Volume 11, Número 1, Jan/Mar - 2007
PESQUISA
Estresse no cotidiano acadêmico: o olhar dos alunos de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí
Stress in the academic daily: a nursing student view from the Federal University of Piauí - Brazil
Estrés en el cotidiano académico: la visión de los estudiantes de enfermería de la Universidad Federal del Piauí - Brasil
Claudete Ferreira de Souza MonteiroI; Jairo Francisco de Medeiros FreitasII; Artur Assunção Pereira RibeiroIII
IEnfermeira.Doutora em enfermagem pela EEAN. Professora adjunto da Universidade Federal do Piauí (UFPI)/Departamento de Enfermagem. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Enfemagem da UFPI. Sub-Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre a Mulher e Relações de Gênero da UFPI Teresina-PI. e-mail: claudetefmonteiro@hotmail.com.
IIAluno do 9º período do curso de enfermagem da UFPI.
IIIAluno do 9º período do curso de enfermagem da UFPI.
RESUMO
Este estudo objetivou conhecer situações geradoras de estresse vivenciadas pelos alunos do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí UFPI no âmbito acadêmico. A metodologia constou de estudo exploratório, qualitativo, com produção de dados por meio de entrevista semi-estruturada aplicada a 22 alunos.Os resultados possibilitaram a construção das categorias de análise: situações estressoras, sintomas do estresse e desempenho das atividades acadêmicas. Constatou-se que as situações de estresse estão presentes durante o transcorrer do curso, com relevâncias em determinados momentos, como o ingresso na universidade, o cursar da disciplina Farmacologia para Enfermagem e o cumprimento de carga horária semanal irregular em períodos específicos do curso. Constatou-se que os sintomas apresentados pelos alunos foram de aspectos fisiológico e emocional. Por fim, revelou-se que as situações de estresse repercutem de forma negativa no desempenho das atividades acadêmicas desenvolvidas pelos alunos.
Palavras-chave: Estresse. Programas de Graduação em Enfermagem. Ensino Superior.
ABSTRACT
This study aimed at know stress' situations lived by graduate students of nursing from Federal University of Piauí (UFPI) in the academic scope. The methodology consisted of an exploratory study, qualitative, with data collection through semistructured interview applied to 22 students. The results made possible the construction of categories of analysis: stressor situations, stress symptoms and the development of academic activities. It has been verified that stress situations are present during the course, with relevance in certain moments, such as the ingression in the university, the attending pharmacology course for nursing and irregular weekly course load in specific periods of the course. It was evidenced that the symptoms presented by the students was of physiological and emotional aspects. At last, was concluded that stress situations have a negative influence upon the development of academic activities developed by students.
Keywords: Stress. Education, Nursing, Diploma Programs.
RESUMEN
Este estudio tubo el objetivo de conocer situaciones generadoras de estrés vivenciadas por alumnos del Curso de Graduación en Enfermaría de la Universidad Federal del Piauí (UFPI) en el ámbito académico. La metodología constató de un estudio exploratorio, cualitativo, con colecta de dados basada en entrevistas semi-estructurada a 22 alumnos. Los resultados posibilitaron la construcción de categorías de análisis: situaciones de estrés, síntomas de estrés y el desempeño de las actividades académicas. Fue constatado que las situaciones de estrés están presentes durante el transcurso del curso, con relevancia en determinados momentos, tales como el ingreso en la universidad, como el curso de Farmacología para Enfermería y carga horaria semanal irregular en períodos específicos del curso. Los síntomas presentados por alumnos fueran de aspecto fisiológico y emocional. Por fin, se concluye que las situaciones de estrés repercuten de forma negativa en el desempeño de las actividades académicas desarrolladas por alumnos.
Palabras clave: Estrés. Programas de Graduación en Enfermería. Enseñanza Superior.
INTRODUÇÃO
A sociedade, nas últimas décadas, tem utilizado a palavra estresse e suas derivações de forma corriqueira e quase instintiva. Sem maiores reflexões, diferentes formas de mídia colaboram para este acontecimento, o que generaliza e simplifica os reais significados da problemática do estresse.
