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CAPES

Volume 13, Número 3, Jul/Set - 2009

PESQUISA

 

A acupuntura na analgesia do parto: percepções das parturientes

 

Acupunture in childbirth analgesia: perceptions of the parturients

 

La acupuntura en la analgesía del parto: percepciones de las parturientas

 

 

Jussara Gue Martini I; Sandra Greice Becker II

I Enfermeira, Dra. em Educação Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Brasil. E-mail: jussarague@gmail.com,
IIEnfermeira, Dda. do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, docente do Departamento de Enfermagem Médico-cirúrgica da Escola de Enfermagem de Manaus na Universidade Federal do Amazonas UFAM. Brasil. E-mail: sgbecker@terra.com.br

 

 


RESUMO

O estudo objetivou conhecer as percepções das parturientes atendidas na Maternidade do Hospital Universitário de Florianópolis (HU) sobre a utilização da acupuntura na analgesia das dores do parto. Por meio de entrevistas com 31 parturientes, atendidas em procedimento de parto normal, em abril de 2005, obteve-se como resultados: 60% das protagonistas do estudo tem de 20 a 30 anos, são procedentes de Florianópolis em 90% dos casos. Uma grande parcela das mulheres atendidas na Maternidade não tem informações sobre o uso da acupuntura no controle das dores obstétricas, atingindo 95% das respostas. Contudo, 70% das entrevistadas acreditam na possibilidade de analgesia por acupuntura e estariam dispostas a experimentar caso disponibilizada na instituição. Tais resultados indicam a necessidade de ampliar os conhecimentos nesta área, bem como da capacitação das equipes de atenção ao parto no uso de outras formas de controle das dores obstétricas.

Palavras-chave: Parto Obstétrico. Analgesia. Acupuntura. Enfermagem. Enfermagem Obstétrica.


ABSTRACT

The study objectified to know the perceptions of the parturients attended in the maternity of the Universitary Hospital of Florianópolis about the use of acupuncture in analgesia of obstetric pains. By interviewing 31 parturients, attended in normal childbirth procedure, in April 2005, the result obtained was: 60% of the protagonists from this study are from twenty to thirty years old, from Florianópolis, in 90 % of the cases. A big parcel of women attended in maternity does not have information about acupuncture use in control of obstetric pains, reaching 95 % of the answers. However, 70% of the interviewed believe in the possibility of analgesia by acupuncture and would be disposed to experiment it, in case it would be available at the institution. Such results indicate the need of amplifying the knowledge in this area, such as qualifying the childbirth attention staff in the use of other ways of controlling obstetric pains.

Key words: Delivery, Obstetric. Analgesia. Acupuncture. Nursing. Obstetrical Nursing


RESUMEN

El objetivo del presente estudio fue conocer las percepciones de las mujeres que dieron a luz atendidas en la Maternidad del Hospital Universitario de Florianópolis (HU) sobre la utilización de la Acupuntura en la analgesia de los dolores del parto. Por medio de entrevistas con 31 parturientas, atendidas en procedimiento de parto normal, en abril de 2005, se obtuvo los siguientes resultados: 60% de las participantes del estudio tienen de veinte a treinta años, procedentes de Florianópolis en 90% de los casos. Un gran porcentaje de las mujeres atendidas en la Maternidad no tienen información sobre el uso de la acupuntura en el control de los dolores obstétricos, observado en 95% de las respuestas. De esta forma, 70% de las entrevistadas creen en la posibilidad de usar analgesias por acupuntura y estarían dispuestas a experimentar, de ser una posibiidade disponible en la institución. Tales resultados indican la necesidad de ampliar los conocimientos en esta área, así como, la necesidad de capacitación de los equipos que prestan atención al los partos con respecto al uso de otras formas de control de los dolores obstétricos.

Palabras clave: Parto Obstétrico. Analgesia. Acupuncture. Enfermeria. Enfermería Obstétrica


 

 

INTRODUÇÃO

Os números apontam para as altas taxas de morbimortalidade materna em virtude das complicações do parto e/ou gravidez no Brasil e várias partes do mundo, e uma série de fatores socioeconômicos e culturais agrava a situação de miséria dos povos. Consequentemente, a qualidade da assistência à saúde chama nossa atenção1.

