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CAPES

Volume 13, Número 2, Abr/Jun - 2009

REFLEXÃO

 

Compreensões de acadêmicos de enfermagem sobre famílias: algumas reflexões

 

Nursing academics' understaning of families: some reflexions

 

Comprensión de academicos de enfermeria sobre familias: algunas reflexiones

 

 

Diego Schaurich

Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/RS); Bolsista CAPES; Membro do Núcleo de Estudos do Cuidado em Enfermagem (NECE UFRGS/RS); Membro do Grupo Cuidado às Pessoas, Famílias e Sociedade da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS). Brasil. E-mail: eu_diegosch@hotmail.com


RESUMO

Trata-se de uma reflexão acerca das compreensões de estudantes de enfermagem sobre famílias, a partir da vivência do estágio de docência na graduação em enfermagem. Para tanto, analisaram-se as informações de produções dos acadêmicos, tendo como recurso a análise de conteúdo de Bardin. Deste processo emergiram três categorias: famílias como grupos consanguíneos e/ou afetivos; famílias e suas modificações; e famílias, história e sociedade. Conclui-se que os acadêmicos de enfermagem estão acompanhando as (re)estruturações e (res)significações por que tem passado este agrupamento humano e salienta-se a necessidade de se instigar a discussão desta temática na graduação.

Palavras-chave:Enfermagem. Família. Estudantes de Enfermagem.


ABSTRACT

The present study involves some reflexion regarding the understanding that Nursing students have of families. From the experience of Teaching Practice in the Nursing graduation program. For this purpose, the information of academic productions was analyzed considering Bardin's content analysis. This process originated three categories: families as blood related groups and/or affectionate; families and their modifications; families, history and society. The conclusion that was reached is that the nursing academics are following the (re)structuring and the (re)signification which this human group has gone through and it emphasized the need to create discussion over the issue in the graduation program

Keywords: Nursing. Family. Nursing students.


RESUMEN

Se trata de una reflexión acerca de la comprensión que tienen estudiantes de enfermería sobre familias, a partir de la experiencia vivencial de la Práctica Docente en la carrera de enfermería. Con ese proposito, se analizaron las informaciones de producciones de académicos, teniendo como recurso el análisis de contenidos de Bardin. De este proceso emergieron tres categorías: familias como grupos consanguíneos y/o afectivos; familias y sus modificaciones; y, familias, historia y sociedad. Se concluye que los académicos de enfermería están acompañando las (re)estructuraciones y (re)significaciones por las que ha pasado esta agrupación humana y se resalta la necesidad de incitar la discusión de esta temática en la carrera.

Palabras clave: Enfermería. Familia. Estudiantes de enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO

A enfermagem tem vivenciado, nos últimos tempos, grandes desafios; dentre eles, destaca-se o pesquisa r e o cuidar das diferentes estruturas e organizações familiares, suas dinamicidades e movimentos na coletividade. Entende-se, a priori, que é o viver do ser humano em família que propicia a criação e perpetuação de um conjunto de crenças, hábitos, valores e modos próprios de ser, tanto quando se considera o estar saudável quanto o estar doente como possibilidades de existência.

Neste sentido, esta reflexão tem sua gênese na vivência e experiência durante o estágio de docência na graduação em enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/RS). Este artigo tem por objetivo refletir acerca das compreensões de acadêmicos de enfermagem sobre famílias. Assim, inicialmente, serão tecidas algumas considerações relacionadas às descrições/conceituações de famílias presentes na literatura, para, posteriormente, relatar o percurso pedagógico-metodológico que culminou nas reflexões relativas às compreensões dos acadêmicos acerca dos significados de famílias.

Algumas Considerações sobre Famílias

O viver em sociedade atravessa, contemporaneamente, um período de mudanças que instigam a um repensar de valores e conceitos, principalmente quando o assunto a ser tratado refere-se à família e à organização de seus membros no núcleo familiar. Percebe-se que o contexto das famílias tem atraído atenções, em especial para o que tange à área da saúde, e despertado o interesse de estudiosos e pesquisadores que visam analisar e compreender sua história, suas transformações, suas adaptações, seus novos modos de ser e as repercussões para um viver saudável.

