ISSN (on-line): 2177-9465
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 11, Número 4, Out/Dez - 2007

REFLEXÃO

 

O enfermeiro no ensino fundamental: desafios na prevenção ao consumo de álcool

 

The nurse in fundamental education: challenges in the prevention to alcohol consumption

 

El enfermero en la enseñanza general básica:desafíos en la prevención al consumo de alcohol

 

 

Gertrudes Teixeira LopesI; Margarida Maria Rocha BernardesII; Laura Vargas AcauanIII; Ingryd Cunha Ventura FelipeIV; Edna Gurgel CasanovaV; Bruna Kelly de Jesus LemosVI

IProfessora Titular do Departamento de Fundamentos de Enfermagem da UERJ. Doutora e Livre Docente na área da Enfermagem. Pró-cientista da UERJ. Pesquisadora do CNPq. Especialista e Pós-Doutora em Álcool e Drogas pela USP/RP. Membro do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (NUPHEBRAS) da EEAN/UFRJ. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Álcool e outras Drogas (GEPAD) da FE/UERJ;
IIMestre em Enfermagem pela UERJ; Professora da Universidade Estácio de Sá; Enfermeira Supervisora da Fundação Hospitalar de Resende. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Álcool e outras Drogas (GEPAD) da FE/UERJ; IIIEnfermeira graduada pela Escola de Enfermagem Anna Nery /UFRJ. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Álcool e outras Drogas (GEPAD) da FE/UERJ;
IVEnfermeira graduada pela Escola de Enfermagem Anna Nery /UFRJ. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Álcool e outras Drogas (GEPAD) da FE/UERJ;
VDoutora em Enfermagem pela UFRJ, Professora da disciplina Saúde Mental e Psiquiatria da Universidade do Grande Rio UNIGRANRIO e da Universidade Severino Sombra / RJ. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Álcool e outras Drogas (GEPAD) da FE/UERJ;
VIAcadêmica do 6° período do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem / Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Bolsista FAPERJ. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Álcool e outras Drogas (GEPAD) da FE/UERJ. E-mail: ingrydventura@hotmail.com.

 

 


RESUMO

Este estudo é oriundo de algumas interrogações feitas por pesquisadores da área de drogas acerca da inserção do enfermeiro como agente promotor da saúde na escola fundamental. Objetivo: Refletir sobre a atuação do enfermeiro na escola de ensino fundamental como agente articulador das medidas de prevenção ao consumo de álcool. O trabalho mostra que a prevenção de risco, como um conjunto de ações que visam evitar problemas causados pelo uso indevido do álcool, é um campo que possibilita ao enfermeiro desenvolver atividades de prevenção em diferentes âmbitos na escola, junto aos alunos e suas famílias e aos professores. As reflexões neste texto sobre o trabalho do enfermeiro como agente educador em escolas de nível fundamental, visando à prevenção ao uso de álcool, não faz uma apologia e nem recrimina o consumo, mas considera a escola um território privilegiado para a incorporação de conhecimentos sobre saúde, substituindo o enfoque repressor pelo de orientação aos jovens.

Palavras-chave: Enfermeiros. Saúde Escolar. Promoção da Saúde. Consumo de Bebidas Alcoólicas.


ABSTRACT

This study comes from some questions made by drug researchers about insertion of the nurse as promotional health agent in the fundamental school. Objective: to reflect the acting of the nurse in the fundamental school as agent in the prevention to alcohol consumption. This work shows that the prevention, as a sum of actions that aim at preventing problems caused by improper use of the alcohol, is a field that enables the nurse to develop activities of prevention in different scopes, along with the students, their families and the teachers. The reflections in this text about the work of the nurse as agent educator in fundamental level schools aiming at to the prevention to the alcohol use do not make a vindication nor recriminates the consumption, but consider the school as a privileged territory for the incorporation of knowledge on health, replacing the repressor approach by the orientation one to the youth.

Keywords: Nurses. School Health. Health Promotion. Alcohol Drinking.


