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Ministério da Educação
CAPES

Volume 13, Número 4, Out/Dez - 2009

PESQUISA

 

As práticas lúdicas no cotidiano do cuidar em enfermagem pediátrica

 

The playful in the daily practices of care in pediatric nursing

 

Prácticas lúdicas en el contexto del cuidado en enfermería pediátrica

 

 

Tábatta Renata Pereira de Brito I; Zélia Marilda Rodrigues Resck II; Denis da Silva MoreiraIII; Soraia Matilde Marques IV

IDiscente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas-UNIFAL-MG, bolsista do PIBIC/CNPq. Brasil. E-mail: tabatta_renata@hotmail.com,
IIDoutora em Enfermagem, Professora Associada do Departamento de Enfermagem da UNIFAL-MG. Brasil. E-mail: zeliamarildar@bol.com.br,
IIIDoutor em Enfermagem, Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem da UNIFAL-MG. Brasil. E-mail: denisiasd@yahoo.com.br,
IVMestre em Enfermagem, Professora Assistente do Departamento de Enfermagem da UNIFAL-MG. Brasil. E-mail: soraiamm@terra.com.br

 

 


RESUMO

Ainda que a ludicoterapia tenha valor terapêutico na hospitalização e necessite ser incorporada no processo de cuidar em Enfermagem Pediátrica, sua utilização não é efetiva nas instituições brasileiras. Sendo assim, objetiva-se apreender dos acadêmicos de Enfermagem o fazer práticas lúdicas com crianças hospitalizadas durante a formação profissional. Metodologicamente, adotou-se a abordagem qualitativa fenomenológica, considerando 16 acadêmicos do oitavo período do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas, após Consentimento Livre e Esclarecido. Utilizou-se entrevista aberta com a questão norteadora: Como são as atividades lúdicas no cotidiano de trabalho em Unidade Pediátrica? Os resultados são evidenciados pelas categorias motivação/gratificação, falta de empenho e iniciativa, e impotência. Por conseguinte, considerou-se que a inserção do lúdico em pediatria se processa gradativamente, e que o fazer práticas lúdicas implica rever a formação acadêmica, tornando a articulação ensino/pesquisa/extensão forte e coerente, para que os conteúdos enfatizem a humanização e integralização da assistência.

Palavras-chave: Pediatria. Hospitalização. Cuidados de Enfermagem.


ABSTRACT

Although the playfultherapy has therapeutic value in the hospitalization and need to be incorporate in the process of taking care in Pediatric Nursing, her use is not effective in the Brazilian institutions. Being like this, it is aimed to apprehend from the academics of Nursing doing playful practices with children hospitalized during the professional studies. Methodologically was adopted the approach qualitative phenomenological, with sample of 16 academics of the eighth period of the Nursing Course at the Universidade Federal de Alfenas, after Free Consent and Clarification. It was used open interviews with the subject oriented: How are the playful activities applied in the daily of work in Pediatric Unit? The results are evidenced by the categories motivation/gratification, lack of pledge and initiative, and impotence. Consequently, it was considered that the insert of the playful in pediatrics is a gradual process, and that doing playful practices implicates in reviewing the academic studies, turning the articulation strong and coherent teaching/research/extension, for the contents to emphasize the humanization and the assistance integralization.

Keywords: Pediatrics. Hospitalization. Nursing Care.


RESUMEN

Aún cuando la ludoterapia tiene valor terapéutico en el ámbito de la hospitalización y es importante incorporarla al proceso del cuidado de enfermería pediátrica, en las instituciones brasileñas esta técnica no es puesta en práctica. Por lo tanto, el objetivo concreto es aprender de los estudiantes de enfermería como realizar estas prácticas lúdicas con niños hospitalizados durante su formación profesional. La metodología utilizada en el presente estudio fue el abordaje cualitativo fenomenológico. Participaron 17 estudiantes del octavo periodo del curso de enfermería de la Universidad Federal de Alfenas, con previa autorización de los mismos. Se utilizó la entrevista abierta, y la siguiente pregunta como guía: ¿Cómo son las actividades recreativas en el trabajo cotidiano en la Unidad de Pediatría? Una mejor percepción de los resultados se presentó al organizar el material bajo las siguientes categorías: la motivación/gratificación, la falta de compromiso e iniciativa, y la impotencia. Por lo tanto, se concluyó que la inclusión de elementos lúdicos en las prácticas pediátricas se presentó de forma paulatina, y que el hecho de realizar prácticas lúdicas implica hacer una revisión de la formación académica, convirtiendo la coyuntura enseñanza-investigación - educación en un vínculo fuerte y coherente, logrando así, que los contenidos enfaticen la humanización e integración de la asistencia.