Faz-se importante, para tanto, perceber que estas mudanças têm sua origem em uma série de movimentos sociais, do compartilhamento constante de experiências com o outro e com os diferentes tempos e espaços históricos. Estes movimentos que acontecem na rede social em que estão inseridas as famílias acabam por produzir crises das mais diferentes ordens e naturezas, e afetam-nas diretamente, propiciando o surgimento de novos tipos familiares (famílias monoparentais, reconstituídas, entre outros) e de novas reflexões sobre elas também1.

Destacam-se, dentre as principais transformações do século XX, o avanço técnico e científico na área da saúde, que propiciou o aumento da expectativa de vida da população, o reconhecimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, a globalização que atingiu os diferentes países, as alterações na legislação no tange às relações filiais e conjugais, o surgimento dos métodos de anticoncepção, que trouxe como consequência a desvinculação do ato sexual da função de procriação, os movimentos gay e feminista, entre outras.

Neste sentido, a fim de se compreender os significados das famílias, é essencial conhecer o seu funcionamento, os fatores que influenciam as suas vivências e experiências na saúde e na doença, bem como a sua influência na coletividade2. Pode-se considerar que as famílias são a base fundamental para a vida humana, sendo responsáveis pelo acolhimento, proteção e cuidado do indivíduo; são unidades básicas para a sobrevivência de seus membros, com funções biológica, educacional, psicológica, social, emocional e histórica.

Ainda, para entender as famílias é preciso ir além de um conceito percebido de forma delimitada e estanque, como se fosse algo definitivo e distante do vivido pelo homem nas mais diversas culturas e sociedades. Acredita-se que, ao invés de um conceito, famílias devem ser compreendidas a partir de descrições, uma vez que é "possível descrever as várias estruturas ou modalidades assumidas pela família através dos tempos, mas não defini-la ou encontrar algum elemento comum a todas as formas com que se apresenta este agrupamento humano"3:14.

Há que se considerar o destacado por alguns autores1,4-5 acerca da necessidade de se perceber a multiplicidade de manifestações assumidas pelas famílias e, então, conhecer e interpretar estes muitos modos com que elas se apresentam; ou seja, acreditam que se deva pensar famílias no plural, não mais como entidades fixas, mas que apresentam uma variedade de formas e uma dinamicidade social. Corrobora-se o entendimento de que "não se pode falar de família, mas de famílias, para que se possa tentar contemplar a diversidade de relações que convivem na sociedade" 5:358.

Entende-se que, se há uma descrição cabível e factível às famílias, é que revelam-se unidades dinâmicas, constituídas por indivíduos que se percebem como grupo familiar e convivem por um espaço de tempo com uma estrutura e organização em mudança, estabelecendo objetivos comuns, compartilhados por todos e, assim, construindo uma história de vida6. Outra maneira de se pensar o significado de famílias pode ser pela seguinte descrição:

constituída pela comunhão do ser-com-o-outro, cujas premissas básicas da relação são o afeto, a lealdade, a responsabilidade com-o-outro, caracterizando-se como uma relação social dinâmica permeada por crenças, valores e normas da sua tradição sociocultural e pelo seu momento histórico de vida7:176.

Portanto, nesta perspectiva, pode-se compreender que as famílias representam entidades essenciais ao ser humano, pois é por intermédio delas que os indivíduos passam a existir como ser no mundo, tendo a possibilidade de vir-a-ser no tempo e espaço vividos com o outro. As famílias podem, também, ser caracterizadas como unidades de cuidado e, como tal, sistemas de saúde, pois são responsáveis por manter o conjunto de crenças, valores, conhecimentos e modos de ser de seus membros, e, assim, criam e geram ações em direção à promoção da saúde, à prevenção de agravos e ao tratamento e reabilitação nos casos de doença6.