No transcurso da vida, em determinadas ocasiões, as pressões biopsicossociais são responsáveis por desequilíbrios na homeostase do indivíduo, prejudicando seu desempenho nas mais variadas circunstâncias. Essas pressões geradoras de estresse são vivenciadas em diversas oportunidades tanto na vida pessoal, social, profissional e, não menos diferente, durante a trajetória acadêmica.
No ambiente acadêmico, a resolução de problemas se faz imperiosa. Além disso, é sabido que os estudantes universitários passam por momentos de mudança, desenvolvimento, frustração, crescimento, temores e angústias. Assim, o ambiente que contribuiria na edificação do conhecimento e ser a base para as suas experiências de formação profissional se torna, por vezes, o desencadeador de distúrbios patológicos, quando ocorre uma exacerbação da problemática do estresse acadêmico nos estudantes.
Devido à complexidade do curso de enfermagem e o lidar com os limites humanos, o estudante desse curso freqüentemente desenvolve sentimentos de incapacidade frente às atividades exigidas durante sua formação profissional. Isto faz com que o mesmo possa desenvolver problemas advindos do estresse como baixa capacidade de concentração e memorização, favorecendo a diminuição do rendimento acadêmico e da qualidade da assistência de enfermagem durante os estágios. Como aquele que irá prestar cuidado, o estudante de enfermagem também necessita "estar sendo cuidado" e manter sua saúde física e mental em níveis adequados.
Historicamente, o termo estresse (do inglês, "stress") foi utilizado inicialmente na Física para traduzir o grau de deformidade sofrido por um material quando submetido a um esforço ou tensão. Em 1956, Hans Selye, endocrinologista americano, transpôs o significado para a Fisiologia, indicando-o como esforço de adaptação do organismo para enfrentar situações que considere ameaçadoras à sua vida e ao seu equilíbrio interno, as quais podem ser definidas como estressores.¹
O estresse é desencadeado a partir de "estressores" advindos do meio externo (como frio e calor), do ambiente social (como o trabalho insalubre) e do mundo interno (como as alegrias, os medos e angústias). Quando ocorre após o esforço em adaptação e há sensação de realização pessoal é dito eustresse. Quando porém ocorre quando há rompimento do equilíbrio biopsocossocial por uma sobrecarga ou falta de esforço, ocorrendo manifestações de doença é chamado distress. ²
Stacciarini e Tróccoli 3 expõem três formas de definição para estresse: (1) como estímulo, com o enfoque no impacto dos estressores; (2) como resposta, quando examina a tensão produzida pelos estressores; e (3) como processo, quando entendido a partir da interação entre pessoa e ambiente. Essas diferenças de abordagem têm propiciado o questionamento se o estresse é uma demanda do ambiente, uma característica do indivíduo ou uma interação entre indivíduo e o ambiente.
Neste estudo, utilizou-se a definição de estresse apontada por Molina4:18 como "qualquer situação de tensão aguda ou crônica que produz uma mudança no comportamento físico e no estado emocional do indivíduo". Exige adaptações tanto físicas quanto psicológicas, entretanto o potencial do agente estressor pode ser maior ou menor dependendo do sujeito que o sente ou percebe.
De certa maneira, a compreensão do mecanismo fisiológico de uma resposta ao estresse é necessária. Os caminhos do estresse são diversos e envolvem muitas regiões do cérebro. De acordo com Salposky5,a caracterização fisiológica da resposta estressora ocorre da seguinte maneira: (1) quando uma ameaça é percebida ocorre a ativação dos centros sensoriais, das áreas de raciocínio e da amídala (estrutura cerebral responsável por percepção e resposta ao medo); (2) a amídala libera o hormônio de controle da corticotropina (CRH), estimulando o tronco encefálico; (3) a via espinhal transmite impulsos do tronco até as glândulas adrenais ocasionando a produção de epinefrina (adrenalina) e glicocorticóides; (4) estes hormônios agem nos músculos, coração, pulmões, entre outros órgãos, para preparar o corpo para "luta" ou "fuga".