RESUMEN

Este estudio es oriundo de algunas interrogaciones hechas por pesquisidores del área de drogas acerca de la inserción del enfermero como agente promotor de salud en la escuela de enseñanza general básica. Objetivo: reflejar la actuación del enfermero en la escuela de enseñanza general básica como agente educador en la prevención del consumo de alcohol. Muestra que la prevención del riesgo, como un conjunto de acciones que visan evitar problemas provocados por el uso indebido del alcohol, es un campo que posibilita al enfermero desenvolver actividades de prevención en distintos ámbitos en la escuela, junto a los alumnos, sus familias y profesores. Las reflexiones sobre el trabajo del enfermero como agente educador en las escuelas, no hace una apología, ni recrimina el consumo, pero considera la escuela como un territorio privilegiado para la incorporación de conocimientos sobre salud, substituyendo el enfoque represor por el de orientación a los jóvenes.

Palabras clave: Enfermeros. Salud Escolar. Promoción de la Salud. Consumo de Bebidas Alcohólicas.


 

 

INTRODUÇÃO

Motivadas pelo desejo de ampliar discussões e reflexões acerca do consumo de álcool pelos estudantes do ensino fundamental e da participação do Enfermeiro como educador neste contexto, este artigo surgiu de discussões realizadas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre álcool e outras drogas (GEPAD) da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FENF/UERJ), que mantém convênio com a Comissão Interamericana para o Controle do Uso/Abuso de Drogas-CICAD, vinculada à Organização dos Estados Americanos /OEA.

Atualmente enfrentamos inegavelmente um crescimento veloz e abrangente do fenômeno das drogas, trazendo no bojo deste, repercussões diversificadas nas diferentes esferas. Dentro deste contexto e cenário, o álcool surge como principal artista de um filme consagrado internacionalmente, que traz no roteiro violência, dependência, gastos públicos significativos para a economia dos países, acidentes, desestruturação familiar, social e individual.

É senso comum que o álcool é uma droga psicoativa lícita que libera as inibições humanas, sendo um hábito natural e arraigado nas diferentes culturas, transcendendo a limites sociais. Em virtude deste fenômeno, a comunidade escolar, como parte da sociedade, é também atingida pelo uso/abuso desta droga.

Este estudo surgiu basicamente de um questionamento:

O enfermeiro como agente educador poderá desenvolver, no espaço escolar de ensino fundamental, ações de prevenção ao consumo de álcool?

Para responder a esta pergunta, elaboramos o seguinte objetivo:

Refletir sobre a atuação do enfermeiro na escola de ensino fundamental como agente articulador das medidas de prevenção ao consumo de álcool.

Assim, pensar projetos de promoção da saúde e prevenção de riscos por enfermeiros no espaço escolar, abordando a questão do álcool como droga consumida pelos alunos de escolas de ensino fundamental, significa pensar uma questão geracional: de que professores e enfermeiros enquanto parceiros estariam aptos a ensinar a boa vivência deste tipo de consumo enquanto os alunos estariam prontos e interessados em aprender. Significa também pensar no sentido atribuído à adolescência e à juventude na sociedade contemporânea e perceber a centralidade da vivência da experiência de consumo do álcool nas representações desta fase da vida.

Essa fase que agrega infância e adolescência e consumo de drogas, incluindo o álcool, é perceptível na própria formulação das políticas públicas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s), por exemplo, não trazem uma definição conceitual de adolescência. Como foram construídos para todo o ensino fundamental e médio, trabalham com duas categorias infância e adolescência mas não se preocupam em conceituá-las. Os temas transversais tratam da proximidade com as drogas na infância e adolescência sem delimitar as fronteiras entre as duas idades1.

Desta forma, classificando-se crianças e adolescentes em um mesmo bloco, eles acabam percebidos como alunos, ou educandos, que necessitam de orientação para promoção da saúde e prevenção de riscos.

