ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 12, Número 1, Jan/Mar - 2008

PESQUISA

 

O cuidado à pessoa traqueostomizada: análise de um folheto educativo

 

Caring patient with tracheotomy: analyze of an educative leaflet

 

El cuidado a la persona traqueostomizada: análisis de un folleto educatívo

 

 

Ana Angélica de Souza FreitasI; Ivone Evangelista CabralII

IEnfermeira do Instituto Nacional de Câncer - HCI. Especialista em Enfermagem Oncológica - INCA. Especialista em Educação e Saúde NUTES/UFRJ
IIDoutora em Enfermagem. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil - EEAN/UFRJ. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Criança. Membro do Programa de Pós-Graduação do NUTES/UFRJ. Pesquisadora CNPq

 

 


RESUMO

O estudo descritivo com abordagem qualitativa teve como objetivos identificar e analisar os recursos de comunicação expressos pelo folheto educativo para mediar conteúdos sobre o cuidado à pessoa traqueostomizada. A análise de enunciação proposta por Bardin subsidiou a elaboração do instrumento de coleta de dados. A análise temática levou à identificação de duas categorias: condições de produção da palavra e rodeio pela enunciação. Os recursos de comunicação empregados no folheto atendem em par te as necessidades de aprendizado do leitor. Embora os assuntos sejam apresentados na forma de perguntas, pressupondo um paciente vir tual com dúvidas, as respostas são mediadas por linguagens ambíguas (popular e científica). Iniciativas de produção de materiais educativos, que incorporem o paciente como sujeito do conhecimento em situação real, e não vir tual, facilitam a mediação de conteúdos, pois a linguagem fica mais próxima do entendimento do leitor e mais aderente à sua realidade.

Palavras -chave: Enfermagem. Educação em Saúde. Materiais de Ensino. Traqueostomia.


ABSTRACT

This descriptive study with qualitative approach had the aims of identifying and analyzing the communication resources expressed by the educative leaflet addressed to people who needs continuous tracheotomy caring. The Bardin's utterance analyses guided the elaboration of the form applied to collect data. The thematic analyses showed two categories: the production condition of words and the meanings of utterances. The communication resources adopted by the leaflet attended par tially the readers' needs of learning regarding the management of tracheotomy. Although the subjects were presented in the question pattern, based on the idea of virtual readers with doubts, the answers were mediated by ambiguous language (scientific and folks) and uncompleted thoughts. Initiatives of producing educative material, that consider the patient experience and knowledge from real perspective rather than unreal, enhance to mediate a proper contents, because language are closer to the readers understanding and have more adherence to their realities.

Keywords: Nursing. Health Education. Teaching Materials. Tracheostomy.


RESUMEN

El estudio es descriptivo con abordaje cualitativa tiene como objetivos identificar y analizar los recursos de comunicación expresos por el panfleto educativo para mediar contenidos sobre o cuidado a la persona portadora de traqueostomía La análisis de enunciación propuesta por Bardin subsidió la elaboración del instrumento de colecta de datos. El análisis temático llevó a la identificación de dos categorías: condiciones de producción de la palabra y rodeo por la enunciación. Los recursos de comunicación empleados en el panfleto atienden en parte las necesidades de aprendizaje del lector. Aunque los asuntos sean presentados en la forma de preguntas, presuponiendo un paciente virtual con dudas, las respuestas son mediadas por lenguajes ambiguas (popular y científica). Iniciativas de producción de materiales educativos, que incorporan el paciente como sujeto del conocimiento en situación real y no virtual, facilitan la mediación de contenidos ya que el lenguaje queda más próximo del entendimiento del lector y más adherente a su realidad.

Palabras clave: Enfermería. Educación en Salud. Materiales de Enseñanza. Traqueostomía.


 

 

INTRODUÇÃO

O enfermeiro como educador assume um papel importante na relação com o paciente e seus familiares que estão experimentando tantos desafios para cuidar antes, durante e após a alta para o domicílio, de cirurgias de cabeça e pescoço. A atitude da família é um fator contribuinte para a adesão à terapêutica estabelecida, visto que proporciona apoio logístico e emocional ao paciente que apresenta alteração na imagem corporal em virtude de cirurgias dessa natureza. Participar dos cuidados ao paciente implica romper barreiras desafiadoras no enfrentamento com um câncer mutilante, como é o de cabeça e pescoço, uma doença que afeta pessoas de todos os sexos, idades, culturas e situações sócio-econômicas.

