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CAPES

Volume 11, Número 3, Jul/Set - 2007

PESQUISA

 

A Qualidade de Vida no Trabalho de Enfermagem

 

The Quality of Life in the Work of Nursing

 

La Calidad de Vida en el Trabajo de Enfermería

 

 

Sheila Nascimento Pereira de FariasI; Regina Célia Gollner ZeitouneI

IProfessora Adjunta do Deptº de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro - RJ.

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo construir com os trabalhadores de enfermagem de Saúde Pública de um Centro Municipal de Saúde (CMS) uma proposta de indicadores de Qualidade de Vida no Trabalho a partir da percepção dos mesmos. Utilizou-se da abordagem qualitativa, tendo como local de estudo um CMS localizado no município do Rio de Janeiro; os sujeitos foram 34 profissionais da equipe de enfermagem, representando 100% do grupo, a saber: 7 enfermeiros, 3 técnicos de enfermagem e 24 auxiliares de enfermagem. Foi utilizado grupo focal para obtenção dos dados. Como resultados, os trabalhadores apontaram como indicadores de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT): a inter-relação pessoal, a comunicação interprofissional, as condições de trabalho, a organização e divisão do trabalho, os direitos no trabalho, a motivação e segurança. Neste sentido, conclui-se pela necessidade do desenvolvimento de programas que apóiem a qualidade de vida dos trabalhadores nas unidades de enfermagem em Unidades Básicas, considerando os fatores apontados pelos profissionais como elementos que caracterizam a QVT.

Palavras-chave: Enfermagem. Saúde Ocupacional. Qualidade de Vida.


ABSTRACT

The present study had as objective to construct with the workers of nursing of a Public Health in a Municipal Center of Health (MCH) a proposal of pointers of Quality of Life in the Work from the perception of the same ones. It was used of the qualitative boarding, having as local of study a MCH located in the city of Rio de Janeiro; the citizens had been 34 professionals of the team of nursing, representing 100% of the group, to know: 7 nurses, 3 technician of nursing and 24 nurse aid. Focal group for attainment of the data was used. As results the workers had changed as indicating of Quality of Life in Work (QLW): the personal interrelation, the communication Inter-professional, the conditions of work, the organization and division of the work, the rights in the work, the motivation and security. In this direction, if it concluded for the necessity of the development of programs that support the quality of life of the workers in the units of nursing in Basic Units, considering the factors pointed for the professionals as elements that characterize the QLW.

Keywords: Nursing. Occupational Health. Quality of Life.


RESUMEN

El actual estudio tuvo como objetivo construir con los trabajadores de enfermería de Salud Pública en un Centro Municipal de Salud (CMS) una propuesta de indicadores de Calidad de Vida en el Trabajo desde de la percepción de los mismos. Fue utilizado el abordaje cualitativo, teniendo como local de estudio un CMS ubicado en la ciudad de Rio de Janeiro; los sujetos fueron 34 profesionales del equipo de enfermería, representando 100% del grupo, a saber: 7 enfermeros, 3 técnicos de enfermería y 24 asistentes de enfermería. Utilizaron el grupo focal para la colecta de los datos. Como resultados, los trabajadores apuntaron como indicadores de Calidad de Vida en el Trabajo (CVT): la interrelación personal, la comunicación interprofesional, las condiciones de trabajo, la organización y división del trabajo, los derechos en el trabajo, la motivación y seguridad. En esta dirección, se concluyó que hay necesidad del desarrollo de programas que apoyen la calidad de vida de los trabajadores en las unidades de enfermería en Unidades Básicas, en vista de los factores señalados por los profesionales como elementos que caracterizan la CVT.

Palabras clave: Enfermería. Salud Laboral. Calidad de Vida.


 

 

INTRODUÇÃO

Ao examinar a qualidade de vida no contexto de trabalho de enfermagem atual, depara-se com fatores inusitados, tais como a rapidez das transformações, acirramento da competição, maximização dos lucros que repercutem na vida do trabalhador. Assim faz-se necessário analisar o contexto histórico e social em que o trabalhador encontra-se inserido.

Nesse sentido, Parro1 destaca o "processo de globalização econômica e de acirramento da concorrência, inserindo novos fatores condicionantes da qualidade de vida e novos desafios para a sua melhoria". O autor cita as parcerias da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no sentido de despertar o interesse de pesquisadores e estimulá-los na missão de pesquisar nesta área.

O Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE)2 evidencia que as preocupações com o meio ambiente aumentam consideravelmente em todo o mundo, abrangendo o local de trabalho. Assim, o mundo do trabalho tem se tornado alvo de grandes questionamentos. Mattos et al.3 enfatizam a terceirização no contexto brasileiro, fazendo-se imprescindível a análise do ambiente laboral para melhor elucidar a relação trabalho e Qualidade de Vida no Trabalho.

Com este entendimento, Gaíva4 aponta que o estudo da qualidade de vida no trabalho (QVT) vem a cada dia se transformando numa área privilegiada de análise no setor saúde, em especial na Enfermagem, dada a exigüidade de estudos nesta área.

Nesta linha de pensamento, destaca-se o trabalho de Enfermagem em Saúde Pública pela exigüidade de estudos neste contexto. Portanto, ao analisar o trabalho de enfermagem, não se pode subestimar ou superestimar uma área de atuação.

Da mesma forma, Farias5 aponta, ao realizar estudos relativos à saúde do trabalhador em Centro Municipal de Saúde, que existem aspectos intervenientes, tais como: as relações de trabalho conflituosas, comunicação interpessoal, a organização do trabalho, o processo de trabalho, dentre outros, que resultam em QVT para a Enfermagem.

Assim, compreende-se como QVT, segundo Chiavenato6, o conjunto de características do trabalhador e aspectos situacionais do contexto do trabalho, logo, a atuação sistêmica das características organizacionais e individuais que configuram o mundo subjetivo do trabalhador.

A necessidade do ser humano de colocar o desenvolvimento a serviço do homem obriga a compreensão da realidade como ela se apresenta para que seja possível contribuir para a sua transformação. Portanto, faz-se necessário entender como se traduz a influência desses fatores que preponderam e determinam a qualidade de vida no trabalho, do trabalhador de enfermagem em Saúde Pública nos dias atuais, num cenário de globalização, como apontam Farias & Zeitoune7 quando descrevem a saúde do trabalhador de enfermagem no contexto da globalização.

Desta feita, o estudo apresenta como objetivos: caracterizar os profissionais de enfermagem que atuam em CMS e levantar com os trabalhadores de enfermagem de Saúde Pública uma proposta de indicadores de Qualidade de Vida no Trabalho a partir da percepção dos mesmos.

 

METODOLOGIA

O estudo foi descritivo com abordagem qualitativa. Foi realizado em um Centro Municipal de Saúde (CMS), situado no Município do Rio de Janeiro, em área da região da Área Programática AP-3.2 da Secretaria Municipal de Saúde. O CMS apresentava dois andares, com área útil restrita em diversos setores, sendo sua planta física inadequada, principalmente pelo aumento da demanda de atendimento nos diversos programas. Quanto ao mobiliário, apresentava-se ergonomicamente inadequado, exigindo uma postura, por vezes, imprópria dos funcionários.

O atendimento de enfermagem acontecia nos diversos programas: Imunização Infantil, Pediatria, Diabetes, Hipertensão, Tuberculose, Hanseníase, Dermatologia, Doenças Sexualmente Transmissíveis, dentre outros.

Os sujeitos foram 34 (trinta e quatro) profissionais da equipe de enfermagem do CMS, representando 100% do grupo, a saber: 7 (sete) enfermeiros, 3 (três) técnicos de enfermagem e 24 (vinte e quatro) auxiliares de enfermagem. A atuação dos profissionais de enfermagem na unidade acontecia nos períodos da manhã e tarde, nos diversos setores do CMS.

Utilizou-se grupo focal e formulário, onde se buscou caracterizar os profissionais e identificar a partir da percepção dos sujeitos os indicadores de Qualidade de Vida no Trabalho(QVT) no contexto da rede básica de saúde.

Neste sentido, Debus et al.8 descrevem que o grupo focal é uma estratégia ideal para a identificação e definição de problemas, para a formulação de idéias e propostas de soluções. Sendo assim, um dos aspectos positivos levantados é: "quanto à integração grupal, acredita-se que fomenta respostas mais interessantes, gerando idéias novas".