No Brasil, a adolescência é definida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como um período etário que vai dos doze anos completos aos dezoito anos de idade, podendo ser aplicado às pessoas de dezoito a vinte e um anos em alguns casos especiais1. Até os doze anos, somos crianças; somos adolescentes até, no máximo, vinte e um anos e depois entramos na idade adulta, uma definição baseada em representações sociais do tempo cronológico1.

A adolescência exerce forte influência sobre os estudos que inquietam a sociedade contemporânea, de um lado, pelo grande contingente de jovens na população, de outro pelas mudanças psicossociais características desse momento, e, de outro, porque a juventude potencializa as questões sociais contemporâneas, construindo as bases de uma sociedade futura2.

 

A ESCOLA COMO ESPAÇO FACILITADOR PARA PROMOÇÃO DA SAÚDE E PREVENÇÃO DE RISCOS

Pensamos a escola, hoje, não somente como um lugar de aprendizagem teórica, mas também como um espaço de vivências emocionais e sociais. Sabemos que é preciso estar preparado para enfrentar as transformações que a adolescência traz, tais como as dificuldades com as mudanças emocionais e corporais.

Convém admitir que uma forte prioridade deve ser destinada à educação para a promoção da saúde no meio escolar, não porque prevaleça o uso de drogas, mas porque a escola permite uma educação para saúde consciente, regular e sistemática, parte do ensino e uma preparação para a vida. Sabemos que os efeitos da socialização primária, transmitida pelos pais à criança, são profundos e duradouros, mas a escola oferece-lhe a possibilidade de uma ressocialização mais propícia a um estilo de vida mais bem adaptado à sociedade atual3.

A escola é um campo social permeável às abordagens transdisciplinares e à profusão de abordagens de diferentes correntes teóricas em todas as áreas de conhecimento. Portanto, a escola é um território privilegiado para a incorporação de conhecimentos sobre saúde, assim como para a possibilidade de transformar o atual quadro de vulnerabilidade social que muitos jovens brasileiros vivem atualmente4.

No Brasil, a população que freqüenta as escolas, na cidade e no campo, é de mais de 56 milhões de crianças, adolescentes e jovens.

Segundo o Censo Escolar 20055, o total de matrículas no Brasil é de 56.511.622. Dos matriculados, 86,4% correspondem à área urbana (48.831.554) e 13,6% à área rural (7.680.068). Na zona urbana: a Educação Infantil inclui 6.302.310; o Ensino Fundamental, 27.735.174; o Ensino Médio, 8.824.397; a Educação Especial, 373.340; a Educação jovem e adulta, 4.921.400; e a Educação profissional, 674.933. Na zona rural: Educação Infantil, 942.703; Ensino Fundamental, 5.799.387; Ensino Médio, 206.905; Educação Especial 4.734; Educação jovem e adulta, 694.009; e Educação profissional, 32.330. Os dados também revelam a cobertura da educação pública no Brasil, onde 49 milhões de alunos da Educação Básica estão matriculados em estabelecimentos públicos5.

A escolaridade, que em gerações anteriores acenava com a possibilidade de que com estudos, conhecimento e diploma, poder-se-ia galgar melhores condições de vida e realização, perde sua significação no atual contexto, o do elevado índice de desemprego e comprometimento do futuro profissional2.

É nesta perspectiva que muitos jovens freqüentam a escola onde a indisciplina hoje é apontada pelos professores como uma das maiores dificuldades encontrada em seu trabalho. O silêncio é visto como condição para a aprendizagem...

Dias da Silva2 em pesquisa realizada observou que o pedido de silêncio do professor em sala de aula baseava-se ora em expectativa ou exigência cognitiva do aluno, ora em exigências pedagógicas, ora em regras do sistema escolar, ou ainda em uma demanda pessoal do professor.

Como a figura do professor é a "representação" da autoridade, se os adolescentes, seus alunos, o percebem fragilizado e defendido por essas "ameaças", a relação fica muito difícil. Chega inclusive a interferir sobre o próprio conteúdo de aprendizagem trabalhado.

Como essas questões muitas vezes não encontram espaços de reflexão, na escola, para serem explicadas e modificadas educativamente, elas ficam implicitamente "minando" as relações do adolescente com esse professor e/ou o conteúdo pedagógico pelo qual ele é responsável2.