Se o estresse se torna crônico, há uma indução de uma região do cérebro chamada locus coereleus a liberar norepinefrina. Esse neurotransmissor, por fim, induz a amídala à produção de mais CRH com a concomitante reativação do sistema indutor do estresse. Ou seja, quanto mais se deixa de controlar o estresse mais este se torna evidente por conta da retroalimentação de seu mecanismo gerador, levando a uma exacerbação de sua sintomática.
Entre os sinais e sintomas que ocorrem com maior freqüência, os sintomas físicos são os mais relatados: aumento da sudorese, tensão muscular, taquicardia, hipertensão, hiperatividade, náuseas, mãos e pés frios. Em termos psicológicos, vários sintomas podem ocorrer tais como: ansiedade, tensão, angústia, insônia, alienação, dificuldades interpessoais, dúvidas quanto a si própria, preocupação excessiva, inabilidade de concentrar-se em outros assuntos que não o relacionado ao estressor, dificuldade de relaxar, ira e hipersensibilidade emotiva6.
Caso não haja uma resolutividade à situação estressora ou se nada é feito para aliviar a tensão, o organismo estará cada vez mais exaurido e sem energia. Na área física, muitos tipos de doenças podem ocorrer, dependendo da herança genética. Afecções cardiovasculares, funções imunológicas comprometidas, além de problemas como ansiedade, depressão e crises de pânico são comprometimentos que podem ter origem em situações de estresse contínuo ou não resolvido6.
É justamente na resolução ineficaz da problemática e na sobrecarga de estímulos estressores durante a formação universitária que está fundamentada a premissa de que estudantes de enfermagem estão propícios em apresentar características evidenciáveis de estresse.
O estudante de enfermagem, ao ingressar na vida acadêmica, passa por diversas situações de crises, vivenciando diversos sentimentos. Entre esses destacam a formação de um novo ciclo de amigos, adaptação a novos horários, problemas financeiros, preocupações com seu futuro mercado de trabalho, afastamento de seu ambiente familiar, as cobranças, o encontro com a dor, o sofrimento, a doença e a morte de pessoas são pontos que favorecem o desequilíbrio emocional. Todos esses fatores podem ser entendidos como estressores, desencadeando o estresse e fazendo com que o sujeito não consiga se adaptar a novas situações7.
METODOLOGIA
Diante da problemática apresentada, figura como objetivo do estudo conhecer situações geradoras de estresse advindas do cotidiano acadêmico do curso de enfermagem bacharelado, da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Trata-se de um estudo exploratório descritivo, realizado segundo a abordagem qualitativa. Os termos exploratório e descritivo são utilizados para buscar informações precisas sobre as características dos sujeitos da pesquisa, grupos, instituições e ocorrência de um determinado fenômeno8. A análise do tipo qualitativa é caracterizada como "modos de inquisição sistemática preocupada com a compreensão dos seres humanos e da natureza de suas transações consigo mesmos e com seus arredores"9:270.
O cenário de estudo foi o Departamento de Enfermagem da UFPI, Campus Ininga, situado na cidade de Teresina, PI. Os sujeitos da pesquisa foram os alunos regularmente matriculados no curso de enfermagem - bacharelado.
Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados o roteiro de entrevista, fitas cassete e gravador. A entrevista é um tipo de pesquisa em que o entrevistador faz questionamentos verbais ao sujeito da pesquisa 8.
A escolha dos sujeitos que fizeram parte da pesquisa ocorreu de forma aleatória entre os alunos, até que se estabeleceu a saturação das falas, a qual, de acordo com Polit e Hungler9, refere-se à sensação de fechamento vivenciada pelo pesquisador quando a produção de dados deixa de trazer novas informações. Os sujeitos que aceitaram participar da pesquisa foram informados dos objetivos e da preservação do seu anonimato. Após estas informações, os sujeitos ofereceram seu consentimento autorizando a divulgação de seus discursos sobre o fenômeno tanto no meio acadêmico da UFPI como em publicações cientificas da área. Para tanto assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em conformidade com a Resolução 196/96. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFPI e autorizado para a realização do estudo.
