Volume 11, Número 3, Jul/Set - 2007
REFLEXÃO
O significado do pensar/fazer da prática do enfermeiro: uma revisão sistemática em artigos da REBEn 1932-1971
The meanings of thinking/doing in the nurse practice: a systematic review in REBEn's articles in the period of 1932 - 1971
El significado de pensar/hacer en la práctica del enfermero: una revisión sistemática en artículos de la REBEn 1932 - 1971
Sonia Mara Faria Simões
Escola de Enfermagem Aurora Afonso Costa - Universidade Federal Fluminense /Rio de Janeiro
RESUMO
A pesquisa teve por objetivo analisar compreensivamente o significado atribuído ao pensar/fazer da prática do enfermeiro. Utilizou o método de revisão sistemática, tendo como pressuposto a concepção da Enfermagem dialógica e a interpretação na ótica de Martin Heidegger. A amostra, composta por trinta e três publicações, foi selecionada a partir da Revista Brasileira de Enfermagem no período de 1932 a 1971. A análise dos textos revelou que o pensar/fazer caminhou de uma Enfermagem essencialmente técnica para uma Enfermagem relacional que visava prioritariamente o mundo social e de saúde. Posteriormente, emerge a Enfermagem dialógica, estabelecida na relação enfermeiro/cliente através da ponte dada pela sistematização da assistência aos clientes. Assim, a Enfermagem brasileira demonstrou a busca por um habitat profissional próprio e autêntico, mas que acabou se restringindo ao mundo acadêmico ao longo dos últimos 30 anos. Na atualidade, acredito ser urgente para a comunidade da Enfermagem discutir suas especificidades epistemológicas contribuindo para um habitat social e profissional próprio.
Palavras-chave: Enfermagem Prática. Filosofia em Enfermagem. Teoria de Enfermagem.
ABSTRACT
The research had as objective to analyze in a comprehensive way the attributed meaning to thinking/doing in the nurse practice. Was used the systematic literature review method with dialogic nursing conception and Martin Heidegger's point of view interpretation. The sample was composed by thirty and three publications, selected from the Brazilian Magazine of Nursing in the period between 1932 and 1971. The texts analysis revealed that the thinking/doing walked from a essential technical Nursing to a relational Nursing that aimed essentially the social world and of health. After arise the dialogical Nursing, established in the nurse/client relationship trough the bridge build by the systematization of the assistance to the clients. Thus, the Brazilian Nursing demonstrated the search for an own and authentic professional habitat, but end restricted itself to the academic world trough the last 30 years. Nowadays, I believe it must be urgent to the Nursing community to discuss its epistemological specificies contributing to an own social and professional habitat.
Keywords: Practical Nursing. Philosophy in Nursing. Nursing Theory.
RESUMEN
La investigación tenía como objetivo analizar el significado atribuido al pensar/hacer del práctica de la enfermera. Utilizó el método de revisión sistemática, teniendo como presupuesto el concepto de enfermería dialógica y de la interpretación en la óptica de Martin Heidegger. La muestra es compuesta por treinta y tres publicaciones, fue seleccionada de la Revista Brasileira de Enfermagem en el período de 1932 al 1971. El análisis de los textos reveló que el pensar/hacer caminó de la enfermería esencialmente técnica para la enfermería relacional que tuvo como objetivo prioritário el mundo social y el mundo del salud. Más adelante, la enfermería dialógica estabelecida en la relacción enfermera/cliente a través del puente dada para la sistematización de la ayuda a los clientes. Así, la Enfermería brasileña demonstró la búsqueda para un habitat profesional propio y auténtico, pero eso que acabó se restringiendo al mundo académico a lo largo de los ultimos 30 años. En la actualidad creo ser urgente para las enfermeras discutir sus especificidades epistemológicas que contribuyen para un propio habitat social y profesional.
Palabras clave: Enfermería Práctica. Filosofía en Enfermería. Teoría de Enfermería.
INTRODUÇÃO
A Enfermagem, baseada nas ciências e na técnica, surge com Florence Nightingale, nascida em 1820 em Florença, membro de uma família rica da sociedade inglesa1.
