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CAPES

Volume 1, Número 2, Mai/Ago - 1997

O texto, em fac-símile a seguir aborda os aspectos históricos do Serviço de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública abrangendo o período de 1922a 1930.

Considerando o volume de informações constante na publicação original dividimos o presente artigo em duas partes. A segunda parte será publicada no volume II ano (1997).

Referência: AnnaesdeEnfermagem 1932 a 1935, biblioteca setorial da Escola de Enfermagem Anna Nery.

 

Havia já bastante tempo que alguns medicos do Departamento Nacional de Saúde Pública principalmente os da Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose, sentiam que seu trabalho não alcançava o éxito desejado, por lhes faltar um élo entre os Dispensários e os lares dos doentes. Este élo almejado - indispensável em toda organização sanitária - era a enfermeira de saúde pública.

Não existindo ainda no nosso paiz profissionais preparadas para esse fim, nem escola capaz de forma-las, procurou a Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose preencher essa lacuna, criando um corpo provisório de visitadoras, praticamente instruidas pelos médicos da mesma Inspetoria, nas noções teóricas e na técnica da profilaxia da tuberculose. O preparo dessas visitadoras esteve a cargo do Inspetor da Profilaxia de Tuberculose Dr. Placido Barbosa e do seu assistente, Dr. J. P. Fontenelle, auxiliados pelos médicos da Inspetoria.

Animados de grande desejo de servir, começaram essas moças, em Janeiro de 1921, a exercer vigilancia em docilio sobre os casos contagiantes de tuberculose. Mas, embora quizessem fazer muito, faltavam-lhes os conhecimentos básicos de enfermagem, sendo por esse motivo o seu trabalho pouco produtivo.

Esse serviço, iniciado de modo assim primitivo, não podia deixar de ser puramente de emergencia, pois o Dr. Carlos Chagas, então Diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, conhecedor profundo dos resultados de um serviço técnico de enfermagem moderna de saúde pública, grande patriota e idealista, sonhava introduzir aqui, o que vira na Europa, e acompanhava com interesse nos Estados Unidos onde se encontrava naquela ocasião.

Afim de poder levar avante o seu desejo, pediu auxilio ao International Health Board, o qual, atendendo ao seu apêlo, enviou Mrs. Ethel Parsons, técnica especializada no assunto, e que aqui chegou em 2 de Setembro de 1921, com o intuito de estudar o problema da enfermagem, no Brasil e apresentar uma solução adequada.

Em poucas semanas de estudo verificou a precariedade da situação, o .povo tinha das enfermeiras, uma conceção atrazada de um século; igualava á da Inglaterra antes de Florence Nightingale, isto é, mais ou menos em 1820 época em que essa profissão era ainda de tipo servil. Poucas pessoas no Brasil conheciam e compreendiam o desenvolvimento e o progresso da enfermagem.

Foi assim que, de acordo com o Dr. Carlos Chagas, e atendendo ás necessidades prementes da ocasião, se elaborou um plano de ação, visando a solução dos dois grandes problemas que se apresentavam, a falta de um escola moderna e a deficiencia de preparo das visitadoras que se achavam em trabalho ativo.

Organizou-se assim em 1922 o Serviço de Enfermeira no Departamento Nacional de Saúde Pública de categoria igual ás Inspetorias existentes, e destinado a cooperar com elas em todos os ramos de enfermagem e á medida do seu desenvolvimento. Mas a sua creação oficial só se efetuou em 31 de Dezembro de 1923, pelo Decreto 16.300, sendo a sua séde estabelecida numa grande sala do pavilhão anexo ao próprio Departamento.

 

ESCOLA DE ENFERMEIRAS

Não existindo em todo o paiz, nem na América do Sul, uma escola capaz de preparar enfermeiras profissionais, o primeiro passo não podia deixar de ser o estabelecimento de uma escola padrão, nos moldes das mais modernas existentes nos Estados Unidos. Da eficiencia do serviço das enfemeiras, preparadas pôr esta escola, dependeria o sucesso do magnifico empreendimento.

O Hospital S. Francisco de Assis, em via de adaptação, oferecia pela variedade dos seus serviços e fins instrutivos a que se destinava, otimo campo de ação para o preparo teórico e pratico de novas profissionais, tendo sido, por esse motivo, instalada a escola, anexa a esse hospital.

O plano grandioso do estabelecimento da enfermagem técnica no Brasil, não pode-la porém ter sido levado avante sem o auxilio da benemérita Fundação Rockefeller. Por um acordo entre o Diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública e essa instituição, foi-nos enviada uma missão de enfermeiras americanas contratadas, das quais umas se destinavam a auxiliar a organização da escola, e outras chefiariam os serviços de enfermagem sanitária até poderem ser substituidas por brasileiras, especialmente preparadas para os diversos cargos.

Começou então um trabalho ativo de propaganda, afim de recrutar alunas para a escola a abrir, tendo sido calsula estabelecida desde ò im-cio, que se exigiriam, como requisitos indispensáveis á matricula, uma solida educação a par de idoneidade moral.