Foram realizadas leituras e re-leituras para identificar núcleos comuns nos discursos a fim de categorizá-los. A analise realizada foi, portanto, do tipo qualitativo e subsidiada no referencial teórico sobre o fenômeno estudado.
DISCUSSÃO E ANÁLISE
Foram entrevistados 22 (vinte e dois) alunos, sendo 15 (quinze) do sexo feminino e 06 (seis) do sexo masculino, os quais se encontravam na faixa etária entre 19 (dezenove) e 43 (quarenta e três) anos. Em relação ao momento no curso, 10 (dez) dos alunos se encontravam matriculados nos períodos da formação básica e 12 (doze) na fase profissionalizante.
Os resultados foram obtidos por meio das respostas apresentadas pelos sujeitos aos questionamentos sobre as situações geradoras de estresse no cotidiano acadêmico do curso. Esses resultados são analisados e discutidos em três categorias:
Situações Estressoras
Percebemos que, ao longo da graduação em enfermagem da UFPI, os alunos se defrontam com variadas situações estressoras, as quais se fazem presentes durante o transcorrer do curso. Como essas circunstâncias são notadamente deflagradas e vivenciadas desde os primeiros períodos acadêmicos, a percepção desta problemática pelos sujeitos adquire destaque.
[...] um período em especial foi o primeiro período. Era tudo novidade para mim e eu não sabia como contornar ainda a situação. (Aluno c, sexo feminino, formação profissionalizante)
[...] No terceiro período, quando a gente ia começar a disciplina de fisiologia. Todo mundo ansioso com a disciplina, por que tem laboratório, que tem aquelas práticas de trabalhar com rato, com cachorro [...] (Aluno h, sexo masculino, formação profissionalizante)
Bernik¹0 afirma que mudanças no decurso da vida, sejam elas boas ou ruins, são caracterizadas por possuir o potencial efeito de repercutir em condição de estresse. O autor exemplifica mudança com situações de casamento, nascimento de um filho, divórcio, iniciar um novo emprego, morar longe da família, entre outras.
No nosso estudo, a mudança que existe a princípio é o ingresso na universidade. O aluno inicia uma nova fase em sua vida e isso é um fato claramente caracterizado como mudança, e, portanto, é considerado como uma situação estressora. Ou seja, esta é traduzida em circunstâncias de adaptabilidade imediata como o ingresso na graduação ou o cursar de disciplinas que exijam um primeiro contato com práticas laboratoriais.
O cumprimento das atividades acadêmicas distribuídas em uma carga horária dividida em dois turnos é também apontado pelos alunos como uma situação geradora de estresse. Os períodos acadêmicos, as atividades são distribuídas ao longo da semana nos dois turnos (manhã e tarde), pois não há no curso um turno único para cursar as disciplinas, o que os alunos apontam como situação estressora durante o curso.
[...] tem dias que você assiste aula o dia inteiro, tem outros dias em que você não assiste aula de jeito nenhum. (Aluno v, sexo feminino, formação básica)
Está sendo muito corrido, está tomando muito meu tempo e eu não estou conseguindo me organizar. (Aluno g, sexo masculino, formação profissionalizante)
Eu fico época sobrecarregada e tem épocas em que passo dias até bem livres, assim, sem afazeres acadêmicos. É mais é essa inconstância. (Aluno r, sexo masculino, formação profissionalizante)
Molina4 contempla que a exacerbação no cumprimento de tarefas pelo homem no cotidiano das grandes cidades é uma das mais marcantes situações geradoras de estresse. A elevada dose diária dos mais diversos afazeres torna o homem urbano uma vítima da construção do seu próprio progresso e o estresse é então deflagrado. Em certos períodos do curso, a irregularidade dos horários destinados à realização das atividades, no transcorrer da semana, repercute de forma negativa no que é lembrado pelos alunos. Em certos momentos, há um excesso de atividades, o que ocasiona uma inabilidade de atender às demandas, gerando tensão e, por conseguinte, estresse. Outras vezes, o aluno se defronta com situações livres de afazeres acadêmicos, tornando-se confuso e inapto. E é justamente esta percepção confusa quanto à realização de suas atividades acadêmicas que resulta em sentimentos típicos de estresse nos alunos, como desgaste e sentimentos de inabilidade.