Palabras clave: Pediatría. Hospitalización. Cuidados de Enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO

Especialmente em Pediatria, o enfermeiro deve saber que, no contexto hospitalar, a criança perde suas referências por estar longe de casa e de tudo que é comum em suas rotinas diárias, e que o hospital gera medo e restrições, devido ao seu quadro clínico. Considerando que a criança exige maior atenção e cuidados, e que qualquer desestruturação em sua faixa etária interfere na qualidade de vida e em seu pleno desenvolvimento, aponta-se que a inserção das atividades lúdicas no processo de cuidar em Enfermagem Pediátrica pode contribuir na diminuição dos efeitos estressores da hospitalização e tornar a assistência prestada consideravelmente mais humanizada.¹

Alguns estudos revelam o lúdico como uma medida terapêutica, que promove a continuidade do desenvolvimento infantil e possibilita o restabelecimento físico e emocional, por tornar a hospitalização menos traumatizante. O brincar ainda reduz tensão, raiva, frustração, conflito e ansiedade, e funciona como atividade-meio entre a criança e o profissional, pois facilita atingir os objetivos anteriormente estabelecidos.1,2,3

Mesmo reconhecendo-se a importância e a necessidade de incorporar o lúdico no processo de cuidar em Enfermagem Pediátrica, a utilização deste recurso não é efetiva nas instituições de saúde brasileiras. Observa-se que esta possibilidade não é explorada ou que os profissionais não são especializados e conscientes, simplesmente manipulam o brinquedo, o que não demonstra o potencial total da ludicoterapia.

Diante do exposto, esta investigação tem como objetivo apreender dos acadêmicos de Enfermagem o fazer práticas lúdicas com crianças hospitalizadas durante a formação profissional, considerando-se que a humanização e a inclusão do lúdico, no cotidiano das práticas no hospital, contribuem com a formação acadêmica e o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias ao cuidar, inerente dos futuros enfermeiros.

 

REVISÃO DE LITERATURA

Como uma arte, a Enfermagem consiste em cuidar dos seres humanos sadios e doentes, cujas ações têm por base princípios científicos e administrativos; como ciência, a Enfermagem é fundamentada no estudo e na compreensão das leis da vida. A arte e a ciência da Enfermagem revelam suas ações que são entendidas como cuidar-educar-pesquisar, e quando interligadas, compõem as dimensões da atuação dos enfermeiros.4

O ambiente físico e os recursos materiais e tecnológicos são importantes para a atuação em Enfermagem, porém a humanização é, sem dúvida, essencial. Como parte da filosofia de atuação profissional, a humanização faz com que o enfermeiro tenha seus pensamentos e suas ações guiadas para a criação de uma consciência crítica e construtora de uma nova realidade que enfatize a integralização da assistência. Sendo assim, promover saúde não se restringe à ordem curativa e à redução do tempo de permanência no hospital, e, sim, à necessidade de se ajudar a criança a atravessar a situação de hospitalização ou de doença com mais benefícios que prejuízos. Atitudes nesse sentido podem transformar uma situação de sofrimento e dor em experiências ricas em conteúdos que contribuam para a saúde da criança.

No contexto hospitalar, a criança encontra-se afastada de seu ambiente familiar, de seus amigos, da escola e de seus objetos pessoais, perdendo assim grande parte de suas referências. Além disso, há a possibilidade de ter seu corpo submetido a processos dolorosos e desagradáveis. Dessa forma, a atmosfera do hospital pode ter impacto sobre o estado psicológico da criança. Nesse sentido, desde a década de 1970, estudos referem que algumas manifestações da criança são comuns durante a hospitalização: regressões, diminuição no ritmo do desenvolvimento, desordens do sono e da alimentação, dependência, agressividade, apatia, estados depressivos, fobias e transtornos de comportamento em geral.5

