Volume 11, Número 4, Out/Dez - 2007
PESQUISA
O adolescente e as drogas: conseqüências para a saúde
The adolescent and the drugs: consequences for the health
El adolescente y las drogas: consecuencias para la salud
Antonio José de Almeida FilhoI; Márcia de Assunção FerreiraII; Maria da Luz Barbosa GomesIII; Rafael Celestino da SilvaIV; Tânia Cristina Franco SantosV
IEnfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor Adjunto da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira. E-mail: ajafilho@terra.com.br.
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Pesquisa de Fundamentos do Cuidado de Enfermagem (Nuclearte).
IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira.
IVEnfermeiro. Especialista em Enfermagem em Cardiologia e Médico-Cirúrgica. Aluno do Curso de Mestrado da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Pesquisa de Fundamentos do Cuidado de Enfermagem (Nuclearte).
VEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira.
RESUMO
Pesquisa Documental. Objetivos: identificar a freqüência do uso/abuso de drogas pelos adolescentes escolares de instituição de ensino médio; e analisar as conseqüências do uso/abuso de drogas para a saúde do adolescente. Fontes: dois relatórios de pesquisas realizadas com esses adolescentes, no segundo semestre de 2006 e primeiro semestre de 2007. O estudo evidenciou o consumo do álcool como de grande destaque entre os pesquisados e mostrou, ainda, que aproximadamente 6% da população em estudo já teve contato com drogas ilícitas. Além disso, constatou-se que o enfermeiro se apresenta como ator estratégico nas ações direcionadas para este tema, no sentido de buscar abordagens que ampliem o olhar e as possibilidades de intervenção, sobretudo no nível de prevenção e promoção à saúde.
Palavras-chave: Adolescente. Saúde do adolescente. Enfermagem. Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias.
ABSTRACT
Documental Research. Objectives: to identify the frequency of use /abuse of drugs by adolescents in the public school of basic education; and to analyze the consequences of the use/abuse of drugs for the health of these adolescent. Sources: two research reports accomplished with these adolescents, on the second semester of 2006 and first semester of 2007. The study evidenced the consumption of the alcohol with great prominence among the interviewed and showed, yet, that approximately 6% of the population in study already had contact with illicit drugs. Besides that, was evidenced that the nurse presents itself as strategic actor in the actions toward to this subject, in the direction to search approach that extend the view and the possibilities of intervention, over all in the level of prevention and promotion to the health.
Keywords: Adolescent. Adolescent Health. Nursing. Substance-Related Disorders.
RESUMEN
Investigación Documental. Objetivos: analizar la frecuencia del uso / abuso de drogas por los adolescentes escolares inseridos en la red pública de enseñanza de nivel medio, ubicadas en Rio de Janeiro y discutir las implicaciones de ese uso / abuso para la salud del adolescente. Fuentes: dos informes de investigaciones realizadas con esos adolescentes en el segundo semestre de 2006 y primer semestre de 2007. El estudio evidenció el consumo de alcohol como de gran realce entre los investigados, y mostró aun, que aproximadamente 6% de la población en estudio ya contactó con drogas ilícitas. Además de eso, se constató que el enfermero se presenta como actor estratégico en las acciones direccionadas para este tema, en l sentido de buscar abordajes que amplíen la visión y las posibilidades de intervención, sobretodo en el nivel de prevención y promoción a la salud.
Palabras clave: Adolescente. Salud del Adolescente. Enfermería. Trastornos Relacionados al uso de Sustancias.
INTRODUÇÃO
A adolescência é um período de transição entre a infância e a condição de adulto, no qual o adolescente se mostra mais resistente às orientações, pois vislumbra a possibilidade de ter poder e controle sobre si mesmo. Nesta fase é comum que o adolescente se afaste da família e procure maior aproximação com um grupo de semelhantes, ou seja, outros adolescentes. Essa reorganização social muitas vezes é objeto de grande preocupação entre pais, educadores e profissionais da saúde, pois, se essa aproximação acontecer com um grupo que esteja experimentando drogas, o adolescente poderá ser pressionado a compartilhar dessa experiência.
