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CAPES

Volume 2, Número 3, Set/Dez - 1998

INTRODUÇÃO

A criança2 brasileira sempre sofreu as conseqüências da política de saúde do Brasil, e até os dias de hoje está destinada a passar dificuldades no que se refere à questão de assistência à saúde. Assim, a hospitalização infantil é alvo de nosso interesse, e este estudo faz parte do projeto integrado de pesquisa "A Prática da Enfermagem nos Hospitais Pediátricos da Cidade do Rio de Janeiro na década de 70", coordenado pela Professora Doutora Isabel Cristina dos Santos Oliveira.

O objeto de estudo trata da assistência de enfermagem às crianças hospitalizadas, que necessitavam de respiradores e incubadoras, inserida no contexto histórico-social e econômico no período de 1950 a 1979, e esse recorte justifica-se na medida que a importação desses equipamentos para o Brasil foi intensificada na década de 50 e sua utilização mais difundida nos hospitais na década de 60, sendo destaque na assistência na década de 70.

Os objetivos de estudo são: descrever a utilização de incubadoras e respiradores pelas enfermeiras, e analisar a influência das incubadoras e respiradores na assistência de enfermagem à criança hospitalizada.

Esperamos que este estudo possa contribuir para a história da enfermagem pediátrica, por enfocar a influência da tecnologia na assistência à criança hospitalizada, e oferecer subsídios para o Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (NUPHEBRAS) da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ).

 

ABORDAGEM METODOLÓGICA

Trata-se de um estudo histórico com abordagem qualitativa. A pesquisa histórica procura identificar as lacunas do conhecimento do objeto e apreender as possibilidades da ocorrência dos fatos e suas conseqüências (Vieira et al. 1989).

Os dados provêm de fontes primárias escritas que correspondem aos documentos existentes no acervo das seguintes instituições: Biblioteca do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Casa Oswaldo Cruz; Centro de Documentação e Biblioteca Setorial de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Biblioteca Nacional; bem como os artigos publicados na Revista Brasileira de Enfermagem (REBEN) na década de 70.

As fontes secundárias foram obtidas a partir de livros de história do Brasil; de teses e estudos referentes à pediatria e, em particular à enfermagem pediátrica; de periódicos nacionais de enfermagem; e de livros e teses pertinentes à administração sanitária, política social, medicina e enfermagem na sociedade brasileira e sistema previdenciário.

Para analisar as fontes primárias escritas, procedeu-se à classificação temática por assunto. Conforme Ludke & André (1986), a análise dos dados obtidos é um processo que consiste em trabalhar todo o material obtido durante a pesquisa e a análise dos documentos.

 

NOVAS TECNOLOGIAS NA ASSISTÊNCIA À CRIANÇA: INCUBADORAS E RESPIRADORES.

No final da década de 20, com o aprofundamento dos estudos da fisiología do recém-nascido, passou-se a relacionar o controle da temperatura corporal com as implicações no metabolismo geral. Desta forma, iniciou-se a valorização dos mecanismos de manutenção da temperatura corpórea, evitando a hipotermia ou a hipertermia, bem como mantendo o prematuro3 em ambiente aquecido, para melhor vencer o esfriamento posterior ao nascimento, e para que mais facilmente ocorresse a estabilização da temperatura corporal em níveis normais. Estes conceitos foram introduzidos na rotina de atendimento do recém-nascido normal ou que apresentasse alguma patologia (Novaes, 1990).

Inicialmente, a temperatura era mantida através de cobertores, bolsas ou botijas de água quente, como também tijolos quentes, que eram utilizados nos meios rurais mais pobres, com atenção para serem evitadas queimaduras, sempre perigosas, às quais a pele do prematuro, por ser muito delgada, é extremamente suscetível (Toledo Neto, 1964). Além desses recursos, existiam ainda os berços aquecidos com lâmpadas de carvão e aquecedores de ambiente para manter a temperatura corporal do recém-nato, posteriormente passan-do-se a fazer uso de tendas ou incubadoras (Rocha et al., 1965).