A melhoria da relação professor-aluno oferece maior oportunidade ao estudante para que ele manifeste suas dúvidas e anseios. Enfatiza o diálogo e o respeito mútuo. É através do contato informal que o vínculo surge e que ocorrem as ações preventivas mais espontaneamente e de maior impacto6.

A escola é um celeiro de muitas possibilidades, e isto se observa também em relação às várias maneiras de prevenir o uso de drogas na escola. Nesta perspectiva, devemos atentar para uma mudança significativa no enfoque, devemos substituir o enfoque repressor pelo de orientação aos jovens e ainda criar espaços para discussões. Quanto mais realizados e conscientes os jovens estiverem, menores serão os riscos de terem problemas com drogas. A conversa com os pais é uma ação importante; escola e família, juntas, encontram meios para ajudar a criança e o adolescente. Trata-se aqui de analisar a questão de forma ampla, considerando os aspectos envolvidos no uso de drogas: a pessoa, a droga e o contexto. A escola e a família são partes essenciais deste contexto6.

O enfoque dado não deve ser especificamente na questão das drogas, mas fazer parte do âmbito da Promoção de Saúde de forma ampla, permeando e correlacionando os espaços onde se pratica Educação para a Saúde.

As ações dentro do enfoque da Prevenção se complementam umas às outras. Assim, a informação científica deve vir junto com a educação afetiva, que acompanha a oferta de alternativas saudáveis de prazer. É importante não centrar a atuação só no estudante, mas também na transformação da escola6.

 

MEDIDAS PREVENTIVAS AO CONSUMO DE ÁLCOOL

Prevenção pode ser definida como um conjunto de ações que visam evitar problemas causados pelo uso indevido de drogas antes que eles apareçam, ou antes que eles se agravem.

A prevenção ao uso de drogas busca grupos específicos (crianças, adolescentes, comunidades, escolas), cuja finalidade das ações é atuar sobre fatores que predispõem uso ou abuso, criando uma mentalidade de participar da dinâmica social de forma ativa e preventiva7.

A prevenção envolve três âmbitos: primário, secundário e terciário. Segundo a OMS8:

Prevenção Primária é o conjunto de ações que procuram evitar a ocorrência de novos casos de uso abusivo de psicotrópicos ou até mesmo um primeiro uso; Prevenção Secundária é o conjunto de ações que procuram evitar a ocorrência de complicações para as pessoas que fazem uso ocasional de drogas e que apresentam um nível relativamente baixo de problemas; Já a Prevenção Terciária é o conjunto de ações que, a partir de um problema existente, procura evitar prejuízos adicionais e/ou reintegrar na sociedade os indivíduos com problemas sérios. Também busca melhorar a qualidade de vida dos usuários junto à família, ao trabalho e à comunidade de uma forma geral.

Quando se pensa na prevenção do uso/abuso do álcool, deve-se pensar na visão do ser humano como um todo, ou seja, as ações devem ser realizadas visando resgatar para ele o que foi perdido, o sentido de vida social, devolver seus valores e normas éticas, baseadas no respeito à pessoa em sua individualidade, como também todo seu ambiente e suas tradições culturais, em outras palavras, trazer de volta o cidadão inserido em seu contexto sócio-político e afetivo9.

Para se obterem resultados positivos em relação ao uso/abuso do álcool, as intervenções devem focar idéias construtivas, direcionadas à população-alvo, considerando as necessidades e características biopsicossocias destas pessoas. Todas as ações devem envolver o contexto educacional buscando inserir o sujeito na sociedade com uma formação mais adequada a fim de obter qualidade de vida, buscando sua valorização enquanto ser social que tem vontades e é capaz de modificar não só a si mesmo como também o meio em que vive.

Sabe-se que o ser humano, quanto mais informado sobre determinados fatos, melhor pode discernir sobre a intervenção adequada a ser utilizada, ou seja, espera-se que através desta compreensão o indivíduo seja capaz de refletir sobre os malefícios do abuso de drogas, desta forma evitando o seu uso; portanto, esta informação deve ser baseada na compreensão, e não no medo.