Quando isso ocorre, há um impacto sobremaneira na vida da pessoa e de todos ao seu redor. Os temores da dor, do sofrimento e da morte1 somam-se ao temor da perda de controle, do desfiguramento, da resistência da família e da sociedade. Além das demandas subjetivas decorrentes das alterações da auto-imagem, a implantação de uma traqueostomia leva os próprios pacientes e seus familiares a se defrontarem com os desafios relacionados a demandas objetivas dos cuidados com a ferida e o dispositivo tecnológico. O distúrbio da auto-imagem interfere diretamente no modo e na forma como esse familiar cuidador vai interagir com a pessoa em uso de traqueostomia. Quando lidamos com o paciente que apresenta alterações da imagem corporal, devemos compreender que este conceito está relacionado com a cultura, meio ambiente, sexo, idade, valores internos e religião2.

A alteração da imagem corporal do paciente pode gerar mudanças no seu estilo de vida, em maior ou menor grau, dependendo dos seus conhecimentos e valores. É natural que a família cuidadora demonstre uma resistência inicial para interagir com uma pessoa que apresenta estoma e faz uso de uma cânula, mesmo havendo vínculo afetivo. A ansiedade da família, a responsabilidade que assumirá diante de todo o grupo familiar e o despreparo no que diz respeito à assistência a esse paciente, longe da equipe de saúde, são fatores que contribuem para a resistência da família em aceitar a alta hospitalar do paciente3.

Partindo do pressuposto de que a família é a principal cuidadora e contribui para o bem-estar do paciente oncológico cirúrgico de cabeça e pescoço4, como educadores(as) em saúde, precisamos estar cientes dessas limitações do familiar cuidador, para que estimule a aprendizagem de habilidades de cuidados ao paciente traqueostomizado. Além disso, é impor tante investir sobre as potencialidades desses educandos para orientar sobre os cuidados necessários no domicílio, compartilhando informações de maneira clara e concisa. Quando bem orientada, a família incentiva o paciente e auxilia na sua recuperação e auto-cuidado, para que as informações possam ser devidamente transmitidas, o enfermeiro deve lembrar que a comunicação envolve a linguagem verbal e não verbal5. Assim cabe ao enfermeiro, nesta oportunidade, promover práticas educativas de modo que a família e o paciente sejam ouvidos, envolvidos e tranqüilizados para a nova situação de vida.

A educação em saúde é considerada uma função inerente à prática de enfermagem e uma responsabilidade essencial da profissão1. Neste sentido, o(a) enfermeiro(a) amplia cada vez mais seu papel como educador(a), não só comunicando conteúdos em intervenções educativas, mas também avaliando os recursos educativos mediados pelos materiais educativos produzidos para consumo de seus educandos. Os materiais educativos assumem um papel importante no processo de educar em saúde, pois além de facilitarem a mediação de conteúdos de aprendizagem, funcionam como recurso prontamente disponível para que o paciente e sua família possam consultálo quando diante de dúvidas no desenvolvimento do cuidado.

Nesse contexto, delimitamos a seguinte questão de investigação: Que recursos de comunicação são adotados no folheto educativo - "Orientações aos pacientes traqueostomizados - para mediar conteúdos sobre o cuidado à pessoa traqueostomizada. Tem-se por objetivos identificar e analisar os recursos de comunicação utilizados no folheto para expressar conteúdos sobre o cuidado à pessoa portadora de traqueostomia.

 

JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA

"Orientações aos pacientes traqueostomizados" é um folheto educativo amplamente distribuído em uma instituição pública do Rio de Janeiro às pessoas por tadoras de traqueostomia em seguimento ambulatorial. Nesse sentido, o presente estudo é pertinente, pois o resultado da análise desse material contribuirá para o seu aprimoramento como recurso de consulta da pessoa e de aprendizagem conduzida pelo enfermeiro(a) na atividade educativa ambulatorial. Portanto, ele deve ser acessível e claro, significativo e aderente à realidade do leitor; mais do que informar, precisa estimular a reflexão e fomentar a instrumentalização para o cuidar.