Como exposto anteriormente, encontramos que as circunstâncias estressoras estão presentes em diversas ocasiões da graduação. Contudo, em determinados períodos do curso, a situação de estresse é apontada de forma notória e mais incisiva em detrimento de outros. Há um marcante momento referido por muitos alunos: o cursar da disciplina "Farmacologia para Enfermagem", disposta no quarto período da formação acadêmica.
A situação de estresse que melhor caracteriza foi no quarto período, durante farmacologia (Aluno b, sexo feminino, formação profissionalizante)
[...] é uma disciplina bastante pesada, do curso em si, em que você tem que se dedicar muito. Praticamente ter uma dedicação bastante priorizada desta em relação às outras. (Aluno e, sexo masculino, formação profissionalizante)
Às vezes a gente tinha aula prática, tinha aula teórica e tinha prova no mesmo dia. É uma situação de estresse, ansiedad, e ficou marcado especificamente em farmacologia. (Aluno s, sexo feminino, formação profissionalizante)
De acordo com o seu plano de curso, a disciplina "Farmacologia para Enfermagem" oferece as seguintes atividades: aulas teóricas, aulas práticas (consistindo em atividade experimental com uso de drogas e animais de laboratório), grupos de discussão (discussão em grupos de temas previamente estudados), pequenos testes (avaliações compostas por pequena quantidade de questões a respeito do conteúdo de uma aula prática), seminários e avaliações teóricas. As atividades são distribuídas de tal forma no calendário acadêmico que em alguns dias há a realização de mais de uma dessas atividades.
Podemos considerar que a forma do processo educacional utilizado pela disciplina com várias atividades em um mesmo dia torna-se estressante para o aluno, conforme o depoimento do alunos.
[...] você vê que tem uma situação que está lhe prejudicando e prejudicando seu desempenho, que você poderia se sair bem melhor e você não poder fazer nada. É muita exigência e sempre aquela sensação de que não sabe o que vai acontecer se vai tirar boa nota ou não, se estuda só farmacologia ou não. (Aluno v, sexo feminino, formação básica)
Então, basicamente, fica a sensação de impotência mesmo, de ficar esperando ver o que vai dar. (Aluno n, sexo masculino, formação básica)
Acreditamos que é justamente nesta neutralidade que reside uma das gêneses do processo de estresse do aluno que cursa a disciplina de Farmacologia para Enfermagem. Além da caracterizada exacerbação no número de atividades diárias, fundamentada anteriormente como circunstância estressora, encontramos na passividade do aluno uma fonte irradiadora de estresse. Isto é defendido por Lipp 6, quando afirma que a ausência ou a redução da participação do indivíduo em eventos que compõem e influenciam diretamente na sua vida implica estresse. Estresse esse que é derivado de sentimentos de frustração e da impressão tida por parte do homem de não estar sendo o responsável, ao menos em parte, pelos acontecimentos constituintes de seu dia-a-dia.
Sintomas do Estresse
A investigação da sintomática de estresse vivenciada pelos alunos revelou uma problemática tanto de âmbito fisiológico quanto de caráter psico-emocional. No entanto, o questionamento resultou num acentuado predomínio de sintomas de ordem emocional, tendo esses características de subjetividade. Destacou-se, ainda, a demonstração por parte dos alunos de sentimentos, muitas vezes, de revolta, passividade e frustração.
Os sintomas são taquicardia, ansiedade, falta de paciência, suor nas mãos, às vezes tremor, às vezes tinha dificuldade pra falar, a voz não saía. (Aluno l, sexo feminino, fase profissionalizante).
Os sintomas foram palpitação, tremedeira e pele fria. (Aluno m, sexo feminino, fase profissionalizante).