As famílias podem, portanto, ser entendidas como instituições sociais cuidadoras por excelência que devem apresentar como princípios o respeito, a responsabilidade, o carinho e a solidariedade entre seus membros, sendo a primeira vivência e experiência de relação entre seres humanos com vistas à humanização e socialização do coletivo8. São consideradas, ainda, a base fundamental da estrutura da sociedade, influenciando e sendo influenciadas por questões culturais, históricas, econômicas, jurídicas, políticas, filosóficas, entre outras.

 

PERCURSO PEDAGÓGICO-METODOLÓGICO

Para este momento apresentar-se-á o percurso pedagógico-metodológico que propiciou alcançar as reflexões relativas às compreensões dos acadêmicos de enfermagem acerca das interfaces do que é ser família na contemporaneidade, bem como das muitas descrições possíveis a este agrupamento humano. Sendo assim, constitui parte da formação para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRGS possibilitar aos estudantes que são bolsistas (CNPq e CAPES) a vivência e experiência de docência na graduação.

Desta maneira, pelo fato de estar vinculado à área de Enfermagem Materno-Infantil, o estágio de docência foi desenvolvido com acadêmicos do 7° período do curso (disciplina de Enfermagem no Cuidado à Criança). A temática abordada intitulou-se `Reflexões acerca das Famílias e suas Implicações para a Enfermagem', com carga horária de 30 horas/aula, e optou-se pela estratégia contemplada pelo ensino problematizador, crítico e reflexivo denominada Metodologia da Problematização9.

Esta proposta utiliza-se de um esquema denominado Método do Arco e que considera como premissa da educação a realidade circundante ao indivíduo, suas vivências, experiências e conhecimentos, tendo como finalidade a mudança e transformação do contexto social. A Metodologia da Problematização revela-se como estratégia inovadora na área educacional, seja como método de estudo ou de ensino, apresentando como pressuposto o pensamento de Paulo Freire9.

É por meio desta perspectiva que se deve entender este método pedagógico, isto é, como um processo que privilegia a troca de conhecimentos, de saberes e de experiências entre educandos e educador, considerando que ambos apresentam uma história individual e coletiva, num contexto social compartilhado. A Metodologia da Problematização vislumbra os educandos e o educador como detentores de um saber apriorístico que, no momento em que entram em relação dialógica e educativa, direcionam seus conhecimentos para uma convergência: a mudança pessoal e social e, consequentemente, a transformação da realidade de maneira crítica e criativa10.

Faz-se importante ressaltar que o caminho proposto por meio do método do arco tem por subsídio as situações vivenciadas pelos indivíduos e consideradas problemáticas. Desta forma, a estrutura do arco utilizada pela Metodologia da Problematização tem sua gênese e ponto de partida na realidade, seguindo um percurso de observações e focalizações do problema, reflexões, teorizações, hipóteses de solução e proposições para, então, chegar novamente à realidade e alterá-la.

Para tanto, foram programadas oficinas com os acadêmicos visando desenvolver a temática-problema em questão. Em um primeiro momento, ocorreu a apresentação pessoal (do educador e educandos) e, posteriormente, foi entregue aos acadêmicos uma folha contendo a seguinte pergunta e que poderia ser respondida de forma a não se identificar: "como é e quem sou na minha família", visando suscitar uma incipiente reflexão sobre o assunto. Depois disso, foi aberto um espaço àqueles acadêmicos que quisessem ler o que haviam escrito ou expor suas opiniões com o intuito de alcançar uma discussão no grande grupo e que pudesse fazê-los perceber as diferentes nuances das famílias na atualidade.

Passada esta primeira exposição de ideias, prosseguiu-se com a divisão dos acadêmicos em seis pequenos grupos com o objetivo de instigar e aprofundar o debate acerca das possíveis descrições/conceituações dos significados de ser família, e eles deveriam elaborar um consenso grupal a este respeito. Em momento subsequente, voltou-se ao grande grupo com o intuito de que os estudantes procedessem à leitura de seus materiais, os quais continham suas compreensões do que entendiam ser as famílias.