Atualmente há uma grande mobilização do setor saúde no sentido de garantir a diminuição das taxas de mortalidade materna, dos altos índices de cesariana e incentivo ao parto natural, e garantir a humanização da assistência ao parto. Mas de que maneira se dará esse processo?

Observa-se que, de maneira geral, na tentativa do resgate da qualidade e da humanização do parto, continua-se a privilegiar a visão dos profissionais de saúde, em especial a visão do médico, sem uma leitura da complexidade cultural que permeia o nascimento e que precisa passar pelo envolvimento real das mulheres. Não é mais possível tratar as questões de atenção ao parto sob a ótica eminentemente técnico-profissional, biologicista, sem levar em consideração as dimensões de gênero, cultura, saúde e sociedade que se manifestam nas relações mulheres-homens-profissionais.

Assim, em um momento em que o discurso da humanização do parto tornou-se o ponto alto para a definição de novas tecnologias do cuidado à gestante durante o parto e nascimento, busca-se conhecer como as parturientes percebem o uso, ou o quanto elas conhecem sobre o uso da acupuntura na analgesia das dores do parto.

Espera-se, deste modo, contribuir com a construção de outros olhares sobre a vivência do trabalho de parto que, quiçá, possa vislumbrar processos para além da "cirurgificação" ou da naturalização das dores do parto.

Analgesia das dores no parto

Talvez, um dos maiores medos associados ao parto seja o medo da dor. Os avanços da medicina permitiram o aparecimento de drogas cada vez mais sofisticadas que, se não curam, pelo menos tiram a dor. A anestesia nos tira a dor e muitas das sensações físicas ligadas ao trabalho de parto. Por que conviver com a dor? Qual o significado da dor?

Em anos mais recentes, a dor tem sido considerada pelos profissionais que a tratam como um quinto sinal vital, um indicador muito importante das respostas das pessoas às situações de adoecimento. Em muitos serviços de saúde, sua abordagem vem sendo realizada por equipes multiprofissionais de manejo da dor, com dedicação integral ao estudo dos mecanismos de sua produção e aos modos de tratamento e controle da mesma.

Uma das contribuições das pesquisas decorrentes desta nova abordagem da dor é a compreensão de que a dor é uma experiência emocional, sensorial e cultural, associada, geralmente, a lesões orgânicas reais ou potenciais. A vivência da dor é uma experiência pessoal e subjetiva relacionada ao sofrimento físico, ao infortúnio ou ao desgosto. Nessa compreensão, a pessoa que sofre a dor é a única capaz de dizer de sua dor, daí a grande dificuldade para avaliar a intensidade da dor de modo preciso ou o mais próximo disto2.

Nessa abordagem, portanto, é necessário que os profissionais da saúde "conheçam as representações dos integrantes de uma determinada cultura sobre o seu corpo e seus processos em relação a si próprios e a seu mundo" 3:5. Esta compreensão compartilhada possibilitará o entendimento dos significados atribuídos pelo sujeito a sua dor e a negociação da avaliação de sua intensidade e da necessidade de recursos para seu controle.

Esse entendimento pode favorecer o acolhimento à parturiente, considerando, para além da influência do ambiente, um conjunto de ações que possibilitam a construção da relação com o outro, em sua subjetividade. Desse modo, é possível que a equipe de saúde prepare um ambiente que proporcione prazer, conforto e bem-estar no momento do parto4.

Dispomos hoje de inúmeras práticas terapêuticas, classificadas como alternativas ou complementares, que têm sido empregadas por diversos profissionais com resultados positivos no manejo das dores do parto. Entre elas, a homeopatia pode ser utilizada, no trabalho de parto, para auxiliar no relaxamento, na dilatação, na indução e aceleração; a acupuntura pode ser usada para alívio da tensão, indução e aceleração do parto; a cromoterapia, para relaxar durante as contrações ao passo que suaviza as sensações fortes da expulsão, quando aplicada diretamente sobre a vulva; a terapia floral abaixa o nível de ansiedade, ajuda a lidar com o medo, tranquiliza, acalma e permite uma percepção mais aguçada, reforçando a resistência física e emocional.