A luta contra os preconceitos foi grande: as moças brasileiras desconheciam a nobreza da nova profissão, que nada tem de-servil, e proporciona, além da independencia econômica, a satisfação de ser útil e a oportunidade de trabalhar pelo engrandecimento da nossa Patria!

Em Fevereiro de 1922, chegaram ao Rio de Janeiro as primeiras enfermeiras americanas, das quais duas se destinavam a dirigir a Escola e as outras aos serviços de Saúde Pública. Achava-se entre elas, Miss Louise Kenninger que foi a primeira Diretoria da Escola.

No fim do ano foi alugado um prédio inadequado, porém contiguo ao Hospital São Francisco de Assis e a título provisório, para a instalação da Escola e residencia das alunas.

Foi vencendo mil dificuldades, que o Serviço de Enfermeiras chegoú á esse ponto, pois não tendo então verba própria, procurava firmar-se á custa de auxilio das Inspetorias do Departamento Nacional de Saúde Pública.

Em 19 de Fevereiro de 1923 foi aberta finalmente a Escola de Enfermeiras, muito modestas, com 13 alunas internas. O curso era de 2 anos e 4 mêses. As alunas além de casa, comida e roupa lavada, percebiam 90$000 mensais, sendo aberta a matricula duas vezes por ano. A disciplina interna da Escola se obtinha, como ainda se obtêm, por meio de uma Associação de Alunas, baseada num principio de honra e a qual compete fiscalizar o Internato, estatuir sobre penalidades, estreitar relações, promover festas, etc. No exercício dos diversos cargos da Associação, têm as alunas ocasião de demonstrar e desenvolver as suas habilidades executivas.

Ia assim a Escola em franco progresso e em pouco tempo, excedeu a capacidade da pequena casa alugada ao lado do Hospital, tomando-se necessário procurar outra maior, sendo escolhida a da rua Valparaiso n. 40-A, com acomodações para mais 26 alunas.

Conquanto estivesse assim temporariamente Escola tolhida no seu desenvolvimento, por falta resolvido o problema da habitação, continuava a de salas de aulas e de material indispensável ao ensino.

As aulas eram dadas no porão do prédio, onde estava também a sala de demonstrações. A's lições dé bacteriologia faltava quasi sempre a parte pratica por falta de laboratorio, pois só era possível utilizar o de Hospital, nas horas em que estivesse desocupado.

Lutando contra obstáculos, vencendo dificuldades, a Missão das enfermeiras americanas não desanimava dos seus propósitos e, em 19 de Junho de 1925, teve logar a formatura da 1ª classe de enfermeiras brasileiras, em número de 16.

Como é fácil de imaginar, a Escola de Enfermeiras não podia ser completa e perfeita no inicio, por falta mesmo de pessoal habilitado, sendo essa também a razão de durar o seu curso sómente 2 anos e 4 mêses.

Tornava-se necessário proporcionar ás alunas, experiencia em doenças infecto-contagiosas, Obstetrícia e pediatria, materias básicas do curso.

Em Abril, foi organizado o Distrito de Pratica, anexo á Escola, no qual as alunas aprendem os principios básicos da enfermagem de saúde pública, tendo oportunidade para apreciar a diferença que existe entre o trabalho feito no hospital, com material adequado, e o que é feito em domicilios particulares, ofride a enfermeira tem de lançar mão do material improprio que encontra, para improvisar o indispensável, tendo ainda de resolver sósinha, as situações difíceis que se apresentam.

Em Julho de 1925, apareceu no Rio de Janeiro um sinto de variola, tendo sido feito o isolamento no Hospital Paula Candido. A pedido do Inspetor da Defesa Sanitária Marítima, foram enviadas para all uma enfermeira-chefe americana, 4 diplomadas brasileiras, algumas visitadoras e alunas da Escola. A epidemia extendeu-se até fins do ano e o Diretor do Hospital Paula Candido constatou, pelo estudo das estatísticas de epidemias anteriores durante as quais a mortalidade fôra de 50%, haver baixada a 15% a das enfermarias confiadas ás nossas enfermeiras.

Era desejo do Diretor da Marítima, que o Hospital Paula Candido continuasse como campo de experiencia para as alunas da Escola, mas as dificuldades de transporte e fiscalização eram grandes, sendo também pequeno demais o número de doentes aí recolhidos, para oferecer a variedade necessária ao estudo das doenças infecto-contagiosas.

Em Julho do mesmo ano, havendo terminado o contrato da Diretõra da Escola, foi ela substituida por Miss Loraine Geneviève Dennhardt.

Como o Hospital S. Francisco de Assis não possuisse ainda maternidade, foi mistér, para o aprendizado da enfermagem dessa especialidade, fazer com a diretoria da Pró Matre um acôrdo que facultava á Escola, tomar conta da sala departos e enfermarias de puérperas e de gestantes, desse hospital, durante os mêses de Outaibro e Novembro de 1925. Embora o estagio fôsse curto, houve ocasião para as diplomadas e alunas assistirem a 96 partos normais, 7 forceps e 10 abortos.