Podemos supor que, no Brasil, as incubadoras eram utilizadas na assistência à criança na década de 30, visto que, em 1935, o berçário da Matemidade-Escola da Universidade do Brasil/Distrito Federal recebeu três novas incubadoras, graças ao auxílio prestado pelo Conselho de Curadores e pela administração do Professor Pedro Calmon, Reitor da Universidade (Centro de Documentação da EEAN/UFRJ, 1935).

Passolo (1939) ressalta a assistência aos recém-nascidos destacando o uso das incubadoras para as crianças que nasciam aos sete meses e mesmo a termo, porém "fraquíssimas", bem como apresenta duas marcas: Tarmier4 e Scheerer. O autor (p.261 ) define ainda a incubadora como:

um aparelho com calor regulado, conveniente ao seu organismo pouco resistente e do qual sairão penas para mamar e para o asseio necessário.

As incubadoras modernas -Isolete-foram elaboradas no Children's Hospital da Filadélfia, Estados Unidos, em 1938, por Charles Chapple, com a cola respiratória aguda, em pós-operatório (Silva, Oliveira e Simões, 1977).

O "pulmão de aço" teve especial importância nos casos de poliomielite, o qual dava suporte ventilatório a crianças que eram acometidas por paralisia respiratória, principalmente nas décadas de 50 e 60, quando ocorreram grandes surtos de poliomielite no Brasil, como descrito anteriormente. Esse respirador atuava por pressão aplicada externamente ao tórax (Kannebley, 1973). Na década de 70 , Higuchi, Camargo e Kazuka.(1974) ressaltam que, para esse tipo de problema, os respiradores freqüentemente usados eram o "BIRDMARK VIII" e o "BENNETT", ou seja, ciclados a pressão positiva.

Outro aspecto abordado pelos artigos publicados na REBEN refere-se aos conhecimentos técnico-científicos que as enfermeiras detinham sobre o funcionamento dos respiradores. Higichi, Camargo e Kazuka. (1974) alertam que alguns problemas foram identificados na assistência de enfermagem à criança dependente do respirador, como dificuldades na manipulação do equipamento e identificação de sinais precoces de obstrução da cánula.

Silva, Camargo e Simões (1977) ressaltam em seu estudo que o treinamento para operar aparelhos sofisticados e os cuidados com suporte ventilatório foram essenciais para melhorar a qualidade da assistência à criança hospitalizada. Assim, a necessidade de revisão dos conhecimentos e treinamento se fez necessária uma vez que a utilização dos respiradores era algo novo para as enfermeiras e para toda a equipe de enfermagem.

Desta forma, a sistematização dos cuidados e o planejamento individualizado foi vital para a assistência a crianças hospitalizadas, principalmente nas enfermarias destinadas ao tratamento de poliomielite paralítica respiratória e no pós-operatório de cirurgia cardíaca (Gomes e Oliveira, 1974).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS INCUBADORAS E RESPIRADORES: (IM)POSSIBILIDADES NA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM À CRIANÇA

O avanço tecnológico no contexto mundial teve grande impulso principalmente no início dos anos 60, ganhando dimensões significativas no Brasil no final desta década. A crescente industrialização no pôs-2ª Guerra possibilitou avanço em determinadas áreas, como a medicina, além da importação e utilização em grande escala de equipamentos sofisticados como as incubadoras e os respiradores.

No início da década de 70, a importação desses equipamentos visava uma melhor assistência às crianças mais graves, baseada numa política de saúde na qual predominava o modelo curativo em detrimento ao modelo preventivo.

Em relação às incubadoras, a principal marca utilizada era a Isolette, e foi a mais difundida em nosso meio, sendo o nome da marca incorporado à linguagem dos profissionais de saúde como sinônimo de incubadora. Nos meados da década de 30 existiam incubadoras mais simplificadas no país, porém com o avanço técnico-científico surgiram outros tipos que foram sendo aperfeiçoados ao longo das décadas de 60 e 70.

A sistematização dos cuidados diretos e indiretos de enfermagem foi de grande importância para a assistência prestada à criança nas incubadoras e nos respiradores. Desta forma, acreditamos que o aprimoramento dos conhecimentos teórico-práticos acerca desses equipamentos ocorreu a partir da prática adquirida durante a assistência à criança dependente de respiradores e incubadoras.