Além da necessidade de controle da dor do parto pelas razões já apontadas, devemos considerar a necessidade de seu controle do ponto de vista médico, pois, como tem sido demonstrado, a dor obstétrica não controlada produz uma série de alterações na fisiologia materna, as quais, somadas àquelas que a própria gestação causa, podem ocasionar efeitos colaterais indesejáveis no feto e na mãe, entre os quais destacamos a hiperventilação, o aumento do consumo de oxigênio, o aumento das concentrações plasmáticas de betaendorfinas e catecolaminas, que diminuem o fluxo sanguíneo placentário, bem como o aumento de renina que estimula a produção de angiotensina I e II e aumento nas concentrações de ácidos graxos livres, entre outras alterações5.

Pode-se afirmar que, na evolução e duração do trabalho de parto, tem se observado que a dor obstétrica pode aumentar a incidência de distocias e prolongar sua duração5. Assim, temos argumentos suficientes, tanto do ponto de vista humanitário como clínico, para enfatizar que é necessário e fundamental o controle da dor do parto. Numerosos estudos demonstraram os benefícios obtidos no binômio mãe-filho com o simples fato de controlar a dor obstétrica, destacando a analgesia epidural entre os procedimentos analgésicos que produzem respostas mais favoráveis 5.

A seleção da técnica mais adequada de analgesia deve considerar as seguintes condições: não produzir depressão em nenhum dos órgãos e sistemas da mãe e do concepto; não pode modificar a dinâmica do trabalho de parto; e as drogas anestésicas utilizadas não podem ultrapassar a barreira placentária. No início do novo milênio temos que reconhecer que ainda não dispomos, na medicina ocidental, de uma droga ou de uma técnica de analgesia ideal que reúna as características mencionadas para o adequado controle da dor obstétrica, daí decorre nosso interesse em intensificar as abordagens de analgesia por meio da acupuntura, que, em nossa análise, é uma terapêutica capaz de atender às recomendações mencionadas.

A acupuntura é um dos procedimentos terapêuticos que constituem a Medicina Tradicional Chinesa. Suas origens remontam a aproximadamente 5.000 anos, pelo menos. Acredita-se que várias práticas de cura indígenas, nas mais diversas partes do mundo, correspondam às formas mais simples de acupuntura. Para os chineses, há uma contínua circulação de energia em nosso corpo, e a desorganização dessa circulação causa os adoecimentos. A acupuntura é efetiva na medida em que redistribui e normaliza a corrente energética em nosso organismo, recuperando a circulação normal6. Assim, a acupuntura é um complexo sistema medicinal que envolve todo o campo terapêutico.

Os objetivos terapêuticos da acupuntura são definidos como a obtenção da analgesia, recuperação motora, normalização das funções orgânicas, modulação da imunidade, das funções endócrinas, autonômicas e mentais e ativação de processos regenerativos6.

Os efeitos da acupuntura no campo da analgesia tem sido objeto de estudos, especialmente em experimentos na área da neurofisiologia da acupuntura, realizados no Instituto de Pesquisas em Neurociências da Universidade de Pequim, Beijing, China. As investigações por ele realizadas indicam que é possível afirmar que a eletroacupuntura ativa o sistema supressor da dor. A estimulação de terminações nervosas das vias dolorosas segmentares e suprassegmentares produzem analgesia por mecanismos neurais e neuroquímicos7.

Em pesquisas realizadas durante a década de 1970, foi explorado o papel dos neurotransmissores centrais clássicos na mediação da analgesia por acupuntura, incluindo as catecolaminas e a serotonina. As experiências com modelos animais permitem evidenciar a liberação diferenciada de peptídeos opiáceos do sistema nervoso central (SNC) pela eletroacupuntura de acordo com o tipo de estímulo elétrico utilizado. Quando o eletroestimulador libera uma frequência de 2Hz ocorre a liberação de encefalinas e betaendorfinas, mas quando o estímulo é de 100Hz, seletivamente aumenta a liberação de dimorfina na medula espinhal. Assim, a combinação de ambas as frequências permite uma interação sinérgica entre os três peptídeos opiáceos endógenos e um efeito analgésico mais potente. A manipulação manual da agulha inserida em um ponto de acupuntura também produz um aumento marcante no limiar de tolerância a dor7.

