ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 13, Número 4, Out/Dez - 2009

PESQUISA

 

Conhecimentos e práticas de adolescentes acerca das DST/HIV/AIDS em duas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro

 

Knowledge and practices of adolescents about STD / HIV / AIDS in two public municipal schools of Rio de Janeiro

 

Conocimientos y prácticas de los adolescentes sobre EST y SIDA en adolescentes en dos escuelas públicas municipales de Río de Janeiro

 

 

Denize Cristina de Oliveira I; Ana Paula Munhen de Pontes II; Antônio Marcos Tosoli Gomes III; Monique Carvalho Marrafa Ribeiro IV

I Professora Titular da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FENF/UERJ). Brasil. E-mail:dcouerj@gmail.com,
II Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da FENF/UERJ. Brasil. E-mail: anamunhen@gmail.com,
III Professor Assistente da FENF/UERJ. Doutor em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ (EEAN/UFRJ). Brasil. E-mail: mtosoli@gmail.com,
IV Enfermeira Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da FENF/UERJ. Brasil. E-mail: moni.marrafa@yahoo.com

 

 


RESUMO

Este estudo objetiva analisar os conhecimentos sobre a prevenção das DST/AIDS e a adoção de preservativos masculinos pelos jovens. Estudo quantitativo, realizado com 492 adolescentes de duas escolas do Rio de Janeiro. Os dados foram coletados no ano de 2003 por meio de questionário e analisados com EPI-INFO 6.0. Quanto à prevenção, 94,5% relataram conhecer o preservativo como método eficaz, porém 10,8% consideraram que a pílula anticoncepcional também previne as DST/AIDS, e 16,9% dos adolescentes indicaram que manter relações sexuais apenas com o namorado também se constitui como um método eficaz de prevenção. Com relação às práticas de prevenção, foram analisados apenas os adolescentes com vida sexual ativa (492); destes, 11% nunca usam preservativos nas relações sexuais, 32,7% usam eventualmente, e 53,3% usam em todas as relações sexuais. Conclui-se que o conhecimento não se expressa diretamente em práticas de prevenção e que o relacionamento estável e o uso de anticoncepcionais são associados à prevenção de DST/AIDS, positiva ou negativamente.

Palavras-chave: Sexualidade. Saúde do Adolescente. Pesquisa Quantitativa. Enfermagem


ABSTRACT

This study aims to analyze the knowledge about the prevention of STD/AIDS and the adoption of condoms by young people. Quantitative study, conducted with 492 teenagers from two schools of Rio de Janeiro. Data were collected during 2003 through a questionnaire and analyzed with EPI-INFO 6.0. As for prevention, 94,5% reported to known condoms like an effective method, but 10.8% felt that the birth control pill also prevents the STD/AIDS and 16.9% of adolescents indicated that to have sex only with own partner is also an effective method of prevention. With respect to the practices of prevention, have been examined only the adolescents with sexually active (492), of these, 11% never use condoms in sex, 32.7% use eventually, and 53.3% use in all sexual relations. It follows that knowledge does not revert to practices of prevention and that the relationship stable and the use of contraceptives are associated with the prevention of STD/AIDS.

Key Words: Sexuality. Adolescent Health. Quantitative Analysis. Nursing


RESUMEN

El presente estudio tiene como objetivo analizar los conocimientos que tienen los jóvenes sobre la prevención de EST y del SIDA y la adopción de los preservativos masculinos. Se realizó un estudio cuantitativo con 492 adolescentes de dos escuelas del municipio de Río de Janeiro. Los datos fueron obtenidos en el año de 2003 a través de cuestionarios y analizados con el software EPI-INFO 6.0. Respecto a la prevención, 94,5% considera que el preservativo es el método más eficaz, sin embargo, 10,8% considera que las píldoras anticonceptivas también previenen las EST y el SIDA y 16,9% de los adolescentes entrevistados revela que mantener relaciones sexuales sólo con sus parejas es un método de prevención eficaz. Con relación a las prácticas de prevención, se analizaron solamente los adolescentes con vida sexual activa (492), 11% nunca uso preservativos durante las relaciones sexuales, 32,7% los utiliza algunas veces, y 53,3% los utiliza en todas las relaciones sexuales. De este modo, se concluyó que el conocimiento no se expresa directamente en las práticas de prevención y que la relación estable y el uso de anticonceptivos están asociados a la prevención de EST y SIDA, de forma positiva o negativa..