Quanto à coleta de dados, ocorreu nos respectivos locais de trabalho dos sujeitos do estudo. Para realização do grupo focal, houve a divisão dos trabalhadores em três grupos de treze profissionais cada, realizando-se, portanto, três sessões com os mesmos, que foram ouvidos no centro de estudos da unidade. Utilizou-se uma dinâmica de grupo para estimulá-los e visualização criativa. Após esse momento, partiu-se para discussão propriamente dita, onde foram gravadas as falas dos sujeitos e transcritas posteriormente.

A discussão geralmente traz contribuições para todos, pois todos estão envolvidos na problemática. Ainda em relação ao grupo focal, Polit & Hungler9 referem que oferece ao pesquisador certa flexibilidade na coleta de informações sobre os sujeitos do estudo, na qual o pesquisador inicia com algumas perguntas ou tópicos gerais, permitindo aos respondentes contar suas histórias de forma narrativa.

Para análise dos dados, utilizou-se, como descreve Bardin10, a análise de conteúdo, em específico a temática. Quanto à primeira, visa obter por procedimentos sistemáticos e objetivos a descrição do conteúdo de mensagens, indicadores que permitam a interferência de conhecimento. A temática evidencia a contagem de um ou vários itens de significação, numa unidade de codificação ou categoria.

Assim Minayo11 destaca que as técnicas de análise de conteúdo incluem a análise temática e destaca-a como uma das mais utilizadas no setor saúde.

As categorias emergiram do discurso dos sujeitos que deram origem aos indicadores, que surgiram a partir da síntese do grupo focal, validada após cada sessão. Os indicadores foram analisados à luz do referencial teórico de Chiavenato6.

No que se refere aos aspectos éticos do estudo, inicialmente, antes de desenvolver a pesquisa, foi feita uma carta de apresentação, solicitando a autorização para realização da mesma e coleta de dados ao Presidente do Centro de Estudos e à Direção da Unidade. Após autorização do Presidente de Centro de Estudos, que cuidou dos trâmites junto à Secretaria Municipal de Saúde e aval da Direção, iniciou-se a pesquisa.

Para realização do grupo focal e entrevistas, a autora teve o respaldo da Resolução nº 196 do Conselho Nacional de Saúde12, através do depoimento livre e consentido, de acordo com as normas de bioética, no qual cada participante recebeu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e concordou em integrar a pesquisa, sendo esclarecido dos objetivos da mesma.

 

METODOLOGIA

Para caracterização dos sujeitos buscou-se evidenciar os aspectos pessoais e profissionais, conforme a Tabela 1.

 

 


A equipe de enfermagem em maioria era do sexo feminino, com 35 a 55 anos de idade, majoritariamente auxiliares de enfermagem, que percebiam de 1 a 3 salários mínimos e tinham 10 a 19 anos de exercício profissional na unidade. Apresentavam, além do trabalho no CMS, outro emprego para garantir a subsistência.

Ao analisar os dados, verificou-se o baixo salário percebido pelos profissionais de enfermagem, o que os levava à multiplicidade de empregos, contribuindo para a penosidade no trabalho.

Atuavam na unidade principalmente no período da manhã, basicamente em todos os setores do CMS, havendo destaque para Imunização, Clínica Médica e Ginecologia, onde exerciam, em sua totalidade, atividades assistenciais em geral.

Tendo em vista a exigüidade do espaço físico nos setores, os trabalhadores exerciam suas atividades com limitações, que culminavam em posturas inadequadas, favorecendo o risco de acidentes.

Em relação aos indicadores de Qualidade de Vida no Trabalho propostos pelos profissionais de enfermagem do CMS, emergiram as categorias que estão analisadas na Tabela 2.

 

 

Integração Social na Instituição

Os profissionais de enfermagem mencionaram a integração social na instituição como determinante para obtenção de QVT naquele ambiente, o que proporcionaria a integração dos profissionais, gerando coesão nas ações, passando então o trabalho a ser desenvolvido de forma integrada.

Rodrigues13 afirma que é de primordial interesse para o trabalhador a existência de integração social na organização de trabalho; aponta, ainda, sob seu ponto de vista, a ausência de preconceito de cor, raça, sexo, religião, nacionalidade, estilo de vida e aparência física, como fatores que possibilitariam melhor êxito neste quesito. Ressalta que a ausência de estratificação e a mobilidade social ocasionariam um senso de comunidade nas organizações.