No Brasil, a Enfermagem Moderna surge oficialmente em 1923, a partir da vinda de educadoras norte-americanas, transplantando um ensino que representava meio século de progresso contínuo. Desde então, a profissão sofre influências dos diversos contextos sociais, históricos, políticos e culturais que marcam a história do país. Essas mudanças no âmbito da sociedade e da assistência à saúde, além de promover desenvolvimento intenso da assistência médico-hospitalar, trouxeram reflexos inevitáveis em sua prática, tanto em nível internacional como nacional 2-4.
Assim, a situação atual da prática do enfermeiro na sociedade brasileira revela avanços, mas também conflitos de dimensões práticas e teóricas, impondo uma urgente revisão das concepções teórico-metodológicas no processo do cuidar em enfermagem e saúde5.
Nesse sentido, é oportuno olhar atentamente para o trabalho da Enfermagem, porque é da prática, sua organização e operacionalização que se constitui sempre a materialidade da teoria6.
A partir de minhas vivências e experiências profissionais, bem como estudos filosóficos, entendo hoje a Enfermagem como uma prática relacional no mundo do cuidar em saúde quando lida com seus pares. Mas, ao se relacionar com o cliente, família e/ou comunidade, a enfermeira (o) marca sua presença profissional quando expressa nesse cuidar um caráter dialógico7.
A relação assistencial como dialógica dá voz ao cliente, a quem o cuidado é destinado. Valoriza o que sente, pensa, deseja e aceita. Possibilita a abertura para o encontro sujeito-profissional/sujeito-cliente, no mundo do cuidar em enfermagem8.
Hoje, diante das exigências da sociedade, importa retomar o pensar nas concepções de enfermagem, uma vez que não há como praticar enfermagem sem ter em si conceitos formulados e um método explícito ou implícito9.
Assim, esta pesquisa teve como questões orientadoras quais os significados que emergem sobre o pensar/fazer da prática do enfermeiro e se os mesmos apontam para uma relação dialógica enfermeiro/cliente. Estas questões encaminham para o objetivo geral de analisar compreensivamente o significado atribuído ao pensar/fazer 1 da prática do enfermeiro e objetivos específicos de identificar as publicações no período de 1932 a 1971, na literatura profissional; caracterizar as publicações segundo o objetivo, natureza do estudo, amostra, local de atuação dos autores e descrever os significados atribuídos ao pensar/fazer da prática do enfermeiro.
METODOLOGIA
Para atender aos objetivos propostos, foi utilizada uma revisão sistemática da literatura. A revisão sistemática pode identificar os efeitos benéficos e nocivos de diferentes intervenções da prática assistencial, estabelecer lacunas do conhecimento e identificar áreas que necessitem de futuras pesquisas na Enfermagem10.
Os critérios de inclusão do universo e amostra se configuraram na seleção da Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn), por ter sido o primeiro veículo de divulgação da profissão no Brasil, datada de 1932. Quanto ao tipo de publicação, os textos foram classificados de acordo com as seções estabelecidas hoje pela revista, ou seja, pesquisa, revisão, ensaio, reflexão, relato de experiência, história da Enfermagem e resenha. O universo constituiu-se, a princípio, de 116 textos que abordaram os temas "a enfermagem" e "a enfermagem prática". Numa releitura dos textos, foram selecionados e compuseram a amostra final para análise somente 33, uma vez que esses explicitavam significados sobre o pensar/fazer da prática do enfermeiro.
O período de revisão das publicações abrange< de 1932 até 1971, isto porque a sistematização da assistência de enfermagem é concebida nesse momento pela comunidade científica da Enfermagem brasileira, como instrumento capaz de delimitar a especificidade da enfermeira e da Enfermagem nos cuidados aos clientes. Os cenários de busca foram a Biblioteca da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense e a Biblioteca da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, locais que dispunham dos periódicos.