Palabras clave: Sexualidad. Salud del Adolescente. Análisis cuantitativo. Enfermería


 

 

INTRODUÇÃO

A adolescência é um momento de diversas transformações sociais, emocionais, corporais e cognitivas e também o período do desenvolvimento humano no qual a maioria dos jovens inicia a vida sexual. Segundo a Organização Pan-americana de Saúde e a Organização Mundial de Saúde, a adolescência abrange a faixa etária de 10 a 19 anos, sendo um processo essencialmente biológico pelo qual ocorre um acelerado desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade.1 Esse grupo representa 21,7% da população brasileira, sendo 11,1% entre 10 e 14 anos e 10,6% entre 15 e 19.2

Nos últimos anos houve um crescimento do número de diagnósticos de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e AIDS entre adolescentes, como mostra o Boletim Epidemiológico de AIDS publicado pelo Ministério da Saúde, onde foram registrados 362.364 casos de AIDS no Brasil, sendo 4.331 (1,2%) entre adolescentes na faixa etária de 13 aos 19 anos.3 A este percentual deve-se acrescentar, ainda, os indivíduos com 10 a13 anos, uma vez que o Programa Nacional de DST/AIDS os inclui no grupo infantil.

Apesar das campanhas e da divulgação em massa sobre os métodos de prevenção, a AIDS continua a se expandir rapidamente entre as mulheres e entre os jovens de 15 a 19 anos. Muitas vezes, ela se dissemina por meio das primeiras experiências sexuais, atingindo jovens desinformados, psicologicamente despreparados ou precocemente iniciados na vida sexual.4

A adolescência é caracterizada pela vulnerabilidade decorrente das características da própria idade, da falta de habilidades para a tomada de decisões, das dificuldades e, por que não dizer, da inexperiência destes jovens ao lidarem com os seus sentimentos e com os sentimentos dos outros, bem como da responsabilidade nem sempre existente ao se envolverem em relacionamentos afetivos e sexuais.4 Esse aspecto do desenvolvimento adolescente representa uma condição de vulnerabilidade às DST e à AIDS.5

Ao mesmo tempo, a liberação dos costumes e a erotização da mídia vêm estimulando uma iniciação sexual cada vez mais precoce, o que também contribui para o aumento das chances de jovens contraírem DST/AIDS, uma vez que, quanto menor a idade, tendem a possuir menor informação e a apresentar um preparo mais frágil.6 Dados estatísticos demonstram que, pelo menos, um terço dos 30 milhões de pessoas que vivem com HIV/AIDS no mundo são jovens da faixa etária de 10 a 24 anos de idade, o que permite evidenciar a situação exposta anteriormente.7

Há consenso no campo científico de que o preservativo é um meio eficaz para a prevenção da AIDS, de outras DST e da gravidez, permitindo práticas sexuais mais seguras. Apresenta-se também como um tema de extensa divulgação nos meios midiáticos, destacando a eficiência do método na tentativa de convencer a população a incorporá-la em suas atividades sexuais, visando atingir cada vez mais a população jovem, uma vez que ela é disseminadora de hábitos e de informações para as gerações futuras.

No entanto, apesar da ampla divulgação sobre as formas de prevenção das DST/AIDS desenvolvida no Brasil, muitos jovens ainda não adotam tais práticas, o que aponta uma dissociação entre o acesso à informação e a transformação desse saber em práticas no cotidiano dos adolescentes. Para que essa dissociação diminua, faz-se necessário o acesso à informação efetiva para que seja possível a aquisição de comportamentos favoráveis à promoção de sua saúde, inclusive em sua dimensão sexual e reprodutiva.

