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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 12, Número 3, Jul/Set - 2008

PESQUISA

 

Oficinas sobre sexualidade na adolescência: revelando vozes, desvelando olhares de estudantes do ensino médio

 

Workshops on sexuality in adolescence: revealing voices, unveiling views student's of the medium teaching glances

 

Talleres sobre sexualidad en la adolescencia: revelando voces, develando miradas de estudiantes instrucción elemento

 

 

Sônia Maria SoaresI; Marta Araújo AmaralII; Líliam Barbosa SilvaIII; Patrícia Aparecida Barbosa SilvaIV

IEnfermeira, Doutora em Saúde Pública, Docente do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais - EEUFMG, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Cuidado e Desenvolvimento Humano da EEUFMG - Belo Horizonte / MG, Brasil
II
Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Docente do Departamento Materno-Infantil da EEUFMG - Belo Horizonte / MG, Brasil
III
Enfermeira, mestranda da EEUFMG, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Cuidado e Desenvolvimento Humano da EEUFMG - Belo Horizonte / MG, Brasil
IV
Enfermeira da Clínica Nefrológica do Hospital Governador Israel Pinheiro vinculado ao Instituto de Previdência dos Servidores Públicos de Minas Gerais - HGIP / IPSEMG, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Cuidado e Desenvolvimento Humano da EEUFMG - Belo Horizonte / MG, Brasil

 

 


RESUMO

Trata-se de pesquisa com adolescentes de uma escola estadual do município da região norte de Minas Gerais - Brasil com o objetivo de compreender como vivem e exercitam sua sexualidade. O estudo foi desenvolvido por meio de oficinas lúdico-pedagógicas na abordagem qualitativa. Os resultados apontam que o conceito de sexualidade limita-se às relações sexuais entre duas pessoas de sexo oposto. Os alunos enfatizaram o risco de uma gravidez indesejada e reconheceram a importância do uso de métodos contraceptivos. As oficinas propiciaram um ambiente favorável para discussão de mudanças de atitude pelos adolescentes por meio da informação, reflexão e expressão de idéias e sentimentos, representando um processo a ser complementado pela família, escola e políticas sociais locais.

Palavras-chave: Gravidez na Adolescência. Adolescente. Sexualidade. Educação em Saúde.


ABSTRACT

This is a research with adolescents from a public municipal school located in a district of the North area of Minas Gerais Brazil, with the objective of understanding how they live and they exercise their sexuality. The study was developed through of playful-pedagogical workshops in the qualitative approach. The results show that the sexuality concept is limited to the sexual relationship between two people of opposite sex. The students emphasized the risk of an undesired pregnancy and they recognized the importance of the use of contraceptive methods. The workshops have propitiated a favorable environment to discuss of attitude changes on the adolescents through the information, reflection and expression of ideas and feelings, representing a process to be complemented by the family, school and local social politics.

Keywords: Pregnancy in Adolescence. Adolescent. Sexuality. Health Education


RESUMEN

Se trata de investigación con los adolescentes de una escuela estatal del distrito municipal al Norte de Minas Gerais - Brasil con el objetivo de entender cómo ellos viven y ellos ejercen su sexualidad .El estudio se desarrolló por los talleres lúdico-pedagógicos en el acercamiento cualitativo.El punto de los resultados que el concepto de sexualidad se limita a las relaciones sexuales entre dos personas de sexo opuesto. Los estudiantes dieron énfasis al riesgo de un embarazo no deseado y reconocieron la importancia del uso de métodos anticoncepcionales. Los talleres propiciaron una atmósfera favorable para la discusión de cambios de actitud para los adolescentes por la información, reflexión y expresión de ideas y sentimientos, representando un proceso a ser complementado por la familia, escuela y política sociales locales.

Palabras clave: Embarazo en Adolescência. Adolescente. Sexualidad. Educación en Salud


 

 

INTRODUÇÃO

A adolescência é uma etapa fundamental do processo de crescimento e desenvolvimento humano, marcada por modificações físicas e comportamentais influenciadas por fatores socioculturais e familiares. Pode ser considerada como um fenômeno de passagem, marcada pelo abandono da auto-imagem infantil e projeção de vida no mundo adulto1.