Realizou-se, então, uma apresentação utilizando recurso audiovisual, a qual continha uma breve contextualização de como as famílias vêm se organizando ao longo da história, algumas descrições/conceituações dos significados de ser família, o desafio de desenvolver o cuidado e as ferramentas utilizadas pela enfermagem para cuidar deste agrupamento (histórico familiar de enfermagem, apgar familiar, genograma e ecomapa). Ainda, como uma possibilidade de aproximar-se da prática do cuidado de enfermagem e exercitar os conhecimentos compartilhados com vistas a possíveis modificações no cotidiano, foi proposta a análise de duas situações-problema (na forma de estudos de caso) em grupos, sendo os assuntos discutidos, debatidos e apresentados com a colaboração de todos. Neste momento, eles construíram hipóteses de solução e proposições em relação aos casos apresentados.

Desta maneira, foram anotados os pontos principais (palavras-chave) e suas respectivas compreensões acerca dos significados de ser família, emitidos pelos acadêmicos do 7° período do curso de graduação em enfermagem da UFRGS. Este material compõe as informações ora analisadas, tendo como referencial a técnica de análise de conteúdo11, o que significa que a classificação dos elementos constitutivos de um conjunto foi feita, inicialmente, por diferenciação, e, em seguida, eles foram reagrupados de acordo com as analogias.

A análise de conteúdo deve acontecer em três fases, quais sejam: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação11. Durante a pré-análise, ocorreu uma leitura flutuante do material que compõe o corpus para análise. Em momento posterior, realizou-se a exploração do material, sendo a fase em que ocorre as operações de codificação, classificação e agregação em função dos significados. Para finalizar, ocorreram o tratamento dos resultados obtidos, a inferência e a interpretação das unidades qualitativas de significação.

A análise de conteúdo aplicada ao material possibilitou que as seguintes categorias emanassem: 1) famílias como grupos consanguíneos e/ou afetivos; 2) famílias e suas modificações; e 3) famílias, história e sociedade. Neste sentido, o aqui apresentado refere-se à reflexão que emergiu das respostas e discussões grupais dos estudantes em relação às descrições/conceituações dos significados de ser família e será refletida à luz do referencial presente na literatura. Destaca-se ainda que a realização deste estágio de docência esteve vinculada ao projeto de dissertação12 que teve parecer favorável para desenvolvimento pelo Comitê de Ética em pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (nº 06/122).

Famílias: a compreensão de acadêmicos

As informações contidas nos materiais elaborados a partir das discussões dos acadêmicos de enfermagem foram agrupadas por convergência de conteúdos em três unidades de acordo com a repetição das informações encontradas. Estas categorias de significação são as seguintes: 1) famílias como grupos consanguíneos e/ou afetivos; 2) famílias e suas modificações; e 3) famílias, história e sociedade.

Das discussões e reflexões dos acadêmicos acerca das descrições/conceituações de famílias, destaca-se o entendimento de que são formadas por indivíduos que constituem grupos consanguíneos e/ou afetivos. Dentro desta categoria de análise, podem-se salientar os seguintes aspectos abordados pelos acadêmicos de enfermagem: grupo de pessoas que possuem laços não necessariamente sanguíneos, mas sentimentais; conjunto de indivíduos inter-relacionados e com forte ligação entre si; grupo de pessoas que possuem compromissos umas com as outras; e conjunto de indivíduos que tem algo em comum (consanguinidade, afinidade, afeto, objetivos, entre outros).

Percebe-se que as compreensões dos acadêmicos acerca das significações de famílias levam em consideração que os indivíduos que a compõe precisam apresentar laços compartilhados que os unam, sejam pelos aspectos relativos à consanguinidade e/ou aqueles referentes às questões sentimentais e afetivas. Isso porque as famílias são grupos sociais formados

por seres humanos unidos com objetivos particulares, com corresponsabilidades, possuindo relacionamentos significativos, que podem ser laços de consanguinidade, de amizade, afetivos ou laços emocionais fortes como o amor e, estando inseridos e interagindo em uma sociedade e cultura, criam e transmitem valores para seus membros13:130-131.