Diversos profissionais voltam sua atenção ao uso do preservativo, incentivando insistentemente o seu uso, principalmente entre os adolescentes. O método é tema de música, apropriado por designers para as suas criações e de fácil acesso para os jovens. As informações sobre ele podem ser encontradas em diversos sites da internet, e já pode ser comprado em diversos sabores ou cores. Enfim, o preservativo masculino está abundantemente presente nos meios de comunicação. 8

Diante do exposto torna-se relevante aprofundar as discussões sobre as práticas de prevenção utilizadas pelos jovens. Dessa forma, objetivou-se neste estudo analisar os conhecimentos sobre a prevenção das DST/AIDS e a adoção de preservativos masculinos pelos jovens nas práticas sexuais, na cidade do Rio de Janeiro.

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo tipo survey, com abordagem quantitativa descritiva. Este trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa mais ampla denominada "A Enfermagem e a Promoção da Saúde do Adolescente: condições de vida, saúde e trabalho de estudantes do ensino médio no município do Rio de Janeiro", desenvolvida no grupo de pesquisa: Promoção da Saúde e Práticas de Cuidado de Enfermagem e Saúde de Grupos Populacionais.

Dos 753 adolescentes matriculados regularmente no ensino médio de duas escolas públicas do Município do Rio de Janeiro, foram selecionados 492 adolescentes por estes terem vida sexual ativa. As idades compreenderam a faixa de 14 a 22 anos. Para a definição da faixa etária foram utilizados os conceitos de Thompson e Ashwill9, que consideram a adolescência dentro de uma faixa etária mais ampla, de 12 aos 22 anos. A escolha do cenário obedeceu aos seguintes critérios de inclusão: ser de fácil acesso de forma que comportasse uma grande diversidade social de alunos; possuir ensino médio; e contar com aulas nos períodos diurno e/ou noturno.

A coleta de dados ocorreu de agosto a dezembro de 2003. Para tal utilizou-se como instrumento um questionário pré-codificado com 28 questões fechadas, englobando variáveis de identificação, sócio-econômico-demográficas, relacionamentos interpessoais e afetivo-sexuais e hábitos de vida.

No tratamento dos dados foi utilizado o software EPI-INFO 6.0, com a realização de análises uni e bivariadas, acompanhadas de teste de associação quiquadrado () com nível de significância de 5%, cujos resultados são apresentados em tabelas e quadro.

Foram respeitados os critérios do Conselho Nacional de Saúde, a partir da Resolução 196 de 1996, com relação à pesquisa envolvendo seres humanos. Todos os alunos que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UERJ, tendo sido aprovado através do protocolo 007-2004.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto à prevenção das DST e da AIDS, observa-se, na Tabela 1, que quase todos os adolescentes afirmaram conhecer algum tipo de método de prevenção (99,4%), sendo o preservativo (98,8%) o mais conhecido. Chama a atenção o fato de 16,9% dos adolescentes acreditarem que os relacionamentos monogâmicos são formas de se protegerem contra essas doenças, 11,6% considerarem que o diafragma também se constitui em métodos de prevenção; e 10,8% referirem que os anticoncepcionais orais atuam como uma barreira contra DST/AIDS; além disso, um menor percentual associou essa função ao coito interrompido (5,7%), ao gel espermicida (4,9%) e à tabelinha (4,0%).

 

 

Esses resultados sugerem que, entre outras coisas e contrariando os modernos meios de comunicação, existe uma lacuna de informação entre os adolescentes acerca das formas de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e dos métodos anticoncepcionais, assim como a existência de crenças que são transmitidas e mantidas pelo seu grupo social.

Deve-se considerar que as informações acessadas pelos adolescentes não são aderentes à cultura e aos valores do seu grupo social, e à construção social que trazem da realidade, e nem atendem às exigências e demandas do perfil de personalidade e subjetividade do grupo desta faixa etária, que se encontra em franco processo de desenvolvimento. Neste sentido, torna-se necessária a discussão acerca da elaboração e da disponibilização de informações, de modo que os investimentos governamentais e as ações institucionais e profissionais tenham impacto no cotidiano dos adolescentes, em que pese suas vulnerabilidades.