O período da adolescência abrange uma determinada cronologia da vida, caracterizada por um processo de mudanças importantes1. Tais mudanças, de cunho biológico e psicossocial, acabam por colocar os adolescentes em um grupo vulnerável às diversas influências, que tanto podem contribuir de forma positiva quanto negativa no curso de suas vidas. É neste ínterim que abordamos a questão das drogas, por considerá-las como um elemento crucial na formação dos hábitos de vida das pessoas, mormente, dos jovens.
O uso/abuso de drogas vem sendo considerado um problema de grande transcendência social e, em face disso, requer políticas de controle e combate a este uso/abuso. Tais políticas são de várias ordens, abarcando múltiplos setores da sociedade: segurança pública, apoio social, saúde, entre outros. Interessa-nos, por ora, as questões relativas à saúde, mormente, as que dizem respeito a um grupo específico da população, que é o de adolescentes. Isto porque, além dos problemas de saúde que as drogas causam nos indivíduos de qualquer faixa etária, é na adolescência que esta questão toma vulto diferenciado, em virtude do momento/fase da vida em que se encontram os jovens.
A vulnerabilidade na qual se encontra o adolescente, devida às inúmeras transformações pelas quais passa, o expõe a muitos riscos. Dentre os fatores de risco para o uso abusivo de drogas, podemos citar: a disponibilidade das substâncias, as normas sociais; o uso de drogas ou atitudes positivas diante das drogas pela família, conflitos familiares graves. A iniciação precoce, a suscetibilidade herdada ao uso de drogas e a vulnerabilidade ao efeito dessas também são aspectos de risco a serem considerados.
No Brasil, existem dados que demonstram significativa mudança no consumo de drogas entre o início da década de 1980, cujos estudos epidemiológicos não encontravam taxas expressivas desse consumo, e os levantamentos realizados a partir de 1987, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) da Universidade Federal de São Paulo, com estudantes de primeiro e segundo graus, que demonstraram uma tendência de crescimento do consumo de drogas, com destaque para os inalantes, a maconha, a cocaína e o crack, em determinadas capitais do país2.
O uso de drogas pode provocar complicações agudas (intoxicação ou overdose) e crônicas, com alterações duradouras ou até irreversíveis. Outros riscos também são considerados ao tratar-se de adolescentes, pois todas as substâncias psicoativas, quando usadas de forma abusiva, aumentam o risco de acidentes e de violência por reduzirem os cuidados de autopreservação, já vulneráveis entre os adolescentes. Nesse grupo, especialmente, os riscos estão mais relacionados com o uso do álcool, considerado a droga mais consumida nessa faixa etária2.
Acompanhando alunos do Curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em atividades curriculares, desenvolvendo cuidados de enfermagem aos adolescentes estudantes do ensino médio da rede pública da Cidade do Rio de Janeiro, temos tido a oportunidade de constatar o uso/abuso de drogas por esses adolescentes. Essa observação exige tanto do corpo docente quanto discente a implementação de medidas de prevenção ao uso/abuso de drogas e de promoção à saúde, voltadas para o adolescente. Portanto, considerando a problemática do uso/abuso de drogas pelos adolescentes escolares do ensino médio, percebemos a necessidade de realização desse estudo, cujos objetivos são: identificar a freqüência de uso/abuso de drogas pelos adolescentes escolares de instituição de ensino médio; e analisar as conseqüências do uso/abuso de drogas para a saúde do adolescente.
Assim, pensamos que o estudo em tela permitirá ao enfermeiro dispor de dados que permitam conhecer acerca do consumo de drogas por adolescentes e, com isso, obter subsídio para desenvolver sua atividade profissional de maneira mais contextualizada e adequada à complexidade própria que envolve o adolescente e ao uso/abuso de drogas.
METODOLOGIA
Estudo retrospectivo baseado em pesquisa documental cujas fontes de dados derivam de dois relatórios3,4 referentes às atividades docentes e discentes desenvolvidas no âmbito do Diagnóstico Simplificado de Saúde do Programa Curricular Interdepartamental II, do Curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no segundo semestre de 2006 e primeiro semestre letivo de 2007, respectivamente.