Sabe-se também que as grandes indústrias de bebidas investem em alta tecnologia para difundir uma imagem dos seus produtos, conseqüentemente estimulando o seu uso.

A estrutura familiar na maioria das vezes é o elemento desencadeador da insatisfação do indivíduo, seja ele adulto, adolescente, criança, esta última refletindo a problemática dos pais, muitas vezes buscando como solução a fuga da realidade10.

Ao desenvolver atividades preventivas no âmbito da escola, o profissional enfermeiro deve atentar para alguns aspectos considerados importantes:

No âmbito da prevenção primária, o processo informativo se coloca como o cerne das ações na medida em que visa formar agentes multiplicadores de saúde. Associado a ele é relevante identificar as circunstâncias e o contexto para que se possam respeitar as características e as necessidades da comunidade onde se deseja atuar11.

Outro ponto a ser destacado é a capacitação do corpo docente da escola, visando instrumentalizar os professores com informações acerca do tema, através de informes, reuniões, palestras, material escrito e outras, bem como no sentido de investigar qual o domínio que o educador possui acerca do tema que será tratado.

Em relação ao aluno em sala de aula, atentar para o desenvolvimento de atividades e estratégias educativas que gerem interesse do estudante para que ele possa participar efetivamente nas ditas atividades. Alguns temas como causas e conseqüências do uso indevido do álcool, reflexão sobre valores e sentimentos, tipos e fontes de pressão que levam algumas pessoas a usarem a substância, além do desenvolvimento da auto-estima e alternativas para uma vida saudável, são assuntos que devem ser abordados de forma tranqüila e participativa.

No âmbito da prevenção secundária, a noção de risco tem sido foco de novas reflexões diante da complexidade da concepção positiva da saúde e do conceito de promoção. Diante do problema do uso/abuso do álcool, ela toma proporções abrangentes, que contemplam dimensões físicas, sociais e individuais (subjetivas), não cabendo, deste modo, a adoção de uma definição limitante e marginalizante, atrelada à questão técnica e à doença11.

Existem ainda alguns fatores que podem ser identificados no espaço da escola e na sociedade que poderão dar direcionamento às ações preventivas a serem realizadas. Dentre eles, podem-se destacar: a) a verbalização de expectativas positivas com relação ao aluno; b) o estímulo à continuidade dos estudos; c) estímulo ao exercício dos princípios de altruísmo, cooperação e solidariedade; d) a promoção de atividades criativas e extracurriculares para a criação de vínculos entre aluno, escola, pais e comunidade; e) a atuação da escola como veículo de informação adequada sobre a questão do uso/abuso do álcool12.

Em relação à sociedade, algumas posições devem ser tomadas com vistas ao controle do consumo do álcool, destacando-se: a) o estabelecimento de normas de controle social para prevenir o uso da droga; b) a satisfação das necessidades básicas nas áreas de saúde, educação, habitação, profissionalização, emprego e lazer; c) a existência de incentivos ao desenvolvimento dos jovens em serviços comunitários e tantos outros12.

Portanto, é inequívoca a importância de se combinarem várias ações de intervenção, para prevenção do uso do álcool como estratégia de enfrentamento dos problemas relacionados ao uso /abuso desta substância.

 

O ENFERMEIRO COMO AGENTE EDUCADOR

Inicialmente cabe-nos ressaltar que as reflexões neste texto sobre o trabalho do enfermeiro como agente educador em escolas de nível fundamental, visando à prevenção ao uso de álcool, não faz uma apologia e nem recrimina o consumo. Nesse sentido, realizamos um deslocamento da perspectiva do consumo do álcool exclusivamente como doença, reorientando o nosso trabalho sob o ponto de vista de promoção da saúde e prevenção de riscos.

