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CAPES

Volume 12, Número 4, Out/Dez - 2008

PESQUISA

 

Desempenho das competências obstétricas na admissão e evolução do trabalho de parto: atuação do profissional de saúde

 

Performance of obstetrical competences upon admission and during labor: performance of the health team

 

Desempeño de las competencias obstétricas en la admisión y evolución del trabajo de parto: actuación del equipo de salud

 

 

Leila Maria Geromel DottoI; Marli Villela MamedeII; Fabiana Villela MamedeIII

IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Centro de Ciências da Saúde e do Desporto da Universidade Federal do Acre - UFAC, Rio Branco AC, e-mai: leiladotto@uol.com.br
IILivre-docente. Professora Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP, Ribeirão Preto SP
IIIDoutora em Enfermagem. Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP, Ribeirão Preto - SP

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar os profissionais de saúde e suas competências no atendimento às parturientes no momento de admissão na maternidade e durante a evolução do trabalho de parto e discutir as competências da equipe de enfermagem nesse atendimento. Foi realizado nas duas maternidades de Rio Branco-AC. A coleta de dados foi realizada em julho de 2005, por meio de observações das competências essenciais em obstetrícia desenvolvidas pelos profissionais de saúde. A estatística descritiva e o teste exato de Fisher foram usados para análise dos dados. Os resultados evidenciaram que os profissionais de enfermagem de nível médio e médicos atuam na admissão e no trabalho de parto. O estudo revela que as instituições apresentam modelos diferenciados quanto a quem cabe a responsabilidade da execução de determinadas competências na atenção à parturiente, não priorizam a qualificação profissional para a assistência à mulher no trabalho de parto.

Palavras-chave: Enfermagem Obstétrica. Competência Profissional. Parto.


ABSTRACT

This study aimed to identify health professionals and competencies in care delivery to parturient women when admitted at the maternity and during the evolution of labor; and discuss nursing team competencies in care delivery to parturient women when admitted at the maternity and during the evolution of labor. It was carried out in the two maternities of Rio Branco, Brazil. Data were collected in July 2005, through systematic observations of essential competences in obstetrics developed by the health professionals. Descriptive statistics and Fisher's exact test were used for data analysis. Results evidenced that nursing professionals with secondary education degree and physicians act in the admission and during labor. The study reveals that institutions present distinct models regarding who is responsible to perform certain competences in care to parturient and do not prioritize professional qualification for care to woman during labor.

Keywords: Obstetrical Nursing. Professional Competence. Delivery.


RESUMEN

La finalidad de este estudio fue identificar los profesionales de salud y sus competencias en la atención a las parturientes cuando de su admisión en la maternidad y durante la evolución del trabajo de parto; y discutir las competencias del equipo de enfermería en la atención a las parturientes cuando de su admisión en la maternidad y durante la evolución del trabajo de parto. Fue realizado en las dos maternidades del municipio de Rio Branco, Brasil. La recolecta de datos fue realizada en julio de 2005, mediante observaciones sistemáticas de las competencias esenciales en obstetricia desarrolladas por los profesionales de salud. La estadística descriptiva y el teste exacto de Fisher fueron usados para análisis de los datos. Los resultados evidenciaron que los profesionales de enfermería de nivel secundario y médicos actúan en la admisión y en el trabajo de parto. El estudio revela que las instituciones presentan distintos modelos en cuanto a quien es responsable por la ejecución de ciertas competencias en la atención a la parturiente, y no priorizan la calificación profesional para la atención a la mujer en trabajo de parto.

Palabras-claves: Enfermería obstétrica. Competencia profesional. Parto.


 

 

INTRODUÇÃO

A competência de um profissional não está baseada apenas no vasto conhecimento que ele possui1, mas na sua capacidade de realizar uma atividade com resultados desejáveis, ou de acordo com padrões preestabelecidos, sobre circunstâncias variadas do mundo real. Profissionais competentes são pessoas que têm aprendido um grupo adequado de habilidades e conhecimentos para fazer seu trabalho satisfatoriamente. Um profissional qualificado é, então, alguém que é capaz de abranger um repertório de habilidades e conhecimentos em diferentes formas e contextos para realizá-los de maneira reconhecida como competente2.

