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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 21, Número 1, Jan/Mar - 2017



DOI: 10.5935/1414-8145.20170024

PESQUISA

Acupuntura na hipertensão arterial sistêmica e suas contribuições sobre diagnósticos de enfermagem

Raphael Dias de Mello Pereira 1
Neide Aparecida Titonelli Alvim 1
Claudia Dayube Pereira 2
Saint Clair Gomes 2


1 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2 Instituto Fernandes Figueira - Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Recebido em 06/09/2016
Aprovado em 18/01/2017

Autor correspondente:
Raphael Dias de Mello Pereira
E-mail: rdias_46@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: Realizar uma análise reflexiva sobre o conhecimento produzido acerca da utilização da acupuntura como tratamento complementar à saúde de pessoas com hipertensão; e discutir as contribuições da acupuntura sobre diagnósticos de enfermagem em pessoas com hipertensão e suas implicações à prática do enfermeiro.
MÉTODOS: Reflexão teórica a partir de revisão integrativa da literatura sobre a temática nos últimos cinco anos.
RESULTADOS: Os achados foram organizados e discutidos em duas categorias que apresentam as principais evidências da prática como tratamento complementar à saúde de pessoas hipertensas e suas contribuições para o cuidado a partir da intervenção sobre diagnósticos de enfermagem.
CONCLUSÃO: Existem evidências que apontam o potencial da acupuntura no tratamento complementar de saúde indicando possiblidade de sua inserção no cuidado de enfermagem a pessoas hipertensas.


Palavras-chave: Hipertensão; Terapia por Acupuntura; Enfermagem; Diagnóstico de Enfermagem

INTRODUÇÃO

No século passado, as doenças infecciosas eram as que mais causavam mortes prematuras em todo mundo. Na atualidade, com o desenvolvimento tecnológico e com a melhoria nas condições socioeconômicas e culturais experienciadas pelas sociedades modernas, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) se constituem em principal causa de mortalidade mundial, com destaque especial para as cardiovasculares.1,2

Dentre essas, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é considerada um dos principais fatores de risco modificáveis e um dos mais importantes problemas de saúde pública no Brasil e no mundo.3,4 Trata-se de condição clínica multifatorial caracterizada pela elevação sustentada dos níveis da pressão arterial (PA) acima de 140mmHg na pressão arterial sistólica (PAS) e 90 mmHg na diastólica (PAD), que possui alta prevalência e baixas taxas de controle. É apontada como fator de risco precursor e potencial das doenças cardiovasculares (DCV) que nos últimos 10 anos representaram 30% (aproximadamente 17 milhões) de todas as causas de morte e até 50% da mortalidade do conjunto das DCNT.2-4

Reter o avanço das DCNT é um grande desafio para os sistemas de saúde no Brasil e no mundo. Organismos internacionais estimam que a carga global das perdas econômicas por DCNT, entre 2011 e 2030, é estimada em até 47 trilhões de dólares, o equivalente a 5% do produto global bruto no período considerado.2 Dado seu impacto epidemiológico e socioeconômico, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem fomentando o desenvolvimento de tecnologias de intervenção que auxiliem na sua prevenção, combate e controle.5

Em todo o mundo, desde a década de 1970, vários projetos de intervenção populacional foram desenvolvidos com o objetivo de promover mudanças comportamentais que reduzissem fatores de risco para as DCNT, porém, atualmente, há uma carência de novos projetos e estratégias de grande impacto e de abrangência populacional para o controle e enfrentamento dessas doenças.5

Nesse cenário, as medicinais tradicionais (MT) também denominadas de medicinas alternativas e complementares (MAC) ou práticas integrativas e complementares de saúde (PICS) vêm sendo recomendadas pela OMS para utilização em sistemas de saúde de todo o mundo a fim de ampliar as opções terapêuticas de complemento ao tratamento convencional.6 As MAC/PICS respondem por cerca de 80% das intervenções de cuidado das populações da África e 40% do cuidado no sistema da saúde chinês. Em países latino-americanos, como a Colômbia e Chile, há dados indicativos de sua procura e uso pela população em cerca de 40 a 70%.6

No Brasil, as linhas de cuidado e estratégias de prevenção e tratamento das DCNT foram ampliadas na última década propiciadas pela expansão da atenção primária à saúde, em especial pela estratégia de saúde da família e dos núcleos de apoio à saúde da família, com a incorporação de práticas condizentes com o cuidado integral, corpo - mente - espírito.1,7

As MAC/PICS vêm ganhando espaço no Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PNPICS) implantada no ano de 2006, com o objetivo de fomentar o uso das PICS na prevenção de agravos, promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção básica. De natureza continuada, humanizada e integralizada, situam-se como estratégia recomendada nas principais linhas de cuidado do Ministério da Saúde (MS) brasileiro, a exemplo do cuidado à pessoa com doenças crônicas, saúde da criança e apoio à saúde da família.1,7,8 Dentre essas, se destacam a medicina tradicional chinesa/acupuntura (MTC/AP), a fitoterapia, a meditação, a yoga e outras práticas corporais oriundas da MT/MAC.6,7