Conforme exposto na Tabela 2, dos 492 adolescentes que têm vida sexual ativa, 263 (53,45%) referem utilizar o preservativo em todas as relações sexuais. No entanto, 161 (32,72%) jovens utilizam esse método algumas vezes e 53 (10,77%) não usam. Esses dados revelam que ainda é alto o percentual de uso eventual do preservativo ou não uso (43,49%), fazendo com que os jovens estejam expostos ao risco de contrair DST ou o vírus HIV. Destaca-se, ainda, a discrepância existente entre a quase totalidade dos jovens que têm conhecimento da camisinha como método de prevenção e um pouco mais da metade que declaram a sua utilização na totalidade de suas relações sexuais. O conhecimento sobre métodos utilizados para evitar DST/AIDS não apresentou associação estatística com a adoção contínua do uso do preservativo. No entanto, existe uma diferença de aproximadamente 10% entre os que usam sempre e aqueles que se encontram vulneráveis à infecção pelo uso eventual ou não uso.

 

 

A maioria dos adolescentes que não usam o preservativo nas relações sexuais respondeu conhecer esse método para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (96,2%). No entanto, o percentual desses adolescentes é ligeiramente menor quando comparado àquele dos adolescentes que usam o preservativo em todas as relações (99,6%). O desconhecimento do preservativo como método preventivo de doenças estabelece alguma relação com o não uso ou com uso descontínuo do mesmo. Constata-se, dessa forma, que, entre adolescentes com níveis distintos de informação sobre transmissão e prevenção de DST/AIDS, os que relataram conhecimento sobre o preservativo nem sempre se protegem do risco de contrair uma infecção.

Essa situação exige que façamos um aprofundamento, uma vez que se apresenta de forma multifacetada e multicausal. Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que as informações veiculadas por campanhas educativas televisivas, radiofônicas e/ou visuais, bem como com os demais meios não geraram ações de prevenção de doenças entre 50% dos sujeitos estudados; Simultaneamente, não se consubstanciaram em um processo de empoderamento, de modo que os adolescentes diminuíssem o seu grau de vulnerabilidade diante das DST/AIDS, especialmente entre os 43,7% que não conseguiram manter a utilização do códon em todas as relações, apesar de, em algum momento, conseguirem negociar e implementar o seu uso.

Em segundo, as características pessoais deste grupo, especialmente a sua vulnerabilidade, parecem potencializar as dificuldades presentes no ato da educação em saúde, impedindo que, mesmo existindo situações ideais de negociação de informações, as mesmas não sejam apreendidas como um quadro de referência para as suas ações. As questões colocadas em ambos os parágrafos formam um círculo vicioso em que a implicação mútua agrava o quadro apresentado e desafia o sistema de saúde e seus profissionais a encontrarem soluções criativas, problematizadoras e que estimulem a autoestima dos jovens.

Ressaltam-se, ainda, as construções imaginárias como fator importante no comportamento apresentado. As representações que os adolescentes possuem de si, os papéis que devem desempenhar na sociedade e como são representados pelo seu grupo são determinantes nas ações dos jovens, na busca de, por um lado, adquirirem prestígio em seu meio social e, por outro, não serem excluídos dele. Este desafio é encontrado em um momento em que a individualidade, a personalidade e a noção exata das consequências de seus atos aliadas ao pensamento mágico e à sensação de invulnerabilidade característicos desta faixa etária - transformam-se em um fundamento favorável para a adoção de práticas não seguras, mesmo com a posse de informação acerca das questões envolvidas nas respectivas decisões.

Além disso, estudos vêm demonstrando que, dentre as razões alegadas para a não prevenção entre jovens, destacam-se: a falta do preservativo no momento do ato sexual, ter relações apenas com um parceiro em que confia, não gostar porque o preservativo diminui o prazer e acreditar que não corre o risco de pegar AIDS.10;7 Destaca-se ainda a diferença de gênero no que diz respeito à adoção do preservativo, uma vez que as jovens do sexo feminino confiam na fidelidade do parceiro e têm dificuldade em solicitar o uso do preservativo, o que caracteriza uma relação de subordinação. Já os adolescentes do sexo masculino não o utilizam devido a razões relacionadas ao prazer sexual, o que demonstra uma dimensão funcional relacionada à sua adoção.10