Nesse sentido, corresponde a um período de descobertas das próprias limitações, de curiosidade por novas experiências, caracterizada pela necessidade de integração social, pela busca da independência individual, do desenvolvimento da personalidade e definição da identidade sexual.

Ademais, pode-se dizer que o adolescente é mais do que um corpo em desenvolvimento, e, sendo assim, vários outros aspectos merecem ser considerados, como o crescimento emocional e intelectual, as relações interpessoais, a vivência da afetividade e sexualidade, dentre outros.

Nesta perspectiva, a sexualidade humana acompanha o indivíduo em toda sua existência, importante para a formação da identidade e desenvolvimento da personalidade. "Implica amor, tesão, erotismo, satisfação das necessidades instintivas tais como o contato, o calor, o afago, os beijos, as carícias, a troca de intimidades e também os aspectos estéticos, a atração e a sintonia entre duas pessoas"2:1.

Não obstante, o exercício da sexualidade de forma irresponsável e inconseqüente acarreta conflitos e traz alterações nos projetos futuros de cada adolescente, resultando, muitas vezes, em situações de gravidez indesejada, aborto, Doenças Sexualmente Transmissíveis / Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (DST / AIDS), abandono escolar e delinqüência que, conseqüentemente, interferirão em sua saúde integral.

A população jovem no Brasil atingiu mais de um quinto da população total em 2000, o que equivale a aproximadamente 33,8 milhões de indivíduos com idade entre 10 e 19 anos. A projeção para 2020 é de que 14% da população brasileira seja de jovens3. Apesar das estimativas mostrarem queda no contingente jovem, é a fecundidade das mulheres neste grupo etário que, atualmente, mais tem contribuído para o nível geral prevalente no país.

A experiência da maternidade, independente da faixa etária, pode ter um caráter conflituoso, precipitando em desorganizações internas, roturas de vínculos e de papéis, e, até, ser um fator de risco para a depressão pós-parto, uma vez que esta etapa da vida implica, para a mulher, assumir novos papéis bem como mudanças em sua identidade4. No adolescente, estas mudanças são reforçadas e mais evidentes.

No Brasil, nas últimas décadas, o fenômeno da gravidez na adolescência tem sido abordado de forma mais intensa e abrangente por diferentes segmentos da sociedade, envolvendo profissionais de saúde, educadores, juristas e a mídia em geral. Este fenômeno enquadra-se como um "problema social" e de saúde pública, inserido em um quadro de "gravidade" e "risco", demandando tomada de ações efetivas5,6.

As estimativas apontam que no município do norte de Minas onde foi realizado o estudo, em junho de 2004, aproximadamente 34,3% do total de gestantes atendidas pelas equipes de saúde situavam-se na faixa etária entre 10 e 19 anos, superando a média nacional estimada em 20,0%. Ressalta-se que esse indicador no município aumenta consideravelmente nos meses posteriores às épocas de festividades locais, registrando valores de 41,6% e 48,4% em fevereiro e março de 2005, respectivamente7,8.

Diante da alta prevalência de adolescentes grávidas no referido município surgiu a idéia, no segundo semestre de 2004, de desenvolver ações voltadas para prevenção da gravidez precoce, a partir da discussão de temas relacionados à sexualidade e adolescência. Assim, numa parceria estabelecida entre Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, por meio do projeto intitulado "Entre o desejo e o medo: oficinas de trabalho como espaço de reflexão e empoderamento de adolescentes", Secretaria Municipal de Saúde e Escola Estadual do município em questão foi possível viabilizar ações de cunho preventivo, com a participação de alunas do Internato Rural de Enfermagem. O projeto mencionado acima já vinha sendo desenvolvido por uma das autoras desse trabalho em outras áreas e foi adaptado para a realidade em estudo.

Em busca da superação das taxas de gravidez precoce apresentadas, várias reuniões e contatos foram feitos com representantes da comunidade, e a opção foi o desenvolvimento de oficinas nas escolas do município. Essa intervenção pedagógica justifica-se pelo fato de que um jovem participante que vivencia seus processos criadores possivelmente compreende melhor o mundo, pois, ao enriquecer a sua auto-expressão, sente-se livre para explorar e pesquisar alternativas, podendo construir e estabelecer novas relações com o meio ambiente9.