Brunner e Suddart¹¹ relatam os mecanismos da resposta estressora, a qual é constituída inicialmente pela percepção de uma situação geradora de estresse pelo cérebro. É atribuído um significado àquela situação e há o desencadeamento de uma resposta efetuada por meio de mecanismos neuroquímicos com condução pelas vias neuroendócrinas. Ocorre primeiramente a descarga inicial do sistema nervoso simpático, a qual se dá por meio da liberação hormonal de noradrenalina e adrenalina, esta última pelas glândulas adrenais, visando aumentar a função de órgãos vitais e determinar o estado de alerta geral do organismo. A freqüência cardíaca aumenta, as pupilas dilatam, a pressão arterial eleva-se e há a constrição de vasos sanguíneos da pele e extremidades. Por conta disso, subjetivamente, o indivíduo refere sentir os pés frios, pele e mãos pegajosas, calafrios e palpitações. O indivíduo também se encontra tipicamente tenso devido ao aumento da contração muscular nas regiões do ombro e pescoço, além de apresentar respirações rápidas e superficiais. Tudo isso contribui para dificular o processo da verbalização. Ressalta-se, por fim, que esta sintomática está inter-relacionada e presente na fase inicial de uma resposta estressora, ou seja, na fase de alarme.
Em alguns depoimentos foram relatados outros sintomas mais freqüentemente relacionados às fases secundárias de resposta ao estresse.
[...] eu sentia dor de cabeça, sonolência, muita sonolência, desânimo mesmo. (Aluno t, sexo feminino, formação profissionalizante)
Me irrito bastante, dor de cabeça [...] Não me concentro mais em nada com o que eu tenho que resolver. (Aluno f, sexo masculino, formação profissionalizante)
[...] sintomas, pode-se dizer que nervosismo é um deles. Falta de concentração ocorre muito da minha parte. (Aluno e, sexo masculino, formação profissionalizante)
A fase secundária de resposta ao estresse, ou fase de resistência, de acordo com a "Síndrome da Adaptação Geral" proposta por Selye12, é caracterizada por reações de manutenção do estado de alerta. O autor afirma que o organismo busca ajustar-se continuamente à situação em que se encontra. A partir daí, ocorre a provisão de fontes de energia rapidamente metabolozáveis, ou seja, uma elevada produção e consumo de glicose. Toda essa mobilização de energia traz algumas conseqüências como cefaléia, sensação de desgaste, fraqueza, sonolência, falta de concentração e lapsos de memória. Recentes pesquisas relacionam estes últimos sintomas aos efeitos nocivos do estresse em uma das áreas do cérebro responsável pela memorização e aprendizado, o hipocampo. Sapolsky 5 aponta que a perduração do estresse aumenta a produção de glicocorticóides. Estes hormônios atuam em áreas hipocampais e possuem a propriedade de ocasionar a atrofia de neurônios e suas ramificações, implicando dificuldades de concentração e de memória.
Em outros depoimentos demonstraram problemática de ordem emocional caracterizada mais subjetivamente. O que significa dizer que muitos alunos verbalizaram sentimentos advindos da representação que as situações estressoras ofereciam a eles.. Isto é exemplificado nas seguintes falas:
[...] num momento como esse é comum o sintoma de raiva. Também de passividade. (Aluno h, sexo masculino, formação profissionalizante)
Os sintomas foram muita raiva, muito cansaço e desestímulo (Aluno i, sexo feminino, formação básica)
Muito nervosismo, irritação, falta de paciência, agressividade. Fico agressiva com as pessoas mais próximas a mim. (Aluno o, sexo feminino, formação básica)
Essa obliqüidade no conteúdo das respostas poderia ser justificada pelo fato de o estresse ser uma problemática que traz ampla repercussão no organismo humano. Lazarus e Folkman 13 defendem que o sujeito vítima de uma situação de estresse desenvolve reações de adaptação qualificadas como bem ou mal sucedidas. Perturbações orgânicas ligadas ao estresse possuem uma etapa fisiológica, a qual sabemos não ser administrada voluntariamente pelo indivíduo. Mas também existe a fase na qual estão incluídas funções cognitivas, emocionais e comportamentais que refletem em outros tipos de sensações. No processo de adaptação a uma nova circunstância, o indivíduo controla a relação com o meio a fim de manter os estados físico, psicológico e social estáveis e controlar estressores potenciais, antes que estes se tornem um risco. Ter-se-á efetividade quando o comportamento utilizado amenizar os sentimentos desconfortáveis associados às ameaças. Ocorrerá ineficácia, se a situação ameaçadora não for manejada de forma eficaz, resultando em crise. Esta, se não for resolvida, pode implicar desequilíbrios traduzidos pelos sentimentos de raiva, agressividade, passividade, cansaço e desestímulo, os quais tiveram menção nos depoimentos.