Os resultados mostram-se importantes porque, normalmente, acredita-se que, com a frequência das campanhas preventivas e as ações implementadas nas escolas, as informações disponibilizadas teriam sensibilizado este grupo a ponto de se perceber mudanças em seus comportamentos, diminuindo a vulnerabilidade e aumentando o empoderamento para fazer frente aos desafios que caracterizam o seu dia-a-dia. No entanto, constata-se que o uso do preservativo, uma das mais importantes tecnologias de proteção às DST e à AIDS, não parece ser um comportamento generalizado2. Ou seja, em que pese a existência de informações, estas não são esclarecedoras e/ou convincentes para o jovem, sugerindo a necessidade de mudança na estratégia de divulgação por meio de maior aproximação com o jovem e de maior adequação da linguagem e/ou proximidade à sua realidade.4;11

O uso de preservativos não faz parte das tradições culturais do Brasil à medida que este se apresenta como um país conservador que sofre a influência da moral cristã, notadamente católica.11. Além disso, as condições sociais, financeiras e estruturais consubstanciam diferentes graus de vulnerabilidade entre os adolescentes, diminuindo a possibilidade de adoção de práticas sexualmente seguras. Estes fatos, além dos já apontados, podem justificar o insucesso das campanhas preventivas existentes no nosso país, bem como a não adoção do preservativo por um número significativo de pessoas.11

Um estudo realizado sobre os comportamentos de adolescentes e doenças sexualmente transmissíveis identificou que as adolescentes com DST referiram mais frequentemente nunca ou apenas às vezes usar preservativo em suas relações sexuais, comparadas com aquelas que não apresentavam DST.5 Ao mesmo tempo, apesar de um pequeno percentual de adolescentes ter respondido não conhecer o preservativo, este é um dado que merece atenção, já que há intensa divulgação independente de sua qualidade e seu impacto no público-alvo nos meios de comunicação sobre seu uso e finalidade, além das interações sociais entre pares, sendo esperado que todos os jovens tenham domínio do tema.

Um dos fatores que contribuem para a não adoção do preservativo é o relacionamento estável, conforme demonstrado em vários estudos. Assim, o uso do preservativo varia em função do significado atribuído à relação afetivo-sexual. Com isso, emerge a necessidade de questionar se a prevenção está relacionada somente ao conhecimento e ao acesso aos métodos preventivos.10

Na Tabela 3, pode-se observar que o tipo de relação que os adolescentes estabelecem é um fator que contribui para a decisão de usar o preservativo. Dos 492 jovens com vida sexual ativa, 424 (86,1%) fazem uso de preservativos, sendo que 263 (62%) os utilizam em todas as relações sexuais, e 161 (37,9%), eventualmente.

 

 

A frequência de uso do preservativo apresentou associação estatística (p=0,00) com o seu abandono quando o adolescente se encontra em um relacionamento estável. Neste sentido, dos adolescentes que deixam de utilizar o preservativo quando se relacionam há algum tempo, 131 (67,9%) tinham o comportamento de utilizá-lo eventualmente e 32,1% utilizavam o preservativo em todas as relações sexuais. Destaca-se que dentre os jovens que não deixam de utilizar o preservativo diante de um relacionamento estável, 288 (75,7%) faziam uso em todas as relações sexuais. Esses dados apontam para uma associação entre a frequência anterior do uso do preservativo e a manutenção do seu uso diante de uma relação estável.

A partir dos dados apresentados, observa-se uma diferença entre os jovens que sempre utilizam o preservativo e aqueles que utilizam eventualmente de aproximadamente 40%, com relação ao desuso após algum tempo de relação com o parceiro, uma vez que, dentre os jovens que utilizavam o preservativo eventualmente, 55,3% deixam de usá-lo quando estão se relacionando há algum tempo, enquanto apenas 16% dentre aqueles que utilizavam o preservativo em todas as relações sexuais deixam de fazer uso dele.