Em Novembro, foi substituida a pjimeira enfermeira chefe americana Miss Annika Lander, que exercicia as funções de instrutora, por - D.Edith Fraenkel que fôra enviada em 1922, pela Comissão Rockefeller aos Estados Unidos paîa aí fazer um curso completo de enfermagem.

 


Internato da escola de enfermeira Anna Nery

 

Continuava a Escola a desenvolver-se rapidamente, ganhando prestigio e bom nome. Pèa decreto 17.268 de 31 de Março de 1926 passou a chamar-se "D. Anna Nery" e desejosos de colocá-la em lugar apropriado, o Dr. Carlos Chagas, Diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública e o Dr. Affonso Penna Junior, Ministro da Justiça, procuraram obter o prédio dó ex-hotel Sete de Setembro, pertencente ao Governo, para servir de Internato. O local era ótimo, oferecendo ás alunas, depois de horas de trabalho arduo e estudo, uma mudança completa de ambiente, repouso de espirito e conforto.

Propoz a Comissão Rockefeller um acôrdo ao Governo Brasileiro, pelo qual ela se comprometia, caso fôsse concedido o prédio, a fazer-lhe as adaptações necessárias, assim como também a mandar edifcar um pavlhão para a Escola, com toda as instalações indispensáveis ao ensino pratico e teórico da enfermagem.

Cedido o prédio, inaugurava-se, a 7 de Abril de 1926, a nova residencia, com acomodações para 100 alunas, e em 28 de Setembro de 1927 instalado o pavilhão de aulas doado á Escola de Enfermeiras pela Fundação Rockefeller, com duas salas para aulas, sala de demonstrações, laboratório de física e química e bacteriologia, laboratório de dietética, sala para o ensino da enfermagem de saúde pública, salas de almoço e de repouso, etc. Sómente aqueles qué lecionaram e estudaram no começo, lutando contra mil difculdades, compreendem a significação que teve, no desenvolvimento da Escola, todo este aparelhamento moderno de ensino.

Em Agosto de 1928, havendo terminado o contrato da Diretora da Escola, foi ela substituida por Miss Bertha L. Pullen

Em Março de 1930 foi cedida para residência das enfermeiras, que trabalham em S Sebastião, uma pequena casa que acabava de ser reconstruida, próxima á Secretaria. Embora ainda inadequada, essa residência, pois ficam separadas as alunas das diplomadas por falta de espaço, -já a situação é mais satisfatória.

Faltava ainda ás alunas da Escola, experiencia em pediatria, a qual lhes foi proporcionada de fins de 1928 a principios de 1930, em quatro enfermarias e laboratorio de dietética do Abrigo Hospital Arthur Bemardes, por interferencia do Inspetor de Higiene Infantil. Tendo porém o Hospital S. Francisco de Assis resolvido abrir uma enfermaria de pediatria, para ela foram transferidas as enfermeiras e alunas do Hospital Arthur Bemardes, por oferecer esta última enfermaria maiores vantagens, pois além de receber lactentes, recebe crianças até 12 anos.

 


Pavilhão de aulas da Escola de Enfermeiras Anna Nery

 

Conjuntamente foi melhorando também a experiência de trabalho. Com o acréscimo de uma pequena enfermaria de Obstetrícia ao Hospital S. Francisco de Assis, em 1926, foi prolongado o curso para 2 anos e 8 mêses. A experiência em doenças infecto-contagiosas foi obtida no Hospital São Sebastião em 1917, no pavilhão Affonso Penna, adaptado para esse fim. Atualmente ela é feita no pavilhão Miguel Couto, já construido com todos os requisitos modernos, dos hospitais mais adiantados do mundo, graças á feliz iniciativa do professor Clementíno Fraga, quando á testa do Departamento Nacional de Saúde Pública.

Com o acréscimo dos diversos serviços, impossíveis de obtêr no inicio da Escola, foi o curso aumentado para 3 anos, oferecendo atualmente além das aulas teóricas, pratica em enfermarias de medicina, cirurgia, sala de operações, Obstetrícia, pediatria, oftalmología, otorinolaringo-logia, dietetrica e doenças infecto-contagiosas, saúde pública e ambulatórios diversos.

No dia 30 de Junho de 1931, deixou a direção da Escola de Enfermeiras, Bertha L. Pullen, última enfermeira americana que trabalhava na Divisão de Instrução do Serviço de Enfermeiras, sendo substituida por D. Rachel Haddock Lobo que voltára do curso de aperfeiçoamento nos Estados Unidos, em principios de 1930.

 

1. "Se queres conquistar o mundo, começa conquistando-te a ti mesmo". V. Pauchet
2. "Se queres obter a estima alheia, deves poder estimar-te a ti mesmo". V. Pauchet

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