Os relatórios3,4 estão arquivados no Departamento de Enfermagem Fundamental e na Coordenação de Graduação e Corpo Discente e têm como objetivos a explicitação do trabalho realizado pelos discentes da Escola de Enfermagem Anna Nery e a descrição do perfil dos adolescentes que participaram do trabalho desenvolvido, na condição de clientes. Os dados oriundos das entrevistas e do exame físico realizado com esses clientes receberam tratamento estatístico e estão apresentados nos relatórios, através de tabelas, mediante uma distribuição de freqüência.
O total de adolescentes atendidos, sujeitos deste estudo, soma 702, dentre os quais 507 (72,2%) são mulheres e 195 (27,8%), homens, cuja faixa etária variou entre 13 e 21 anos. Os cenários do estudo comportaram duas unidades de ensino médio da rede pública (uma em cada semestre), situadas no município do Rio de Janeiro.
Inicialmente procedeu-se a crítica externa e interna dos documentos (etapa importante da pesquisa que utiliza documentos disponibilizados em arquivos). A primeira referiu-se à autenticidade dos relatórios, e a segunda englobou a análise da precisão dos dados contidos nos respectivos relatórios.
As variáveis selecionadas e analisadas no estudo foram o sexo e o tipo de drogas consumidas, apresentadas segundo a tipologia das drogas, sob o ponto de vista de sua legalidade: lícitas (bebidas alcoólicas e tabaco) e ilícitas. A discussão dos dados foi consubstanciada pela literatura referente ao tema.
No que se refere aos aspectos éticos, os relatórios3,4 analisados não contemplam a identificação dos estudantes atendidos, sendo, portanto, assegurado o anonimato das informações referentes ao corpus documental do estudo.
Cumpre ainda informar que os relatórios3,4 utilizados no presente estudo estão disponibilizados para consulta e, para a realização das atividades docentes e discentes que originaram tais relatórios, contamos ainda com a autorização das respectivas instituições escolares, as quais também receberam os relatórios em tela.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Os dados aqui apresentados são os oriundos de relatórios3,4 que contêm dados de diagnósticos de saúde realizados com adolescentes inseridos na rede formal de ensino. Portanto, os resultados ora em debate precisam ser relativizados à luz deste contexto.
Na elaboração de tais diagnósticos, buscaram-se informações sobre a experiência de contato dos adolescentes com as drogas. Na categoria drogas, foram consideradas as bebidas alcoólicas, o tabaco e as ditas drogas ilícitas (maconha, cocaína, loló, ecstasy, entre outras).
Na intenção de melhor contextualizar os dados à luz do grupo de adolescentes, importa apresentar a inserção do grupo investigado quanto ao sexo e faixa etária.
Os adolescentes, foco deste debate, somam 702, dentre os quais 507 (72,2%) são mulheres e 195 (27,8%), homens, conforme apresentado na Tabela 1.
A idade predominante dos adolescentes figura entre 15 (238; 33,9%) e 16 (180; 25,64%) anos, seguida de 17 anos (106; 15,09%). Os extremos estão entre 13 e 21 anos, com 4 (1,85%) e 3 (0,42%), respectivamente, conforme mostram os dados da Tabela 2.
Os dados, conforme constam nos relatórios3,4, que serviram de fontes de consulta para esta pesquisa, estão apresentados de forma indistinta quanto ao sexo dos adolescentes, não sendo possível, portanto, fazer uma análise consubstanciada pelo conceito de gênero.
Desta forma, a análise será de cunho mais geral, considerando-se o grupo de adolescentes, sem considerar as possíveis influências do gênero na freqüência de uso de drogas.
À luz dos dados coletados junto aos adolescentes escolares, observa-se que a experimentação e a freqüência de uso distribuem-se de forma diferenciada segundo a tipologia da droga, sob o ponto de vista de sua legalidade: lícitas (tabaco e bebidas alcoólicas) e ilícitas. Para efeito de apresentação e discussão dos resultados, será utilizada esta classificação.