Muitos jovens identificam que a prevenção é um elemento importante na prática sexual, entretanto, abdicam dela a partir do momento em que sentem confiança no parceiro. A confiança é um sentimento que se estabelece em função do tempo de relacionamento, uma vez que os adolescentes acreditam que, com a evolução temporal, a relação adquire estabilidade e, consequentemente, fidelidade.10

Desta forma, a confiança assume um papel crucial na ausência de comportamento preventivo consciente e esclarecido, principalmente entre as mulheres,10 que substituem o preservativo pela crença na fidelidade e na confiança12. Deste modo, a vulnerabilidade feminina aumenta na medida em que as mulheres não se sentem confiantes para a negociação e o domínio das suas relações sexuais, tanto em termos de fidelidade mútua quanto de utilização do preservativo pelo homem.5

A interrupção do uso de preservativos no processo de construção de relacionamentos estáveis tem raiz no estimulado contexto de confiança mútua que deve caracterizar os casais. As construções sociais hegemônicas no país não incentivam a adoção do condon nesta situação e, ao mesmo tempo, tendem a impedir o estabelecimento de um diálogo em que as diversas facetas desta complexa situação sejam expostas, não a reduzindo, exclusivamente, à discussão polarizada entre fidelidade e infidelidade.

Deve-se pontuar, ainda, as dificuldades reais e imaginárias no processo de negociação da utilização do preservativo. Dentre as reais, têm-se conhecimento dos episódios de agressão física ou das ameaças de término do relacionamento, às vezes essenciais para a sobrevida de um dos parceiros ou da manutenção de sua sanidade mental. As imaginárias incluem, entre várias questões, a exposição pessoal à suspeita alheia com todas as consequências oriundas desta situação.8

Um estudo realizado no estado de São Paulo identificou que os jovens justificam o fato de não se prevenirem ao manterem um relacionamento estável pela confiança no parceiro com quem se relaciona há algum tempo, uma vez que "eles não usam drogas e/ou não se relacionam com outras pessoas". Referem, ainda, que o preservativo deve ser utilizado apenas quando não se conhece muito bem a pessoa. Associado a isso, pontuam a sensação de diminuição do prazer ao utilizarem o preservativo masculino, sendo este outro fator que contribui para o seu abandono.7

Com base em outro estudo realizado com adolescentes no município de Fortaleza, constatou-se que a maioria das jovens estudadas tem dificuldade de se pensar como um ser autônomo.2 Este fato reforça a dificuldade de negociar o uso do preservativo com o parceiro. As mulheres, normalmente, costumam se envolver mais com as consequências dos seus atos no campo da sexualidade, enquanto os homens vivenciam sua sexualidade de forma mais despreocupada. Eles também demonstram menos conhecimentos sobre as diversas estratégias possíveis de serem utilizadas, a fim de cuidar da saúde sexual e reprodutiva.2

De acordo com a Tabela 4, observa-se que a utilização de pílulas anticoncepcionais teve associação estatística com a ausência de uso de preservativos (p=0,00). Destaca-se que, para este cruzamento, utilizamos um quantitativo total de 240 jovens, que corresponde às adolescentes do sexo feminino, visto que uma das variáveis analisadas se refere ao uso de pílulas anticoncepcionais, restrita ao grupo feminino. Dentre os adolescentes que não utilizam preservativos, 58,5% fazem uso de anticoncepcionais orais. No que se refere àqueles que utilizam o preservativo em todas as relações sexuais, 60,8% não usam pílulas anticoncepcionais.

 

 

Cabe considerar que é alto o percentual de jovens que, ao utilizarem pílulas anticoncepcionais, abrem mão do uso de preservativos. Assim, dentre as 105 adolescentes que fazem uso da pílula anticoncepcional, apenas 40 (38,1%) utilizam o preservativo em todas as relações sexuais. Neste sentido, faz-se menção à preocupação existente com relação às práticas preventivas adotadas pelas mulheres, uma vez que, em meio à disseminação da AIDS, em que cada vez mais adolescentes especialmente as mulheres - têm se contaminado com o vírus, ocorre paralelamente uma disseminação da pílula anticoncepcional, facilitando o abandono do preservativo adotado como método anticoncepcional.