O exercício da prática profissional exige dos profissionais de saúde o domínio de um grande número de competências para oferecer serviços de qualidade. A avaliação periódica dessas competências deve ser planejada, especialmente para aquelas áreas de baixa freqüência, de alto risco ou críticas. Estudiosos vêm mostrando que as competências requeridas nestas áreas devem ser avaliadas para assegurar que os profissionais de saúde sejam capazes de desempenhar atividades raras, de alto risco e críticas3.

O resultado da avaliação das competências da equipe de profissionais de saúde pode ter utilizações de diversas naturezas. Exerce importante papel na definição de políticas de saúde, no desempenho organizacional, no gerenciamento de riscos à saúde, na avaliação da eficácia dos programas de treinamento e formação de profissional, na seleção de novos profissionais, na melhoria do desempenho individual e na supervisão da atenção oferecida3.

A classificação pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1996, das práticas que apresentam evidências científicas de boa conduta em obstetrícia e daquelas recomendadas, com cautela, como inadequadas ou prejudiciais tem contribuído na condução do exercício profissional em obstetrícia4. Da mesma forma, a Declaração das Competências Essenciais e Básicas para o Exercício da Obstetrícia, constituídas pela Confederação Internacional das Parteiras/ICM e apoiadas pela OMS/Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), traz importante contribuição no estabelecimento de padrões de qualidade no cuidado obstétrico e neonatal5.

O atendimento da parturiente desde a chegada à maternidade e durante toda a evolução do trabalho de parto é de fundamental importância para o sucesso no desfecho do parto e nascimento. A resposta às questões: "Quem são os profissionais de saúde que estão presentes na admissão e acompanhamento do trabalho de parto das parturientes na maternidade? Quais as competências que eles desenvolvem?" poderá fornecer subsídios para a avaliação da contribuição da enfermagem, no alcance da maternidade segura.

 

OBJETIVOS

- Identificar quais os profissionais de saúde que participam do atendimento às parturientes, no momento da admissão na maternidade e durante a evolução do trabalho de parto.

- Identificar as competências desenvolvidas pelos profissionais de saúde, com especial enfoque no pessoal de enfermagem, durante a admissão na maternidade e o trabalho de parto de parturientes, assim como descrever rotinas assistências destes momentos.

- Verificar a divisão do processo de trabalho dos profissionais de saúde na admissão de parturientes e acompanhamento do trabalho de parto, de acordo com a categoria profissional.

 

METODOLOGIA

Este é um estudo descritivo, com abordagem quantitativa, realizado nas duas maternidades que prestam atendimento à mulher em trabalho de parto, no município de Rio Branco-AC. As maternidades estudadas são conveniadas ao SUS, sendo uma pertencente a um hospital filantrópico (Maternidade I) e a outra, à Secretaria Estadual de Saúde de Rio Branco (Maternidade II).

A Maternidade I atende clientela do Sistema Único de Saúde (SUS), convênios e particulares, possui 158 leitos (32 são leitos obstétricos) e 41 apartamentos. Esta instituição possui 304 funcionários, sendo 169 profissionais de enfermagem (24 enfermeiras, 62 técnicos em enfermagem e 83 auxiliares de enfermagem). Tem também nove obstetras que realizam plantão de 24 horas, no centro obstétrico. O número de partos realizados nesta instituição, em 2004, foi de 5.470; destes, 3.608 foram normais e 1.862 foram cesáreas (34%).

A Maternidade II atende, exclusivamente, paciente do SUS, possui 69 leitos. O quadro de pessoal é composto de 344 funcionários. A enfermagem conta com 144 profissionais (31 enfermeiras, sendo 22 delas enfermeiras obstétricas, 107 auxiliares de enfermagem e seis técnicos de enfermagem). A maternidade conta, ainda, com 20 médicos obstetras, três médicos residentes em obstetrícia e nove pediatras, sendo um deles neonatologista. Esta instituição é referência, no Estado do Acre, para gestação de alto risco. O centro obstétrico funciona como pronto-atendimento à mulher com queixas obstétricas e ginecológicas. Em 2004, foram realizados nesta maternidade 2.838 partos, dos quais 1.766 partos normais e 1.072 cesáreas (37,8%).