O folheto educativo, na instituição de saúde, é um recurso instrucional usado pelo enfermeiro; no domicílio, é uma ferramenta de auxílio tanto para o paciente como para o cuidador. Esse recurso institucional deve contribuir para o autocuidado, apresentar de forma sucinta e clara como realizar a higienização do tubo de traqueostomia e sua manutenção, visto que o paciente oncológico precisa ter consciência de sua independência para melhorar sua auto-estima.

O uso crescente de materiais educativos como um dos recursos na educação em saúde abre novas possibilidades no processo de ensino aprendizagem por meios de interações mediadas pelo locutor (enfermeiro), paciente e família (leitor) e o material educativo escrito (objeto do discurso), trazendo desafios e exigindo definições claras dos objetivos educacionais a serem atingidos pelo público-alvo.

Nesse sentido, devem-se tomar por base os conteúdos apresentados no material escrito; para que essas informações possam ser devidamente mediadas com o leitor, o enfermeiro deve lembrar que a comunicação envolve a linguagem verbal e não verbal que se processam mediante a disponibilização de materiais educativos, palavras e gestos6.

Assim, cabe ao enfermeiro, ao promover práticas educativas junto ao pacientes e familiares cuidadores, selecionar materiais educativos que produzam significados para esses educandos. Os conteúdos organizados e transformados em mensagens precisam ter o discurso direto, de modo a possibilitar um intercâmbio de comunicação efetiva, para que o receptor compreenda a mensagem, assim favorecendo a identificação e a formação de um vínculo com o leitor7. O leitor que faz a leitura do material impresso se posiciona como um leitor virtual inscrito no texto, constituído no próprio ato da escrita; ou seja, quando o leitor lê o texto, se apropria do mesmo, já encontra um leitor aí constituído com o qual ele precisa se relacionar necessariamente.

As mensagens do material educativo para pessoas traqueostomizadas têm como objetivos contribuir para mudanças de comportamentos. Contudo, tal objetivo só será atingido se a mensagem for apreendida pelo receptor (paciente).

Leitura é um processo complexo, e a compreensão de um texto envolve questões relacionadas ao conteúdo na interação texto/ leitor8. Nesse sentido, tornam-se relevantes a contribuição do material escrito no contexto da educação em saúde e o papel desse recurso para promover saúde, desenvolver habilidades e favorecer a autonomia da pessoa traqueostomizada.

 

A EDUCAÇÃO DO PACIENTE E A COMUNICAÇÃO ESCRITA

A comunicação escrita e a educação estão ligadas, possuem objetivos comuns para o atendimento das necessidades essenciais de comunicação e aprendizagem do paciente e sua família. A comunicação é um processo dinâmico e não mecânico, o que significa que, embora seus elementos sejam colocados no modelo como partes separadas da realidade, todos agem de maneira simultânea e interativa9. Podemos perceber que a comunicação não consiste apenas na emissão e recepção de mensagens deliberadas. Quando o emissor está comunicando, ele está recebendo e processando, ao mesmo tempo, todo o tipo de sensações internas e externas, e decodificando a mensagem.

Por tanto, o material educativo para o paciente traqueostomizado e sua família facilita o processo educativo uma vez que permite ao leitor destinatário da comunicação uma leitura posterior, possibilitando a superação de eventuais decodificações e de rememorização. Assim sendo, para esse processo, o material escrito apresenta funções que reforçam as informações orais, serve como guia de orientações para casos de dúvidas posteriores e auxilia nas tomadas de decisões da pessoa traqueostomizada, em relação às medidas preventivas, bem como aos cuidados cotidianos com o estoma, a prevenção de infecções, a oxigenação e umidificação, a tosse, a mastigação, a deglutição, a maceração e colonização do estoma, higiene da cavidade oral e corporal, e maneiras alternativas de comunicação não verbal.