Quanto às limitações da pesquisa, a primeira< ocorreu na seleção dos textos de forma manual, através do índice de cada número da REBEn. A segunda foi devida à interrupção de sua publicação no período de 1941 a 1946.
A organização dos dados para análise permeou a categorização, ordenação e síntese de dados, considerando a identificação do autor, a natureza dos estudos e temas desenvolvidos, de início registrados em formulário próprio. A discussão e a< interpretação dos resultados ocorreram< à luz do pensamento fenomenológico de Martin Heidegger, considerando as obras Ser e Tempo, Parte I e Ensaios e Conferências.
RESULTADOS
As publicações analisadas foram distribuídas segundo o ano de publicação, fontes de dados, local de atuação do primeiro autor, natureza do estudo e temas desenvolvidos.
Os textos concentram-se nos anos de 1948 (27,3%), 1949 (15,2%) e 1952 (12,1%) (Tabela 1).
Quanto ao local de atuação do primeiro autor, os dados demonstram o contexto em que surgem as concepções do pensar/fazer da prática do enfermeiro, seus significados e possibilidades de influenciar novas abordagens na prática, determinando a natureza da Enfermagem brasileira. Ocorre o predomínio de 70,4% de publicações nas Universidades, embora seja nos serviços de saúde que a prática de enfermagem se concretiza (Tabela 2).
Em relação à natureza dos textos, destacam-se a seção ensaio, com 27,2%, seguida de revisão, com 21,2%. O percentual de 15,2% foi identificado tanto para reflexão como relato de experiência (Tabela 3).
A análise das publicações por temas, segundo a classificação na ótica fenomenológica dos significados no pensar/fazer da prática do enfermeiro, revela um movimento constante da Enfermagem na busca de suas especificidades.
Assim, os textos selecionados explicitam as concepções no pensar/fazer da prática do enfermeiro que caminham de uma Enfermagem técnica para uma Enfermagem relacional e, posteriormente, uma Enfermagem dialógica através da sistematização da assistência de enfermagem aos clientes.
Pontes e travessias: uma enfermagem técnica
(Enfatiza uma enfermagem essencialmente técnica)
O acordar da Enfermagem brasileira foi lento. Nos hospitais, as Irmãs de caridade cuidavam dos doentes, bem como nas residências sempre existia alguém a dar medicamentos à hora certa, porém isso era insuficiente. A maioria do povo era analfabeto, o problema de higiene e saúde pública era imenso. Isso já era discutido pelo Departamento Nacional de Saúde Pública. Alguns de seus médicos, após visitas ao exterior, entenderam que só um serviço de enfermeiras poderia solucionar esse grande problema. Isso possibilitou para que chegasse ao Rio de Janeiro, em 1921, uma missão de enfermeiras americanas, cuidadosamente escolhidas para "iniciarem o serviço de enfermagem técnica"11.
Apesar das iniciativas de treinamento de visitadoras, somente em fevereiro de 1923 se inaugurou a Escola de Enfermeiras Anna Nery (anexa ao Hospital S. Francisco de Assis), reconhecida como primeira escola de Enfermagem no Brasil, entendida como Enfermagem moderna, nos moldes nightingaleanos. O curso tinha duração de três anos, os quais eram divididos por vários serviços do hospital, tais como a medicina, cirurgia geral, ginecologia, obstetrícia, pediatria, dietética, sala de operações, doenças infecto-contagiosas, oftalmologia, otorrinolaringologia, ambulatórios e enfermagem de saúde pública, sendo que os cinco primeiros meses do curso eram reservados mais ao estudo teórico fundamental. Todos esses serviços requeriam, cada, uma técnica e conhecimentos especializados, oferecendo às alunas grande variedade de casos para estudo. Interroga-se se é tempo demais passar quatro meses nas diversas enfermarias, pois a cada vez que voltam a uma enfermaria, encontram uma novidade em tratamento ou parece que compreendem melhor o porquê dos menores detalhes11.