Pesquisas apontam também que o uso combinado da eletroacupuntura com anestesia geral ou epidural, em procedimentos cirúrgicos, reduz o consumo anestésico em até 50%, sugerindo que a acupuntura produz um efeito analgésico substancial, porém não forte o suficiente para abolir completamente a dor aguda provocada pela intervenção cirúrgica7.

No ocidente, especialmente Europa e Américas, a acupuntura tem sido utilizada para a indução do parto, em tentativas de interferir na apresentação do feto, para analgesia de cesáreas e para o controle da dor obstétrica, tanto na fase de dilatação como do parto propriamente. As técnicas utilizadas variam quanto ao tipo de estímulo, à escolha dos pontos, ao tipo de manipulação, se manual ou eletroacupuntura, e quanto aos resultados relatados. A maioria dos estudos relata experiências que utilizaram a eletroacupuntura8.

Apesar das dificuldades relacionadas com as metodologias de estudo das experiências com o uso de acupuntura na analgesia das dores do parto, o interesse pela acupuntura nesta área se justifica pelas inúmeras vantagens que ela representa para o binômio mãe-filho: não altera os níveis de consciência materna, proporcionando o seu envolvimento durante todo o processo de parto, melhorando, com isso, a interação mãe-filho, principalmente logo após o parto; libera endorfinas, o que melhora os processos fisiológicos ou metabólicos de ambos; por ser minimamente invasiva, não impede o uso de outras técnicas de analgesia; é uma opção viável economicamente, enfim, ao que tudo indica e pelos resultados dos estudos conhecidos, é uma técnica que, até o momento, parece segura já que não há registro de efeitos colaterais em sua aplicação8.

Buscando conhecer as possibilidades de uso da acupuntura na analgesia das dores do parto, desenvolveu-se um estudo qualitativo, tendo como objetivo conhecer as percepções das parturientes atendidas na maternidade do Hospital Universitário de Florianópolis (HU), sobre a utilização da acupuntura na analgesia das dores do parto.

 

METODOLOGIA

Com abordagem qualitativa, o estudo teve como cenário a maternidade do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU), localizada em Florianópolis e fundada em 1995.

Atualmente, dispõe de 22 leitos e atende uma média de 1.700 partos ao ano, cerca de 150 partos ao mês, sendo que, no mês de janeiro de 2005, dos 206 nascimentos de Florianópolis, 113 ocorreram na maternidade do HU. As estatísticas disponíveis no centro obstétrico permitem apontar, ainda, que nos últimos anos tem se mantido uma média de cerca de 70% de partos normais, metade deles verticais ou de cócoras9.

A maternidade oferece um atendimento que busca a humanização do cuidado às gestantes e familiares, incentivando o parto normal e vertical, bem como a presença de acompanhante escolhido pela mulher para o processo do parto, estimulando o vínculo precoce mãe-filho e a amamentação. Dispõe ainda do uso da bola durante o trabalho de parto e massagens. Além disso, estão institucionalizadas ações de cuidado como o curso de preparação para o parto, alojamento conjunto, banhos, deambulação, uso cauteloso de indução intravenosa (ocitocina), analgesia e episiotomia, eliminação da prática de enema e tricotomia.

A população deste estudo foram as parturientes atendidas na maternidade do HU, no período de primeiro a 15 de abril de 2005. O número total de partos atendidos nesse período foi de 58, dos quais 27 foram cesáreos e 31 normais. Dos normais, 17 foram partos verticais, 13 horizontais e 1 genupeitoral.

Os critérios de inclusão na amostra incluíram aceitar participar do estudo, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e esclarecido e estar em procedimento de parto normal, durante o período preestabelecido para coleta.

Assim sendo, a amostra foi constituída de 31 mulheres que tiveram parto normal, com idades entre 12 e 42 anos, procedentes de Florianópolis em 90% dos casos.