Tratando-se de crianças hospitalizadas, o brinquedo tem um importante valor terapêutico, influenciando no restabelecimento físico e emocional, pois pode tornar o processo de hospitalização menos traumatizante e mais alegre, fornecendo melhores condições para a recuperação.² O brincar pode ser visto como um espaço terapêutico capaz de promover não só a continuidade do desenvolvimento infantil, como também a possibilidade de, por seu intermédio, a criança hospitalizada melhor elaborar esse momento específico em que vive.¹

A existência de um espaço dedicado ao brincar dentro de um hospital reflete a preocupação com o bem-estar global do indivíduo, proporcionando maior confiança nos pacientes e em seus familiares. Contribui também para a desmistificação do ambiente hospitalar, comumente percebido como hostil, uma vez que a possibilidade de brincar no hospital permitiria a visão desse ambiente como bom e agradável.³ Quando as pessoas vivenciam a hospitalização, a qualidade do ambiente pode afetar diretamente no processo de recuperação. Nesse sentido, as intervenções no contexto hospitalar devem visar à promoção de condições favoráveis à reabilitação dos efeitos de experiências adversas ao desenvolvimento das crianças. O ambiente deve incentivar a saúde e deve ser organizado de maneira que atenda melhor às necessidades dos pacientes, considerando-se os aspectos psicológicos, pedagógicos e sociológicos da criança e de sua família.³

Ainda em relação ao ambiente hospitalar, observamos que a criança que convive com o risco de morte e com restrições devido ao seu quadro clínico pode ter o sofrimento e as possíveis sequelas causadas por internação minimizados quando se oferece um ambiente estruturado especificamente para favorecer o seu desenvolvimento. Esse tipo de ambiente deve contemplar uma equipe de profissionais especializados e conscientes das necessidades globais das crianças e adolescentes.3,6

A perspectiva da utilização do brinquedo em Enfermagem Pediátrica é a de servir como meio de comunicação entre os profissionais e a criança e detectar a singularidade de cada uma. Do ponto de vista da criança, ele promove o desenvolvimento físico, psicológico, social e moral; ajuda-a a perceber o que ocorre consigo, libera temores, raiva, frustração e ansiedade. Ajuda a criança, ainda, a revelar seus pensamentos e sentimentos, promovendo satisfação, diversão e espontaneidade, favorecendo o exercício de suas potencialidades.²

Dessa maneira, a presença do lúdico funciona como elo entre a criança e os profissionais de saúde, caracterizando-se como uma atividade-meio, ou seja, um recurso que tem como finalidade facilitar ou conduzir aos objetivos estabelecidos.7

Mesmo diante das vantagens e benefícios da utilização do lúdico em pediatria, observa-se na realidade, a simples manipulação do brinquedo, o que não demonstra o potencial do lúdico no desenvolvimento global da criança. Isso decorre, provavelmente, do escasso conhecimento sobre o tema.8

Os exemplos da inclusão do lúdico no hospital demonstram que a forma de atendimento em unidades hospitalares e de promoção à saúde atravessa um momento de transformação, no qual se deixa de focalizar apenas a doença para enxergar o indivíduo como um todo, englobando, na prestação de assistência, cuidados com os aspectos psicológicos, sociais e culturais, além dos físicos. Esse processo tem sido lento e gradativo, mas algumas experiências realizadas anteriormente comprovam que ações criativas, com foco mais na conscientização da equipe profissional do que nos recursos financeiros, são capazes de produzir resultados recompensadores não só para os pacientes, mas também para os trabalhadores da instituição. Esses, por sua vez, passam a conviver em um ambiente mais harmônico, diminuindo, assim, a ansiedade que permeia vida e morte no dia-a-dia hospitalar.3 O brincar deve ser considerado, pelo enfermeiro, a maneira mais adequada de se aproximar da criança, capaz de desenvolver uma empatia entre ambos, de ver e compreender o mundo com os olhos da criança e de estabelecer vínculos de amizade e amor entre enfermeiro-criança-família.9

A motivação para o desenvolvimento desta investigação científica foi a sensibilização pela importância da humanização hospitalar, não apenas como exigência do Ministério da Saúde no processo de Humanização de Atenção a Saúde, mas pelo próprio processo de cuidar, inerente dos profissionais de enfermagem.

Além disso, a importância da prática de atividades lúdicas na minimização dos efeitos estressores causados pela hospitalização, vivenciadas em atividades extensionistas, possibilitou que a motivação por esse tema aflorasse.