Uma informação de fácil entendimento melhora o conhecimento e o enfrentamento do paciente com doença crônica, ajuda a desenvolver atitudes e habilidades, facilita a autonomia, promove a adesão, torna capaz de entender como as próprias ações influenciam o padrão de saúde10.

Vale salientar que condições de produção da palavra é o modo de identificar qual é a posição do locutor, que conteúdo expressa o material e qual é a posição do leitor11. Nesse sentido, torna-se fundamental definir com clareza o volume de informação que vai ser transmitida, pois a mensagem pode ter formas diferentes na linguagem falada. Quando se trata de linguagem escrita, o comunicador deve ter cuidado e levar em conta que o leitor está sozinho frente à interpretação12. A linguagem científica empregada no material escrito dificulta o entendimento do leitor; sendo assim, o texto escrito deve completar as mensagens expressas pela ilustração, deve ser breve, direto, apresentar uma linguagem correta e compreensível, ao receptor da mensagem.

 

DESCRIÇÃO METODOLÓGICA

Estudo descritivo exploratório de natureza qualitativa, foi desenvolvido segundo o método da análise documental11. Consideramos como fonte primária o folheto educativo "Orientações aos pacientes traqueostomizados", distribuído em uma Instituição Pública do Estado do Rio de Janeiro no atendimento às pessoas traqueostomizadas.

A pesquisa descritiva tem por finalidade observar, descrever e explorar os aspectos de uma situação, fatos ou fenômenos de uma determinada realidade13. O instrumento de coleta de dados consistiu em quatro fichas de análise documental, posteriormente convertida em quadros. O primeiro quadro reuniu informações sobre as condições de produção da palavra, de modo a identificar qual é a posição do locutor, que conteúdo expressa o material e qual é a posição do leitor. O segundo quadro tratou da análise estrutural sintática e paralinguística de modo a revelar as diferentes linguagens empregadas pelo material: a ambígua, a popular e a científica. O terceiro quadro destacou a análise lógica do texto, e o último reuniu informações sobre a análise dos elementos formais atípicos, apresentando as recorrências, os ilogismos e as omissões.

Nesse sentido, destacaram-se os recursos de comunicação expressos no folheto educativo e os conteúdos textuais nele veiculados, tendo em vista o seu uso pelo(a) enfermeiro(a) como estratégia complementar no desenvolvimento da educação em saúde. Quando os dados analisados se apresentam sob forma de um texto ou de um conjunto de textos, em vez de uma tabela com valores, a análise assume o nome de análise de conteúdo11. A análise de conteúdo deve normalmente permitir o aparecimento de variáveis e fatores de influência que se ignorava no início da pesquisa, logo se conclui que análise de conteúdo é um método de busca da informação.

Entre as técnicas da análise do conteúdo, elegemos a opção proposta por Bardin para análise da enunciação que foi a base para a construção do instrumento de coleta de dados. Tendo em vista que esta técnica se apóia numa concepção de comunicação como processo e não como dado11, podemos concluir que a análise da enunciação funciona desviando-se da estrutura da frase e dos elementos formais para a organização formal do discurso.

A escolha das categorias é o procedimento essencial da análise de conteúdo, visto que elas fazem a ligação entre os objetivos da pesquisa e seus resultados11. As categorias, quando não se tem uma idéia precisa, devem surgir com base no próprio conteúdo.

 

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DO DADOS

A análise de enunciação apontou para duas categorias de análise: as condições de produção das palavras; e o rodeio pela enunciação.

 

CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA PALAVRA

O folheto tem a intenção de comunicar os conteúdos relacionados aos cuidados com a pessoa traqueostomizada para três pólos: o locutor (quem fala), o objeto do discurso (o conteúdo) e o leitor (para quem se destina) (Quadro1).

 

O locutor nesse texto é o profissional de saúde, pois ele se dirige ao leitor, o paciente, para comunicar o tema traqueostomia. O conteúdo relativo a esse tema é apresentado em itens: definição de traqueostomia, indicação da traqueostomia, interferência na vida diária, problemas durante o uso da cânula de traqueostomia, prevenção de problemas, descrição dos cuidados com o dispositivo (limpeza e higienização), descrição dos cuidados com o estoma e descrição dos cuidados com as vias aéreas.