Como procedimento técnico para a coleta das informações, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com as parturientes, no alojamento conjunto da maternidade do HU, com duração média de 50 minutos.

Mediante o aceite das participantes, as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. O processo de análise e interpretação das informações compreendeu uma primeira leitura flutuante, seguida de uma leitura compreensiva, em que se procurou estabelecer as unidades de análise que orientaram a organização das informações, seguindo, assim, os princípios de análise de discurso, na modalidade de análise temática10.

Informamos ainda que o projeto passou pela análise do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, registrado sob o número de protocolo 267/05 em 19/03/2005.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentre os resultados, e segundo os motivos que levaram as protagonistas deste estudo a escolherem a maternidade do HU para realizarem seus partos, aproximadamente 80% delas escolheram esse local por indicação de amigas ou conhecidas que destacaram as qualidades e o diferencial da assistência recebida naquela unidade hospitalar. Destacamos que cerca de 40% das mulheres referiram que optaram pela instituição pela possibilidade de realizarem o parto vertical ou de cócoras.

Ao expor as razões que a levaram a escolher o HU, a parturiente afirma

[...] eu consegui dispensa do trabalho para participar do grupo, porque minha amiga me disse que as gestantes do grupo teriam vaga com maior facilidade na hora do parto (E 7)

Apreende-se da fala acima que a estratégia utilizada pela puérpera para garantir acesso à maternidade de escolha para ter seu bebê, passou pela influência social.

Assim como a escolha da maternidade, as dores do parto também podem ser compreendidas como um fenômeno fortemente influenciado por aspectos sociais, psicológicos e culturais vivenciados pelas pessoas. Amplia-se esta visão ao considerarem-se os valores, crenças e comportamentos relativos à dor como construídos nos processos de vivência cultural, na família, na educação infantil, na escola, gerando o desenvolvimento de condutas e expectativas, influenciando na atribuição de significados à dor em um contexto cultural. Os modos como construímos culturalmente nossas percepções acerca da dor interferem, ainda, nas formas da comunicação da dor aos outros e no modo como ela será compreendida pelas pessoas e seus familiares, e, muitas vezes, estas diferenças influenciam a avaliação dos profissionais da saúde em relação ao limiar de dor do paciente2.

As mulheres envolvidas nesta trama relataram que a gestação se apresentou como uma experiência prazerosa, contudo, às vezes, com desconfortos, como náuseas e vômitos, dores de moderada intensidade, principalmente na região lombossacra; algumas referiram quadros eventuais de hipotensão, e cinco delas relataram quadros de hipertensão, com necessidade de repouso ou internação para controle dos níveis tensionais.

As narrativas das entrevistadas, referindo-se aos seus processos de vivência das dores do parto, confirmam que a percepção da dor é um fenômeno subjetivo vivido por cada uma de acordo com suas experiências anteriores, sua cultura e os significados atribuídos ao sofrimento.

Embora os sentimentos das puérperas pareçam contraditórios, "dar à luz uma criança não é nunca simplesmente um ato fisiológico, mas um evento definido e desenvolvido num contexto cultural". Aqui se acrescenta aos modos de viver a dor de cada cultura a diversidade de atitudes e crenças específicas com relação ao nascimento, vividas em diferentes grupos culturais, limitadas a um tempo e a um espaço bem definidos5.

Assim, em um estudo acerca das práticas e concepções sobre a gravidez e a maternidade em um grupo de mulheres de Porto Alegre, encontram-se descrições da dor do parto como uma dor incontrolável, percebida como uma força da natureza, independente da vontade das gestantes, destacando, também, que as mulheres afirmam que os profissionais que as atendem não compreendem estas características da sua dor11.

A orientação humanizadora da maternidade certamente contribui para que os partos normais com analgesia, predominantemente epidural, atinjam menos de 10% do total de partos normais realizados. O alívio produzido por tal procedimento foi apontado com um escore em torno de sete, em uma escala de zero a dez, pelas mulheres que participaram do estudo.