Justifica-se, assim, este estudo pela relevância atribuída à inclusão do lúdico no hospital e pelo reconhecido da influência estressora do ambiente hospitalar e, ainda, por vivenciar a visão limitada dos profissionais de saúde sobre o comportamento de brincar, principalmente com as crianças hospitalizadas, no cotidiano das atividades práticas hospitalares. Conhecendo a percepção de futuros enfermeiros sobre a prática lúdica no cotidiano das atividades pré-profissionais, será possível propor estratégias da inserção do lúdico, não como recurso complementar, mas como habilidades e competências do profissional no processo de cuidar.

 

CAMINHO METODOLÓGICO

Para o alcance do objetivo proposto, dentro da temática A percepção do Acadêmico de Enfermagem em relação à realização de práticas lúdicas no cotidiano de fazer em Enfermagem Pediátrica, adotou-se a metodologia qualitativa fenomenológica, fundamentada na Fenomenologia Existencial, traduzida pelo pensamento de Maurice Merleau-Ponty.10

Essa vertente tem como enfoque primordial a investigação direta e a descrição de fenômenos que são experienciados pela consciência, sem preocupação sobre sua explicação causal, livre de preconceitos e pressupostos.10 Visa redescobrir o que são as coisas nelas mesmas, tais como se mostram ou aparecem à consciência perceptiva.

A fenomenologia descreve a experiência do homem tal como ela é, e não segundo as proposições pré-estabelecidas pelas ciências naturais. Para se conhecer a experiência humana, não se pode adotar os mesmos procedimentos pelos quais se conhece a realidade física ou biológica. Sendo assim, é necessário um método próprio, que focalize a experiência vivida e a sua significação. A tarefa da fenomenologia é a explicitação da correlação entre consciência e mundo.11

Para o exame das experiências vividas e dos significados a elas atribuídos, a Fenomenologia Existencial, à luz de Merleau-Ponty, como método de pesquisa, fica caracterizada pela descrição, redução e compreensão, sendo que o último momento aponta para uma interpretação.12, 13

O primeiro momento da trajetória na pesquisa é a descrição fenomenológica, que, na visão de Merleau-Ponty, compõe-se por três elementos, que são a percepção, a consciência que se dirige para o mundo-vida e o sujeito que se vê capaz de experimentar o corpo vivido por meio da consciência. Assim, o discurso obtido, constituído de elementos estruturais do fenômeno a ser desvelado, representa o que está articulado na inteligibilidade do sujeito e que se mostra através da fala.12, 13

A redução fenomenológica é o segundo momento da trajetória e objetiva apreender as partes da descrição que são consideradas essenciais, utilizando-se a variação imaginativa. Consiste então, na busca, pelo pesquisador, das proposições que lhe são significativas e que permitem compreender aquilo que é essencial ao fenômeno em questão, a partir do discurso do sujeito. Por conseguinte, o pesquisador imagina cada parte como estando presente ou ausente na experiência, até que a descrição seja reduzida ao essencial para a existência da consciência da experiência. É um procedimento planejado para se retornar a experiência vivida pelos sujeitos, deixando de lado qualquer crença, teoria ou explicação.12, 13

O próximo momento é a compreensão fenomenológica, que ocorre quando as expressões ingênuas do discurso são substituídas por expressões próprias do pesquisador, que representam aquilo que está sendo buscado. É um pensar sobre os significados, contemplado pela análise ideográfica e nomotética. Na análise ideográfica, o alvo é a apreensão da ideologia que subjaz nos relatos de cada sujeito pesquisado; na análise nomotética, é a apreensão geral do que se mostra nos casos individuais. Com esta compreensão interpretativa elabora-se a construção final dos resultados, objetivando apropriar-se daquilo que se estuda em sua intenção total.12,13

Sujeitos do Estudo

Os sujeitos desta investigação foram 16 acadêmicos do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas, UNIFAL-MG, devidamente matriculados no oitavo período e que aceitaram participar da investigação. Justifica-se a escolha de tais acadêmicos, levando-se em consideração o fato de que já passaram pelas práticas e estágios em Unidade Pediátrica. Os sujeitos foram identificados com a sigla E (entrevistado), seguido de um número arábico de acordo com a ordem cronológica da realização da entrevista, a fim de garantir o seu anonimato.

Cenário da Investigação

As entrevistas foram agendadas em concordância com o sujeito, conforme a disponibilidade dos mesmos. A coleta de dados foi realizada em local reservado, pré-fixado, evitando-se interrupções, no prédio onde funciona o Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas, UNIFAL-MG.