Drogas lícitas: o tabaco e o álcool
Na Tabela 3 percebe-se que, dentre as lícitas, o tabaco é a droga menos utilizada pelos adolescentes, pois 532 (75,78%) deles informaram que nunca a utilizaram. Não obstante, uma parcela importante mostra-se vulnerável, já que, se somarmos os percentuais dos que referiram já ter experimentado e gostado da droga com os dos que referiram fazer uso esporádico e freqüente, teremos 70 adolescentes, ou seja, quase 10% do total de sujeitos participantes da amostra. Os 100 (14,24%) adolescentes que informaram não terem gostado da droga no primeiro contato de experimentação não estão imunes a ela, haja vista que a fase da adolescência se caracteriza pela busca da identidade e diversidade de opiniões, o que pode indicar que, em um primeiro momento do contato, o adolescente pode não ter se agradado do gosto da droga, mas em experiências subseqüentes isto pode não vir a ocorrer.
Esta consideração em relação ao tabaco vale também para as outras drogas, já que, em relação às bebidas alcoólicas, o número de adolescentes que informou não ter gostado da droga (110; 15,66%) praticamente se equivaleu ao do tabaco.
No caso específico do álcool, pode-se constatar que esta é a droga mais utilizada entre os adolescentes que participaram dos estudos em análise. Conforme constam nos dados dos relatórios consultados, 310 (44,15%) fazem uso esporádico e 41 (5,84%) usam com freqüência. Dos que informaram nunca terem ingerido bebida alcoólica, somaram-se 182 (25,92%), e 56 (7,97%) deles já experimentaram e gostaram da droga.
Em certa medida, tais resultados não causam surpresa, uma vez que tanto o tabaco quanto as bebidas alcoólicas, até pelo seu caráter lícito, fazem parte do cotidiano de muitas famílias. Desde muito cedo, as crianças convivem com o uso destas drogas em ambientes sócio-familiares, geralmente em situações de festividade e confraternização. Desta forma, a mensagem que vai sendo transmitida na educação familiar destas crianças é a de que tais hábitos integram o conjunto dos outros hábitos que a eles foram ensinados e, portanto, fazem parte da convivência e integração social.
Drogas ilícitas
No que compete às drogas ilícitas, os resultados mostram que há uma predominância de respostas na categorização nunca utilizou, que congregou majoritariamente o grupo (660; 94,01%). Do restante, 23 (3,27%) informaram que já experimentaram, mas não gostaram; 10 (1,42%) experimentaram e gostaram; 6 (0,85%) fazem uso esporádico; e 3 (0,42%) fazem uso freqüente da droga.
Apesar de o resultado ter apontado para uma baixa magnitude de experimentação/uso no grupo estudado, importa considerar que as drogas ilícitas trazem muitos problemas, não somente para o indivíduo que a usa, mas para a família e para a sociedade de um modo geral. Ainda mais se levarmos em conta que os resultados aqui apresentados dizem respeito a um grupo de adolescentes, que está em uma faixa etária de grande vulnerabilidade.
Dentre as ilícitas, no Quadro 1 nota-se que os tipos de drogas utilizados e/ou experimentados pelos 42 (5,98%) adolescentes que assim o informaram foram: maconha (29; 4,13%); inalantes (13; 1,85%); loló (8; 1,13%); ecstasy (7; 0,99%); cocaína e LSD, com uma indicação cada (0,14%).
Ao observarmos este resultado, destaca-se que a maconha e os inalantes alcançam maiores valores percentuais de uso entre os adolescentes. Isto se deve ao fato de estas drogas possuírem, dentre as outras, um valor comercial mais baixo, o que a torna mais acessível aos jovens, principalmente os oriundos de famílias debaixo poder aquisitivo, como é o caso dos escolares de instituições públicas de ensino médio, lócus dos estudos que originaram os relatórios que serviram de fontes para esta pesquisa.