Assim, esse artigo propõe compreender como os adolescentes de um município da região norte de Minas Gerais - Brasil vivem e exercitam sua sexualidade. Além disso, a proposta das oficinas desenvolvida na escola visou contribuir para ampliar a discussão social que o tema envolve, apontando para a necessidade de uma maior integração entre as ciências sociais e biológicas, culminando com a criação de projetos que trabalhem com a prevenção primária e secundária dos efeitos psicossociais decorrentes da gravidez indesejada.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa com oficinas sobre Sexualidade na Adolescência, numa abordagem qualitativa. A opção por um estudo de natureza qualitativa deve-se ao fato de permitir ao pesquisador explorar dados relativos à vivência dos indivíduos diante de situações emergentes. Tal abordagem caracteriza-se como dinâmica, holística e naturalista, pois se preocupa com o indivíduo e seu ambiente em todas as suas diversidades. Essas características da metodologia possibilitam compreender as experiências reveladas pelos indivíduos tão próximos à sua realidade quanto possível10,11,12.

Os sujeitos do estudo compreenderam 350 adolescentes na faixa etária de 15 a 19 anos, estudantes do Ensino Médio de uma escola estadual de um município do norte de Minas Gerais.

Para a coleta de dados, foram utilizadas oficinas lúdico-pedagógicas e observação participante, estendendo-se no período de setembro a dezembro de 2005 com a participação dos diretores, professores e alunos da referida escola, após esclarecimento da proposta e solicitação de autorização para registro dos depoimentos.

O que define a modalidade de oficina é sua proposta de aprendizagem compartilhada, por meio de atividade grupal, face a face, com o objetivo de construir coletivamente o conhecimento13. Ainda, destaca-se como espaço de reflexão, intervenção e empoderamento dos participantes, além de utilizarem-na como técnica de coleta de dados em pesquisa14,15.

A observação participante possibilita a coleta de dados através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado a partir de informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos, criando condições privilegiadas para que o processo de observação seja conduzido e dê acesso a uma compreensão que de outro modo não seria alcançável16.

As observações referentes às oficinas possibilitaram captar as ações e emoções dos colaboradores expressas pelas manifestações verbais, pelo tom de voz, pela expressão facial e pelos aspectos subjetivos implícitos na relação estabelecida entre os participantes e as pesquisadoras.

As informações a respeito do contexto e dos aspectos subjetivos que permearam a realização das oficinas foram registradas em um diário de campo e, posteriormente, agrupadas e analisadas de acordo com a técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin17, o qual a define como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.

Foram realizadas 12 oficinas, com grupos de alunos de diferentes turmas, implementadas segundo metodologia participativa, baseada em técnicas lúdicas, vivências e dinâmicas de grupo18. Cada oficina teve a duração total de quatro horas, realizada durante o horário escolar. Elas aconteceram em dois momentos: o primeiro com o objetivo de conhecer o que os adolescentes pensam sobre a vida afetivo-sexual, a partir da discussão de temas como amizade, "ficar", namoro, iniciação sexual e virgindade, e de que forma lidam com estes valores em suas relações de gênero. O segundo buscou apreender a percepção dos adolescentes em relação aos métodos contraceptivos e a gravidez na adolescência.

As oficinas foram organizadas tendo como facilitadoras as acadêmicas de Enfermagem da EEUFMG e professores da escola. Cabe ressaltar que as facilitadoras foram preparadas para conduzir o debate, partindo sempre de dúvidas, opiniões e valores dos próprios participantes. Inicialmente, era feita a abertura da oficina pelas acadêmicas, com a apresentação das mesmas e explanação dos objetivos e da programação da prática educativa em questão. Posteriormente, dava-se início às atividades programadas que eram introduzidas por meio de jogos educativos denominados: "Caixa surpresa"; "Roleta: amizade, ficar, namoro"; "Jogo - Iniciação sexual: o que penso sobre isto?"; "Dinâmica - Contatos Pessoais"; "Baralho - Negociando o uso da camisinha"; "Bingo - Sorteio de métodos contraceptivos". É importante esclarecer que todos estes jogos foram construídos e adaptados a partir da experiência de uma das autoras com oficinas de reflexão e empoderamento de adolescentes.