Período da Investigação

A investigação foi desenvolvida no período de outubro e novembro do ano de 2007, considerando que todos os acadêmicos tinham passado pela experiência em Unidade Pediátrica.

Técnica de investigação/Questão Norteadora

Utilizou-se para investigação a técnica da entrevista aberta, que assegura possibilidades indefinidas de aprofundamento dos entrevistados no tema. As entrevistas foram previamente agendadas. E, para direcionar a abordagem dos sujeitos durante a investigação, utilizou-se a seguinte questão norteadora: Como são as atividades lúdicas no cotidiano de trabalho em Unidade Pediátrica?

As entrevistas foram gravadas, utilizando-se gravador MP3, e não excederam ao tempo de trinta minutos, sendo necessário repetir a questão norteadora por duas a quatro vezes, evitando-se as inferências.

Aspectos Éticos e Legais

A realização desse trabalho foi apoiada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica/CNPq (PIBIC/CNPq), por meio de bolsa de iniciação científica. A pesquisa foi autorizada pela Coordenação do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas, UNIFAL-MG, e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da mesma universidade no dia 06 de julho de 2007, com o protocolo de n° 23087.001057/2007-01. Cumprindo ainda o protocolo de aspectos éticos exigidos pela Resolução 196/9614, sobre a regulamentação de pesquisas em seres humanos, o sujeito da investigação foi voluntário, sendo esclarecido sobre o tema e a finalidade da pesquisa. Assim, o sujeito assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que garante o anonimato, o sigilo e o direito de desistência durante a realização do estudo.

 

ANÁLISE COMPREENSIVA DOS DISCURSOS

No primeiro momento da trajetória fenomenológica, deu-se a descrição do fenômeno, ou seja, os discursos obtidos foram transcritos integralmente. Em um segundo momento, os discursos foram reduzidos e esquematizados por meio de unidades de significado que expressaram a percepção do acadêmico de enfermagem em relação ao fazer práticas lúdicas com crianças hospitalizadas.

As unidades de significado foram agrupadas em categorias, e, de acordo com as falas dos sujeitos, obtivemos três categorias: motivação/gratificação, falta de empenho e de iniciativa, e impotência.

Motivação/Gratificação

Esta categoria diz respeito à motivação para a realização de práticas lúdicas exercidas por meio de atividades extensionistas, e a consequente gratificação proporcionada pelos resultados positivos alcançados, sendo possível inferir a importância da articulação ensino/pesquisa/extensão expressa nos depoimentos.

A extensão universitária, segundo Marcovitch,15 é benéfica para a formação de recursos humanos nas escolas de Enfermagem, pois uma de suas premissas é democratizar o saber acadêmico, por meio de propostas e estudos estratégicos, o que oferece oportunidade de atualização em diversas modalidades de ensino.

Ao desvelar o conhecimento adquirido em um programa de extensão, E13 confirma os autores anteriormente citados, quando diz:

[...] particularmente tive a experiência de entrar no projeto de extensão no começo do curso... participei desse projeto de extensão...ele era voltado exclusivamente para a Pediatria... a gente aprendeu muita...muita técnica...muita coisa diferente para desenvolver com as crianças [...](E13)

Principalmente na área de saúde, a extensão assume particular importância na medida em que se integra à rede assistencial e pode servir de espaço diferenciado para novas experiências voltadas à humanização, ao cuidado e à qualificação da atenção à saúde.16 A gratificação, quando se realiza a prática lúdica, é percebida pela descontração do cliente ao observar a melhora do quadro. É o que expressa E11, ao relatar:

[...] a gente vê a importância desse trabalho não só em criança, mas também... na recuperação do adulto...atenção...ela[criança] começa a confiar mais no profissional e já começa a ser participante no processo de cuidar mesmo...e além disso a criança, acaba que ela se solta mais...ela começa a perder seus medos...então é muito mais interessante trabalhar nesse sentido[...](E11)

Esse mesmo sentimento é experimentado por E16:

[...] brincadeiras ajudam na assistência...ia criando aquele vínculo...às vezes a criança ficava lá cinco dias...e no primeiro dia ela ficava assustada e depois ela já aceitava normal...fazia a medicação...já participava da medicação...já sabia...já entendia...sabia até o horário...já sabia que não doía...ela mesmo já discutia sobre o tratamento...passava a entender.(E16)

