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CAPES

Volume 11, Número 2, Abr/Jun - 2007

PESQUISA

 

Sentimentos vivenciados por mulheres submetidas a tratamento para Papillomavirus Humano

 

Feelings experienced by women submitted to a treatment for Human Papillomavirus

 

Sentimientos vivenciados por mujeres sometidas a Tratamiento para el Papillomavirus Humano

 

 

Ana Luiza Santos de CarvalhoI; Shirley Katiussy Soares BarrosI; Nilza Maria de Abreu LeitãoI; Rianna Nargilla Silva NobreI; Saiwori de Jesus da Silva BezerraII; Ana Karina Bezerra PinheiroIII

IEnfermeira pela Universidade Federal do Ceará.
IIMestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará.
IIIDoutora em Enfermagem e Professora Adjunta III do Departamento de Enfermagem.

 

 


RESUMO

A carência de informações sobre o papillomavirus humano pode gerar idéias errôneas sobre o tratamento, o que interfere no contexto sócio-familiar da mulher. Com o objetivo de conhecer os sentimentos vivenciados por mulheres submetidas a tratamento de lesões por papillomavirus humano, foi realizada uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória com 12 mulheres, baseada na obtenção e análise de depoimentos por meio de entrevista semi-estruturada. As informações foram analisadas de acordo com a literatura e dispostas em duas temáticas: Reações emocionais e Repercussões no relacionamento. Conclui-se quea mulher que está sendo submetida a tratamento de lesões por papillomavirus humano necessita de cuidados, por parte dos enfermeiros, como forma de melhor enfrentar esse período a qual está vivenciando.

Palavras-chave: Emoções. Saúde da mulher. Infecções por Papillomavirus.


ABSTRACT

The lack of information on the papillomavirus human can generate misconception on the treatment interfering in the familiar and social context of the woman. With the purposeto know the feelings experienced by women submitted to treatment of lesions by human papillomavirus, was carried trough a qualitative research of exploratory nature accomplished with 12 women, based on the obtaining and analysis of semi-structured interview. The information was analyzed in accordance with the literature and disposed in two themes: Emotional reactions and Repercussions in the relationship. It was conclued that the woman that is being submitted to treatment of lesions by human papillomavirus needs cares from the nurses, as a way to face better that period which is living.

Keywords: Emotions. Women's Health. Pappillomavirus Infections


RESUMEN

La carencia de informaciones sobre el papillomavirus humano puede generar ideas erradas sobre el tratamiento, lo que interfiere en el contexto social y familiar de la mujer. Con el objetivo de conocer los sentimientos vividos por mujeres sometidas a tratamiento de lesiones por papillomavirus humanos, fue realizada una investigación cualitativa de naturaleza exploratoria con 12 mujeres, basada en la obtención y análisis de deposiciones por medio de entrevistas medio-estructurada. Las informaciones fueran analizadas conforme con la literatura y dispuestas en dos temáticas: Reacciones emocionales y Repercusiones en el reracionamiento. Concluyese que la mujer que esta siendo sometida al tratamiento de lesiones por papillomavirus humano necesita de cuidados, por parte de los enfermeros, como forma de mejor enfrentar ese periodo el cual esta viviendo.

Palabras clave: Emociones. Salud de las Mujeres.Infecciones por Papillomavirus.


 

 

INTRODUÇÃO

Atualmente, a infecção genital pelo Papilomavírus Humano (HPV) é a doença sexualmente transmissível viral mais freqüente na população sexualmente ativa. Em 1996, o Center for Disease Control and Prevention (CDC) estimava em 500 mil a 1 milhão de casos novos, por ano, de infecção pelo HPV, e mencionava ao mesmo tempo 80 mil casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), 200 a 500 mil casos de herpes, 100 mil casos de sífilis e 800 mil casos de gonorréia. Na ocasião, conforme dados de Okada, datados de 1999, os índices de HPV eram suplantados apenas por infecção por clamídia (4 milhões) e tricomoníase (3 milhões) 1.

Portanto, em face da proporção alcançada por essas Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), fica evidente a ausência ou a ineficácia de programas educativos para a prevenção de doenças sexualmente transmitidas, entre as quais se inclui o HPV. Um dos maiores entraves ao controle das DST é, talvez, a dificuldade em se influenciar definitivamente a mudança de hábitos, de comportamento e de atitude sexual da população, jovem ou adulta, por meio de campanhas institucionais 2.

O HPV da família Papovaviridae, capaz de induzir lesões de pele ou mucosas, foi reconhecido como a principal causa de câncer do colo uterino pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 19923.

A infecção por esse vírus pode ocorrer em três formas distintas: clínica, subclínica e latente. As formas clínicas correspondem às lesões verrucosas (condilomas acuminados), sendo o exame clínico capaz de fazer o diagnóstico. A forma subclínica é, muitas vezes, suspeitada por alteração na citologia, na cervicografia digital, na colposcopia ou no resultado histopatológico de uma biópsia. Esses exames sugerem a presença do vírus. A forma latente corresponde à identificação do vírus pela biologia molecular na ausência de alterações morfológicas4.

O HPV pode se instalar em qualquer região do corpo, bastando haver uma porta de entrada através de microabrasões (microtraumas) da pele ou mucosa. Já se detectou o vírus não só na região genital, mas também extragenital como olho, boca, faringe, vias respiratórias, ânus, reto e uretra. A manifestação clínica pelo HPV mais comum, na região genital, são as verrugas ou condilomas acuminados5. Já as lesões subclínicas não apresentam qualquer sintomatologia, mas podem progredir para o câncer do colo do útero se não forem diagnosticadas e tratadas precocemente3.

A progressão tumoral, a partir da infecção de células normais por HPV, parece estar condicionada a fatores relacionados ao vírus e a fatores relacionados ao hospedeiro (tabagismo, uso prolongado de contraceptivos orais, multiparidade, imunossupressão) 6.

O objetivo do tratamento deve ser a remoção das verrugas visíveis. As recidivas são relativamente freqüentes, pois, mesmo destruindo a verruga (lesões clínicas), não se consegue eliminar totalmente o vírus existente na área genital. Até o momento, não existem tratamentos para infecção latente por HPV. Na maioria dos casos, o próprio organismo se encarrega de eliminar o vírus.

O diagnóstico precoce da infecção pelo HPV é uma importante ação para o controle da transmissão do vírus. Esse controle pode ser conseguido com o trabalho eficaz dos enfermeiros, pois esses profissionais são responsáveis pela educação em saúde.

A carência de informações adequadas sobre o HPV favorece o desenvolvimento de concepções errôneas que, podem interferir no comportamento da portadora do HPV e das pessoas que fazem parte de seu contexto sócio-familiar. Na maioria das vezes, essas concepções errôneas encontram-se carregadas de elementos culturais, tais como crenças, mitos e tabus, que possuem um grande significado para o indivíduo. Os valores culturais sem correspondência com a realidade podem representar uma grande barreira para os profissionais que atuam na promoção da saúde e na prevenção de doenças.

Tendo em vista tal problemática, considera-se necessária a realização de uma investigação sobre o HPV, abordando sentimentos vivenciados por mulheres que realizam tratamento para lesões genitais. Sentimento é aquilo que se sente por pessoa, animal ou coisa7. A partir desse conhecimento, podem-se nortear ações para educação em saúde, no sentido de esclarecer possíveis idéias/crenças sem fundamentação e promover a conscientização das clientes a respeito do verdadeiro contexto que envolve o tratamento do HPV.

Sabe-se que a mulher que é submetida a tratamento para as lesões por HPV, muitas vezes, não tem um bom conhecimento sobre a patologia. A falta de informação torna esse período de vida da mulher bastante conflitante e repleto de sentimentos que, na maioria das vezes, trazem prejuízos à mulher e à família.

O objetivo a que se propõe é conhecer os sentimentos vivenciados por mulheres submetidas a tratamento de lesões por HPV.

 

METODOLOGIA

Estudo integrante da linha de pesquisa Enfermagem na Saúde da Família e Redes Sociais de Apoio do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará. Está inserido no subprojeto, "Rede Social de Apoio uma proposta de estudo para atividade intersetorial de promoção da Saúde".

O estudo realizado é qualitativo, de natureza exploratória, baseado na obtenção e análise de depoimentos por meio de entrevista semi-estruturada.

A abordagem deste tipo de entrevista contribui para o aprofundamento de uma relação intersubjetiva do entrevistado com o entrevistador. A inter-relação no ato da entrevista contempla o afetivo, o existencial, o contexto do dia-a-dia, as experiências e a linguagem do senso comum, sendo condição sine qua non para o êxito da pesquisa qualitativa, fatores condizentes com o objetivo da busca 8.

O estudo foi desenvolvido em um ambulatório de DST de um Centro de Referência da Secretaria Executiva Regional III da rede pública municipal de Fortaleza, no período de agosto a novembro de 2005. Foram entrevistadas 12 mulheres.

Para garantir o anonimato, os nomes reais das informantes da pesquisa foram substituídos por denominações que elas próprias gostariam que as representassem, como uma forma de expressar os sentimentos, os desejos e as esperanças interiorizados por cada uma delas.

A inclusão dos sujeitos no estudo obedeceu aos seguintes critérios:

- Diagnóstico de HPV pelo exame clínico através da inspeção visual com ácido acético a 5%.

- Estar realizando algum tipo de tratamento para lesões por HPV durante o período da pesquisa.

A coleta de dados foi estabelecida por um contato inicial com os profissionais que desenvolvem o serviço de atenção à saúde sexual para apresentação da população atendida, que, após devidamente esclarecida sobre a pesquisa e a garantia do anonimato e sigilo acerca da participação no estudo, assinou um termo de consentimento livre e esclarecido.

Com base nas orientações de Minayo8, procedeu-se à análise temática do conteúdo das entrevistas e identificaram-se os temas significativos que emergiram das falas das mulheres.

A entrevista semi-estruturada foi gravada baseada em um roteiro com as seguintes perguntas: dados de identificação (idade, estado civil, escolaridade, ocupação/profissão e renda familiar), antecedentes obstétricos, comportamento sexual (idade de início da vida sexual), número de parceiro (os) anterior (es), número de parceiro (os) atual (is), tipo de parceiro atual (fixo ou ocasional), utilização do preservativo nas relações, questões sobre a patologia e os sentimentos vivenciados durante o tratamento para as lesões causadas pelo HPV.

Respeitaram-se os aspectos éticos e legais da pesquisa que envolve seres humanos, de acordo com a resolução nº 196/96. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará com parecer n° 286/05.

 

ANÁLISE E INTERPRESENTAÇÃO

DOS RESULTADOS

Após a transcrição das falas, a aproximação dos significados levou à construção de duas temáticas: Reações emocionais e Repercussões no relacionamento. Da primeira temática, emergiam quatro categorias: Medo e preocupação; Tristeza; Traição,culpa e raiva; Indiferença. A segunda temática permitiu a distribuição dos depoimentos em três categorias: Descontinuidade da relação com mudança de atitude do casal; Separação; Sem interferência na relação conjugal.

Porém, antes de relatar sobre as duas temáticas e suas categorias, é preciso comentar um pouco sobre algumas questões contidas no roteiro da entrevista: conhecimento da patologia e uso do preservativo.

A exploração das falas referente ao conhecimento da patologia revelou que todas as entrevistadas tinham consciência das conseqüências do HPV e forma de transmissão conforme se percebe através das transcrições:

Parece que se pega no sexo. Uma DST (cura).

Não sei, mas é através do sexo e dá câncer igual o da Ana Maria Braga (paz).

É uma DST. Se pega com contato sexual e outras formas também e objetos pessoais (alegria).

É um vírus que não tem cura, mas tem controle (fiel).

Uma doença que se pega no sexo e se não for tratada vira câncer (honestidade).

As mulheres relataram algum conhecimento acerca da doença e suas conseqüências, refletindo a importância da educação como meio de promoção em saúde 9.

Embora as mulheres tenham mencionado alguma noção sobre o que é o HPV, é necessária uma maior interação entre enfermeiros e comunidade para que sejam repassadas informações sobre as formas de prevenção da doença ou para que sejam diagnosticadas as lesões no estágio inicial.

Estudo realizado mostrou que as DST mais conhecidas e lembradas espontaneamente foram a gonorréia (83%), a AIDS (71%) e a sífilis (58%)10. Nota-se que o HPV não foi mencionado por esses entrevistados. Daí, a necessidade de realizar atividades educativas mostrando os diversos tipos de DST inclusive o HPV, pois este vírus está presente em mais de 90% dos casos de câncer de colo de útero 11.

Observa-se também que as clientes reconhecem o preservativo como melhor estratégia de prevenção de DST e contracepção.

Uso camisinha porque serve para evitar menino e doença (beleza). Tento fazer a prevenção de ano em ano e uso camisinha (honestidade).

Além do uso do preservativo, a honestidade mencionou a realização e a periodicidade do exame citológico (Papanicolau).

Esse exame é o principal método para o diagnóstico precoce das lesões cervicais causadas pelo HPV 12. Deve ser realizado em mulheres de 25 a 60 anos de idade, com periodicidade preconizada de um exame por ano. No caso de dois exames com diagnósticos normais seguidos, este deverá ser feito a cada três anos 11.

Apesar de terem conhecimento acerca da doença, as clientes referiram uso inadequado do preservativo. Conforme as falas a seguir:

A gente usa quase sempre, só quando não dá mesmo (beleza). Usando camisinha só com as outras pessoas (alegria).

Os preservativos masculinos e femininos são as únicas barreiras comprovadamente efetivas contra o HIV, e o uso correto e consistente deste método pode reduzir substancialmente o risco de transmissão do HIV e das outras DST 13. Portanto, o uso do condom é indispensável para evitar uma DST e durante o tratamento das lesões por HPV.

Porém, a mulher, mesmo sabendo que o uso do preservativo é necessário como pré-requisito para o tratamento, percebe esta prática como uma condição que precisa aceitar, apesar de considerá-la um elemento que dificulta a relação do casal.

Em seguida a esses questionamentos, perguntou-se sobre os sentimentos vivenciados durante o tratamento para as lesões causadas pelo HPV. Então, com a análise das falas, identificaram-se as duas temáticas: Reações emocionais e Repercussões no relacionamento.

Reações emocionais

Essa temática reúne os sentimentos vivenciados pelas entrevistadas durante o período do tratamento das lesões por HPV. Esses sentimentos são repletos de emoções que, muitas vezes, traduzem percepções de angústia. Para algumas dessas mulheres, esse momento é a oportunidade de fazer uma análise da vida. Emergiram quatro categorias: Medo e preocupação; Tristeza; Traição,culpa e raiva; Indiferença.

Medo e preocupação

O medo de não ficar curada é observado no diagnóstico e durante o tratamento, principalmente nos casos mais complexos, nos quais, a involução das verrugas é mais lenta. O medo de ter contraído Aids, uma doença de alta morbidade e letalidade e a mais divulgada das DST, atormenta o pensamento das mulheres.

Conhecer e buscar tratamento adequado para as DST é uma importante forma de proteção, já que sua presença aumenta o risco de contrair o HIV 14.

Estudo realizado com jovens mostrou que eles têm consciência do risco da infecção pelas DST, tratando-se de uma geração para a qual a AIDS é um dado a mais a ser equacionado diante da vida sexual 15.

A reação do parceiro é motivo para preocupação, visto que, ao conhecer que o HPV é uma doença de transmissão sexual, a questão da fidelidade aflora o pensamento humano, tornando-se imprescindível o diálogo e o questionamento da relação do casal. Destacam-se algumas falas:

Não parei de pensar nisso noite e dia, não conseguia dormir, comer... Imaginando que não sabia quem fez isso comigo (cura). Será que tenho outras doenças? Tenho medo de fazer exame e descobrir que tenho Aids (esperança).

Por isso, a questão da sexualidade precisa ser discutida com a mulher. Cabe ao enfermeiro informar a respeito da importância do tratamento, mostrando a eficácia de cura das lesões, porém explicando sobre a permanência do vírus e as formas de evitar outras DST.

Tristeza

Ser portadora do HPV é também conviver com a dúvida, principalmente quando se discute sobre a evolução da doença. A mulher encontra-se em maior grau de vulnerabilidade, não apenas biologicamente, mas também emocionalmente. A tristeza é manifestada pela possibilidade de recidiva. Veja algumas falas:

Fiquei muito triste, sei lá, meio esquisita, sem saber como seria de agora para frente (perseverança). É muito ruim saber que tem um vírus desse dentro da gente e não poder fazer nada para acabar com ele. Dá uma sensação de que a gente veio nesse mundo só para sofrer (cura).

Muitas das infecções pelo HPV não são detectadas e regridem espontaneamente sem nenhum prejuízo para a mulher, e, embora a infecção pelo HPV seja necessária para o desenvolvimento do câncer cervical, isoladamente não é capaz de induzir a progressão de uma célula normal para célula neoplásica 16. Conseqüentemente, o enfermeiro deve deixar explícito que ter o HPV não quer dizer que essa mulher terá o câncer de colo de útero. Assim, conseguirá minimizar a angústia dessa mulher. Além disso, algumas mulheres têm déficit de conhecimento acerca do câncer de colo uterino, daí a necessidade de uma assistência mais centrada no aspecto educativo a fim de que essas mulheres possam adotar comportamentos favoráveis à promoção do autocuidado 17.

Traição, culpa e raiva

Sentir raiva do parceiro quando descobre que está contaminada é um sentimento relatado com freqüência. Ao ter conhecimento de que o HPV é uma doença de transmissão sexual, a mulher, que quase sempre desconfia da fidelidade do marido, vê sua suspeita confirmada. O marido, nessa fase, a faz lembrar a infidelidade, o sofrimento e a desilusão.

Entre homens casados, o respeito aparece como definidor de fidelidade, especialmente entre aqueles que dizem não ter relações extraconjugais. Respeito aparece como condição de existência do casamento 18.

Estar com HPV interfere no relacionamento de ambos, sobretudo porque produz um conflito advindo da questão "quem contaminou quem". Atualmente, o que tem chamado atenção em mulher com HPV, durante as consultas subseqüentes para a erradicação das lesões, é que sua preocupação não é somente com o impacto que o HPV pode ter em sua saúde ou em sua sexualidade, mas também com as repercussões do vírus no relacionamento afetivo com seu parceiro a partir de então. Seja esta mulher casada ou não, a preocupação maior está no fato de ela se sentir traída por seu parceiro, por ele ter sido infiel. Conforme as falas a seguir:

Senti-me traída, usada, já desconfiava que meu marido me traísse, mas depois que o peguei com outra, senti nojo...(sinceridade).

Senti culpa, raiva de mim, medo de estar com outras doenças e ter pegado do meu parceiro (coragem).

Indiferença

Este sentimento é atribuído ao desconhecimento quanto à doença ou à não-assimilação adequada do valor atribuído a esse vírus no momento do diagnóstico.

Existem vários fatores relacionados ao processo de patogênese do câncer cervical, os quais freqüentemente vêm sendo divulgados na literatura mundial, sendo o HPV, DST viral, mais freqüente na população sexualmente ativa, o principal fator causal do carcinoma escamoso cervical, comprovado pela literatura nos últimos 30 anos. O HPV foi reconhecido como principal causa de câncer cervical pela OMS em 1992 19.

Apesar das recentes estatísticas, a doença ainda é desconhecida da maioria das mulheres e da sociedade como um todo.

A sigla HPV passou a ser divulgada por alguns meios de comunicação porque alguns apresentadores de TV, famosos nacionalmente, descobriram que estavam com o vírus e passaram a difundir informações. Entre o anonimato e a fama, o destaque serviu para alertar a população para a prevenção.

Só me preocupei quando soube que esse vírus causou câncer na Ana Maria Braga (Alegria).

Repercussões no relacionamento

Diante da descoberta de que a mulher é portadora do HPV, o relacionamento conjugal, na maioria das vezes, é modificado. Essas mudanças podem interferir nas atitudes do casal ou até mesmo culminar com a separação de ambos. A análise em face dos aspectos interpessoais no relacionamento familiar diante do diagnóstico positivo de HPV levou à construção da segunda temática.

Dessa temática, emergiram as categorias:Descontinuidade da relação com mudança de atitude do casal; Separação; Sem interferência na relação conjugal.

Descontinuidade da relação com

mudança de atitude do casal

O discurso feminino é o da vítima que sofre as conseqüências do comportamento do marido: o culpado e o traidor. A relação de vítima que a mulher incorpora envolve acomodação, dependência e transferência de responsabilidade. O relacionamento do casal era, muitas vezes, baseado na confiança mútua, e saber que houve infidelidade provoca uma mudança na relação, estabelecendo-se a desconfiança.

A inculpação por haver adquirido a doença faz a cliente repensar suas atitudes diante dos fatos e requer mudança de comportamento. Essa mudança pressupõe um acordo entre os parceiros, trazendo à tona a culpa e as insinuações.

Em estudo realizado com mulheres prestes a serem submetidas à cirurgia de histerectomia, quando elas foram indagadas sobre a questão da sexualidade, a idéia principal limitou-se à prática das relações sexuais 20.

A diminuição da atividade sexual é outra conseqüência de conviver com o HPV. Embora a mulher acentue que reduzir a freqüência das relações sexuais seja mais difícil para o homem, ela se sente incomodada por tal fato, o que lhe abala profundamente, sobretudo por achar que seu casamento será ameaçado quando deixar de atendê-lo em sua demanda.

Não tenho vontade de fazer sexo (fiel). Ficou muito estanho. Não podia esconder que fui eu quem pegou essa doença (dúvida).

Do ponto de vista patriarcal, que ainda domina vários ambientes sociais, a identidade das mulheres resume-se à sua condição de reprodutoras da espécie, e o exercício de sua sexualidade somente é admitido se atrelado à realização do papel reprodutivo, em submissão ao domínio masculino, ao seu desejo 21.

As reações emocionais à descoberta das DSTs podem produzir disfunções sexuais decorrentes do rompimento de relações afetivas consideradas estáveis por mágoa de um dos parceiros, ocasionada pela desconfiança ou convicção de ter sido iludido ou traído pelo companheiro infectado 22.

Separação

Partilhar incerteza, insegurança e, principalmente, a infidelidade é correr o risco de ter uma sucessão de sofrimento, fazendo com que a mulher, diante do orgulho ferido, valorize seu ego através da separação.

Acabou, mandei ele embora de casa (cura).

Sentia vergonha dele, não sentia mais vontade nele (confiança).

A infidelidade pode ser perturbadora, desorientadora e, conseqüentemente, a mais capaz de destruir a relação, que não seja necessariamente pelo sexo, mas por causa do segredo e das mentiras que o envolvem 23.

A avaliação negativa do vínculo conjugal é sustentada pela presença de relações extraconjugais (estáveis ou eventuais), insatisfação na relação sexual, reduzida ou inexistente, e participação masculina na renda familiar 24.

Sem interferência na relação conjugal

O casamento tem por função ligar duas famílias e permitir que elas se perpetuem. É muito mais do que satisfazer o amor de duas pessoas. A constituição e a manutenção do casamento contemporâneo são muito influenciadas pelos valores do individualismo. Os ideais contemporâneos de relação conjugal enfatizam mais a autonomia e a satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles 25.

Mesmo vivendo os momentos de incerteza com muita intensidade, a consciência de amadurecimento da relação também está presente na vida de alguns casais portadores de HPV. As falas seguintes expressam essa realidade:

Ficou normal, ninguém acusou ninguém (esperança). Está do jeito que era, não tive nada, acho que ele pegou de mim, porque já tive outra pessoa antes dele. Não sei, pode ser, mas está tudo bem (alegria).

Como um processo relacional, o cotidiano conjugal é marcado por um conjunto de embates entre os membros da díade e entre esses e os filhos ou família ampliada, experienciando momentos de maior ou menor confronto26. As transformações que vêm ocorrendo em tempos de modernidade tardia impõem demandas e ansiedades aos indivíduos, para as quais é preciso buscar respostas de enfrentamento 27. Logo, cabe ao casal desenvolver estratégias para que a relação conjugal não seja desfeita e para que consiga superar as crises as quais tenham de enfrentar.

 

CONCLUSÕES

Conclui-se que as mulheres submetidas a tratamento para lesões por HPV estão informadas sobre a doença, forma de transmissão e medidas preventivas.

Esta realidade corrobora a idéia de que, atualmente, a papilomavirose humana, decorrência da sua divulgação explícita pelos diversos meios de comunicação, integra-se aos problemas de saúde pública e torna-se motivo de preocupação, não só dos profissionais de saúde, mas da população em geral.

Ficou evidente que, a mulher, ao saber que está sendo tratada de uma doença de transmissão sexual, desvelou sentimentos que interferiram no relacionamento conjugal. Esses sentimentos vivenciados pelas entrevistadas traduzem toda a angústia pela qual estão passando durante o tratamento.

Portanto, o enfermeiro deve reconhecer até que ponto esses sentimentos podem interferir no tratamento dessas mulheres, para que essas emoções não venham a acarretar danos à saúde emocional. Assim, essas mulheres poderão continuar exercendo suas atividades, além de saber se prevenir de outras DST.

 

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Recebido em 20/12/2006
Reapresentado em 06/05/2007
Aprovado em 20/05/2007

 

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