Uso/abuso de drogas na adolescência: conseqüências para a saúde dos jovens
Em uma discussão sobre o uso/abuso de drogas, importa considerar que é na adolescência que o ser humano, de forma mais agressiva, se coloca frente a uma série de questionamentos, sobretudo no que tange à sua existência, e, neste sentido, um equilíbrio emocional para lidar com perguntas sem respostas é necessário nesta fase. É a época da vida marcada pela busca da identidade, expressada por mudanças no visual, grupos de amigos, rejeição aos pais, comportamento de risco.
Na adolescência os jovens buscam uma "válvula de escape" para lidar com uma ansiedade característica, originada pelas mais variadas fontes de conflitos. Não sendo tratados pelos pais como crianças, com direitos de criança, mas também não sendo considerados adultos, com direitos de adultos, os adolescentes figuram numa posição intermediária em que seu papel não se encontra completamente definido, seja na família ou na sociedade5.
Dados os resultados apresentados, cabem-nos as considerações pertinentes sobre o uso/abuso de tais drogas na adolescência, uma vez que isto se constitui em hábitos considerados nocivos à saúde, devendo, pois, fazer parte das ações que integram os programas e planos que visam à prevenção de agravos e à promoção da saúde desta parte da população.
Na consideração de que o uso de drogas se constitui um hábito, os adolescentes acabam por fazer parte de um grupo de risco, levando-se em conta o estágio em que se encontram. A formação de hábitos se inicia na infância, e, na adolescência, os sujeitos estão em fase de descobertas e auto-afirmação de suas identidades. São comuns nesta fase os comportamentos de desafio à autoridade dos pais, os conflitos de opiniões e a busca da autonomia, que por vezes se dá por caminhos tortuosos. Neste sentido, é que esta fase se torna um período para o início do uso de drogas, na sua experimentação, uso ocasional, indevido ou abusivo6.
A utilização das drogas, sejam as lícitas ou ilícitas, perpassa a cultura da nossa sociedade, o que significa dizer que, da infância à velhice, os sujeitos entrarão em contato com algum tipo delas, ainda que não as use ou experimente.
Esta presença quase que cotidiana das drogas na vida em sociedade torna o tema drogas bastante complexo de ser tratado, pois, se por um lado, se identificam discursos que intentam construir uma imagem negativa da droga, por outro, há tantos outros que a constroem de forma positiva7. No caso das drogas lícitas, os meios de comunicação veiculam imagens muito favoráveis ao seu uso. Ainda que o tabaco e o álcool causem mais mortes e sofrimentos que todas as outras drogas ilegais juntas(8), tanto uma quanto outra são midiatizadas nas publicidades, com imagens de pessoas bem sucedidas, na maioria artistas populares de renome, como exemplo de glamour, promovendo a sociabilidade e o estímulo à sexualidade6.
Não obstante, sabe-se, principalmente no campo da saúde pública, que o tabaco é um dos fatores associados aos altos índices de problemas pulmonares, como tosse, expectoração, pneumonia, hemoptise, bronquioespasmo2, enfisema e câncer. Além desses, há as adicionais conseqüências na função reprodutiva e no resultado da gravidez9. No entanto, como tais agravos à saúde retardam a aparecer, geralmente só ocorrendo na idade adulta, os adolescentes, por não se identificarem com tais problemas e por associarem os mesmos a um futuro longínquo, aderem ao hábito na certeza de que estão imunes aos problemas ocasionados por ele.
A questão da mídia articulada à formação de hábitos e incentivo ao uso de drogas precisa ser considerada nas ações de promoção à saúde dos adolescentes; contudo, não se pode a ela atribuir toda a responsabilidade por tais problemas. Há que se considerar que o veiculado na mídia é o reflexo da cultura vigente em uma sociedade. Sem dúvida, a mídia reforça e reitera em favor de tais hábitos, mas não se deve desconsiderar a força criativa e produtora de conhecimentos dos sujeitos10. Assim, os jovens têm capacidade para criticar e interagir com outros elementos, como, por exemplo, a veiculação de informações que integram ações de educação em saúde nas escolas e outras instituições, e mesmo no interior das famílias6.
