicas dessas mulheres em seus diferentes contextos de vida.
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Recebido em 20/06/2008
Reapresentado em 24/10/2009
Aprovado em 28/01/2010