Outro resultado que chama atenção é que 38,1% das mulheres que fazem uso do anticoncepcional oral e 46,28% daquelas que não fazem uso do anticoncepcional oral utilizam o preservativo em todas as relações sexuais. Este fato sugere que a negociação do uso do preservativo associada à pílula surge como uma dupla proteção, servindo para prevenir a gravidez, como também as DST e a AIDS10, mas também que a ausência do uso do anticoncepcional oral favorece a maior utilização do preservativo. Os anticoncepcionais orais são muito utilizados pelos adolescentes devido à divulgação existente sobre o seu uso, à sua eficácia e à facilidade de compra. No entanto, os preservativos são mais adequados para esta faixa etária, uma vez que, além da contracepção, atuam também na prevenção de DST e da AIDS, não apresentam efeitos colaterais e são de baixo custo.13

Percebe-se que, mesmo apresentando conhecimento sobre o tema, os adolescentes, na prática, permanecem expostos a riscos que podem acarretar consequências importantes para sua vida. Sabe-se que, além de fornecer informação, é necessário se aproximar e conhecer o universo dos adolescentes para descobrir as causas da divergência existente entre teoria e prática.

Diante disso, destaca-se que a família, o posto de saúde, os meios de comunicação, os amigos e a escola são os locais onde os jovens buscam informações sobre saúde. Destes, a família aparece em primeiro lugar, seguida do posto de saúde, dos meios de comunicação e, por último, da escola, conforme podemos observar na Quadro 1. Cabe destacar que a diferença quantitativa observada no total se justifica pelo fato de o adolescente possuir mais de uma opção de resposta dentre as fontes de informação apresentadas.

 

 

O Quadro 1 demonstra que, no que diz respeito à busca de informações sobre saúde (e, portanto, também sobre doença), a maioria (20,4%) das respostas atribuídas pelos jovens se relaciona à família, seguida de um percentual de 19,7% que têm como fonte os postos de saúde, 18,7% jornais e revistas, 16,9% rádio e televisão, 14,2% amigos e 10,1%, a escola. Ressaltam-se, portanto, as primeiras fontes, o que chama a atenção para a pouca citação da escola e dos professores e a educação sexual nas escolas.

A busca de informação no ambiente familiar é um dado surpreendente, pois demonstra um núcleo participativo junto a esses adolescentes. Entretanto, a família tanto pode ser um recurso para o crescimento e o desenvolvimento saudável de seus jovens como também pode ser uma limitação nesse processo.14 Esta instância social precisa ser apreendida em sua historicidade e permanente transformação, envolvendo finalidades, estruturas, conformações e significados diversos, bem como compromissos mútuos, interações, desempenho de papéis e transmissão de cultura, hábitos, valores e modos de vida.1

A busca de informações por meio dos jornais e das revistas é bastante frequente entre os jovens (18,7%), bem como pelo rádio e da televisão (16,9%). Neste sentido, pode-se inferir que os meios de comunicação tornaram-se uma das principais fontes para o jovem no que diz respeito à saúde e à sexualidade. A mídia apresenta de forma frequente imagens ilusórias do que é a sexualidade e do que é uma relação sexual, o que acaba por influenciar diretamente os jovens sobre as formas de prevenção existente e como fazer uso delas ou, até mesmo, como não usá-las. Deve-se ter um olhar voltado para a importância dos meios de comunicação nas atitudes e nas práticas dos adolescentes, uma vez que um número significativo de jovens busca informações nestas fontes.

Com isso, acreditamos que o simples repasse de informação ao jovem sobre a necessidade de usar o preservativo não tem eficácia sobre o seu comportamento, mas é preciso compreender o ponto de vista do jovem e orientá-lo sobre a importância de sua utilização, mostrando que o preservativo pode ser uma estratégia interessante em sua vida sexual, em que o relacionamento e o prazer são mantidos sem as consequências indesejáveis, como gravidez e diversas doenças. Neste contexto, o conhecimento necessita ser negociado, levando-se em consideração a cultura e o saber que caracterizam o grupo, especialmente os comportamentos que dão sustentação à existência e à manutenção do grupo como tal, de maneira que se supere a relação de orientação moral para uma de decisão responsável e esclarecida, em que pese os diversos fatores que aumentam o grau de vulnerabilidade desses indivíduos.