Vale lembrar que para cada oficina havia uma coordenadora responsável pelo registro manual das discussões. O material produzido pelos adolescentes durante as oficinas foi recolhido e contribuiu assim para a formação do diário de campo.

As discussões do grupo não se limitaram à veiculação de informações de caráter puramente biológico ou preventivo, no que se refere ao controle das DSTs, gravidez indesejada e outros inconvenientes sociais, mas, do contrário, incluíram um questionamento mais amplo sobre o sexo e seus valores, seus aspectos preventivos para o indivíduo como forma de exercício da cidadania. Os temas trabalhados estimularam ainda questionamentos, permitindo ampliar os possíveis determinantes externos classe social, gênero, idade a imporem limites reais à autonomia pessoal. A partir das discussões, os adolescentes puderam ampliar seus conceitos de emancipação dos sujeitos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos.

Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, sob o protocolo 337/2003/CEP-EEUSP, conforme recomenda a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde19.

A diretoria da escola municipal autorizou o estudo através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os alunos foram informados desta proposta e convidados a participar de forma voluntária das oficinas. A adesão dos alunos foi total, e ao início de cada oficina foi solicitado que os mesmos assinassem o Termo de Consentimento, resguardando os participantes quanto ao sigilo absoluto das informações, assim como a privacidade e o anonimato.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante as oficinas, percebemos que as representações dos alunos sobre sexualidade estão limitadas quase sempre à relação sexual entre duas pessoas de sexo oposto, exemplificadas pelas expressões "fazer fofex", "sexo divertido", "brincadeira".

Para as meninas, a sexualidade assume, entretanto, outros significados que remetem a sentimentos de afetividade, e que na fala de uma delas "(...) deve ser praticado com carinho, responsabilidade e fidelidade". Para outros alunos, a sexualidade aparece sempre associada ao risco de gravidez e de DST: "Hoje transar é muito perigoso, pode engravidar", "pode pegar AIDS e DST". Os mesmos reconhecem a importância do sexo protegido: "(...) se transar sem camisinha a mulher vai engravidar".

Ainda, observa-se a associação entre sexualidade e conflitos entre pais e filhos durante a adolescência: "O meu pai me bateu na avenida porque viu camisinha no meu bolso".

Quanto à virgindade, observam-se diferenças na forma de os garotos e as garotas valorizarem sua importância. Sob o ponto de vista das meninas, "ser virgem" é "motivo de honra", "algo que deve ser preservado", enquanto para os meninos, "ser virgem" assume um valor depreciativo em meio ao grupo de amigos "O homem é machista. Aquele que não tem relação sexual é chamado de boiola, viado, frouxinho".

A castidade e a virgindade para a mulher são mais aceitas do que no homem. Dessa forma, espera-se do homem a perda da sua virgindade na adolescência, o que prova sua virilidade. Da mulher, a sociedade espera que ela retarde as relações sexuais. Sua virgindade é considerada uma virtude, um atributo de idoneidade20.

Ao serem questionados sobre o desejo de casar com alguém virgem, a maioria dos alunos compartilhou da mesma opinião: "se eu gostar dela, mesmo sendo virgem, eu casaria".

Por outro lado, alguns alunos acreditam que o casamento com homens ou mulheres virgens não é duradouro, "o casamento será uma furada, não vai dar certo" e, para outros, "não é possível casar com alguém virgem. Não existe, principalmente quando se fala em casar com homens virgens".

Quando questionados sobre a idade mais adequada para iniciarem a vida sexual, a maior parte dos alunos não considerou haver uma idade certa para a ocorrência de tal evento, mas sim, contextos, idéias, tais como responsabilidade, maturidade, confiança e "ter encontrado a pessoa certa". Alguns adolescentes, principalmente do sexo feminino, sentiram, entretanto, a necessidade de delimitar uma idade para a iniciação sexual: entre 13 e 20 anos com prevalência para os 16-17 anos. Ainda, algumas alunas mencionaram a idade ideal acima dos 20 anos, inclusive associando à imoralidade e ao pecado quando transgredido essa faixa etária. A necessidade da determinação de uma idade ideal para a iniciação sexual também foi apontada em um estudo realizado por Amaral, revelando-se como uma forma de proteção das adolescentes diante do grupo e da família5.