A coleta dos dados foi realizada, durante o mês de julho/2005, por meio de observação direta, não participante, estruturada e sistemática das atividades desenvolvidas pelos profissionais de saúde (com especial enfoque na equipe de enfermagem). Foram observados a admissão de 14 gestantes e o acompanhamento do trabalho de parto de 34 parturientes.

Como a finalidade da observação era se aproximar o máximo possível da realidade do atendimento dos profissionais de saúde, esta foi realizada em todos os turnos de trabalho em cada instituição pesquisada, para assim ser possível observar todas as equipes que prestam assistência à mulher.

A observação do atendimento, na admissão e no trabalho de parto, foi realizada em um total de 24 turnos, 12 para cada instituição. Estes turnos eram de 6 horas contínuas no período da manhã, da tarde e da noite. Dos 12 turnos, quatro foram destinados à observação do atendimento dos profissionais de saúde durante a admissão e oito turnos foram destinados à observação do atendimento durante o trabalho de parto, em cada instituição.

A delimitação do número menor de turnos para a admissão foi feita porque, na admissão, todos os exames obedeciam à mesma rotina. Vale ressaltar também que, durante o período de observação do atendimento na admissão, foram observados vários casos de falso trabalho de parto e de atendimento a abortamento; estes não fizeram parte da pesquisa.

A definição das parturientes que seriam observadas durante o trabalho de parto foi por sorteio entre as mulheres que se encontravam internadas no pré-parto.

O instrumento de coleta de dados (roteiro de observação) foi estruturado na forma de check-list e elaborado com base nos seguintes documentos: a) competências essenciais para o exercício da obstetrícia básica (ICM); b) guia prático da assistência ao parto normal da OMS; e c) instrumento do projeto sobre o "Perfil dos Serviços de Obstetrícia nas Américas", organizado pela OMS/OPAS.

A coleta de dados foi iniciada após a aprovação do estudo pelas instituições envolvidas e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), protocolo no 0573/2005, e as parturientes e os profissionais de saúde assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização da pesquisa.

Os dados foram submetidos à análise estatística descritiva, e o teste exato de Fisher foi usado para identificar diferenças entre as proporções populacionais.

 

RESULTADOS

A equipe de enfermagem que assiste a mulher na admissão e durante o trabalho de parto, na Maternidade I, é composta por quatro técnicas em enfermagem e seis auxiliares de enfermagem, e não há participação de enfermeiras nesses momentos da atenção à gestante. Na Maternidade II, a equipe é formada por seis enfermeiras obstétricas que são responsáveis pelo acompanhamento do trabalho de parto, por quatro técnicas e por sete auxiliares de enfermagem que ajudam na admissão e no acompanhamento do trabalho de parto.

Na Maternidade I, o diagnóstico de trabalho de parto é de responsabilidade da equipe de enfermagem, enquanto na outra instituição fica a cargo do médico. Em nenhuma instituição a enfermeira participa do atendimento na admissão da parturiente. Nas duas instituições estudadas, todas as fichas de Autorização de Internação Hospitalar (AIH) são preenchidas e assinadas pelos médicos, independentemente de quem (se médico ou equipe de enfermagem) indica a internação da parturiente.

A Tabela 1 apresenta a freqüência de algumas atividades realizadas, durante a admissão das gestantes, pelos profissionais de saúde nas instituições estudadas.

 

 

Dentre as atividades realizadas, verificamos que o encaminhamento para a sala de exames, auxílio na colocação da gestante na mesa de exames, anamnese, ausculta dos batimentos cardiofetais (BCF), toque vaginal e definição do diagnóstico do trabalho de parto foram aquelas efetuadas para todas as gestantes.