A escola foi o meio menos procurado para se obter informações sobre a saúde, quando deveria ser um dos principais meios para este tipo de ação, pois é lá que o jovem passa considerável parte do seu tempo e é para este universo que leva suas dúvidas. A escola é um espaço social significativo para onde o adolescente pode levar suas experiências de vida, suas curiosidades, fantasias, dúvidas e inquietações sobre a sexualidade. Este fato demonstra a necessidade de maior compreensão das dificuldades dos professores em abordar o tema, bem como das suas representações, de forma que a escola exerça um dos seus principais papéis na sociedade: a de educadora e de formadora de conceitos e representações.15

O ambiente escolar tem um significado particular na vida dos jovens, pois proporciona o exercício de sua identidade para além da família, permite o estabelecimento de contatos com contextos ricos e diferenciados e cria condições para a produção e o acesso a novos saberes e ao conhecimento socialmente produzido e sistematizado.1

 

CONCLUSÃO

De acordo com os resultados apresentados, conclui-se que a divulgação em massa contribui para a disseminação da noção de importância do uso do preservativo. No entanto, observa-se que há defasagem entre o conhecimento dos adolescentes e suas práticas. Essas, possivelmente, estão associadas à constituição de questões imaginárias ancoradas no pensamento mágico e se expressam pela sensação de invulnerabilidade e também pela não incorporação dos conhecimentos veiculados, tornando os jovens mais expostos ao contágio das DST e do HIV.

Fica claro que, para a conscientização do jovem acerca da prevenção, não é suficiente apenas conhecer os métodos, mas também saber sua eficácia, sua importância, o acesso a eles, a forma correta de sua utilização e as possíveis consequências do seu não uso. Torna-se necessária a ocorrência de práticas educativas de acordo com a cultura, a visão de mundo e a realidade da faixa etária a que se quer atingir, uma vez que o tipo de informação fornecido, na maioria da vezes, apresenta-se como sendo simples diante da complexidade do assunto.

A orientação que ocorre dentro do contexto familiar, e não apenas por meio de amigos e da mídia, pode ser positiva. No entanto, deve-se considerar que o exercício da sexualidade ainda é um tabu em nossa sociedade, sendo o preconceito acentuado pelas gerações que ancoram o exercício sexual em crenças que o associam a moralidade desviante, comportamento pecaminoso e ausência de diálogo. Existem também dificuldades no processo educacional, no qual a escola poderia desempenhar um papel importante, tanto na informação de qualidade quanto na educação para o desempenho de uma prática sexual segura, mas o observado neste estudo é a quase ausência de atuação da instituição escolar como fonte de informação sobre o tema.

Neste contexto, os professores, muitas vezes sem suporte psicológico, material, humano e social, necessitam oferecer respostas a demandas complexas dos adolescentes, como o relacionamento do exercício da sexualidade e os papéis sociais e sexuais impostos pela sociedade, nem sempre estando adequadamente preparados para isso. Além disso, os docentes estão entre os adolescentes e os familiares, como uma figura de poder relativo para os alunos, por vezes vivenciando situações de conflito de papéis e de diferentes visões de mundo.

A adolescência é uma fase de mudanças e descobertas, inclusive no que diz respeito à sexualidade, e, para que isto ocorra de forma segura, necessita-se de práticas de cuidado mais efetivas e que de fato alcancem o grupo jovem. No entanto, observa-se que muitos jovens ainda não utilizam o conhecimento que têm em sua prática cotidiana, o que pode ser atribuído à ideia de invulnerabilidade, ao estabelecimento de um relacionamento estável, ao uso de métodos contraceptivos e ao desconforto atribuído ao uso do preservativo, dentre outros.

Esse quadro pode ser alterado à medida que se aumente a ação das equipes de saúde, especialmente a partir de práticas educativas. Existe, assim, necessidade de maior atuação na área de saúde sexual em atenção primária (prevenção de doenças e promoção da saúde), interrompendo a cadeia de transmissão e prevenindo novos casos entre adolescentes.

Conclui-se, dessa forma, a necessidade de uma articulação entre as equipes de saúde, a família e a escola, e esta deve atuar cada vez mais na educação sexual dos adolescentes. Sendo assim, a saúde dos adolescentes necessita de um olhar diferenciado e multidisciplinar, a fim de assegurar a passagem por essa etapa da vida com riscos biológicos ou emocionais reduzidos, por meio do cuidado com abordagem técnica segura e humanizada.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 07/01/2009
Reapresentado em 13/04/2009
Aprovado em 11/05/2009

 

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