Assim, por vezes, o trabalho de enfermagem torna-se penoso e estressante, pois a necessidade de auto-afirmação, manutenção de status quo e problemas psíquicos de alguns trabalhadores podem gerar a necessidade de manutenção de estratificação, resultando em ausência de senso de comunidade entre os membros da equipe, culminando por contribuir negativamente para QVT.

Dejours et al.14 destacam que a falta de entrosamento e integração muitas vezes acirra o individualismo, o que acaba por dificultar o desenvolvimento das tarefas.

O que ocorre é que, no contexto social e histórico contemporâneo globalizado, o individualismo é cada vez mais acirrado na sociedade e entre os trabalhadores de enfermagem.

Pode-se destacar em Vaz15 que o trabalho em saúde é de cooperação. Enfatiza que dentro do processo de trabalho o simples contato social entre os membros da equipe pode estimular os profissionais, o que aumenta a capacidade de realização de cada um, ampliando a potencialidade do ambiente de trabalho como produtor de conhecimentos. Neste sentido, havendo cooperação, desenvolve-se o significado coletivo da expressão do trabalho.

Nesta perspectiva, Dejours et al.14 salientam que um dos aspectos fundamentais quando se pensa em relações humanas de trabalho é a forma como o mesmo é organizado, pois a partir daí existe a divisão do trabalho e a repartição entre os trabalhadores das atividades a serem empreendidas.

Reconhece-se que o trabalhador é despossuído do seu corpo físico, pela exploração da sua força máxima de trabalho. Existe a contradição fundamental do desejo de trabalhar e a vontade do empregador. A partir daí, surgem a carga psíquica e as relações interpessoais que podem se tornar conflituosas.

Apontam, ainda, que quando o rearranjo da organização do trabalho é bloqueado, o sofrimento se inicia, a energia pulsional se acumula no aparelho psíquico e ocasiona um sentimento de desprazer e tensão muito forte.

Sucesso16 ressalta a questão de afeto nas relações de trabalho, destacando que viver com qualidade requer mais que sobrepujar a intimidação e a hostilidade, enfatizando a necessidade de parceria, cooperação, polidez e respeito, virtudes derivadas do amor.

Destaca-se que essas qualidades nem sempre são bem vistas por parte das pessoas; essa distorção resulta da crença de que quem vale é o esperto, fruto de pensamento arraigado de preconceito que acaba por culminar em baixa QVT.

Comunicação Interprofissional

Após a referência da integração social na instituição, houve a ênfase na comunicação interprofissional como categoria que poderia estar sendo alvo de investimentos na instituição, cujo retorno, sob o ponto de vista dos profissionais, seria de grande valia.

Assim, poder-se-ia discutir, além das questões da rotina diária de trabalho, os programas e serviços, fomentando uma gestão participativa que redundaria em menos tensão e desprazer entre os membros da equipe de enfermagem.

Dejours et al.14 apontam, numa abordagem renovadora, que o trabalho deve ser considerado nos aspectos relativos às condições de trabalho e à organização, sendo esta última relativa à divisão de tarefas e às relações de produção .

Nesse sentido, a participação dos profissionais de enfermagem, através da oitiva de seus anseios, expectativas e sugestões quanto à organização do trabalho, favoreceria o alcance de menor zona de tensão entre os trabalhadores e empregadores, por meio do alcance de melhores relações entre os participantes (empregador-trabalhador) de interesses diversificados.

O espaço para discussão efetiva de questões relativas ao trabalho é primordial, fomentando-se, assim, a resolução de problemas e proposta democrática da possibilidade de sugestões por parte do trabalhador.

De acordo com Faria17, o modelo comunicacional pode ser unilinear e dialogizante. No primeiro, existe a mensagem emitida pelo emissor para o receptor. No segundo, o emissor transmite a mensagem para o receptor, e vice-versa. Assim, romper-se-ia com a assimetria do modelo, favorecendo o caminho do diálogo com todas as partes envolvidas em um processo de comunicação efetivo, destacando-se o contexto que se insere, a qualificação profissional, as condições de trabalho, a liberdade, a ética, expressão máxima de cidadania.