A introdução das incubadoras e dos respiradores gerou dificuldades no manuseio e na própria assistência de enfermagem à criança dependente desses equipamentos. Consideramos que essa dificuldade foi oriunda da falta de treinamento da equipe de enfermagem, e dos manuais técnicos dos equipamentos serem escritos no idioma inglês, já que eram importados. Porém, essas dificuldades foram contornadas com a criação de cursos de atualização e treinamento em serviço em alguns hospitais, principalmente os de São Paulo, que adotaram essa estratégia para melhorar a assistência de enfermagem aos pacientes.

Podemos concluir que, na década de 70, os respiradores e incubadoras passaram a fazer parte da rotina dos hospitais e da assistência de enfermagem. Esse fato é relevante na medida que, no final da década de 60 e início dos anos 70, foram organizadas as primeiras Unidades de Tratamento Intensivo, tendo esses equipamentos como os principais para a manutenção da vida dos pacientes, em destaque, das crianças.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BAKER, J. P. The incubator controversy: pediatricians and the origins of premature infant technology in USA, 1890 to 1910. Pediatrics. USA, v. 87,n.5,p. 654-62,1991

2. ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY. Centro de Documentação. Recorte de jomal de 1935 (Doc. n. 04, Caixa n. 45 ).

3. DOWNES, John, J. Evolução histórica, estado atual e desenvolvimento prospectivo de tratamento intensivo pediátrico. In: CARLSON, Richard W et al. Clínica de Terapia Intensiva. Tradução por André Luis de Souza Melgaço e Giuseppe Taranto. Rio de Janeiro: Interlivros, 1992. v. 1.

4. GUINA, Nilza Ferreira. Enfermagem no CTI, Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1979.

5. GOMES, A. M; OLIVEIRA, C. - Planejamento de cuidados de enfermagem em unidade de terapia intensiva. Revista Brasileira de Enfermagem,Rio de Janeiro, v. 21, n3, p. 323 - 328, jul./set. 1974.

6. HIGUCHI, Clarice; CAMARGO, Celina A; KAZUKA, Yano- Ventilação pulmonar. Alguns aspectos de enfermagem relacionados a pacientes com aparelho de respiração pulmonar. Revista Brasileira de Enfermagem, Rio de Janeiro, v.21,n. 3,p. 315 - 322,jul./set. 1974.

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8. KNOBEL, Elias et al. Condutas no paciente grave. São Paulo: Ateneu, 1994.

9. LEITE, Josete Luzia et al. Enfermagem: Unidade de Terapia Intensiva. Rio de Janeiro, 1969.

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13. NOVAES, Hillegonda Maria Dutilh. Processo de desenvolvimento tecnológico em saúde: demanda e uso de tecnologias, o consumo hospitalar no Município de São Paulo. São Paulo, 1990.

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15. ROCHA, José Martinho da et al., Pediatria e puericultura e medicina infantil: Manual para estudantes e pós-graduados. São Paulo: Procienise, 1965.

16. SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DA GUANABARA. Assistência Pública - Guanabara - 80 anos de História, 1972.

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18. TOLEDO NETO, Joaquim Floriano. Considerações clínicas sobre o recém-nascido prematuro. In: PRADO, Carlos V., MONETTI, Vicente. Manual de pediatria e puericultura. São Paulo: Governo do Estado, 1964.

19. VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em história. São Paulo:Atica, 1989. (Série Princípios).

 

1. Prêmio "A Lâmpada" concedido pelo Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (NUPHEBRS) por ocasião do 5a Pesquisando em Enfermagem/Ia Jornada de História da Enfermagem Brasileira realizado em maio de 1998. 2a lugar (menção honrosa), categoria alunos. Pesquisa desenvolvida pelas bolsistas de Iniciação Cientifica do CNPq e Graduando em Enfermagem e Obsterícia da EEAN/UFRJ, Patricia de Souza Ferreira e Simone Almeida de Senna.
2. Neste estudo, o termo criança corresponde desde o recém - nascido até o adolescente (14 anos de idade).
3. Recém - nascidos que pesam menos de 2000g, principalmente os de 1500g. (Rocha et al. 1965: 176).
4. Tarmier - obstetra da Maternidade de Paris, que instalou em 1880 a primeira incubadora (Baker, 1991).

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