Esta compreensão que vislumbra as famílias como formadas por indivíduos envolvidos por laços de carinho, afeto e amor é uma percepção mais contemporânea, como ressaltam alguns autores1,14-15. Faz-se importante salientar que, durante as discussões e reflexões grupais com os estudantes de enfermagem, foi exaltada a ideia de que, nos dias atuais, as famílias podem ser constituídas por membros que têm relações do tipo amizade, vizinhança, colegas de trabalho, entre outros, desde que entre eles existam compromissos e corresponsabilidades.

Ainda em relação a esta categoria de análise, para serem considerados membros de uma mesma família, não há a necessidade de compartilhamento de um único espaço físico, nem a necessidade de uma convivência cotidiana. Para além disso, destaca-se que é fundamental que eles se reconheçam como pertencentes a um mesmo grupo familiar e tenham uma forte ligação entre si, bem como apresentem algumas afinidades e objetivos individuais e coletivos em comum e compartilhem uma história similar de vida em família.

A segunda categoria de significação diz respeito às famílias e suas modificações. A partir das informações anotadas, assim como do debate grupal, pode-se perceber que estas mudanças, transformações e alterações porque têm passado as famílias podem ser vislumbradas em seu interior (número de membros, papéis e funções, organização dos mesmos) e no seu exterior (papéis e funções no coletivo, relações com outras famílias e comunidade).

Dentro desta categoria, podem-se destacar os seguintes aspectos: a família vai se modificando ao longo dos tempos, agregando indivíduos e desagregando outros; a família está em constante transformação dentro de sua própria história na sociedade; a família é formada por diferentes indivíduos que desempenham papéis e funções também diversas e que se alteram no transcorrer dos tempos; e as famílias desempenham distintas funções junto ao contexto social. Estas compreensões acerca das famílias são, também, salientadas por outros autores1,3,14.

Neste sentido, faz-se importante destacar que as transformações no interior das famílias têm sua gênese, principalmente, nas mudanças que ocorreram na rede social no último século, sendo que estas modificações relacionam-se às mais diversas naturezas (políticas, econômicas, religiosas, jurídicas, filosóficas, entre outras). Entende-se, então, que é na confluência destes muitos aspectos presentes na teia social, bem como em seus movimentos e dinamicidades, que se devem compreender os novos modos de ser família.

Há de se considerar que estes muitos modos de ser e de se organizar das famílias é resultante de uma estrutura complexa e multidimensional, que apresenta três planos interdependentes que devem ser levados em conta em sua avaliação, quais sejam: o estrutural, que abrange aspectos relativos a quem são os membros da família, como ocorrem seus relacionamentos e como é a relação da família com o coletivo; o desenvolvimental, que se refere ao processo de mudança estrutural, a transformação da história da família e as alterações em sua constituição ao longo dos tempos; e o funcional, correspondente à maneira como os indivíduos geralmente se comportam em relação uns com os outros2.

Assim, pode-se perceber que os acadêmicos de enfermagem apresentam uma compreensão atual e contextualizada das descrições/conceituações, estruturas, organizações e modificações por que vêm passando as famílias ao longo do processo histórico-social. Entende-se que estas transformações ocorridas no âmbito do coletivo, associadas às alterações na constituição e história familiar, ao redimensionamento de papéis e funções de seus membros e das diferentes famílias na sociedade, são aspectos presentes no viver cotidiano e que têm possibilitado ressignificar este grupo.

A categoria de análise famílias, história e sociedade pode ser compreendida a partir dos seguintes aspectos: a família é formada por um conjunto de indivíduos que possuem uma história em comum; a história de cada um dos membros interfere na constituição da história familiar; os diferentes indivíduos de um agrupamento familiar apresentam distintas responsabilidades e compromissos de cunho cultural e social; e a família representa e constitui a base da estrutura da sociedade.