Isto é deveras importante de se considerar em se tratando do uso de bebidas alcoólicas na adolescência, pois, à luz dos dados analisados nesta pesquisa, o álcool é a droga de maior consumo na adolescência. A idade de início de seu uso tem sido cada vez menor, o que aumenta o risco de dependência futura11.
Os problemas para a saúde dos adolescentes decorrentes do uso/abuso de álcool e outras drogas (ilícitas) são inúmeros e de várias ordens. Podem-se listar desde os de ordem orgânica e funcional de sistemas do corpo até os de ajustamento social, provocados por modificações neuroquímicas que causam prejuízos no controle dos impulsos. Os principais problemas do universo dos adolescentes estão associados à queda no desempenho escolar, dificuldades de aprendizado, prejuízo no desenvolvimento e estruturação das habilidades cognitivo-comportamentais e emocionais do jovem11. Mais gravemente destaca-se a morte violenta provocada por acidentes com veículos automotores.
O diagnóstico da problemática que envolve o uso do álcool, especificamente, é bastante difícil quando se trata do grupo de adolescentes. Isto porque a própria definição do que seja considerado uso normal já se apresenta como um obstáculo ao diagnóstico. A literatura da área é bastante controversa, apontando para a necessidade de aprimoramento dos sistemas classificatórios para uso e abuso de álcool na adolescência11.
Não obstante, é preciso considerar que o álcool é uma droga psicoativa largamente utilizada entre os jovens e é a que entra em suas vidas de forma mais precoce, conforme mostram os resultados desta pesquisa. Em linhas gerais, os adolescentes a experimentam no seio da própria família e/ou com o grupo de amigos que usam a droga, o que acaba por pressionar a quem dela nunca fez ou não faz uso. Esta facilidade de acesso em muito se deve à sua farta oferta e fácil obtenção.
Ainda que o tabaco e o álcool continuem sendo as drogas que ocupam o primeiro lugar como as mais utilizadas e as que mais problemas associados causam, como, por exemplo, os acidentes no trânsito e a violência2, as drogas ilícitas também merecem atenção especial, principalmente quando se trata do universo adolescente.
Como no exemplo das outras drogas, as ilícitas entram na vida do adolescente pela via do prazer, e não da dor. Na fase da experimentação das novas sensações, os adolescentes se deparam com a oportunidade de uso de tais drogas, e, daí, a relação que será estabelecida entre ele e a droga é que irá levá-lo às conseqüências futuras.
As drogas que integraram a experimentação e o uso esporádico ou freqüente dos adolescentes, conforme os relatórios3,4 que serviram de fontes para esta pesquisa, são as de mais fácil acesso e oferta aos grupos de jovens. Seja em festas ou em encontros correntes de amigos, a maconha figura com lugar de destaque, junto com os inalantes e a vulgarmente conhecida "cheirinho da loló". Atualmente, a droga ecstasy vem sendo foco de atenção dos profissionais de saúde e das autoridades por estar sendo bastante difundida entre os jovens que freqüentam festas que perduram por horas e dias. Pelo seu poder estimulante, faz com que os jovens consigam permanecer alertas por muito tempo, e, assim, na ilusão de que conseguirão aproveitar todo o tempo de duração das festas, fazem uso abusivo da droga, em detrimento da sua saúde, tanto física quanto mental.
Toda esta discussão nos faz ver que a experimentação é uma característica da adolescência e, quando analisada dentro de determinados padrões, pode ser considerada normal nesta fase da vida, na qual se dão outras condutas de experimentação, como é o caso da própria sexualidade6,7. Neste âmbito de consideração, leva-se em conta que o adolescente poderá vivenciar a experiência e não passar para outro estágio, de abuso/usuário regular.