Como o ensino de Enfermagem acontecia essencialmente no âmbito hospitalar, cabia às chefes de enfermarias cooperar com a instrutora na maneira como utilizar os casos na prática para facilitar o ensino. Com "as teorias modernas de enfermagem, o trabalho mais importante da enfermeira chefe, em relação à Escola, é lecionar", sendo uma grande colaboradora da instrutora e servindo de traço de união entre a sala de aula e a enfermaria. Compete a ela traçar um bom plano de ensino a partir da identificação das necessidades das alunas, bem como a revisão do aprendido em sala de aula12.
Portanto, o hospital é o único lugar onde a aluna obtém a técnica acabada e a experiência requerida13.
A busca de estratégias para o ensino teórico e prático da enfermeira se justifica pela incompreensão da sociedade e mesmo dos médicos quanto ao papel desempenhado pela enfermeira, por ser um curso tão longo e complicado, uma vez que para eles basta ser uma agradável presença, saber dar injeção e arrumar uma cama14.
Pontes e travessias: uma enfermagem relacional
(Atende ao mundo social e de saúde)
Com o 1º Congresso Nacional de Enfermagem (CNE) realizado em 1947, em São Paulo, as enfermeiras buscam não somente conservar os padrões e ideais da profissão, mas também imprimir-lhes novos rumos15.
Ocorrem esforços para melhorar não só a concepção sobre a enfermeira, mas também as suas aptidões. Surge a importância dos princípios e atitudes científicas.
Ter atitude científica significa ser pessoa dotada de inteligência pronta para aprender e aceitar a verdade; é observadora, justa, precisa, enérgica, vivaz, alerta, original, e possui idéias independentes; ela pesa cuidadosamente todos os fatos observando seus resultados; não admite que as suas p referências influam nas decisões; procura somente convencer pela explicação científica16:37.
Tal atitude deve estar principalmente no trabalho das que estão em cargos de direção ou de instrutora. É importante também conhecer a significação do serviço, pois a enfermagem está direta ou indiretamente relacionada com o bem-estar da humanidade. Há compreensão de que a lacuna existente na profissão em parte se deve a pouca discussão sobre o campo da Enfermagem, contribuindo para uma grande necessidade de testes que possibilitem provas autênticas para essas exposições, chamando a atenção para o progresso desenvolvido em outros campos do conhecimento16.
Começa a compreensão de que toda aluna ou enfermeira,
ao cuidar de um paciente, assume para com ele, sua família e comunidade em que vive, a responsabilidade de conservar sua saúde e prevenir futuras complicações. A complexidade da sociedade moderna e o progresso das ciências médicas e sociais têm influenciado o desenvolvimento da Enfermagem, exigindo da enfermeira um preparo melhor17.
Assim, um cuidado adequado requer individualização do tratamento. O preparo da aluna para essa esfera mais larga originou uma revisão dos currículos e das atividades práticas nas escolas de Enfermagem, tomando lugar as ciências sociais ao lado das ciências biológicas18.
Com essa visão, nas enfermarias, deve ser favorecido um contato mais prolongado com os pacientes, a fim de que a aluna possa chegar a uma compreensão sadia do comportamento e das relações humanas a partir dos conhecimentos adquiridos em sala de aula e laboratórios. Considerando o paciente como um todo, o interesse e a responsabilidade total pelo paciente possibilitam uma atenção à família, ao status social e econômico, ao grupo cultural a que o paciente, enquanto indivíduo, pertence18.
Pontes e travessias: uma enfermagem dialógica
(Compreende a relação enfermeiro-cliente como essência)
Ao aderir-se ao método de cuidado integral, é necessário um plano global de cuidados. Desse modo, a estudante vai desenvolvendo as qualidades necessárias para a resolução de problemas19. Ainda favorece a compreensão da aluna de que o papel da enfermeira é ajudar as pessoas a ajudarem a si próprias.
Nesse sentido, a enfermagem começa a emergir como um
processo sistemático de diagnóstico e análise de problemas, de desenvolvimento de um plano de cuidados e contínua aplicação desse plano. Não um plano rotineiro, mas um plano individual baseado em princípios científicos e conceitos já estabelecidos com o objetivo de satisfazer as necessidades do paciente como um todo20:65.