Portanto, sem dúvida, este fator contribuiria para QVT, tornando a vida laboral menos fatigante e estressante no contexto da enfermagem.

Sucesso16 traz à tona a reflexão de que a linguagem é de fundamental importância para influenciar a ação, através da qual se poderá criar um clima favorável para inovações e mudanças da realidade.

Assim, a comunicação eficaz possibilita uma reestruturação efetiva dos padrões implementados, no processo de trabalho, que redundam em reorganização do trabalho vigente, possibilitando o aprimoramento do mesmo.

Condições de Trabalho e Organização do Trabalho

Observou-se que outras categorias demonstraram ser de grande importância, segundo os profissionais, para alcance de QVT. Foram elas: condições de trabalho e organização do trabalho adequado para o desempenho das funções.

Os trabalhadores referiram como fator que causava desgaste a inexistência de uma planta física adequada, pois acreditavam ser a mesma imprópria para alguns programas desenvolvidos. Destacaram a ausência de privacidade, ou seja, local para a guarda de bolsas e pertences e refeitório para os funcionários. Demonstraram insatisfação quanto aos recursos humanos e materiais na unidade, pois não eram plenamente adequados de acordo com as atividades desenvolvidas; faltava material.

Houve referência à distribuição de tarefas, ao planejamento prévio das ações de saúde e ausência de treinamento formal realizado por profissional competente.

Nesta linha de raciocínio, Rodrigues10 destaca, como a saúde e a segurança laboral, a necessidade de condições físicas na organização com o intuito de reduzir o risco de acidentes e doenças. Refere ainda a importância do planejamento do trabalho e sua implementação, pois as atividades laborativas têm sido fortemente controladas e fracionadas. Portanto, investir nessas categorias traria retornos incomensuráveis.

A dimensão organizacional tem sido enfatizada por Dejours et al.14 como de extrema relevância ao lado da abordagem das condições de trabalho propriamente ditas.

Nesta perspectiva, o trabalho de enfermagem necessita ser acompanhado pela gerência, pois a existência de múltiplos fatores intervenientes no processo de trabalho de enfermagem ocasiona um rearranjo na sua organização, por vezes improvisado que faz com que o trabalhador desenvolva suas tarefas de forma a se adaptar as carências, resultando em baixa QVT naquele ambiente.

Desta feita, Gaiva4 enfatiza a necessidade nos tempos modernos da existência do compromisso com a qualidade de vida no trabalho em vista ao contexto da globalização.

Assim, pensar no trabalho de enfermagem com QVT, no contexto de inúmeras carências, significa comprometer-se com trabalho digno e decente.

Avendaño et al.18 ressaltam que, no mundo globalizado, a Enfermagem vem atuando na América Latina com deficiência de recursos humanos e materiais em relação à demanda assistencial, deficiência de equipamentos, altas cargas físicas, inadequação na organização dos serviços e nas políticas de pessoal, problemas de relação com a equipe de saúde e com a direção de serviços e deterioração da saúde dos enfermeiros, entre outros.

Portanto, vale a elucidação das questões nevrálgicas relativas ao processo de trabalho e organização do trabalho de enfermagem, para dirimir a melhor solução para os problemas sempre com vistas à saúde dos trabalhadores.

Dejours19 traz à reflexão a relação entre organização do trabalho e reação somática e psíquica do trabalhador. Nesse intuito, relata que se devem levar em consideração três componentes da relação homem-organização do trabalho: o sistema de agressividade reativa à frustração, a fadiga que altera a versatilidade do aparelho mental e a organização do trabalho como correia de transmissão de uma vontade externa que, muitas vezes, colide com a do trabalhador.

Direitos do Trabalhador

Outra categoria de destaque foi a dos direitos do trabalhador. Na discussão, foi consenso dos grupos a carência de respeito aos seus direitos e em relação às suas necessidades enquanto profissionais de saúde. Apontam a falta de privacidade no ambiente do CMS, a ausência de local para guarda de pertences e de um local apropriado para alimentação.

Houve a referência de se alimentarem nos próprios setores, onde desenvolvem atividades com interferência contínua de clientes e outros profissionais.