O discurso ainda desvela que a promoção do lúdico na ótica dos profissionais de saúde pode ser uma ferramenta significativa para que lidem com questões, tais como: a integralidade da atenção; a adesão ao tratamento; o estabelecimento de canais que facilitem a comunicação entre criança, profissional de saúde e acompanhante; a manutenção dos direitos da criança; a (res)significação da doença por parte dos sujeitos.6

A relevância das atividades extensionistas abre caminhos para elucidar um ponto de fundamental importância: a articulação ensino/pesquisa/extensão. Segundo Hennington,16 os programas de extensão universitária desvelam a importância de sua existência na relação estabelecida entre instituição e sociedade, que se consolida pela aproximação e pela troca de conhecimentos e experiências entre professores, alunos e população, pela possibilidade de desenvolvimento de processos de ensino-aprendizagem a partir de práticas cotidianas aliadas ao ensino e pesquisa, especialmente pelo fato de propiciar o confronto da teoria com o mundo real de necessidades e desejos. A partir disso, fica clara a indissociação ensino/pesquisa/extensão no processo ensino-aprendizagem; no entanto, uma vez que nem todos os acadêmicos têm a oportunidade de participar de atividades extensionistas, E13 explicita sua vivência com os que não tiveram essa oportunidade:

[...] depois quando a gente fez estágio no sexto período na Pediatria... eu exclusivamente...desenvolvi as coisas que eu já sabia...por causa desse projeto...a faculdade me incentivou a desenvolver essas coisas...quando eu estava no projeto... se eu não tivesse entrado nesse projeto de extensão...eu acho que eu não desenvolveria tantas coisas específicas...quanto as que eu desenvolvi [...](E13)

Falta de empenho e iniciativa

O pouco envolvimento e sensibilização com a prática lúdica do acadêmico de Enfermagem é fator característico dessa categoria, que colabora para que o fazer esteja carente de empenho e de iniciativa.

No dia-a-dia hospitalar, observa-se que ainda são poucos os enfermeiros que abordam com a clientela infantil temáticas que se distanciam da dimensão técnica do cuidado ou do cumprimento das rotinas hospitalares. Muitas vezes passa despercebida ao próprio enfermeiro a possibilidade de desempenhar ações que possam trazer à criança o alento de que necessita para enfrentar o agravo à sua saúde, o tratamento e a permanência no ambiente hospitalar,17 como evidenciam os depoimentos de E10 e E2:

[...] atividade lúdica... na verdade acho que a gente não fez assim muita coisa...a gente mexeu muito com técnica, aprendemos a usar técnicas, mas na teoria a gente aprende a questão de brinquedos, dos livros... a importância dos brinquedos para as atividades lúdicas para as crianças. (E10)

[...] a gente não desenvolveu muito as atividades não, mas... as crianças iam pra sala de recreação, ficavam assistindo televisão, tem os brinquedos lá...mais com eles mesmos, a gente não ficou muito realizando as atividades não.(E2)

É imprescindível resgatar na formação profissional que a Enfermagem é uma profissão interativa, que é necessário ao enfermeiro repensar seus valores e atitudes na relação com os pacientes, com o objetivo de buscar a dignidade humana, o respeito e a valorização da vida e da qualidade do viver.17

É possível inferir que, para os sujeitos desta investigação, a evolução do entendimento sobre o fazer práticas lúdicas no cotidiano do cuidar de crianças hospitalizadas ainda não foi alcançada por todos, como complementam os depoimentos de E7 e E8:

[...] apesar de saber que é importante, foi passado isso...na matéria de Pediatria...nós aprendemos com o professor...Ele falou sobre a importância...mas...durante o estágio na pediatria eu não desenvolvi nenhum tipo de atividade lúdica.(E7)

[...] aprendemos... até...como fazer...se a gente fosse trabalhar numa Unidade Pediátrica, como a gente deveria fazer...infelizmente eu não realizei nenhum tipo de atividade lúdica durante o meu período acadêmico.(E8)

O sistema de crenças dos profissionais de saúde interfere na forma de lidar com o brincar nas unidades pediátricas. Assim as crianças hospitalizadas sofrem restrições desnecessárias, que poderiam ser evitadas se o nível de informação sobre essa temática fosse maior. Faz-se necessário, então, uma discussão maior sobre o tema de forma que propicie uma evolução em seu entendimento, com repercussão positiva, e mais ativa, para as crianças hospitalizadas.7

Impotência

A categorização da impotência remete ao sentimento apreendido nos discursos que mostram a impossibilidade de realizar práticas lúdicas diante da escassez de recursos materiais. Quando os recursos estão presentes, a falta de sua implementação nas práticas é expressa pelos sujeitos.