É importante ressaltar que, nas duas instituições estudadas, a prática da tricotomia e enema não fazem parte da rotina da assistência obstétrica.

Ao analisarmos a relação entre categoria profissional e atividade realizada, pudemos constatar que tanto a enfermeira como a enfermeira obstétrica são elementos não participativos da admissão da gestante nas maternidades estudadas, cabendo às técnicas e auxiliares de enfermagem (pessoal de enfermagem de nível médio) a responsabilidade de executar quase todas as atividades, durante a admissão. Vale destacar que tais profissionais executaram desde atividades de pequena complexidade (encaminhamento da gestante à sala de exame, auxílio no posicionamento na mesa ginecológica) até aquelas de maior complexidade, como a ausculta do BCF e toque vaginal.

Outro dado que chama a atenção se refere ao papel que o pessoal da categoria "outros", que corresponde à docente (enfermeira obstétrica) e aos acadêmicos de enfermagem, que não fazem parte do quadro fixo da Maternidade I, exerceu no atendimento à gestante, durante a internação. Como constatado na Tabela 1, esta categoria se responsabiliza pela realização de quase todos os tipos de atividades da internação, realizando especialmente atividades de maior complexidade, como dinâmica uterina, ausculta do BCF, toque vaginal, diagnóstico de trabalho de parto e palpação obstétrica. Foi identificado que apenas os acadêmicos de enfermagem realizaram dinâmica uterina, constatando que esta não é uma prática realizada na admissão da gestante por nenhuma categoria profissional, nas duas maternidades estudadas.

Ressaltamos, ainda, a solicitação, por uma auxiliar de enfermagem da Maternidade I, de avaliação do médico para uma gestante, quando a mesma detectou prematuridade e queixa de perda de líquido amniótico.

Ao compararmos os dados a respeito das atividades realizadas em cada instituição, de acordo com a categoria profissional, verificamos (Tabela 2) que, na Maternidade I, as atividades de ausculta do BCF, toque vaginal e diagnóstico de trabalho de parto cabem quase que exclusivamente aos trabalhadores de enfermagem (nível médio e acadêmicos de enfermagem), enquanto, na outra instituição, tais atividades são de responsabilidade da categoria médica. Estas diferenças mostraram-se significantes pelo teste exato de Fisher (p= 0,016, p=0,011 e p=0,011, respectivamente), revelando que a divisão do processo de trabalho na admissão das parturientes ocorre de forma diferente em cada instituição; ou seja, os trabalhadores de enfermagem de nível médio são responsáveis pela admissão da parturiente em uma maternidade e, em outra, a admissão é de atribuição médica.

 

 

Foi possível constatar que as duas instituições de saúde de Rio Branco que prestam assistência à mulher, durante o trabalho de parto, não permitem, rotineiramente, a presença de acompanhante no pré-parto. Na Maternidade II, apenas as parturientes adolescentes podem permanecer com acompanhante; no entanto, este fato só acontece quando solicitado pela mesma e é avaliada a possibilidade pela assistente social. Durante o período de observação, presenciamos, na Maternidade II, uma parturiente de 16 anos acompanhada no pré-parto pela mãe, enquanto, na Maternidade I, não observamos a presença de acompanhante em nenhuma fase do processo de nascimento.

Foi possível ainda observar que a hidratação das parturientes é liberada nas duas instituições, sendo suspensa apenas quando há a indicação de cesárea. O tipo de alimentação fornecida é a dieta líquida. Por outro lado, verificamos que, na Maternidade I, a dieta da parturiente é suspensa quando a dilatação cervical atinge em torno de sete a oito centímetros.

Quanto às anotações de enfermagem, observamos que os profissionais, após a execução dos procedimentos, realizam a anotação ou registro dos mesmos; contudo as anotações se apresentam pouco detalhadas, muitas vezes não descrevem a real situação da parturiente.

A Tabela 3 apresenta a freqüência das atividades realizadas, durante a assistência ao trabalho de parto, de acordo com a categoria profissional e instituição pesquisada.