A idade no início da vida sexual é um aspecto que precisa ser conhecido no intuito de propiciar ações voltadas à saúde do adolescente antes que sua iniciação sexual ocorra, sem que isso leve a quaisquer generalizações e imposição de normas a respeito do momento mais certo, mais adequado ou mais "natural" para a iniciação sexual entre homens e mulheres, até mesmo porque a adolescência é vivida de forma distinta nos diferentes grupos sociais, porquanto não existe uma adolescência, mas sim, Adolescências, em função do político, do social, do momento e do contexto em que está inserido o adolescente21,22.

Em relação aos medos mais freqüentes e comuns apresentados pelos alunos referentes à primeira relação sexual, destacam-se o temor de uma gravidez indesejada, de adquirir DST e o de a camisinha estourar no momento da relação. Como medos específicos para os estudantes do sexo masculino destacam-se o receio de não ter ereção durante a iniciação sexual, de a menina espalhar para os (as) colegas, "da reação dos pais da menina" mediante uma situação concreta de gravidez. Como medos específicos para as alunas destacam-se dor na relação sexual, da reação dos pais, "de não corresponder o namorado", "ficar falada", "de perder a virgindade".

A atração física, o desejo, o prazer, a curiosidade e a influência/pressão dos amigos são as principais razões que levam o garoto a decidir iniciar a vida sexual. Por sua vez, a primeira relação como conseqüência de um envolvimento amoroso foi ratificada pelas alunas: o amor, a paixão, a maturidade e o "sentir-se preparada" são os principais motivos que permitem as meninas decidir por ter a sua primeira vez.

As razões por iniciar a vida sexual são diferenciadas entre os sexos: os homens podem estar mais motivados para o sexo por conta de aspectos de ordem física (dar vazão à atração) e as mulheres por aspectos de ordem emocional (integrar-se à pessoa amada)21.

As manifestações de gênero, no processo de adolescer, fizeram-se presentes nas falas dos adolescentes, reforçando a existência da construção social e cultural do papel do homem e da mulher a partir das diferenças sexuais: "Homem não chora", "As meninas são muito sentimentais". De um lado, o modelo de masculinidade focaliza-se na razão, no concreto, no poder e na possibilidade de exercer controle, por outro, a feminilidade centra-se na passividade, na debilidade, na dependência, na sensibilidade e na emoção. Esses modelos opõem-se a outros valores vitais para a convivência, como a ética, solidariedade, reconhecimento mútuo e respeito à vida, a individualidade e a diversidade humana, com sérias conseqüências para a autonomia individual e coletiva e para o exercício pleno da cidadania23,24.

Um outro aspecto importante que surgiu ao longo das oficinas refere-se ao comportamento diferenciado dos pais em relação à criação dos filhos. Os relatos abaixo remetem à socialização da criança, direcionada para um determinado papel de gênero a partir de gestos simples da família e do seu círculo social: "o homem tudo pode. Enquanto a mulher não der a volta por cima, nós homens, iremos continuar a pensar que somos superiores", "deve dar liberdade à menina, mas tem que ter limites", "é questão do pai proteger a filha".

Apesar do discurso de igualdade defendido por vários segmentos da sociedade, na vida cotidiana encontramos a desigualdade e a iniqüidade na distribuição do poder e da riqueza entre homens e mulheres. Diante desse contexto, as diferenças existem, o que não deve existir é a desigualdade5.

Buscando a origem das informações sexuais entre os adolescentes, os amigos foram apontados pela maioria dos alunos como o grupo com quem se sentem mais à vontade para conversar sobre a temática. Alguns estudantes consideraram, entretanto, que é melhor conversar com os pais, com a ressalva de que assuntos mais íntimos são ditos para os amigos.

O despreparo dos pais para assumir o papel de educadores sexuais apresenta como justificativa o fato de não estarem preparados para discutir temas que interessam ao adolescente ou por não terem vivenciado essa experiência com seus pais quando adolescentes25. Nesse sentido, a falta de informação e a curiosidade, adquirida na rua ou por meio da mídia, despertam precocemente o estímulo sexual no adolescente, tornando-o mais vulnerável à gestação não planejada e às DST / AIDS.