O leitor é inscrito no texto como um leitor virtual, que se constitui no próprio ato da escrita, representado por um paciente imaginário com dúvidas. O discurso, por um lado, apresenta um lado inconsciente e, por outro, revela as transformações provocadas pela passagem da linguagem pelo outro.

Os itens do folheto são apresentados sob a forma de perguntas. As respostas a essas perguntas constituem o próprio conteúdo sobre traqueostomia, indo de um crescente definidor para o descritivo. Esse formato problema-resolução pressupõe que há uma identificação do leitor real (o paciente traqueostomizado) com o leitor virtual. O profissional de saúde se faz representar no texto pela mediação das respostas às perguntas formuladas por um leitor virtual. Essa intencionalidade em buscar uma identidade textual do leitor real com o virtual visa estimular a maior retenção do conteúdo pelo leitor.

A análise da enunciação assenta numa concepção de discurso como palavra em ato, a análise de conteúdo clássica considera o material de estudo como um dado11, ou seja, como um enunciado imobilizado, manipulável, fragmentado. O conteúdo do material educativo foi escrito utilizando-se estilo de letras simples e fáceis de serem lidas, com os itens destacados em negrito. Essas fontes tiveram cores diferentes de acordo com o destaque que se pretendia dar ao texto, azul para as perguntas e preto para as respostas. Os textos escritos são formados por frases longas, diminuindo a rapidez no processo de leitura e dificultando a compreensão. Frases longas reduzem a velocidade no processo de leitura e geralmente geram compreensão mais difícil14.

 

O RODEIO PELA ENUNCIAÇÃO

O Quadro 2 apresentado a seguir nos permite analisar aspectos reveladores do folheto escrito, divido em: análise estrutural sintática e paralingüística e variações nas linguagens: ambígua, popular e científica.

 

A linguagem produz o discurso que se faz na articulação de três processos: linguagem ambígua, linguagem popular e linguagem científica, que juntas apresentam um discurso ora imaginário ora real.

Torna-se fundamental definir com clareza a informação a ser transmitida, pois a mensagem pode ter formas diferentes na linguagem falada. Quando se trata de linguagem escrita, o comunicador deve ter o cuidado e levar em conta que o leitor está sozinho frente à interpretação8.

A linguagem com sentido ambíguo é o vício de linguagem que consiste em usar diversas palavras na frase de maneira a causar duplo sentido na sua interpretação, dificultando a compreensão do leitor. O conteúdo do material pode ser programado de forma que os termos referentes à linguagem se tornem claros e de fácil leitura para o leitor. Observamos que o enunciado do conteúdo foi apresentado ao leitor de forma confusa, podendo gerar dificuldades no processo de compreensão e interpretação da mensagem recebida por ele/ela.

A linguagem popular visa dar visibilidade ao sujeito no diálogo, com uma linguagem informal, despojada, espontânea e criativa15. Assim, a valorização da linguagem popular permite que o educando se faça presente no texto e mantenha a sua iniciativa no processo da educação e saúde. No rodeio pela enunciação, observa-se que a mensagem transmitida para o leitor ora se vale de uma linguagem popular ora de linguagem científica. A intenção é incluir o leitor, tornar o conteúdo do cuidado na traqueostomia mais acessível à compreensão e aprendizado da pessoa traqueostomizada.

Os materiais educativos devem ser instrumentos físicos que possibilitem a transmissão de mensagem e estímulos necessários à aprendizagem, visando reforçar orientações escritas e facilitar o processo ensino/aprendizagem16. Portanto, sua adequação tornase fundamental na comunicação da educação em saúde.

A adoção da linguagem científica na apresentação dos conteúdos do folheto impresso destaca-se por suas determinações essencialmente técnicas, por vezes difíceis de serem compreendidas, com limitações impostas pela faixa etária, às condições de escolaridade e classe social do paciente e familiar. As diferentes formas de linguagem que constituem o conteúdo da enunciação podem dificultar o leitor a reconhecer a mensagem do enunciado, os mecanismos discursivos pelo qual o material foi produzido na sua relação com o leitor imaginário.