 

 

As atividades de maior freqüência realizadas no acompanhamento do trabalho de parto foram a ausculta do BCF (65 vezes) e o toque vaginal (46 vezes). Cabe destacar que a ausculta do BCF se dirigia principalmente à contagem da freqüência, e o toque vaginal, à dilatação do colo uterino.

A prescrição de fármacos, identificada durante o período de coleta de dados, como ocitocina (7), dolantina e atropina (1), ampicilina (2) e buscopam (2), nas instituições estudadas, foi feita apenas pelo médico.

Identificamos que o controle da dinâmica uterina é realizado quase que exclusivamente pela enfermeira obstétrica, fato observado na Maternidade II a qual possui em seu quadro esta categoria profissional. A maioria do controle da dinâmica uterina (6) foi feita pela enfermeira obstétrica, e duas foram realizadas pelo médico da mesma maternidade; as demais categorias não realizaram tal atividade.

Durante o período de observação do controle das 34 parturientes em trabalho de parto, observamos que procedimentos não farmacológicos para alívio da dor não fizeram parte da rotina de ambas as instituições estudadas. Presenciamos a realização de massagens em apenas uma parturiente, pela enfermeira obstétrica. Por outro lado, constatamos que o estímulo à deambulação foi feito a sete parturientes; destas, a maioria (5) foi realizada pela enfermeira obstétrica.

O procedimento ausculta do BCF foi realizado em 66,7% dos casos pelos profissionais de enfermagem de nível médio na Maternidade I, enquanto, na outra instituição, a freqüência de realização deste procedimento é dividida quase que igualmente entre a categoria médica e a das enfermeiras obstétricas (Tabela 4). O toque vaginal foi realizado na maioria das vezes pelo médico, na Maternidade II; já, na Maternidade I, os profissionais de enfermagem de nível médio o realizaram em 50% das parturientes. Observamos também que, em todas as situações em que foi realizada a amniotomia, esta foi praticada, na Maternidade I, pelo pessoal de enfermagem de nível médio, e, na Maternidade II, esta foi apenas realizada em 16,7% das parturientes pela enfermagem, especificamente pela enfermeira obstétrica. Estes achados revelaram haver significantes diferenças (teste exato de Fisher, p < 0,001, p = 0,001 e p = 0,011, respectivamente) entre as instituições, evidenciando que as mesmas apresentam formas distintas de atribuição de atividades entre as categorias profissionais, no primeiro período do parto.

 

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

O processo do parto constitui uma época de alegria e de ansiedade para a mulher e para as pessoas que a cercam. Para a maioria, o parto começa com a primeira contração uterina e continua com horas de esforços durante a dilatação cervical, e o nascimento termina com a mulher e as pessoas próximas iniciando o processo de ligação com o recém-nascido. Em um período de tempo curto, ela experimenta uma das mais profundas mudanças em sua vida. Por este motivo, é importante que, diante da percepção de sinais de que o momento do parto está se aproximando, o profissional tenha um papel importante na garantia de um melhor resultado possível cuja atenção deve ser concentrada no apoio à mulher e às pessoas próximas6.

As primeiras reações, que são registradas como positivas ou negativas, entre a parturiente e o profissional são estabelecidas durante o primeiro contato. Dessa forma, é fundamental que o profissional receba a gestante e sua família de maneira acolhedora, estabelecendo vínculo, para que se obtenha um elemento importante no sucesso e continuidade da assistência, a confiança7.

Na chegada da gestante à maternidade, o processo de avaliação é um tópico prioritário para a determinação do plano de atenção a ser traçado para a gestante e família no processo do parto e nascimento. Portanto, as competências para o desempenho das habilidades a serem desenvolvidas por quem os atende neste momento é de fundamental importância para o desfecho daquela gravidez. A delegação de tais atribuições para profissionais de enfermagem de nível médio, conforme identificado em nosso estudo, pode significar uma desqualificação da assistência, especialmente quando se identificou que muitos procedimentos considerados de maior complexidade na prática obstétrica foram realizados por membros da equipe de enfermagem que não receberam qualificação para tal.