Destaca-se que, em nenhuma das oficinas, foram mencionados espontaneamente a escola e os professores como fontes de informação, alegando-se "os professores são muito imaturos para lidar com esses assuntos", "fica estranha, depois no outro dia, a relação com os professores".

Dentre as relações afetivo-sexuais discutidas, a amizade assume vários significados: "companheirismo", "respeito", "confiança", "sinceridade", "compreensão", "afinidade", "vínculo", "cumplicidade", que remetem às necessidades psicossociais. Para alguns alunos, os melhores amigos são os pais, ressaltando a desconfiança que permeia a amizade nessa fase da vida: "Deixa seu dinheiro acabar que seus amigos somem. Amigos verdadeiros são poucos. Só nossos pais".

Outro tipo de relacionamento muito discutido nas oficinas foi o "ficar". Segundo as falas dos alunos, "ficar" é definido como uma relação descartável e imediatista, com algum tipo de envolvimento físico, podendo haver um relacionamento mais íntimo. Ainda, alguns alunos associaram o "ficar" como uma ponte para o namoro e depois para o casamento.

Destacam-se as caracterizações estereotipadas de gênero que envolvem o "ficar", evidenciando que esta prática pode trazer risco moral para as meninas e admiração para os meninos: "A menina que fica é galinha", "safada", "vassourinha", "rapariga", e "o menino que fica é chamado de galo do quintal", "garanhão", "agarrador".

Por sua vez, namorar sinaliza maturidade em escolher, tomada de decisões adequadas, assumir que se gosta de alguém, mesmo conhecendo haver outras opções26: "troca de sentimento", "ficar mais responsável, mais sério", "fidelidade", "amar de verdade e ser amado", "conhecer melhor a pessoa para não se decepcionar depois", "coisas mais íntimas".

Alguns adolescentes apontaram, entretanto, o namoro como fonte de dor, sofrimento e preocupação em assumir um relacionamento mais sério: "É um pé na forca, é casamento, é compromisso", "preocupação, ciúmes, é uma coisa complicada, a mulher pode levantar um homem, mas também pode matá-lo", "o namoro hoje está mais como um ficar. Hoje ninguém quer assumir um compromisso", "namoro é perigo, devemos preparar a cabeça para chifre", "namorar é bom, mas machuca muito. O homem brinda a nossa tristeza".

Ao questionarmos os alunos sobre se o grupo de amigos atrapalha o namoro, os mesmos ficaram divididos, sem opinião formada. Limitaram-se apenas a responder que "devem-se respeitar os limites das pessoas".

A "mentalidade de turma" influencia o namoro ao determinar que o "bonito" é ter uma série de conquistas por parte dos meninos26. Valoriza-se quem tem um "rolo", quem "fica"; mas o namoro incomoda a turma, pois, para alguém que começa a namorar, a turma deixa de ser prioritária: a preferência é estar com a namorada. Por isso, assumir namoro é difícil.

Os mitos e tabus também se fizeram presentes durante as discussões, exemplificados pelas falas: "Sei que a mulher é virgem quando ela tem a pelinha na vagina"; "a mulher não masturba"; "menina virgem não engravida na primeira vez"; "a mulher cresce a bunda quando tem relação sexual".

Os mitos reforçam o padrão sexual, e se estendem a toda uma população pertencente a uma determinada cultura. Pode-se dizer com certeza que grande parte dos problemas sexuais é sempre o resultado de um comportamento governado, ditado por esses mitos27.

Na exploração da temática "maternidade na adolescência", observa-se a existência de um discurso que coloca o jovem como vítima, associado à espécie de decadência social de valores morais, e até mesmo da família: "aqui muitas garotas que ficam grávidas param de estudar"; "os pais de minha amiga que ficou grávida expulsaram ela de casa"; "a menina grávida muitas vezes é discriminada, principalmente quando o pai da criança não assume a gravidez"; "acho a gravidez na adolescência ruim, porque o corpo da menina não está preparado para ter um filho, ela pode morrer".