Situações Estressoras e o Desempenho das Atividades Acadêmicas
Observamos que o estresse vivenciado pelos alunos implica de forma negativa no desenvolvimento das suas atividades acadêmicas. Em suas falas, muitos alunos expuseram que a repercussão das situações estressoras conduz a problemas de ordem motivacional em relação às atividades desempenhadas durante o curso. Outra interferência relatada é o próprio desgaste advindo do estresse ao atuar como agente condutor de baixo rendimento escolar.
A primeira coisa que acontece é que você fica desmotivado. E essa desmotivação faz com que você não procure mais desempenhar as suas atividades acadêmicas com o mesmo vigor e com o mesmo afinco de antes. (Aluno a, sexo masculino, formação profissionalizante)
Até pra vir pra universidade eu vinha porque eu tinha a obrigação de querer passar, mas eu não tinha aquela vontade de assistir aula, aquela vontade de participar [...]. (Aluno i, sexo feminino, formação profissionalizante)
Eu costumo faltar às aulas. Tenho muitas faltas. Então eu vou perdendo os assuntos, vou perdendo o interesse pelo curso, pelas matérias e o desempenho vai diminuindo cada vez mais. (Aluno q, sexo feminino, formação básica)
O homem, ao enfrentar uma situação estressora, possui dois caminhos: adaptar-se positivamente ou negativamente àquela situação. A adaptação positiva aos agentes agressores representa uma situação de saúde do ponto de vista biopsicossocial. Já a doença advém de um resultado negativo oriundo da má adaptação à circunstância estressora. Somente haverá respostas positivas de adaptação quando o homem adquire sucesso no enfrentamento dos estressores. Caso contrário, sobrevém as respostas de má adaptação, o que leva o homem condições consideradas como doenças da má adaptação14.
Quando os alunos vivenciam situações estressoras com adaptação negativa ocorrem sentimentos de retração. Esta retração é por fim traduzida em sensações de apatia e falta de motivação para realização das atividades acadêmicas.
De acordo com o conceito exposto por Pereira e Fávero15, "motivação" é considerada como a inclinação para ação que tem origem em um motivo. O motivo seria uma necessidade que, ao atuar sobre o intelecto, faz a pessoa movimentar-se ou agir. Percebemos, então, que alguns alunos, após sofrerem uma má adaptação a determinada circunstância de estresse, obtêm a sensação de não "se movimentarem" ao exprimirem subjetivamente como problemática a falta de motivação. E isto possui caráter negativo no discurso destes alunos, por comprometer desfavoravelmente o desempenho das atividades acadêmicas.