A tomada da história específica da gestação, habilidade básica imprescindível na admissão da parturiente, foi realizada pelos profissionais de enfermagem de nível médio de forma incompleta, representando oportunidades perdidas para uma assistência qualificada às parturientes e a seus filhos. A realização da anamnese completa, com levantamento e avaliação de dados e informações contidas no cartão de pré-natal, a identificação de possíveis complicações no trabalho de parto e parto, o planejamento e o oferecimento de uma assistência individualizada a cada mulher são fundamentais, mesmo para as gestações consideradas de baixo risco8.

O mundo dos hospitais se apresenta de modo diferente aos olhos do usuário e do profissional de saúde. A mulher em situação de parturição revela que, neste mundo, a equipe de profissionais detém-se, muitas vezes, numa atuação voltada apenas para o atendimento das necessidades fisiológicas afetadas para aquela situação, ou seja, trabalho de parto9. De acordo com o observado na admissão das parturientes, a atenção oferecida nas maternidades estudadas também refletiu uma assistência direcionada ao atendimento pontual das necessidades biológicas, desconsiderando procedimentos que conduziriam a práticas mais humanizadas.

No entanto, no acompanhamento do trabalho de parto, identificamos algumas práticas, por parte dos profissionais de enfermagem, que estão em consonância com as recomendações da OMS, como a liberação e estímulo à alimentação e hidratação durante o trabalho de parto, e a abolição da tricotomia e de enema, cujos procedimentos são considerados prejudiciais, o que revela certa preocupação institucional quanto ao processo de mudanças na assistência obstétrica.

Estudos revelam que muitas práticas não recomendadas ainda estão sendo utilizadas rotineiramente em muitas instituições de saúde no Brasil10-11. Estudo realizado em duas maternidades do Rio de Janeiro mostrou que o enema ainda faz parte da rotina nas maternidades (17% e 38%, respectivamente). Da mesma forma, a tricotomia foi realizada em 52,3% dos partos nas instituições, sendo que mais de 45,9% das mulheres que tiveram partos normais fizeram a tricotomia em casa, totalizando 98,2% das mulheres12.

Um ensaio clínico sobre os efeitos do enteroclisma durante o trabalho de parto e parto constatou que a freqüência da contaminação fecal no primeiro e segundo períodos clínicos do parto não diferiu significativamente entre os grupos com e sem enteroclisma. E verificou, ainda, que a utilização do enteroclisma não abreviou a duração do trabalho de parto e do período expulsivo, independente da paridade10.

A deambulação durante o trabalho de parto pode acelerar um trabalho de parto lento, principalmente nas primeiras horas da fase ativa, assim como diminuir a incidência de parto fórceps e de cesárea13. A quantidade deambulada por primigestas, especialmente durante as três primeiras horas da fase ativa do trabalho de parto, está associada ao encurtamento do trabalho de parto14.

O estímulo à deambulação, prática considerada benéfica e recomendada durante o trabalho de parto, embora pouco freqüente no presente estudo, foi estimulado pelas enfermeiras obstétricas; contudo, a pequena área física do centro obstétrico não contribuía efetivamente para o estímulo e a concretização da mesma.

Entre as práticas benéficas e que devem ser estimuladas para alívio da dor durante o trabalho de parto, há métodos não invasivos e não farmacológicos que podem ser utilizados, como o banho de imersão ou de chuveiro, massagens e toques. Identificamos uma única situação em que as enfermeiras obstétricas utilizaram a massagem como método não farmacológico de alívio da dor. Quando o acolhimento, a atenção e orientação contínua de técnicas de relaxamento estão presentes desde o momento da internação na maternidade, os sentimentos de dor, medo e nervosismo durante o trabalho de parto são minimizados15.

A presença de acompanhante durante a admissão e o trabalho de parto não faz parte da rotina das instituições pesquisadas em Rio Branco. Respeitar a escolha da mulher sobre seus acompanhantes durante o trabalho de parto e parto, permitir e incentivar que isto aconteça em todas as instituições de saúde, é uma das recomendações da OMS para a humanização do nascimento4.