Outro achado que expressa o conhecimento de como as parturientes percebem as dores do parto pode ser evidenciado na fala

Que não dá para querer que a dor passe por completo, aí não dá para saber quando o bebê vai sair, não é? Um pouco sempre vai doer, mesmo com anestesia, é natural que doa (E 29)

É interessante notar que as parturientes referem que o medo da dor é um sentimento construído ao longo da gestação, principalmente para as primíparas. As outras mulheres da família ou do grupo de convivência, que viveram a experiência de ter filhos, descrevem a dor, falam de sua intensidade, da impossibilidade de controle, e narram os comportamentos aceitáveis e as situações inaceitáveis como resposta às dores do parto. Assim, a referência ao medo da dor é predominante em relação aos outros sentimentos relacionados com a parturição. Posteriormente, ao narrar sua vivência de dor, as mulheres enfatizam a importância da dor no parto, repetindo e reforçando o discurso que ouviram ao longo de sua gestação2.

Para uma boa atuação dos profissionais de saúde, importa considerar as interações de aspectos individuais e socioculturais na construção das representações, nos modos de enfrentamentos e no processo de ressignificação da experiência da dor12.

Em relação ao tipo de parto, a orientação recebida pelas mulheres, aliada à busca constante pelo melhor atendimento, contribui, também, para que mais de 50% dos partos normais tenham sido verticais ou de cócoras não só no período estudado, mas ao longo da história do serviço, registrando um crescimento nos últimos anos, como já mencionamos. Tal procedimento é relatado pelas parturientes como uma experiência única de parturição, possibilitando que a mulher veja o seu filho nascer, acompanhando cada etapa do trabalho de parto e permitindo que ela participe do processo conscientemente. Além disso, elas destacaram que a posição, na cadeira de parto, facilita a execução da força nos momentos indicados e alivia a tensão e a dor na coluna.

Apesar do pouco conhecimento sobre o uso da acupuntura no controle das dores do parto, a maioria das mulheres, aproximadamente 70% delas, respondeu que experimentaria a acupuntura para o alívio da dor, caso ela fosse disponibilizada pela maternidade. As razões apontadas para tal afirmação envolvem o desejo de que as dores sejam de menor intensidade, a crença de que a acupuntura não apresenta os efeitos colaterais indesejáveis de outros métodos de analgesia disponíveis e o desejo de vivenciar com mais tranquilidade o momento do nascimento do filho.

Entre as outras respostas, destacamos que cerca de 15% das parturientes responderam que não experimentariam a acupuntura para o controle das dores do parto, porque têm medo, porque desconhecem os efeitos do procedimento no seu organismo ou no do feto ou ainda porque não acreditam que a acupuntura possa diminuir a dor obstétrica.

Tais achados vão ao encontro de uma pesquisa de revisão bibliográfica com metanálise, que buscou investigar sobre a analgesia do parto nos bancos de dados LILACS e Medline, nos últimos 12 anos, com referência em 2004; como resultados, apontaram que, dentre os 34 artigos que compuseram a amostra, apenas 2 mencionaram métodos não farmacológicos de analgesia durante o parto e incluíam massagens, banhos mornos e acompanhamento por enfermeira obstétrica13.

Em relação ao tipo de parto, a grande maioria das mulheres entrevistadas neste estudo explicitou as vantagens da opção por um tipo de parto natural, com menores riscos para o bebê, refletindo a importância da participação em atividades educativas no pré-natal e o diferencial representado pela presença do pai no processo de nascimento, que é destacado como

Um momento único de minha vida; quando eu estava ali sentindo aquela dor intensa, olhar para ele (o pai) e ver que ele estava chorando junto comigo, me dando apoio, massageando e confortando, me dava forças para continuar, para não desistir (E 3)

Observa-se na fala da entrevistada o valor empregado à presença e à participação do cônjuge no processo de nascimento. Infelizmente, sabemos, a partir de nossas vivencias em outros contextos, que nem todas as instituições valorizam ou permitem tal participação.

Considerando a política de humanização do parto, o emprego de técnicas adequadas deve estar associado a um apoio emocional, respeitando os medos, anseios e desejos das mulheres. Valorizar somente as técnicas e desprezar o cuidado para com a subjetividade da mulher é lhe oferecer uma assistência fria e distante em um momento de tantas emoções14.