Desta forma, a linguagem popular deve ser usada com freqüência no conteúdo do material impresso, assim como a linguagem científica deve ser explicada por meio de exemplos17.

Observamos no Quadro 3 a seguir que o conteúdo expresso no material educativo apresenta duas definições diferentes para um mesmo termo, utilizando dois tipos de linguagem: a popular e a científica. Dessa forma, dificulta a compreensão do leitor sobre qual é a definição de traqueostomia mais próxima de sua condição, explica que a obstrução a passagem de ar pode resultar de alguns tipos de cirurgia sem exemplificar que tipos poderiam estar associados a essa intercorrência. O texto relativo à obstrução é apresentado em uma página diferente da imagem, o que não permite o encadeamento de raciocínio pelo leitor, o entendimento de proposição como uma frase ou um elemento da frase que instaure, tal como a proposição lógica, uma relação entre dois ou mais termos11.

 

Além da ausência aparente de lógica entre os diferentes componentes do texto, é possível ainda ver a análise lógica como uma análise de relações entre proposições.

As recorrências propriamente ditas estão espaçadas no conteúdo do material e podem ser um indicador de importância ao postular um vínculo proporcional entre a freqüência relativa de um código na mensagem. Recorrências são repetições de um mesmo tema ou da mesma palavra em contextos diferentes11.

Os ilogismos são geralmente acompanhados de uma perda de domínio do discurso11. Penso que o ilogismo corresponde a uma tentativa de raciocínio, a um desejo de demonstração que não evolui na argumentação. As falhas lógicas são indicadores de uma necessidade de justificação de um comportamento pessoal em contradição com a situação real.

Entendemos que houve omissão de conteúdos relevantes no material didático quando não destacou a realização das atividades de vida diária pela pessoa com traqueostomia e as limitações inerentes a ela: como realizar os cuidados com a traqueostomia em casa; alternativas de comunicação (como por exemplo, o uso de um quadro-mágico); a necessidade de comer devagar, de mastigar bem os alimentos antes de engolir; o banho diário, entre outras informações. Essas incompletudes de conteúdo no texto interferem diretamente na autonomia do cuidado da pessoa traqueostomizada.

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Concluímos que os recursos de comunicação empregados pelo folheto educativo como os conteúdos textuais neles veiculados atendem em parte as necessidades de aprendizado do leitor. As informações expressas no material educativo apresentam-se com diferentes linguagens: a ambígua, a popular e a científica. As diferentes formas de linguagem que constituem o folheto podem dificultar o sujeito leitor de reconhecer a mensagem que o locutor quer transmitir. O conteúdo expresso no material didático apresenta-se sem uniformidade, não sendo adequado às necessidades de aprendizagem do paciente, podendo ocorrer a falta de estímulo e atenção pelo leitor.

A produção de materiais educativos para consumo nos serviços de saúde tem se baseado mais na experiência do atendimento, contemplando algumas dúvidas e questionamentos mais comuns que o profissional de saúde pensa ser do paciente, sobre os problemas específicos abordados nos materiais educativos. Nessa perspectiva, o estudo possibilitou compreender que o material educativo dispõe de poucos elementos textuais e imagéticos favoráveis ao aprendizado da pessoa traqueostomizada. A linguagem ora popular, ora científica, sem a devida explicação pode deixar o leitor confuso e desinformado.

Os profissionais de saúde, produtores de material impresso, devem ter em mente que um material educativo deve ser adequadamente planejado, avaliado, validado para atender a uma real necessidade da pessoa traqueostomizada18. O autor de uma mensagem deve atentar para a linguagem adequada no processo de comunicação em saúde.

Consideramos que este estudo pode contribuir com o preparo técnico de materiais com vistas à educação em saúde da pessoa traqueostomizada, partindo do pressuposto que a participação possibilita a aquisição de conhecimento e troca de experiência sobre os cuidados com a pessoa traqueostomizada entre enfermeiro como educador, o paciente e a família.