Observamos que muitos alunos relacionam os danos inerentes da problemática do estresse com uma baixa produtividade de seus afazeres acadêmicos, como visto nos seguintes discursos:
O estresse em si desgasta muito e o desgaste traz o cansaço. Com o cansaço você acaba não estudando direito, você acaba não assimilando os conteúdos direito, acaba tirando nota baixa, perdendo aula [...] Acaba afetando o seu rendimento acadêmico (Aluno c sexo feminino, formação profissionalizante)
[...] era muita coisa pra fazer e que você acabava não fazendo nada direito. Então, era sobrecarga demais e eu acho que não fica bem feito. (Aluno b, sexo feminino, formação profissionalizante)
[...] quando não consigo me concentrar não consigo estudar de forma adequada e as notas tendem a não ser muito boas. (Aluno e, sexo feminino, formação básica)
É notório o efeito negativo do estresse no âmbito cognitivo do ser humano. Souza16 destaca a importância que as situações estressoras adquirem na implicação de problemas de ordem de aprendizado, raciocínio, memória e outras funções do intelecto. O autor afirma que essa relação é alvo de diversas pesquisas que buscam explicações fisiopatológicas para fundamentação de como o mecanismo de estresse conduz às dificuldades no desempenho das funções cognitivas pelo homem. Muitas dessas pesquisas apontam que hormônios e mediadores químicos específicos, quando liberados durante as crises de estresse, são os responsáveis, a médio e longo prazo, pela baixa capacidade do indivíduo de deliberar suas funções cognitivas de maneira satisfatória.
Outra explicação seria a utilização inconsciente de um mecanismo de autoproteção às demandas indesejáveis do meio, mediante o não cumprimento de determinados afazeres, como é defendido por Rodrigues 17. Sobrecarregados de afazeres, os alunos poderiam adotar como estratégia de enfrentamento a desvinculação a algumas atividades, com a finalidade de evitar sofrimentos adicionais ligados ao desgaste do estresse. Essa atitude, no entanto, é encarada negativamente como a responsável por ser prejudicial à performance no desenvolvimento das atividades acadêmicas. O estresse, por se constituir em alterações oriundas de situações novas ou de enfrentamento, exige esforço de adaptações físicas e psicológicas que pode ser negativo ou positivo para o organismo18.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o exposto, o estudo revelou o olhar dos alunos de graduação em enfermagem da UFPI a respeito da problemática do estresse por eles vivenciado no âmbito acadêmico.
Verificou-se que as situações de estresse estão presentes no transcorrer do curso de graduação. Independentemente do período de formação em que estavam matriculados, se destacaram menções por parte dos alunos de outros momentos estressores do curso, que não aqueles em que se encontravam.
O estudo apresentou que os alunos referem como ocasiões estressoras o ingresso na universidade e o cursar de determinadas disciplinas que exigem práticas laboratoriais não antes realizadas. Os alunos também apontaram como situação geradora de estresse o cumprimento de uma carga horária semanal distribuída em dois turnos.
De acordo com o observado no discurso de muitos alunos, figura como momento estressor de bastante relevância o cursar da disciplina Farmacologia para Enfermagem. Determinados alunos, mesmo matriculados em períodos finais do curso, referiam o cursar da disciplina como circunstância estressora de maior destaque no âmbito acadêmico.
Em relação à sintomática do estresse experimentada pelos alunos durante as situações estressoras, constatou-se a referência à sintomatologia clássica da fase de alarme ao estresse: taquicardia, tensão muscular, pele e extremidades frias, dentre outras. Houve também a menção da problemática relacionada às fases secundárias de resposta ao estresse, como cefaléia, sonolência, irritabilidade e dificuldade de concentração, além da citação de sentimentos subjetivos como raiva, passividade e o desestímulo.
Por fim, o estudo demonstrou a relação da problemática do estresse e o desenvolver das atividades acadêmicas. Os discursos demonstraram a repercussão negativa do estresse na realização dos afazeres do curso, ou por excesso de estímulos ou por mecanismos de proteção, traduzindo-se em quedas da performance acadêmica.
Os resultados evidenciam que os alunos vivenciam situações estressoras e que estas refletem na qualidade da sua saúde mental, deixando-os mais irritados, ansiosos, com baixa auto-estima e desestimulados.
A partir das análises, é possível indicar algumas sugestões para o fenômeno estudado, entre elas citamos a distribuição da carga horária do curso em um único turno, o que facilitaria a disponibilidade de tempo para estudar e desenvolver outras atividades, bem como favorecer mais escuta e acolhimento aos alunos para detectar situações de estresse e buscar construir juntos formas de administrá-las.
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Recebido em 26/09/2006
Reapresentado em 22/12/2006
Aprovado em 09/01/2007