Outro entendimento necessário é o de que, ainda que o parto não se refira ao primeiro filho do casal, cada experiência de parturição é única e esteve envolvida em um contexto sociofamiliar particular, bem como em uma temporalidade diferente, necessitando um cuidado particular à mulher, durante esse momento indubitavelmente único e singular de parto, independente de quantos partos ela já teve.

Nesta perspectiva, as enfermeiras obstétricas, que cuidam de mulheres utilizando uma abordagem humanista, vêm utilizando as tecnologias de cuidado ditas "leves", por acreditar que o momento do trabalho de parto e parto é restaurador da vida sexual das mulheres e, dentro do contexto hospitalar tecnocrata, como tentativa de amenizar a intensa medicalização utilizada15.

Como tecnologia possível de cuidado, os resultados da investigação realizada apontam que uma grande parcela das mulheres atendidas na Maternidade do HU não tem informações sobre o uso da acupuntura no controle das dores do parto, mas que, mesmo sem conhecer muito bem os mecanismos de ação da acupuntura, a maioria delas acredita na possibilidade de analgesia por acupuntura e estaria disposta a experimentar, caso fosse disponibilizada na instituição. Tais resultados indicam a necessidade de outros estudos que permitam ampliar os conhecimentos nesta área, bem como indicam para a capacitação das equipes de atenção ao parto o uso de outras formas de controle das dores obstétricas, ampliando ainda o campo de atuação das enfermeiras.

 

REFLEXÕES FINAIS

É inegável que o processo de desenvolvimento de tecnologias de assistência, especialmente aquelas vinculadas à analgesia da dor obstétrica, representam um avanço e geram inúmeros benefícios ao binômio mãe-filho, mas aliados aos benefícios temos os efeitos colaterais indesejáveis que nos impulsionam na busca do aperfeiçoamento da assistência.

As diferenças nos referenciais de vida explicariam, ao menos em parte, o baixo índice de mulheres que já ouviram falar da acupuntura como procedimento de controle das dores do parto, especificamente na Maternidade de Florianópolis. Por outro lado, acreditamos que a ênfase que vem sendo dada aos bons resultados desta prática da Medicina Chinesa pelos mais diversos meios de divulgação tenha relação com a afirmação das parturientes de que aceitariam um tratamento de sua dor por meio da acupuntura, caso ele lhes fosse oferecido na maternidade.

A proposta de realizar o estudo em uma maternidade de um hospital-escola, reconhecida como uma maternidade humanizada pelo Ministério da Saúde, buscava examinar, exatamente, esta capacidade das mulheres de realizar outras escolhas, fugindo dos estereótipos sobre o parto e suas tecnologias. Os resultados indicam que, embora a maioria das mulheres entrevistadas não tenha conhecimentos sobre os usos da acupuntura no controle da dor obstétrica, elas estão dispostas a experimentar este outro modo de tecer o imaginário das dores insuportáveis do parir, vivenciando outros modos de lidar com tais dores.

A disponibilidade das parturientes para experimentarem a acupuntura aponta para a importância de continuarmos estudando esta temática para, quem sabe, em uma próxima investigação, examinarmos os efeitos da acupuntura no controle das dores obstétricas, a capacitação dos profissionais envolvidos para realizar o procedimento, entre outras temáticas, permitindo a construção de saberes e práticas a respeito de suas possibilidades, conhecimentos estes tão escassos no Brasil de hoje.

A interlocução entre os significados culturais e os ditos científicos sobre uma determinada prática social muitas vezes aponta para os descompassos entre os inúmeros mitos que povoam o imaginário social e as dimensões de análise científica, cujo diálogo, entretanto, quase sempre se revela rico e desafiador.

Gostaríamos ainda de chamar a atenção para outros modos de produzir tecnologias e técnicas de cuidado ao parto, no desejo que esse estudo fosse lido como uma contribuição entre muitas outras, sem esquecer que somos parte dos saberes e práticas que aqui criticamos.

Agradecimentos: Em especial, às mulheres parturientes que dividiram conosco suas experiências de dor e prazer ao parir.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 20/06/2008
Reapresentado em 01/02/2009
Aprovado em 04/04/2009

 

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