Compreende-se, neste sentido, que nos diversos significados de famílias elaborados pelos acadêmicos, há uma preocupação com as situações que condicionam a família ao processo histórico e à estruturação social. Isso porque as famílias, ao longo do processo histórico em que a rede social vem evoluindo, permanecem como matriz do desenvolvimento civilizatório, sendo condição fundamental à humanização e à socialização dos seres humanos8.

Entende-se que as questões que relacionam as famílias à história e à sociedade são interdependentes, pois ao mesmo tempo em que se reconhecem as relações existentes na compreensão de agrupamento familiar como condicionado ao compartilhamento de uma história (individual e coletiva), também se reconhece a sua influência no contexto social. Portanto, além de a família ser percebida como um conjunto de indivíduos que têm uma história em comum (de ancestrais, de momentos vividos, entre outros), é, ainda, vislumbrada como uma instituição que apresenta compromissos e responsabilidades com o coletivo (transmissão de valores, hábitos, culturas e outros).

Salienta-se, também, que as famílias são produtos da sociedade em que estão inseridas, e a história vivida por seus membros, bem como os papéis e funções que desempenham, tem íntima relação com a estrutura política, econômica, social e cultural que as constitui. Há de se considerar, portanto, que o fato de as famílias serem entendidas a partir de sua importância como constituinte da estrutura da sociedade representa um ponto convergente nas descrições/conceituações de diferentes autores8,14-15.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo buscou-se refletir acerca das compreensões de acadêmicos de enfermagem sobre os significados das famílias, com vistas a alcançar alguns aspectos presentes nas descrições/conceituações da contemporaneidade. Deste processo, emanaram três categorias de significação, quais sejam: famílias como grupos consanguíneos e/ou afetivos; famílias e suas modificações; e famílias, história e sociedade. A partir dos principais aspectos presentes em cada uma destas categorias, pode-se perceber que os acadêmicos de enfermagem vêm acompanhando as modificações, (re)estruturações, (re)adaptações e (res)significações por que vem passando este agrupamento humano, em especial, nas últimas décadas.

Depreende-se que os estudantes consideram as famílias como estruturas dinâmicas, plurais e multifacetadas, que são formadas por indivíduos que apresentam laços de consanguinidade e/ou afetivos fortes e que sofrem influência e, ao mesmo tempo, influenciam o contexto histórico-social. Ainda, ressaltaram a importância de se compreender as diferentes organizações familiares existentes, a sua contextualização em determinada cultura e sociedade e o seu compromisso e responsabilidade com a estrutura coletiva.

É importante entender que cada família é única e singular e têm características e peculiaridades que acabam por definir o seu modo de ser, o qual estará, provavelmente, de acordo com as possibilidades e limitações de cada um dos seres que a compõe como unidade grupal. Neste sentido, faz-se preciso que os profissionais de enfermagem voltem seu olhar para a família e a considere como uma unidade de desenvolvimento e saúde para os seus membros e que necessita de cuidados, não só nos momentos de crise, mas também para promover e manter o grupo familiar saudável. "Conhecer a estrutura da família, sua composição, funções, papéis e como os membros se organizam e interagem entre si e com o ambiente é vital para o planejamento do cuidado"11:711.

Por fim, acredita-se na necessidade de se continuar discutindo e debatendo a temática relativa às famílias durante a graduação, uma vez que será a partir do conhecimento do que este agrupamento significa para os acadêmicos que se poderá (re)estruturar e (re)direcionar as políticas públicas de saúde e, consequentemente, o cuidado de enfermagem. Ainda, espera-se que esta reflexão sirva como subsídio e instigue outras investigações científicas na área para que se possa melhor compreender as muitas nuances e interfaces que compõem as estruturas familiares na atualidade.

 

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Recebido em 13/03/2008
Reapresentado em 08/02/2009
Aprovado em 11/09/2008

 

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