Estudo recente no Brasil constatou que as mulheres acompanhadas no processo de parturição tiveram um índice cinco vezes maior de satisfação em relação aos procedimentos realizados antes, durante e após o parto, do que as não acompanhadas. Em se tratando do pré-parto, o índice foi oito vezes maior de satisfação, quando comparado com as mulheres que não tiveram acompanhantes16.

Os resultados também mostraram que muitas das habilidades básicas em obstetrícia deixaram de ser desenvolvidas ou, quando realizadas, o foram de forma incompleta, revelando que as instituições estudadas têm um importante caminho a percorrer para postular um cuidado de alta qualidade e culturalmente sensível durante o parto e nascimento, conforme preconizado nos padrões internacionais.

Observamos que o controle da dinâmica uterina foi uma atividade que não fez parte da rotina das práticas obstétricas. Esta atividade foi realizada apenas pelos estudantes de enfermagem e esporadicamente pelas enfermeiras obstétricas. A ausência de sistematização no controle da evolução do parto pode significar que a equipe está deixando de usar parâmetros importantes para um adequado diagnóstico da progressão do trabalho de parto.

Quanto ao uso de ocitócico, observamos que, durante o trabalho de parto, coube aos profissionais de enfermagem apenas a sua administração. Para a OMS, não está claro que o uso liberal da correção da dinâmica uterina com ocitocina ofereça benefícios para as mulheres e seus recém-nascidos, e sugere que o seu uso só deve ser considerado em instituições onde houver o acesso imediato à cesariana, caso ela seja necessária4.

O alcance da competência profissional compreende o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, destrezas, como também das características pessoais do profissional cujos elementos influenciam na tomada de decisão, autocontrole e autoconfiança profissional3.

A análise das competências profissionais deve ser pautada na comparação dos dados a um padrão3. A este respeito, a Confederação Internacional das Parteiras, apoiada pela OMS e FIGO, liderou o trabalho de elaboração e definição das competências essenciais para o desenvolvimento da atenção qualificada em obstetrícia em qualquer lugar do mundo5.

A constituição das competências essenciais para o exercício da obstetrícia foi embasada em um modelo de cuidado que compreende a gravidez e o nascimento como eventos normais da vida. Este modelo inclui a monitoração do bem-estar (físico, psicológico, espiritual e social) da mulher/família ao longo do ciclo reprodutivo; educação, orientação e cuidado individualizados à mulher; assistência contínua, com o mínimo de intervenções tecnológicas durante a gestação, trabalho de parto, nascimento e pós-parto imediato, e durante todo o período pós-natal. Inclui ainda a identificação e encaminhamento das mulheres que requerem atenção especializada em obstetrícia ou outra especialidade. Este modelo de cuidado é, portanto, centrado na mulher e entendido que é a ela que se devem prestar contas5.

Identificamos que os profissionais de enfermagem de nível médio executam uma série de competências em obstetrícia para as quais não receberam capacitação. De acordo com processo de formação do profissional de enfermagem de nível médio no país, tais profissionais não são capacitados para a organização e planejamento do processo de enfermagem. Isto porque o controle da dinâmica uterina, a avaliação da dilatação do colo e a descida da apresentação fetal por meio do toque vaginal, a ausculta do BCF e a realização da amniotomia são procedimentos fundamentais no monitoramento da progressão do trabalho de parto cujos resultados conduzem o profissional a um raciocínio clínico e, conseqüentemente, à tomada de decisão sobre condutas a tomar. No entanto, para a realização dos mesmos exige-se o desenvolvimento de competências específicas para o qual o profissional de enfermagem de nível médio não tem sido treinado. Não basta apenas realizar repetidas vezes uma tarefa nova para se tornar competente nela, é necessário adquirir conhecimento aprofundado, ter educação pré-serviço e em serviço, receber treinamento com supervisão e ter seu desempenho avaliado continuamente3.