Com a Política Nacional de Humanização nas instituições públicas de atendimento e promoção à saúde, especificamente com a Lei n°11.104, de 21/03/200518, tornou-se obrigatória a instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação. A implantação dessas áreas é citada por E11:

[...] a gente ainda não tem uma quantidade maior de ferramentas... agora que se montou a... que iniciou a brinquedoteca, então é bastante recente...tá iniciando na Santa Casa esse trabalho[...](E11)

A obrigatoriedade de existência de brinquedotecas e o fato de um espaço dedicado ao brincar dentro de um hospital refletem a preocupação com o bem-estar global do indivíduo, proporcionando maior confiança nos pacientes e em seus familiares.³ Para tanto, nas vivências explicitadas, E3 apresenta que:

[...] no que diz respeito à estrutura física e material pra desenvolvimento de atividades lúdicas ainda tá... bem a desejar...não é completo, não é satisfatório...mais na base do improviso, nada que tenha uma estrutura toda montada assim que atenda certinho... que exija...na implementação dessa prática de brinquedos na Pediatria [...](E3)

Somando-se à esse discurso, E5 e E14 completam:

[...] as atividades lúdicas eram...um pouco deficientes, havia poucos brinquedos para as crianças apesar de haver uma sala de recreação.(E5)

[...] brincava com as poucas coisas que tem lá...mais são mais antigas...mais velhas[...](E14)

Os discursos desvelam que a escassez de recursos ainda é fator limitante para a realização da ludicoterapia. No entanto, algumas experiências comprovam que ações criativas, com foco mais na conscientização da equipe profissional do que nos recursos financeiros, são capazes de produzir resultados recompensadores, não só para os pacientes, mas também para os profissionais de saúde.³

Outros autores reafirmam essa ideia quando dizem que, apesar dos esforços para a implementação do lúdico, ainda se encontram equipes despreparadas e desmotivadas que centram o atendimento na relação queixa-conduta e nos procedimentos.7

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença do lúdico nas Unidades Pediátricas ainda não é uma realidade, e sua inserção se processa gradativamente.

Os sentimentos apreendidos de futuros profissionais de Enfermagem remetem a entraves como: a pouca motivação a que são expostos, a falta de empenho e iniciativa e a impotência em face da escassez de recursos para a realização de atividades lúdicas. O fato é que essas limitações devem ser consideradas no sentido de questionar até que ponto são reais, e a partir de onde se tornam justificativas pouco fundamentadas para o não fazer práticas lúdicas no cotidiano de cuidar em Enfermagem Pediátrica.

Considerando a equipe multiprofissional, o enfermeiro exerce papel fundamental para a humanização do cuidado, pois, dos profissionais, é quem permanece por mais tempo junto ao paciente para realização de procedimentos, desenvolvimento de vínculo e exercício da escuta e é responsável por sua evolução.

Sendo assim, o fazer práticas lúdicas na ótica dos acadêmicos de Enfermagem implica rever a formação acadêmica com o propósito de inserir conteúdos que enfatizem a atual lógica de assistência à saúde: a humanização e a integralização da assistência. Aplicando a humanização no processo de cuidar, é possível vislumbrar a possibilidade de formar profissionais que desenvolvam o cuidado aos pacientes, não só com procedimentos técnicos, mas tendo como foco as necessidades do cliente, observando a maior interação e participação deste no seu processo de recuperação e cura, um cuidado humano e solidário. Somando-se a isso, a articulação ensino/pesquisa/extensão deve ser forte e coerente, no sentido de que estratégias inovadoras, como as práticas lúdicas, não sejam restritas e/ou privilégio de apenas um pequeno segmento acadêmico que teve a possibilidade de desenvolver atividades extensionistas, e sim uma realidade disponível para todos.

 

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18. Lei n° 11.104, de 21 de março de 2005. Dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 21 mar 2005.

 

 

Recebido em 10/10/2008
Reapresentado em 14/03/2009
Aprovado em 10/05/2009

 

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