Ao considerarmos a ambivalência existente na sociedade brasileira em relação ao uso do álcool, que, ao mesmo tempo incita o consumo e o reprime, questionamos como realizar programas educativos efetivos, diante da realidade, desenvolvendo nosso papel como enfermeiros-educadores?

A escola sem dúvida apresenta-se como um excelente espaço de atividades de prevenção ao consumo de álcool. Além de os alunos passarem grande parte do seu tempo na escola, ainda reforçam-se valores e normas sociais.

Educação e saúde auxiliam na construção de indivíduos e coletividades que constituem a sociedade. Os processos educacionais, além de gerar e disseminar conhecimentos, ainda possibilitam uma ampliação do saber na dimensão humana e de melhoria da qualidade de vida. Com isso, entendemos que a promoção da saúde é um potencial para desenvolvimento em espaços escolares, já que estes são locais de diálogos, privilegiados para troca de saberes e expressão da diversidade cultural5.

Tomando por base os resultados bem-sucedidos de um programa de prevenção desenvolvido em escolas nos EEUU, citado por Sloboda13, ficou evidenciado que os programas devem valorizar fatores de proteção e reverter ou reduzir fatores de risco, se ocupar de todas as formas de uso, valorizar o vínculo familiar e relações familiares, promover o vínculo entre a escola e a comunidade, incluir o treinamento de professores e, finalmente, devem utilizar técnicas interativas visando um envolvimento ativo dos discentes, pais, docentes e comunidade.

Nesse sentido, temos que considerar que todo ato educativo é uma produção humana, implicando, assim, em uma singular leitura do mundo, não só do sujeito-aluno como também do sujeito-professor. Cabe-nos, assim, ficarmos atentos para o fato de a temática referente ao uso da substância alcoólica ser revestida de preconceitos, dificultando ou até impedindo a realização de um processo de ensino-aprendizagem, segundo uma perspectiva crítica e consciente.

Os novos paradigmas surgidos da educação continuada, educação permanente e educação em saúde, ou seja, as práticas educacionais no campo da saúde possibilitam incorporar professores e alunos numa ampla discussão sobre os principais problemas que emergem da sociedade brasileira atualmente, atentando para o papel educador do enfermeiro13.

O consumo de álcool, bem como das drogas, por suas características intrínsecas e polissêmicas, exige um olhar multidisciplinar. A Enfermagem, cujo campo de ação vem sendo ampliado, historicamente tem desenvolvido ações de promoção da saúde, de prevenção de riscos, de educação, de reabilitação social, tanto nas instituições de saúde, de educação, e na própria comunidade.

De acordo com as Diretrizes Curriculares de Graduação de Enfermagem14, o enfermeiro-educador deve ser capaz de:

Planejar, implementar e participar dos programas de formação e qualificação contínua dos trabalhadores de enfermagem e de saúde; planejar e implementar programas de educação e promoção à saúde, considerando a especificidade dos diferentes grupos sociais e dos distintos processos de vida, saúde, trabalho e adoecimento.

Para tanto, no processo formativo dos enfermeiros, foram inseridos nos seus projetos pedagógicos conteúdos de outras áreas do saber, possibilitando um alargamento da visão sob o fenômeno do alcoolismo e drogadição e suas conseqüências.

Essas temáticas de saúde são percebidas no âmbito escolar com solidariedade, aceitação, negação, exclusão, mas também geram polêmicas, dinâmicas e paralelismos. Esse processo auxilia na informação de interesses, valores e sentimentos de novos atores da sociedade, onde professores, alunos, diretores, familiares e comunidade passam a ser agentes de transformação. Todos se mobilizam para o desenvolvimento integral dos indivíduos, numa perspectiva de que "o ensino começa na escola e continua na vida em sociedade"5.

Assim, esperamos que o trabalho de parceria da escola com os enfermeiros, utilizando um método interativo e construtivo, possa auxiliar na identificação precoce de fatores de risco, minimizando repercussões negativas na qualidade de vida dos estudantes, bem como na busca de estratégias que diminuam o impacto do uso indevido.