Quanto ao posicionamento, relatam terem poucas oportunidades para se manifestarem e serem ouvidos. Muitas vezes sentiam-se coibidos e desmotivados para tal. Vale destacar que houve a menção da necessidade de tratamento justo, pois se sentiam discriminados em algumas situações de trabalho.

Foi mencionado que, quando ficavam doentes, muitas vezes recorriam à própria unidade, disputando vaga com a população em geral. Sentiam falta de serviço de atendimento para os trabalhadores, onde pudessem recorrer para realizar tratamento de saúde.

No intuito de preservar o trabalhador de enfermagem, pensa-se em direitos que devem ser salvaguardados. Assim, os direitos dos trabalhadores têm sido alvo de discussões. Destaca-se na Consolidação de Leis Trabalhistas20, nos Artigos 200 e 389, a obrigatoriedade das empresas possibilitarem boas condições de trabalho e direito à privacidade no ambiente de trabalho.

A Constituição da República Federativa do Brasil21, no Título II, referente aos direitos e garantias fundamentais, e no Capítulo I, dos direitos e deveres individuais e coletivos, dispõe em seus artigos a proteção aos direitos, em especial no Art. 5º e Art. 7º.

O respaldo legal proporciona uma ferramenta para o trabalhador quando seus direitos são negligenciados ou feridos. No entanto, a equipe de enfermagem necessita conhecer seus direitos e principalmente reivindicá-los quando oportuno, principalmente quando está em questão a vida de seres humanos e sua respectiva saúde, lutando por melhores condições de trabalho para a classe.

Avendaño et al.18 apontam que, na América Latina, pela falta de condições de trabalho, muitas vezes ocorre a deterioração da saúde das enfermeiras. O que merece destaque a Enfermagem é referida como profissão de alto risco.

Portanto, torna-se necessária a adoção de medidas preventivas na unidade de saúde estudada. Pela ausência de planta física adequada, principalmente no que se refere aos espaços para enfermagem, os trabalhadores acabam por exercer suas atividades expondo-se a riscos. Quanto aos espaços privativos para alimentação e guarda de pertences, estes na maioria das vezes não existem. Há de se pensar em estratégias de organização do espaço de forma a proporcionar adequação às necessidades dos trabalhadores, bem como utilizar da gerência participativa e trazer o trabalhador para as discussões da organização do trabalhador, ouvindo suas necessidades e implementando-as.

Motivação para o Trabalho

Um dos fatores que contribuiria para a QVT no CMS, segundo os trabalhadores de enfermagem, seria a motivação para o trabalho na unidade. Segundo os próprios profissionais, esta poderia ser adquirida por incentivos como remuneração ou outros incentivos.

Assim, o salário condizente à função e aos investimentos realizados traria maior satisfação entre os trabalhadores de enfermagem.

Relataram não ter tempo dentro da carga horária programada para realização de cursos de aperfeiçoamento ou atualização que, sem dúvida, contribuiria para a diminuição da ansiedade entre os trabalhadores, devido às mudanças constantes do conhecimento.

Outros incentivos apontados pelos profissionais de enfermagem foram a realização de confraternizações periódicas e música ambiente para os acalmá-los durante a realização das tarefas. Ginástica, antes do início das atividades, também foi mencionada como fator que os motivaria, até mesmo relaxamento e momentos de reflexão.

Essas questões precisam ser dirimidas, principalmente com a oitiva de funcionários, porque o trabalho agregado traz uma parceria ímpar na resolução dos conflitos. O implemento de situações que possibilite a motivação é primordial para o alcance da QVT no ambiente de CMS.

Rodrigues13 enfatiza que a motivação no trabalho é sensação interna positiva que o indivíduo experimenta para a realização das tarefas. Assim, esse sentimento experimentado possibilita o alcance da QVT.

Portanto, o aspecto relativo à motivação é relevante quando se pensa em saúde do trabalhador. Nesse sentido, envidar esforços no sentido de motivar os profissionais de enfermagem é tarefa urgente para os gerentes da área da saúde.

A criação de estratégias motivadoras e o fomento da criatividade são relevantes na administração de recursos humanos na área da Enfermagem, sempre respeitando os direitos do trabalhador.

Segurança no Ambiente de Trabalho

Na discussão do grupo focal, a categoria que emergiu e que expressou bastante preocupação foi a questão da segurança interna dentro da unidade.