Assim, a busca por uma especificidade da Enfermagem se acentua no XVIII CBEn.
Nele é recomendado às Enfermeiras Chefes de Serviço de Enfermagem Hospitalar para que façam uma revisão do processo de delegação de atribuições visando à conveniente participação da enfermeira na elaboração do plano de cuidados de enfermagem. Quanto às Escolas de Enfermagem, foi recomendado que buscassem desenvolver nas estudantes segurança na elaboração do plano individual dos cuidados de enfermagem aos pacientes, que ele atenda as necessidades globais e que possa ser re-formulado21.
Considerando que todos os seres humanos apresentam necessidades básicas nos planos psicobiológicos, psicossociais e psicoespirituais, o não atendimento de necessidade em uma esfera repercute nas outras, já que o homem é um todo. A Enfermagem, lidando com esse homem, entende que ele é parte de uma família, de um grupo social e de uma comunidade na qual desempenha papéis, e, conseqüentemente, a doença o atinge como também ao seu meio social22.
Portanto, ao traçar para o paciente um diagnóstico de enfermagem busca
identificar as necessidades do indivíduo para orientar o plano assistencial a que ele tem direito, estando o enfermeiro apto a decidir quais os cuidados de enfermagem que deverão ser prestados àquele doente, além da orientação a seguir após a alta. O plano assistencial em sua abordagem considera o aspecto curativo, preventivo e de reabilitação 22.
O planejamento do cuidado de enfermagem leva a enfermeira a conhecer seus pacientes e suas necessidades, evitando ser pautada em ordens médicas e rotinas. Permite, ainda, uma seqüência no atendimento, além de informar e orientar a equipe de enfermagem e demais interessados na assistência do paciente 23.
Nesse sentido, a Enfermagem tende a buscar bases científicas mais concretas.
DISCUSSÃO
Ao longo do processo histórico da Enfermagem, observam-se movimentos cíclicos24. E é partindo do lugar onde brota a Enfermagem profissional e seus caminhos percorridos que poderemos "deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo"25.
Assim, os textos mostram que o pensar/fazer da prática da enfermeira brasileira se manifesta em suas origens como uma preocupação com as funções dos órgãos, característica própria da medicina. Está inicialmente direcionada para atender à precisão da ciência. Essa ponte se estrutura nas ciências básicas, levando a Enfermagem a cair no esquecimento. Mas isso não chega a emudecer o seu apelo inicial.
O texto selecionado de Irmã Domitilla aponta a busca por uma metodologia uniforme, uma diretriz conceitual no pensar/fazer da prática do enfermeiro. Ou seja, enquanto não pensamos que todo construir é em si mesmo um habitar, não poderemos nem uma vez só questionar de maneira suficiente e muito menos decidir de modo apropriado o que o construir de construções é em seu vigor de essência26:128.
Nesse movimento de obscurecimento profissional surgem novas travessias através dos princípios e atitudes científicas. Com isso, demarcam uma Enfermagem relacional, ora se aproximando das concepções dadas pelas ciências naturais, ora para a Sociologia, Psicologia, Educação, Administração, dentre outras. Porém, não a define propriamente como uma ciência, ou uma arte, mantendo, assim, a inautenticidade profissional perante si mesma e a sociedade brasileira. Os significados favorecem a compreensão de que é no dia-a-dia profissional "que se produzem e medeiam novos conhecimentos e/ou saberes que vão permitir a renovação das práticas de cuidar, de assistir aos clientes"27.