Não obstante, em face de a discussão estar centrada na questão da prevenção de agravos e promoção da saúde, a atenção do profissional, em especial do enfermeiro, deve voltar-se para o fato de se diagnosticar o abuso da droga ainda na fase inicial, quando os agravos à saúde e os prejuízos à vida do adolescente ainda podem ser contornados11. Ademais, destaca-se que a atuação da enfermagem deve estender-se às famílias, dada a importância do papel que os pais exercem na educação dos filhos. As estratégias preventivas do uso de drogas na fase da adolescência não devem ser dirigidas ao adolescente de forma individual, haja vista que não são somente os fatores individuais que influem em sua ocorrência, pois há fatores de cunho familiares e sócio-culturais implicados no fenômeno do uso das drogas. Portanto, a abordagem dos aspectos psicodinâmicos e psicossociais do adolescente e de sua família figuram como elementos de destaque em programas e planos voltados à prevenção do uso/abuso de drogas12. Nesse ínterim, a relação entre pais e filhos seria uma das bases a fundamentar as medidas de prevenção do uso de drogas13.
CONCLUSÕES
A adolescência constitui-se em um período de maturação psicológica que implica várias e importantes transformações. A definição dos papéis sexuais, ser mulher e ser homem, e a apropriação dos valores masculinos e femininos suscitam no adolescente um processo de adaptação permanente a essa realidade, além do que se destaca a formação de sua identidade de grupo. Nesse sentido, ocorre um afastamento da família ao tempo em que se adere ao seu grupo de iguais, caracterizando- se assim como uma época de maior vulnerabilidade e de exposição a riscos, entre eles o fenômeno do uso das drogas e toda a complexa rede sócio-político-econômica a ele associada. O uso de drogas como um dos riscos freqüentes expressa características próprias desta etapa, como o sentimento de contestação, impetuosidade, idealismo, onipotência.
A pesquisa ora apresentada revelou que o álcool é a droga mais utilizada entre os adolescentes, corroborando outras pesquisas desenvolvidas pela comunidade científica na qual o álcool é a substância psicoativa mais consumida entre os jovens. A pesquisa mostrou ainda que aproximadamente 6% da população em estudo já tiveram contato com drogas ilícitas, o que corresponde a um total de 42 adolescentes. Embora este dado, em uma primeira análise, pareça irrelevante diante do quantitativo pesquisado, quando se analisa o contexto em que se ampara à questão do consumo de drogas, percebe-se a magnitude desta informação, o que desvela a importância e necessidade de ações de cunho preventivo e informativo voltada a esta população.
Analisar então este fenômeno multidimensional sob a perspectiva da saúde significa compreender que as abordagens interdisciplinar e intersetorial configuram-se como possibilidades de enfoque desta problemática. Ampliar o desenvolvimento de estratégias de participação efetiva do adolescente, sua família e seus pares e de construção de um saber coletivo sobre as drogas é assim fundamental.
Neste ínterim, o enfermeiro apresenta-se como ator estratégico nas ações voltadas para este tema, no sentido de buscar abordagens que ampliem o olhar e as possibilidades de intervenção, sobretudo no nível de prevenção e promoção à saúde. Deste modo, envolve uma sensibilização para as causas e conseqüências do problema num entendimento biopsicossocial, oferece informações sobre as substâncias psicoativas e os problemas relacionados ao uso, e proporciona oportunidades para explorar as perdas e ganhos em nível pessoal e social quando se escolhe ou se abdica do uso de drogas14.
Nesta linha de pensamento, destaca-se o papel dos pais e do ambiente familiar na relação do adolescente com o álcool e outras drogas, seja enquanto facilitadores das ações ou desencadeadores dos problemas, entendendo que a inserção do sistema familiar nas intervenções de prevenção e tratamento é de suma importância no enfrentamento da problemática em discussão, no sentido de proporcionar um sistema de apoio que possibilite tanto um controle dos fatores predisponentes à maior iniciação quanto a continuação do uso de drogas; e o papel da escola como eixo de formação no que diz respeito à instrução, cidadania e lócus de expressão de comportamentos e personalidades, bem como de formação de hábitos, caracterizando-se como espaço privilegiado para o desenvolvimento de programas preventivos e políticas públicas.
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Recebido em 03/10/2007
Reapresentado em 14/11/2007
Aprovado em 26/11/2007