A acupuntura (AP) em suas diversas modalidades dispõe de competências específicas e diferenciadas da medicina convencional no cuidado à pessoa com DCNT, tanto na prevenção quanto no tratamento. Com seu caráter abrangente e multidisciplinar, objetiva a complementariedade dos sistemas de tratamento ortodoxos vigentes, com a inserção de protocolos terapêuticos integrais que visam o bem-estar e à saúde do indivíduo.9,10

Consiste em sua forma tradicional na inserção de agulhas metálicas em determinados pontos do corpo, denominados de acupontos ou pontos de acupuntura. Pode também ser desenvolvida por meio da incorporação de tecnologias associadas à técnica tradicional, como na aplicação de estimulação elétrica (eletroacupuntura) ou emprego de laser de baixa intensidade (laseracupuntura), ambas com resultados comprovados em estudos e pesquisas.11

Diferente das intervenções em saúde alinhadas ao modelo biomédico que se alicerça na concepção fragmentada e reducionista do ser humano, na abordagem técnica da saúde e no tratamento da doença, a AP centra sua atenção no usuário. O foco está no indivíduo e nas respostas humanas que serão desencadeadas em face do processo de adoecimento, fato que encontra relações com o cuidado de enfermagem e seus fundamentos teórico-filosóficos.9,10,12

Isto, porque a enfermagem atua no alívio do sofrimento por meio do diagnóstico de enfermagem (DE) e tratamento das respostas humanas reais e/ou potenciais, de indivíduos, famílias, comunidades e populações.13 O ser humano é um todo unificado, em constante troca de matéria e energia com ambiente, que possui integridade individual e características manifestas que são mais do que a soma de suas partes, expressas em padrões de vida resultantes de eventos de sua interação com o ambiente no momento atual e precedente.14

Assim, o deslocamento do olhar da doença para a pessoa concebida na sua inteireza, amplia a perspectiva de atenção à saúde e a noção de corresponsabilidade sobre as ações que envolvem o processo saúde-adoecimento.10,15

Tendo em conta que a AP é uma tecnologia aplicada ao tratamento das DCNT ainda pouco explorada no âmbito da terapêutica de enfermagem, faz-se oportuno conhecer os estudos científicos que vem sendo produzidos sobre a eficácia da AP, especialmente, aplicada ao cuidado de pessoas com HAS. Os objetivos são: realizar uma análise reflexiva sobre o conhecimento produzido acerca da utilização da acupuntura como tratamento complementar à saúde de pessoas com HAS; e discutir as contribuições da acupuntura sobre DE em pessoas com HAS e suas implicações à prática do enfermeiro.

METÓDOS

Caracteriza-se por uma reflexão a partir de uma revisão integrativa da literatura sobre o emprego da AP como tratamento complementar à saúde de pessoas com HAS. O desenvolvimento da metodologia se deu por meio das seguintes etapas: criação da questão norteadora para a pesquisa; delimitação de critérios de inclusão e exclusão; escolha das bases de dados e busca das produções científicas afetas ao tema; análise das informações contidas nos estudos selecionados; exposição dos resultados e síntese da revisão. A questão norteadora do estudo foi a seguinte: Que evidências vêm sendo produzidas sobre a acupuntura como terapia complementar de saúde para o cuidado de pessoas com HAS?

A busca foi realizada no período entre novembro e dezembro de 2015, na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) através das seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados de Enfermagem (BDENF) e Medical Literature Analysisand Retrieval System Online (MEDLINE), por meio dos descritores: "Acupuntura", "Hipertensão". Como estratégia de busca foi aplicado o operador boleano [AND] entre os descritores, resultando na seguinte estratégia: ["Acupuntura AND Hipertensão"].

Para sistematizar o processo de investigação proposto e seleção dos estudos para análise, estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: ser resultado de um estudo científico e estar publicado em forma de artigos, dissertações e/ou teses; estar nos idiomas português, espanhol ou inglês; ter sido publicado entre os anos de 2010 e 2015; estar disponível para acesso eletrônico; referir-se à utilização da AP sistêmica com ou sem agulhas (laseracupuntura) como terapia complementar ao tratamento convencional de pessoas com HAS.

Como critérios de exclusão foram adotados: produções publicadas na forma de resenhas, informes, cartas ao editor e trabalhos de conclusão de curso; referir-se às formas de desenvolvimento da AP que divirja da modalidade sistêmica, como a auriculoacupuntura e a crânioacupuntura; não ter como foco a atenção à saúde de pessoas HAS.

Após a seleção, realizou-se análise por pares, enfermeiros pesquisadores especialistas em AP, com ampla leitura dos estudos identificados, aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão por cada pesquisador envolvido, confrontando, em seguida, os resultados obtidos. Todos os estudos selecionados foram mantidos como participantes da revisão. Na sequência, efetuou-se a análise crítica e detalhada de modo a responder à questão norteadora e a estabelecer relações com o cuidado de enfermagem. Essa análise gerou a categorização temática dos dados, a partir da organização e sumarização de informações-chave em relação à temática proposta.