Essa compreensão emerge quando é considerada a aplicabilidade do diagnóstico de enfermagem como caminho para a pesquisa em amplos setores22. Com Wanda Horta surge o entendimento de que é da própria ponte dada pelo conhecimento científico que surge um lugar. "É a partir da ponte que se determinam os lugares e os caminhos pelos quais se arruma, se dá espaço a um espaço"26. É o movimento ôntico-ontológico do mundo do cuidar do enfermeiro e de enfermagem se mostrando.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho utilizando a revisão de literatura e a fenomenologia heideggeriana para interpretação possibilitou o alcance dos objetivos propostos, já que os textos selecionados demonstraram que a Enfermagem brasileira caminhou de uma concepção essencialmente técnica, para uma Enfermagem relacional, a qual amplia seus horizontes usando conhecimentos dados pelas ciências naturais como também sociais, além de buscar reconhecimento social. Posteriormente, apontaram uma Enfermagem dialógica na medida em que a sistematização da assistência é percebida como possibilidade de singularizar o cuidado ao cliente, considerando-o como sujeito no processo.
Esses dados me permitem algumas reflexões. A interpretação das concepções originárias de Florence Nightingale percorre um caminho ontológico-ôntico apreendido pelas enfermeiras americanas e chega ao Brasil por elas, quase 66 anos depois da criação da Enfermagem Moderna; é então de se supor que tanto a realidade das primeiras como a nossa já se faziam diferenciadas.
Nesse percurso, apesar da implantação curricular considerando o contexto brasileiro, e mesmo o curso em nível superior, o pensar/fazer da enfermeira não se estabeleceu como prática assistencial efetivamente útil à sociedade brasileira.
Esse movimento da Enfermagem brasileira nos leva a questionar qual é a nossa essência profissional? O que o enfermeiro faz que somente ele pode fazer? O que o cliente espera da enfermeira? A prática da enfermeira é identificada a partir de afeto, intervenções, diálogo, conforto, organização?
Entendo que nosso instrumental não se fecha em prescrições intervencionistas. Nossa instrumentalidade se revela na manualidade dada pela ocupação de cuidar dos doentes. Ela não se restringe em um fazer prático, se configura como algo mais.
Apesar de a possibilidade do pensar/fazer do enfermeiro se fundamentar em pontes próprias, ao longo dos anos de 1970, foram descaracterizadas devido ao crescimento da indústria hospitalar e do aprimoramento técnico-científico, contribuindo para o distanciamento entre ensino e prática28. Na década de 1980, permanece< em pauta a revisão do papel da enfermeira e de suas funções na assistência de saúde às pessoas, aos grupos e à comunidade.
Diante do século XXI, as reflexões sobre as práticas desenvolvidas são urgentes. No âmbito da Universidade, configuram-se num repensar sobre suas funções de Ensino, Pesquisa e Extensão29.
Com tantas implicações impostas pela trajetória da Enfermagem, a Recomendação que se estabelece como prioridade parte de reflexões críticas e epistemológicas nos mais diversos olhares do pensar/fazer sobre a prática do enfermeiro. A Enfermagem, tendo como causa-fim a promoção, a manutenção ou a recuperação da saúde da pessoa, seja cliente, família ou comunidade, deve permear as possibilidades de expressão de um cuidar-com-o-cliente, ou seja, dialógico. Nesse movimento, alcançaremos autonomia e reconhecimento profissional.
Referências
1.Paixão W. História da enfermagem. 5ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Júlio C. Reis; 1979.
2.Alcântara GA enfermagem como categoria profissional: obstáculos a sua expansão na sociedade brasileira. Tese <[cátedra]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto /USP; 1966.
3.Germano RM. Educação e ideologia da enfermagem no Brasil. São Paulo (SP): Cortez; 1985.
4.Silva GB. Enfermagem profissional: análise crítica. São Paulo (SP): Cortez; 1986.
5.Simões SMF. Gênero e saúde: revendo concepções teórico-metodológicas no processo de cuidar. Resumos dos trabalhos apresentados no 55º Congresso Brasileiro de Enfermagem; 2003 out. 05-10; Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Rio de Janeiro(RJ):ABEn; 2003.
6.Leopardi MT. Por quê filosofia em enfermagem? Texto& Contexto Enferm 1993 jan/jun;2(1):5-12.
7. Simões SMF. O ser parturiente: um enfoque vivencial. Rio de Janeiro (RJ): EDUFF; 1998.
8. Simões SMF, Souza IEO. Mulher: a de-cisão no cuidar da própria saúde. Rio de Janeiro (RJ) Intertexto; 2002.
9.Serafim GB. Prefácio. Metodologias para a assistência de Enfermagem: teorizações, modelos e subsídios para a prática. Goiânia (GO): AB; 2001.