Estes achados nos permitiram identificar que o modelo de atenção ao parto no município de Rio Branco assemelha-se ao modelo, definido por Pettersson e Stone17, de serviços de atenção à saúde materna no Brasil. De acordo com as autoras, o modelo brasileiro se enquadra entre aquele grupo de países em que a atenção obstétrica é quase que eminentemente institucionalizada, com limitada ação de outros profissionais que não o médico. Segundo dados tomados dos indicadores básicos de saúde das Américas, 80% dos partos no Brasil são realizados por médicos, e os restantes ficam por conta dos outros profissionais17.

Modelos de atenção obstétrica dominados pelos médicos são caracterizados por índice extremamente alto de parto cesárea, cuja intervenção está associada a maior taxa de mortes associadas a partos complicados17. Conforme estatísticas das instituições estudadas, o percentual de partos operatórios, realizados no primeiro semestre de 2005 (43%), superou a expectativa da OMS.

A identificação de características desse modelo de atenção obstétrica, definido por Pettersson e Stone17, se fez presente nas maternidades de Rio Branco, especialmente na forma como a divisão do trabalho entre os membros da equipe de profissionais se configura em cada uma das instituições estudadas.

Os testes estatísticos revelaram que as instituições apresentam modelos diferenciados quanto a quem cabe a responsabilidade da execução de determinadas competências na atenção à parturiente.

O desempenho de competências que exigem habilidades de maior complexidade, como ausculta do BCF, toque vaginal e diagnóstico de trabalho de parto, durante a admissão da parturiente (Tabela 1), ficou a cargo do pessoal de enfermagem de nível médio na instituição em que não há a presença da enfermeira obstétrica. Em contrapartida, na instituição onde esta profissional está presente, estas atividades são exclusivamente realizadas pelos médicos na admissão da parturiente.

Da mesma forma, o controle do BCF, o toque vaginal e a amniotomia, no acompanhamento do trabalho de parto, se fizeram diferentemente nas instituições estudadas. Na instituição onde não há enfermeira obstétrica, tais procedimentos são delegados aos profissionais de enfermagem de nível médio. A constatação desta contradição é desencorajante às enfermeiras obstétricas, uma vez que cada uma dessas habilidades representa uma competência necessária para combater uma proporção significante de emergências obstétricas. Por outro lado, na instituição em que a enfermeira obstétrica atua diretamente no centro obstétrico, são os médicos que desempenham a maior parte desses procedimentos.

Diante de tais observações, os nossos achados indicam que o modelo de atenção materna não prioriza a qualificação profissional para a assistência à mulher no trabalho de parto. Estas evidências nos possibilitam verificar que contradições podem estar presentes no interior desta realidade.

A forma como a organização do trabalho dos profissionais de diferentes categorias e níveis de qualificação se estabelece em cada instituição estudada parece estar muito mais relacionada com a categoria profissional do que com a própria qualificação e desempenho profissional.

A presença da enfermeira obstétrica parece ser o marcador para o tipo de modelo de divisão de trabalho usado, ou seja, a quem cabe a responsabilidade do desempenho de tais habilidades. E o mais interessante e intrigante nos achados é que, quando esta profissional não participa do quadro funcional da instituição, as habilidades obstétricas de maior complexidade podem e são delegadas ao pessoal de enfermagem de nível médio. E, quando há um vínculo funcional, institucional da enfermeira obstétrica diretamente com a assistência em centro obstétrico, fica a cargo do médico grande parte das habilidades de maior complexidade para o seu desempenho. Esta constatação pode significar a necessidade de demarcação e apropriação, consciente ou não, de um espaço não institucionalizado, historicamente ocupado pelas parteiras, para outro hegemônico em que o médico sempre deteve o domínio o hospital. Portanto, parece que a lógica do modelo de divisão do trabalho na atenção ao parto, nas instituições estudadas, se constrói muito mais nas posições hierárquicas dos profissionais do que nas competências profissionais.

 

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Recebido em 27/05/2008
Reapresentado em 08/08/2008
Aprovado em 15/09/08

 

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