Os profissionais de enfermagem apontaram existir segurança patrimonial, mas quanto à das pessoas, esta não estava sendo contemplada.

Este item causava descontentamento, pois os índices de violência ao redor da unidade eram elevados. Alguns até relataram serem impedidos de sair ou entrar do CMS, por ocasião dos tiroteios.

Vale destacar o aspecto ligado aos fatores internos, ou seja, relações conflitantes dentro da unidade com os usuários, que ocasionalmente existia por falha na comunicação.

Bulhões22 refere que a violência ou insegurança, quer no percurso trabalho-casa ou na própria unidade de saúde, tem sido considerada como estressor laboral. Aponta que a violência cresce, infelizmente, por toda parte. É considerada como grave ameaça de saúde pública. As agressões verbais e físicas contra o pessoal de enfermagem têm sido praticadas predominantemente por pacientes e seus familiares.

Pode-se refletir que a questão da segurança no trabalho no Município do Rio de Janeiro tem sido alvo de preocupação, pois muitas unidades de saúde são alocadas em áreas de risco, inclusive a estudada.

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Ao estudar QVT, Sucesso16 refere que parte da responsabilidade da sua promoção é realizada por meio de políticas públicas, que deveriam salvaguardar os direitos. No entanto, é sabido que as organizações no trabalho devem realizar a sua parte, principalmente possibilitando a melhoria da auto-estima e auto-realização dos profissionais de enfermagem.

Assim, a pesquisa permitiu identificar os indicadores da QVT em Centro Municipal de Saúde, contribuindo sobremaneira para identificar os anseios dos trabalhadores em relação ao alcance de qualidade de vida no ambiente laboral.

Foi apontado que o processo de trabalho e a organização na unidade estudada contribuía para uma precária qualidade de vida naquele ambiente, como foi percebido pelos profissionais de enfermagem, reforçando os achados de Farias & Zeitoune7 que estudaram qualidade de vida no trabalho no contexto da globalização.

A necessidade de reestruturação e acompanhamento do processo de trabalho e organização do trabalho é fundamental como requisitos para a manutenção e desenvolvimento da QVT nos ambientes de trabalho, bem como o desenvolvimento de programas que estimulem e motivem os trabalhadores.

A criação de serviço de Saúde do Trabalhador nos ambientes de trabalho, com acompanhamento de condições de saúde periódico e implementação das medidas preventivas necessárias para evitar o surgimento de agravos e ação efetiva para a cura dos mesmos, também é de suma importância.

Pôde-se concluir que a comunicação foi um requisito fundamental referido pelos respondentes, apontando-se a necessidade de gerência participativa para, em comum acordo, alcançar a solução dos possíveis problemas e, a partir daí, estimular a auto-realização desses profissionais, com o empreendimento dos conhecimentos auferidos, numa gestão participativa.

Os trabalhadores de enfermagem apontaram a restrição de seus direitos, que influenciou na auto-estima desses profissionais. Portanto, enfatiza-se a criação de espaços criativos para sugestões e locais privativos para a enfermagem dentro da planta física do CMS.

Dentro de um contexto social de violência e conflitos, conclui-se que os profissionais laboravam com índices elevados de estresse, o que tornava o trabalho difícil emocionalmente, ocasionando uma sobrecarga psíquica. Neste sentido, faz-se necessário investir em Programas de Segurança para os trabalhadores dentro das unidades de saúde.

Portanto, ao estudar o trabalho de enfermagem, deve-se possibilitar a participação dos membros da equipe, para que, de forma integrada, possam apontar os caminhos para a resolução das dificuldades relativas ao desenvolvimento de suas atividades. Assim, o estudo permitiu recomendar: criação de serviço para atendimento ao profissional de enfermagem, incluindo Programa de Saúde do Trabalhador em âmbito municipal; investimento nas medidas apontadas pelos sujeitos do estudo para superar o sentimento de insatisfação acerca da QVT naquele ambiente; favorecimento da gestão participativa; reestruturação da planta física, observando as necessidades dos trabalhadores; criação de programa de bem-estar dos profissionais na unidade de saúde; e favorecimento da segurança humana no trabalho de enfermagem.

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Recebido em 27/10/2006
Reapresentado em 20/05/2007
Aprovado em 30/07/2007

 

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