Ainda, ressalta-se o discurso de alguns adolescentes do sexo masculino que associaram a gravidez precoce a uma "tática" da garota para assegurar uma futura união: "algumas meninas furam a camisinha para engravidar, para depois obrigar o menino a casar com ela"; "pode ocorrer da menina falar para o menino que tomou a pílula, mas na verdade não tomou, só para encher barriga".

Tanto a adolescência quanto a gravidez são crises, entretanto, a primeira é necessária e imprescindível para o desenvolvimento do indivíduo como ser humano, enquanto a segunda pode ser desestruturante, pois pode apresentar pesada carga emocional, física e social, fazendo com que não sejam vivenciados importantes estágios de maturação psicossexual, além de ser identificada como um dos grandes problemas de Saúde Pública no Brasil28.

Em relação aos métodos contraceptivos, percebem-se indecisão, insegurança e resistência na utilização dos mesmos, sendo a temática de pouco conhecimento dos alunos, remetendo, quase sempre, a dúvidas e questionamentos: "A pílula causa câncer e esteriliza a mulher?"; "o DIU é abortivo?"; "a pílula perde o efeito se não tomar no horário certo?"; "a camisinha faz perder o tesão?".

Prevenir e educar sobre o uso correto dos métodos anticoncepcionais é uma maneira de evitar riscos, traumas e problemas psicossociais relacionadas ao sexo pré-marital e, assim, assegurar o desenvolvimento saudável da sexualidade durante a adolescência2.

 

CONCLUSÃO

O estudo revelou que para os adolescentes a sexualidade está quase sempre limitada às relações sexuais entre duas pessoas de sexo oposto. Ao mesmo tempo, os alunos enfatizaram o risco de uma gravidez indesejada e reconheceram a importância do uso de métodos contraceptivos. Destaca-se, ainda, a associação entre sexualidade e conflitos entre pais e filhos durante a adolescência. As questões de gênero apareceram de forma clara e, às vezes, subentendidas nos discursos dos adolescentes, apontando para sua influência na formação de identidade feminina e masculina, nos relacionamentos afetivos e no exercício da sexualidade.

Considerando que a mudança de comportamento é fruto de um processo complexo, ideológico, psíquico e afetivo que se realiza a médio e a longo prazo, é importante o investimento dos municípios brasileiros no desenvolvimento de ações e projetos contínuos, articulados entre família, escola, serviços de saúde e sociedade em geral.

Diante do exposto, espera-se que as oficinas propiciem mudanças de atitude por parte dos adolescentes através da informação, reflexão e expressão de idéias e sentimentos. Ressalta-se que o Projeto "Adolescência & Sexualidade" vem trazendo resultados positivos para a redução do número de adolescentes grávidas no município onde foi desenvolvido este estudo, verificando-se queda de 40,0% das taxas de gravidez na adolescência, passando de 34,2% em junho de 2004 para 20,5% em novembro de 2005. Para continuar diminuindo esses índices, é necessário que a gestão municipal propicie o intercâmbio de áreas como saúde, educação, cultura e lazer para os adolescentes, uma vez que os picos de gravidez nesse grupo correspondem aos meses posteriores às épocas de festividades. Devido à falta de espaços recreativos, muitas vezes a única opção de lazer para os jovens se restringe aos bares da região. Portanto, oferecer alternativas de lazer e possibilidades de esporte, que resgatem o lado lúdico e recreativo, é também uma forma de prevenção.

Neste sentido, as oficinas representaram o ponto inicial de um processo a ser complementado pela família, pela escola e por políticas sociais locais voltadas para os adolescentes, contemplando a heterogeneidade e a complexa rede de influência na qual está envolvida essa fase da vida. Tal metodologia possibilitou trabalhar, simultaneamente, os aspectos cognitivos e afetivos da sexualidade, lidando, de modo articulado, com idéias, valores, práticas e comportamentos.

Acreditamos que, uma vez vencida a barreira da questão de discutir o significado do ser adolescente, encarando-o como ser-cidadão, o mesmo poderá viver sua sexualidade de maneira responsável e feliz, sem temores, sem culpas e sem ter que seguir modelos estereotipados de conduta sexual que o torne limitado diante do exercício pleno da sexualidade.

 

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Recebido em 05/12/2007
Reapresentado em 03/03/2008
Aprovado em 10/03/2008

 

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