A atividade educativa do enfermeiro à pessoa traqueostomizada deve favorecê-lo a tomar consciência da situação que esta vivenciando e reconhecer a necessidade do desenvolvimento de capacidade e habilidade para o autocuidado, garantindo a sua independência e autonomia nessa nova forma de vida.

Por fim, recomendamos as iniciativas de produção de materiais educativos incorporando o paciente como sujeito do conhecimento, e não apenas como público alvo, de produtos construídos fora da realidade de vida da pessoa traqueostomizada.

Desse modo, a partir de uma análise reflexiva, sugerimos estudos futuros, como, por exemplo, avaliação de legibilidade do material educativo, ou avaliação da compreensão dos clientes e familiares acerca do conteúdo veiculado pelo folheto.

 

Referências

1. Smeltzer SC, Bare BG. Brunner & Suddarth- Tratado de Enfermagem Médico-cirúrgica. 10ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2005.

2. Ayuob AC. Planejando o cuidar na enfermagem oncológica. São Paulo (SP): Lemar; 2000.

3. Douset MP. Vivendo durante um câncer. Tradução de Viviane Ribeiro. São Paulo (SP): EDUSP; 1999.

4. Zago MMF. O comportamento dos laringectomizados frente à imagem corporal. Rev Bras Cancerol 2002;48(3):333-39.

5. Fonseca LMN, Schochi CGS, Rocha S, Leite AM. Cartilha educativa para orientação materna sobre os cuidados com o bebê prematuro. Rev Latino-am Enfermagem 2004 fev;12(1):65-75

6. Aguiar RCB. Saberes e práticas de cuidadores no cuidado à criança em terapia anticonvulsivante: o processo de produção do almanaque [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ; 2005.

7. Vasconcellos S, Paulo R, Uribe R, Castiel F J, David L. Comunicação instrumental diretiva e efetiva em impressos hospitalares. Cad Saude Publica 2003 dez;19(6):1667-679.

8. Moreira MF, Silva MIT. Legibilidade no material educativo escrito para pacientes diabéticos. Online Braz J Nurs [on~line] 2005 ago; [citado 02 jul 2007];4(2):[aprox. 5 telas]. Disponível em: http:/uff.br/nepae/objn402moreiraetal.htm

9. Pina ER. A representação da mulher nos cartazes das campanhas do Ministério da Saúde em HIV/AIDS: visibilidade e silêncios. [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): NUTES/UFRJ; 2004.

10. Maia TF, Silva LF. O pé diabético de clientes e seu autocuidado: a enfermagem na educação em saúde. Esc Anna Nery Rev Enferm 2005 abr:9(1):95-102.

11. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Ed 70; 1979.

12. Sharapin M, Yasuda N, Santos A, Rozemberg B, Souza KRde. O desenvolvimento compartilhado de impresso como estratégia de educação em saúde junto a trabalhadores de escolas da rede pública do Estado do Rio de janeiro. Cad Saude Publica 2003 dez;19(2):495-504.

13. Polit DF, Hungler B P. Fundamentos de pesquisa em enfermagem. 5ªed. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 2004.

14. Moreira MF, Nóbrega MML, Silva MIT. Comunicação escrita: contribuição para a elaboração de material educativo em saúde. Rev Bras Enferm 2003 abr;56(2):194-98.

15. Vasconcelos EM. Redefinindo as práticas de saúde a partir de experiências de educação popular nos serviços de saúde. Interface: comunicação, saúde, educação 2001 fev;8:121-26.

16. Poggetto MTD, Casagrande LDR. Fui fazendo e aprendendo: temática de aprendizagem de clientes colostomizados e a ação educativa do enfermeiro. REME: rev min enferm 2003 jul;7(1):28-34.

17. Machado MFAS, Vieira NFC. Participação na perspectiva de mães de crianças desnutridas. Rev Latino-am Enfermagem 2004 fev;12(1):76-82

18. Vasconcellos SPR, Rober to P, Silva APP, Rozemberg B. Próteses de comunicação e alinhamento comportamental: uma revisão da literatura sobre impressos hospitalares. Rev Saude Publica 2003 dez;37(4):531-42.

 

 

Recebido em 05/06/2007
Reapresentado em 25/06/2007
Aprovado em 25/07/2007

 

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1