10.Galvão CM, Sawada NO, Trevisan MA. Revisão sistemática: recurso que proporciona a incorporação das evidências na prática da enfermagem. Rev Latino-am Enfermagem. <[on-line] 2004 mai/jun; <[citado 10 set 2004]; 12(3): <[aprox. 10 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br.
11. Fraenkel E. A enfermagem no Brasil. Annaes Enferm 1932 maio; 1(1):8-11.
12. Vidal ZC. Conferências: como podem as chefes de enfermagem cooperar para auxiliar a instrutora. Annaes Enferm 1932 maio;1(1):29-31.
13. Domitilla Irmã M. Bom ensino nas enfermeiras, o fator essencial na educação de enfermeiras. Tradução M. Reno. Annaes Enferm 1934 abr;1(3):17-20.
14. Alves CP. Princípios fundamentais de enfermeira de saúde pública. Annaes Enferm 1934 jul;2(4):5.
15. Alvin EF. O que está acontecendo à enfermagem de saúde pública. Anais Enferm 1948 abr;1(2):67-71.
16. Beck Sister MB. Prefácio. Como coordenar a teoria e a prática no exercício da enfermagem prática. Annaes Enferm 1934 out;2(5):37-41.
17. Wolf LC. Nursing. Tradução Glete de Ancântara. Anais Enferm 1948 abr;1(2)93.
18. Verderese ML. Valor psicológico no cuidado do paciente, em contraste com o cuidado funcional. Anais Enferm 1949 jul;2(3):101-06.
19. Chiariello F. Enfermagem de saúde pública hospitalar. Anais Enferm 1952 abr;5(2):178-84.
20. Bittencourt Z, et al. Planejamento dos cuidados de enfermagem necessário a um paciente. Rev Bras Enferm 1966 abr/jun;19(2/3):64-76.
21. Associação Brasileira de Enfermagem-ABEn. Seção Rio de Janeiro. Recomendações do 28º CBEn. Rev Bras Enferm 1966 ago;19(4):180-214.
22. Horta WA. Considerações sobre o diagnóstico de enfermagem. Rev Bras Enferm 1967 jan/fev;20(1):7-13.
23. Ramos NA, Balielo V. O princípio da investigação e o processo e o processo da observação sistematizada na Enfermagem: uma experiência em Hospital de Clínicas. Rev Bras Enferm 1971 jul/set;24(5):53-66.
24. Silva AL, Arruda EN. Referenciais com base em diferentes paradigmas: problema ou solução para a prática de enfermagem? Texto& Contexto Enferm 1993 jan/jun;2(1):82-92.
25. Heidegger M. Ser e tempo, 1. Rio de Janeiro (RJ): Vozes; 1989.
26. _______.Ensaios e conferências. Tradução Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Márcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro (RJ): Vozes; 2002.
27. Malveira EAP, Simões SMF. Experiências de cuidar em enfermagem: buscando compreender a teoria e a prática da interdisciplinariedade. Anais do 9º Seminário Nacional de Pesquisa Enfermagem; 1997 jul 22-25; Espírito Santo (ES), Brasil. Espírito Santo (ES): ABEn; 1997. p. 113-15.
28. Almeida MCP, Rocha JSY. O saber de enfermagem e sua dimensão prática. São Paulo (SP): Cortez; 1986.
29. Fernandes JD. Indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão: buscando a essência e engendrando o novo. Rev Bras Enferm 1994 jan/mar;47(1)36-41.
Recebido em 05/06/2006
Reapresentado em 26/02/2007
Aprovado em 30/07/2007
1 O conceito pensar/fazer utilizado significa que pensar é em primeiro lugar um exercitar-se, e isso se faz na prática.
Trabalho extraído de Tese de Titular apresentada ao Departamento de Fundamentos de Enfermagem e Administração da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense.