Volume 4, Número 3, Set/Dez - 2000
INTRODUÇÃO
Profissão digníssima onde prevalece a solidariedade, há ênfase à vida e à dadiva de cuidar...
Quantos momentos sagrados vivenciei na Enfermagem e isso foi ornais gratificante de tudo...
Profissão maravilhosa, de puro amor, que necessita de compaixão pelos outros e paciência...
A satisfação de poder ajudar e sentir-se útil é muito grande e compensa um agradecimento não recebido...
Minha vida não teve grandes méritos, nem deixarei historia, mas fui feliz por ter ajudado o próximo...
Foi criado o Prêmio Nobel de Enfermagem e um enfermeiro brasileiro foi contemplado...
Fui a terceira enfermeira a ocupar o cargo de Ministro da Saúde no país...
Estes são trechos de alguns textos escritos por alunos do 1° semestre do curso de graduação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, em março de 1998 e 1999.
Para tentar fazer o aluno de enfermagem sentir-se inserido na profissão desde o início de seus estudos e ao mesmo tempo ter uma visão crítica da profissão escolhida e orgulhar-se dela, já no começo de seu curso de graduação o tema História da Enfermagem é desenvolvido com algumas atividades práticas, dentro da disciplina denominada Introdução à Enfermagem, com 6 créditos e 90 horas de aulas teóricas.
Após as aulas teóricas iniciais de História da Enfermagem23, onde devem tomar contato com as origens da profissão, os alunos recebem a tarefa de entrevistar duas ou três pessoas (não profissionais de enfermagem), por eles escolhidas, para que respondam a duas perguntas bem simples: como essas pessoas consideram o enfermeiro (ou quem elas acham que é o enfermeiro! e o que acha que ele(ela) faz. Com as respostas obtidas pelos alunos, é elaborado um quadro, em ordem decrescente de frequência, para que todos os alunos possam visualizar a totalidade de respostas obtidas dos indivíduos entrevistados, para discussão em classe. Depois desse exercício, nos 20 minutos finais da última aula dentro do módulo de 12 horas da historia da enfermagem, o aluno é convidado a escrever urna carta-testamento. Tendo conhecido um pouco do passado e do presente com as entrevistas por eles realizadas, o aluno é orientado a imaginar-se estar no ano 2050, quando provavelmente já estaria aposentado como enfermeiro. Olhando o passado, ele deve tentar identificar progressos realizados pela profissão e pelos profissionais nas décadas anteriores. Que progressos teriam sido esses? Qual teria sido sua participação neles? Com esses elementos, ele deve escrever uma carta-testa-mento ao neto ou à neta (sobrinho, ou qualquer descendente que imagine vai ter) contando como ele descobriu a enfermagem e como teria participado das grandes realizações profissionais da Enfermagem da primeira metade do século XXI.
A intenção é tentar compromissar o aluno a engajar-se em atividades de uma futura liderança profissional, desenvolver a capacidade de criticar a situação e principalmente levá-lo a assumir um compromisso com a sua profissão, sentir-se responsável pelo destino da Enfermagem e concorrer para seu crescimento e sua valorização na sociedade. Uma prática desse compromisso é o desafio para que eles comecem ¡mediatamente, em suas casas, com seus familiares e parentes e no círculo de amizades a tarefa de divulgar o que é a enfermagem, para que eles se orgulhem de ter um enfermeiro na família ou como amigo.
Para a iniciação das atividade em benefício da coletividade estudantil, os alunos são incentivados a participar como representantes discentes em colegiados da Escola de Enfermagem, como a Congregação, comissões de graduação, de pesquisa, biblioteca, atividades culturais e de extensão à comunidade e, principalmente, no Centro Acadêmico. Mas, para que, como futuros profissionais possam assumir esse compromisso com a profissão, outro tema estudado dentro dessa disciplina são as entidades de classe, abrangendo a ABEn, as sociedades de especialistas, o sindicato e o conselho de enfermagem, onde se espera que eles possam desenvolver efetivamente esse trabalho em benefício da classe.
DESPERTANDO PARA A HISTÓRIA
Desde o inicio da década de 80, a História da Enfermagem passou a despertar o interesse de muitos profissionais. Observa-se por todos os lados, evidências de alta determinação não apenas para compreender, mas para preservar a memória do passado17. Não são apenas enfermeiros e líderes da enfermagem, mas também sociólogos, antropólogos, historiadores e educadores em geral que, reconhecendo a importância da interdisciplinaridade, buscam melhor conhecer e perscrutar as fontes, recursos, problemas, formas de desenvolvimento e mudanças ocorridas na profissão. Por que esse interesse ressurgiu agora?
Esse ressurgimento do interesse pela historia pode indicar que estamos todos nos esforçando por entender melhor o passado, preservar a memória e, sobretudo, encontrar as raízes de nossa identidade cultural e nacional. Temas históricos têm também captado o interesse do público em geral, o que se observa na produção das inúmeras novelas de fundo histórico, no Brasil, assim como filmes épicos ou históricos, documentários, biografias e romances históricos. Em vários países, inclusive no Brasil, há grandes investimentos em inúmeros projetos para restauração de monumentos, casas, edifícios, ruas e até cidades inteiras para serem consideradas "patrimônio histórico e cultural da humanidade", pela UNESCO, como já ocorre com Salvador, Olinda, São Luís e Ouro Preto entre outras. Para isso tem concorrido a participação dos governos, fundações, organizações internacionais e da própria população.
Na área da enfermagem, esse interesse pode estar também relacionado ao fato dessa profissão ser eminentemente feminina e aos movimentos feministas e dos direitos da mulher, especialmente a partir das décadas de 60 e 70. Mulheres passaram a se mobilizar por maior acesso à participação política, social e cultural, bem como pela recuperação da sua história. Vale lembrar que a participação ativa das mulheres na sociedade está intimamente relacionada à história da enfermagem17.
A própria criação do Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE), fundado em julho de 1899, nasceu do desmembramento do Conselho Internacional de Mulheres. Este foi idealizado em 1848, porém concretizado apenas 40 anos depois, em março de 1888, com uma conferência10 na cidade de Washington, Estados Unidos. Quando essa organização realizou sua segunda Conferência em Londres, em junho de 1899, a enfermeira inglesa, Ethel Bedford Fenwick, fundadora da Associação Britânica de Enfermeiras, em 1887, como tesoureira desse evento, constatou a participação na Conferencia de muitas mulheres que eram enfermeiras em seus respectivos países de origem, o que a animou a propor a criação de uma organização internacional, específica para enfermeiras, daí surgindo a primeira organização de profissionais da saúde no mundo, o CIE. Uma dessas enfermeiras presentes à Conferência em Londres, Grace Neil, foi também uma das líderes do movimento que deu o direito de voto à mulher, em 1893, na Nova Zelândia25, o primeiro país do mundo a reconhecer esse direito da mulher, há mais de 100 anos.
Outro ponto interessante é a constatação surpreendente de que o tema História da Enfermagem, no Brasil, resistiu praticamente incólume a todas as reformas curriculares ocorridas a partir de 1923. Como disciplinas independentes ou integradas em disciplinas maiores ou áreas temáticas, como ocorre com o currículo atual, o fato é que esse assunto constou das reformulações legais e continua na ordem do dia. Entre as matérias da primeira escola de enfermagem, criada no Hospício Nacional de Alienados, em 1890, não constava essa disciplina. Relatos da fundação de um curso de enfermagem em "moldes nightingaleanos", por enfermeiras inglesas, em 1895, no Hospital Samaritano, em São Paulo, de iniciativa particular, e do curso da Cruz Vermelha Brasileira, criado em 1916, também não mencionam essa disciplina, talvez porque seus fundadores estivessem mais preocupados com a formação técnica do profissional. A partir de 19233, esse tema passou a constar do elenco das disciplinas com o nome de "Bases históricas, éticas e sociais da enfermeira"; em 19314, chamou-se Ética e História da Enfermagem; em 19495, apenas História da Enfermagem. Com o advento de um sistema nacional de educação, em 1961, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional6, os cursos de enfermagem passaram a ser regidos pelo Parecer 271/627, cujo currículo mínimo incluía a Ética e História da Enfermagem. Ao final da década de 60, ocorreu a Reforma Universitária e foi aprovada a Resolução 4/728, mais conhecida pelo nome de Parecer 163/72 que a antecedeu. Nessa Resolução, surgiu a matéria Exercício da Enfermagem, com a inclusão da deontologia e legislação profissional, sem mencionar História, mas muitos docentes continuaram a integrar aspectos históricos da Enfermagem, mesmo sem a obrigatoriedade legal. De qualquer forma, o estudo da legislação, por sua linguagem jurídica, é muito árido para os menos iniciados e sempre haveria a necessidade de interpretar e discutir o contexto em que essas normas foram aprovadas, o que resultaria numa explanação histórica da Enfermagem. Em 1994, com a Portaria n° 1.721/949, foi fixado o atual currículo mínimo para os cursos de enfermagem, onde a História da Enfermagem é incluída explicitamente como uma das matérias da área temática Fundamentos de Enfermagem.
De fato, o ensino da História da Enfermagem sempre teve suas dificuldades sentidas pelos docentes, talvez por não ser considerada uma matéria "nobre", como as disciplinas de conteúdo assistencial que representavam a prática profissional a ser exercida futuramente pelo estudantes.
Em 197919, durante uma reunião da Sociedade de História da Enfermagem, em Londres, discutiam-se esses problemas e questionavam a utilidade dos livros-textos utilizados. Nessa forma mais ampliada para o ensino de história, sugeriam-se a análise de um leque maior de fontes, a necessidade de criar museus nacionais de história da enfermagem, com coleções de material e modelos de artefatos utilizados nos hospitais, tais como crachás, postais, azulejos ou vitrais mostrando enfermeiros em ação, quadros, depoimentos gravados, história oral, caricaturas, fotografias, filmes biográficos ou documentários. Doze anos depois20, constatavam ter progredido pouco, especialmente na criação do museu nacional, embora enfermeiros britânicos possam sempre contar com o grande acervo histórico do Museu Florence Nightingale, do Colégio Real de Enfermagem, e de sua filial escocesa, em Edimburgh. Como já mencionado, o atual Colégio Real de Enfermagem, sediado em Londres, foi fundado em 1887, por Ethel Bedford Fenwick, e é, até hoje, a entidade representativa de todos os enfermeiros britânicos.
Enfermeiros americanos, conscientes da importância e necessidade de preservar documentos históricos regionais, estão organizando coleções, como a criada na Universidade de Missouri, na cidade de Kansas16, para desenvolver a pesquisa histórica na educação e na prática da enfermagem. Acreditam mesmo que o futuro da profissão pode depender do estudo de sua história.
Entre as mais antigas obras e trabalhos produzidos por enfermeiros sobre a História da Enfermagem Brasileira, destaquem-se o de Ethel Parsons22, publicado pelo Conselho Internacional de Enfermeiras, em 1927, de Waleska Paixão21, em 1951, e Glete de Alcantara, além de sua tese1 de professora catedrática, escreveu em inglês2 para divulgar a enfermagem nacional entre os não versados no vernáculo. Outro grande marco histórico para a enfermagem brasileira foi a publicação do valioso Documentário sobre o período de 1926 a 1976, escrito por Anayde Correa de Carvalho11, para comemorar o cinqüentenário da Associação Brasileira de Enfermagem.
Historiadores e enfermeiros logo descobrem que não há respostas simples para problemas como doença, dependência, medo, dor ou ignorância e nem uma fórmula para a pesquisa histórica ou um único método histórico, embora existam regras e marcos balizadores para dar credibilidade ao estudo. De qualquer modo, se na história da enfermagem e através da História da Enfermagem, as distâncias entre historiadores acadêmicos e profissionais da prática da enfermagem assim como entre esses dois grupos e o público em geral podem ser reconhecidas, discutidas, estudadas e até interligadas, muitos problemas poderiam ser melhor compreendidos e, talvez, até solucionados18.
Na verdade, este trabalho tem por finalidade principal narrar os fatos que cercaram a criação do Centro Histérico-Cultural da Enfermagem Ibero-americana, na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Entretanto, era necessário localizar essa criação dentro de uma dimensão social e contextualização no tempo e no espaço teórico da evolução da história, em geral, e da história da enfermagem, em particular, assim como da visão pessoal e experiencial da autora.
A ESCOLA DE ENFERMAGEM DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
O papel da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), fundada em 1942, com recursos da Fundação Rockefeller, tem sido relevante desde sua fundação, pois constituiu-se em uma das principais instituições de formação e qualificação de recursos humanos de enfermagem e por ter sido um dos espaços políticos primordiais de construção da enfermagem brasileira. A sua primeira diretora, Edith de Magalhães Fraenkel, foi também a primeira presidente da ABEn, cargo ocupado por inúmeros anos e por várias vezes. A EEUSP sediou o I Congresso Brasileiro de Enfermagem, em 1947, e também o Conselho de Representantes Nacionais (CRN) do Conselho Internacional de Enfermeiras, em 1953, de onde saiu aprovado o primeiro Código Internacional de Ética de Enfermagem11. Atividades de liderança nacional da enfermagem brasileira através da Associação Brasileira de Enfermagem foram exercidas muitas vezes e por anos seguidos pelos docentes dessa Escola, não apenas na presidência como também em outros cargos de sua diretoria central.
Desde a sua fundação a EEUSP formou, de 1946 a 1999, um total de 3.139 enfermeiros em nível de graduação, tendo começado na década de 50 a receber estudantes do sexo masculino, formando-se os dois primeiros enfermeiros em 1955 e totalizando, em 1999,59 enfermeiros, portanto menos de 2% de todos os graduados. Na pós-graduação, o curso de mestrado, criado em 1973, funcionando ininterruptamente, titulou 317 mestres e, em nível de doutorado, criado em 1981, como programa interunidades, titulou 90 doutores em enfermagem em São Paulo e 114 em Ribeirão Preto. Em 1989, foi criado o doutorado da EEUSP que titulou, até dezembro de 1999, 48 doutores. Apenas no segundo semestre de 2000 (até 30.07.00) foram defendidas outras 27 dissertações de mestrado. As teses de doutorado aprovadas foram: 3 da EEUSP e 12 do programa interunidades. Conta atualmente com 321 alunos matriculados na graduação em agosto de 2000 e 319 na pós-graduação, e nos cursos de extensão universitária, em nível de especialização, 260 alunos sob a responsabilidade de um corpo docente com 81 docentes, sendo 17 assistentes, 43 doutores, 15 livre-docentes no cargo de professores associados e seis professores titulares e um corpo administrativo com 107 funcionários.
Os estudantes ingressam no curso de graduação através de um concurso vestibular concorrido, organizado pela Fundação Universitária para o Vestibular15 -FUVEST-, uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, instituída em 1976 pela Universidade de São Paulo. O Relatório de 1999, da FUVEST, revela que dentro da USP houve 13,6 candidatos por vaga no vestibular de 1999, para acesso à graduação no ano 2000, com 1.084 inscritos. Na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, o número de candidatos foi de 692, com 8,7 candidatos por vaga. Na Universidade Federal de São Paulo IUNIFESPI, houve 722 inscritos, com 9,03 candidatos por vaga, e na Universidade Federal de São Carlos, os candidatos eram 432, ou seja, 14,4 candidatos disputando uma vaga das 30 oferecidas. As demais escolas que utilizam a FUVEST oferecem 80 vagas cada.
A FUVEST fez, em 1999, pela primeira vez, um interessante estudo sobre o perfil socio económico dos vestibulandos. As classe sociais foram denominadas A1, A2, B1, B2, C, D e E usando indicadores constantes dos questionários das fichas de inscrição dos candidatos. Esses questionários são muito semelhantes àqueles típicos de agência de publicidade e "marketing". Para cada carreira foram comparadas as distribuições de classes sociais no conjunto de inscritos e de matriculados. O Relatório destaca que o fato de pertencer à classe A1 ou E nem sempre é motivo de sucesso ou insucesso. Argumentam que em alguns casos a classe D tem menor desempenho que a classe E. Em outros casos, o que predomina é a fração economicamente melhor dotada; porém, naquelas carreiras não tão valorizadas, concentram-se os provenientes de classes social e economicamente menos favorecidas. Assim, na enfermagem da USP a maioria dos matriculados (29,47%) era proveniente da classe B2. Das classes A1 e A2 eram originários 17,89%, da classe B1 (ou média alta) 17,37%. Portanto, dentre os matriculados no ano 2.000,64,73% são procedentes das classes A e B da sociedade. A classe C contou com 27,37% de matriculados e as classes D e E com 7,61%. Já os cursos de instalação mais recente que a Enfermagem, como Psicologia, Fisioterapia e Fonoaudiologia, contam com a maior parcela proveniente das classe A2 e B1, assim como ocorre com a Medicina. O material, de qualquer forma, é muito rico e demandaria estudos mais aprofundados para extrair conclusões mais definitivas.
Um estudo feito no Canadá26, em 1993, demonstrou claramente que as expectativas educacionais da mulher dependem da classe social dos pais e que a enfermagem havia se tornado a carreira aceitável para as filhas de pessoas de prole numerosa e que tinham recursos moderados.
O CENTRO HISTÓRICO-CULTURAL DA ENFERMAGEM IBERO-AMERICANA
Em 1992, para celebrar seu cinquentenário, a Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo fundou o Centro Histórico-Cultural da Enfermagem Ibero-Americana (CHCEIA), como parte das atividades comemorativas desse Jubileu de Ouro. Inicialmente, pretendia-se que a abrangência fosse apenas brasileira, mas com a existência, na época, de um Termo de Cooperação Técnico-cientifica entre a Universidade de São Paulo e o Colegio de Enfermería de Valência, Espanha, assinado em 11/09/91, foi decidida a ampliação do âmbito para a Península Ibérica. Cogitava-se também em desenvolver trabalhos em conjunto com enfermeiros da Associação Portuguesa de Enfermeiros, que já vinha promovendo eventos periódicos de pesquisa. Além disso, iniciativas haviam sido tomadas para estender-se a comunicação e o intercâmbio com outros países latino-americanos e mesmo com os da América do Norte.
O Centro Histórico-Cultural da Enfermagem Ibero-Americana (CHCEIA) tinha como perspectiva a centralização do acervo de obras literárias, artes, objetos e documentos que retratassem a evolução da Enfermagem a partir de um recorte histórico - 1942, ano de fundação da Escola. A proposta fundamental desse Centro, segundo a diretora da EEUSP na época, Professora Tamara Iwanow Cianciarullo13, era "reavaliar o passado para visualizar o futuro" e com isso divulgar trabalhos da Enfermagem, preservar seu patrimônio histórico e abrir novos caminhos para futuras pesquisas.
À época da fundação, o CHCEIA tinha entre seus objetivos principais:
constituir-se em um centro de referência de pesquisa histórica da Enfermagem Brasileira e Ibero-Americana;
recolher, armazenar e preservar obras literárias, artísticas, objetos e documentos históricos da Enfermagem em nível nacional ou internacional;
desenvolver atividades de educação extensiva à comunidade, abrangendo escolas de 1º, 2º e 3º Graus, o publico em geral e mais especificamente estudantes, docentes e profissionais da área;
estabelecer uma política cultural vinculada à recuperação da memória da Enfermagem, com apresentação de material e equipamentos, fotografias e outros objetos dentro de um programa visual em exposições fixas e itinerantes;
promover intercâmbio entre comunidades e instituições nacionais e internacionais.
Uma vez que fatos e acontecimentos são esquecidos ou perdidos com o passar do tempo, quando não estão devidamente registrados ou documentados, o CHCEIA, além de preservá-los, contribuiria para a reconstrução do histórico da EEUSP, da Enfermagem Brasileira e Ibero-Americana e para a maior valorização e respeito das tradições da Enfermagem e da própria Escola. A preferência pelo nome Centro Histórico foi decorrente de se pretender uma entidade mais dinâmica, ágil, moderna e atuante do que "museu", o que para muitos pode lembrar apenas algo estático, velho e empoeirado.
O CHCEIA está localizado no quarto pavimento da Escola de Enfermagem, onde mantém em exposição permanente os seus objetos e documentos históricos. Nas vitrines, estão expostos material e instrumental que eram utilizados nas aulas de Fundamentos de Enfermagem, a maleta da Enfermagem em Saúde Pública, os diversos modelos de uniformes das alunas, com a touca, capa, fotografias diversas, broche, medalhas e outros. Foi também reconstituído, em tamanho natural, o quarto de uma aluna, com cama, criado-mudo, cadeiras, armário embutido e lavatório, do tempo em que a Escola mantinha (e manteve até 1973) acomodação para a residência de 182 alunas, a diretora e algumas docentes.
Inicialmente, o CHCEIA ficou sob os cuidados do Departamento de Enfermagem Materno-lnfantil e Psiquiátrica, cujas docentes, Hideko Takeuchi Forcella14, liza Marlene Kuae Fukuda e Margareth Angelo, encarregaram-se de sua organização. Foi inaugurado no dia 20 de outubro de 1992. Posteriormente, uma funcionaria, técnica em museologia, que exerce também função administrativa, continuou a cuidar de seu funcionamento e atendimento de visitantes, especialmente durante as exposições temáticas, culturais e artísticas que foram realizadas. Desde sua fundação, já ocorreram 30 exposições, visitadas por 3.218 pessoas, entre alunos de universidades, professores, pesquisadores, profissionais de artes e público em geral.
Em sua nova fase, o CHCEIA conta com o apoio e incentivo da Diretora da Escola, Prof3 Emiko Yoshikawa Egry, que pretende ampliar o âmbito de ação do Centro, vinculando-o administrativamente à Diretoria da Escola, para envolver todos os quatro Departamentos nas atividades. Por outro lado, as coordenadoras do Centro Histórico haviam tomado a iniciativa de convidara docente Taka Oguisso, que havia retomado suas atividades na Escola de Enfermagem, para colaborar no Centro, dada sua experiência como docente e pesquisadora em História da Enfermagem.
Para essa nova fase, a proposta de trabalho do CHCEIA inclui:
1. Estudo e discussão sobre o papel do Centro Histérico-Cultural da Enfermagem Ibero-Americana, dentro da Escola de Enfermagem da USP, com a participação das atuais coordenadoras do Centro, da Sra. Alaide Moura de Oliveira, Diretora Técnica do Serviço de Biblioteca e Documentação, e da Drª Maria Lucia Mott, historiadora e bolsista de pós-doutorado da FAPESP, que vem colaborando nas disciplinas END 5812-História da Enfermagem e ENP Obstetriz e Enfermeira Obstétrica: evolução e perspectivas, com a Drª- Maria Alice Tsunechiro.
2. Criação de um núcleo de pesquisa em História da Enfermagem e da Obstetrícia vinculado ao Centro Histórico (em andamento) com o fim de promover o desenvolvimento da pesquisa nessas duas áreas e respectivas subáreas, no Brasil. Justifica-se a inclusão da Obstetrícia devido à longa tradição da formação de parteiras e obstetrizes em São Paulo, em curso criado, em 1912, na Maternidade de São Paulo. Posteriormente, esse curso foi transferido para o Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, da Faculdade de Medicina da USP, até que, em 1971, como con-seqüência da Reforma Universitária, foi integrado à Escola de Enfermagem12, juntamente com os seus 12 docentes. Todo o acervo histórico e documentação, datados de 1912 em diante, estão conservados na EEUSP. Além disso, existe uma tendência mundial que vem ocorrendo, principalmente a partir de, movimentos liderados por obstetrizes da Confederação Internacional de Obstetrizes, junto aos países de língua inglesa nos diversos continentes, para que a formação de obstetrizes seja distinta da formação de enfermeiros. Algumas atividades planejadas para esse núcleo seriam:
incrementar a produção acadêmica sobre História da Enfermagem e da Obstetrícia nos seus diversos ramos;
divulgar o acervo documental disponível no Centro Histórico para utilização dos alunos e pesquisadores, através da publicação de catálogos analíticos, documentários, boletins, da realização de exposições temáticas ou cronológicas e da criação de um site na Internet;
levantar documentos históricos de interesse para a Enfermagem e/ou Enfermagem Obstétrica;
contribuir para a ampliação do acervo documental do Centro Histórico (textual, imagético e oral) sobre a História da Enfermagem e da Obstetrícia em São Paulo, a partir de atividades desenvolvidas pelos alunos da pós-graduação, como, por exemplo, a realização de entrevistas com enfermeiras e obstetrizes. Vale ressaltar que essa atividade já foi incorporada às disciplinas acima mencionadas e vem sendo desenvolvida pelos alunos desde 1999;
elaborar projetos de pesquisa sobre a História da Enfermagem e da Obstetrícia, no sentido de obter financiamento junto a instituições governamentais de apoio à pesquisa e a iniciativa privada;
organizar cursos, seminários e encontros, nacionais ou internacionais, para discussão da História da Enfermagem e da Obstetrícia;
apoiar o desenvolvimento de projetos de pesquisa em História da Enfermagem e Obstetrícia além de outras áreas correlatas e divulgar seus resultados;
promover e incentivar projetos de pesquisas institucionais ou interinstitucionais sobre a História da Enfermagem e da Obstetrícia e sua divulgação e/ou publicação;
manter comunicação, intercâmbio e colaboração com entidades nacionais e internacionais ligadas à História da Enfermagem e/ou Obstetríciafobstetrizes. Nesse ponto já foram iniciados contatos com a Associação Portuguesa de Enfermeiros, que publicou, em 1997, um livro24 sobre história do ensino de enfermagem em Portugal, referente ao período 1880 a 1950, para um trabalho de pesquisa histórica em conjunto, considerando-se os pontos em comum que devem existir na Enfermagem brasileira e portuguesa.
3. Organização de um setor específico, dentro das futuras instalações da Biblioteca, para os livros e documentos históricos para que possam ser:
preservados segundo regras específicas (climatização, iluminação, armazenamento);
classificados e colocados à disposição do público para que a informação seja socializada de forma eficiente;
consultados segundo as normas estabelecidas, visando a conservação dos mesmos.
4. Criação de um site na Internet sobre História da Enfermagem, para divulgar o Centro Histórico, a produção do núcleo e os documentos sobre História da Enfermagem e da Obstetrícia existentes na EEUSP.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a era da informática, em que facilmente são apagadas no computador cartas redigidas ou recebidas, tão logo enviadas eletronicamente ou após a leitura das respostas na tela, é preocupante do ponto de vista histórico27 conhecer sobre a preservação dessas idéias e textos. Será que a história contemporânea sobre a evolução dos fatos estará tão bem documentada como foi no passado? Não existe mais o hábito de escrever diários pessoais, que serviram de base para tantos documentários importantes. Como as atuais gerações iriam conhecer a evolução da enfermagem não fossem cartas e anotações feitas pelas líderes do passado? O CIE guardava cuidadosamente as cartas trocadas por Lavinia Dock, Adelaide Nutting, Ethel Bedford Fenwick e outras lideres internacionais, inclusive de Florence, atualmente no Museu Florence Nigthingale, em Londres.
Será uma árdua tarefa para os historiadores do futuro reconstituir o enorme desenvolvimento da enfermagem na segunda metade do século XX se os líderes de hoje não deixarem bem registrada e bem preservada a memória e a história atual para a posteridade27.
Notas
trabalho apresentado na Mesa de Comunicações Coordenadas sobre Memoria e História.
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