 

CONCLUSÃO

A educação e a saúde devem caminhar de forma articulada na construção dos sujeitos individuais e coletivos dos quais a sociedade é constituída. Por isso, os processos educativos precisam ser vistos não apenas na perspectiva da possibilidade de gerar e disseminar conhecimentos, mas, sobretudo, na dimensão humana e de melhoria da qualidade de vida e saúde das pessoas. Dentre as possibilidades de atuação no âmbito da escola, a promoção da saúde é um potencial a ser desenvolvido neste espaço, considerando ser este um local privilegiado para o diálogo, para o intercâmbio de saberes e para a expressão da diversidade cultural.

As reflexões incorporadas neste texto sobre o trabalho do enfermeiro como agente educador em escolas de nível fundamental, visando à prevenção ao uso de álcool, não faz uma apologia e nem recrimina o consumo, mas abre a possibilidade do diálogo, da crítica e da aplicação de processos educativos capazes de promover o desenvolvimento saudável dos estudantes adolescentes.

Para desenvolvermos ações acerca do consumo do álcool na escola, é preciso que o enfermeiro se incorpore à escola e assim se aproxime deste grupo, alunos que freqüentam de forma regular e sistematizada este espaço.

Esta inserção possibilita ao enfermeiro conviver com a realidade da escola em seu aspecto mais amplo e nesta planejar atividades educativas de promoção da saúde e prevenção para o uso abusivo do álcool, com apoio dos docentes, dos alunos e dos familiares, considerando que prevenção implica um conjunto de ações que visam evitar problemas antes que eles apareçam, ou mesmo antes que eles se agravem. Portanto, entendemos que a escola fundamental agrega as características essenciais para que o processo de prevenção de riscos ao uso indevido do álcool se desenvolva.

Em virtude disto, o trabalho do profissional enfermeiro na escola fundamental se reveste da maior importância e deve ser precedido de diversificados cuidados para que a relação entre todos (docentes, discentes, funcionários, enfermeiros e familiares) possa, utilizando método interativo e construtivo, desenvolver ações preventivas de forma positiva e que se traduza em resultados futuros promissores.

 

REFERÊNCIAS

1. Ministério da Educação (BR). Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN: 5ª a 8ª séries. Brasília (DF); 2004.

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6. Scivoletto S, Ferreira RC. A prevenção ao uso indevido de drogas na escola. In: Formação de multiplicadores de informações preventivas sobre drogas. Brasília (DF): SENAD; 2002.

7. Ministério da Educação (BR). Programa Valorização da Vida. Proposta para uma política nacional de prevenção do consumo do álcool, tabaco e outras substâncias psicoativas. Brasília (DF); 1990.

8. Organización Mundial de la Salud-OMS. Departamento de Salud Mental y Abuso de Sustancias. Invertir en salud mental.[on line] [citado 2007]. [citado 2004]. Disponível em: <http://www.who.int/mental_health>.

9. Presidência da República (BR). Secretaria Nacional Antidrogas. O sistema nacional antidrogas e a redução da demanda. Brasília (DF); 2002.

10. Kosovsk E. Plantão médico: drogas, alcoolismo e tabagismo. Rio de Janeiro(RJ); 1998.

11. Moutinho ECVS. O enfermeiro na prevenção do uso/abuso de drogas: uma perspectiva para o Programa Saúde da Família. [dissertação de mestrado] Rio de janeiro (RJ): Faculdade de Enfermagem/UERJ; 2006.

12. Freitas CC. As drogas na adolescência, formação de multiplicadores de informações preventivas sobre drogas. Florianópolis (SC): UFSC/ SENAD; 2002.

13. Sloboda Z. Programa de prevenção ao uso de drogas em escolas dos EUA. In: Pinsky I., Bessa MA, organizadores Adolescência e drogas. São Paulo(SP): Contexto; 2004.p.106-21.

14. Ministério da Educação (BR). Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes curriculares nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem.Brasília (DF); 2001.

 

 

Recebido em 10/09/2007
Reapresentado em 12/11/2007
Aprovado em 18/10/2007

 

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