RESULTADOS

Foram identificados 228 estudos sobre os quais se aplicaram os filtros idioma e ano de publicação a fim de atender os critérios estabelecidos, resultando em 16 estudos. Após ampla leitura e aplicação dos demais critérios de inclusão e exclusão restaram 06 selecionados. Os estudos da revisão foram organizados em um quadro único (Quadro 1) que apresenta o título da obra, autor(es), tipo de publicação, idioma, identificador, local e ano de publicação, descrição sintética, resultados e nível de evidência atribuível segundo a Classificação do Oxford Centre for Evidence-Based Medicine.16

Quadro 1. Síntese de estudos selecionados para a revisão
Título Autor Tipo de publicação/Idioma/Identificador Local/Ano de publicação Descrição/Resultados Nível de Evidência
Acupuncture for Essential Hypertension: A Meta-Analysis of Randomized Sham-Controlled Clinical Trials Li DZ, Zhou Y, Yang YN, Ma YT, Li XM, Yu J, Zhao Y, Zhai H, Lao L. Artigo/Inglês/DOI: 10.1155/2014/279478 Evidence Based Complementary and Alternative Medicine/2014 Revisão sistemática com meta-análise de 4 Ensaios clínicos randomizados (ECR) envolvendo 386 pessoas hipertensas. Concluiu-se que a AP reduz significativamente a PA quando associada ao uso de medicamentos anti-hipertensivos. 1A
Acupuncture for essential hypertension Wang J, Xion X, Liu, W. Artigo/Inglês ISSN: 0167-5273 International Journal of cardiology/2013 Revisão sistemática com meta-análise de 35 ECR envolvendo 2539 pacientes. Evidenciou-se que a AP pode contribuir na redução da PA sistólica e diastólica de pacientes hipertensos. 1A
The Effect of Acupuncture on High Blood Pressure of Patients Using Antihypertensive Drugs Cevik C, Iseri SO. Artigo/Inglês/ISSN: 0360-1293 Acupuncture Electro-therapeutics Research/2013 ECR envolvendo 34 pacientes com hipertensão arterial em tratamento medicamentoso usando de 1 a 3 drogas anti-hipertensivas de grupos farmacológicos heterogêneos, variando de inibidores da ECA, diuréticos e betabloqueadores há mais de 24 meses. O grupo analisado apresentou resultados positivos diante intervenção com AP com significativa diminuição da PA sistólica e diastólica. 1B
The effects of acupuncture on the levels of blood pressure and nitric oxide in hypertensive patients Severcan C, Cevik C, Acar HV, Sivri AB, Mit SS, Geçioglu E, Pasaoglu OT, Gündüztepe Y. Artigo/Inglês/ISSN 03601293 Acupuncture Electro-therapeutics Research/2012 Estudo quase experimental, desenvolvido na Medical School of Gazi University, em Ankara/Turquia, com 32 hipertensos entre 32-65 anos associando AP ao tratamento convencional durante dez semanas. O grupo analisado apresentou resultados com diminuição da pressão arterial sistólica e diastólica. 2B
Can acupuncture affect the circadian rhythm of blood pressure? A randomized, double-blind, controlled trial Kim HM, Cho SY, Park SU, Sohn IS, Jung WS, Moon SK, Park JM, Ko CN, Cho KH. Artigo/Inglês/ISSN:1075-5535 Journal Of Alternative And Complementary Medicine/2012 ECR desenvolvido na Coréia, com 32 pessoas hipertensas de 18 a 70 anos. A melhor resposta da aplicação da AP na diminuição da PA foi observada na PA diastólica, sobretudo no período noturno. A PA sistólica também reduziu, porém, com menor significância. 1B
Acupuncture for essential hypertension. Kim LW, Zhu J. Artigo/Inglês/ISSN: 1075-5535 Journal Of Alternative And Complementary Medicine/2010 ECR com 15 hipertensos que foram submetidos à acupuntura. Os resultados revelaram que a AP melhorou a disfunção endotelial de pacientes hipertensos, reduzindo os níveis da PA sistólica e diastólica. 1B
Quadro 1. Síntese de estudos selecionados para a revisão

DISCUSSÃO

À luz dos estudos analisados, constatou-se que a AP desenvolvida nas suas diversas modalidades e protocolos não se constitui como terapêutica isolada com a finalidade de substituir determinada terapia em função de seu potencial de eficácia. O resultado dessa análise reafirma o objetivo da AP centrado no restabelecimento das funções de harmonia do corpo pelas quais se estimulará uma adequada resposta para a recuperação e/ou a manutenção da saúde, não estando, deste modo, focado na cura da doença.

A análise das produções inseridas na revisão permitiu identificar o potencial terapêutico da AP como terapia complementar de saúde a pessoas com HAS, bem como suas possíveis contribuições para o cuidado a partir da intervenção sobre DE.

Assim, a reflexão teórica ora proposta se dividiu em duas categorias temáticas discutidas a seguir.

Acupuntura em pessoas com hipertensão arterial: principais evidências

A redução da pressão arterial foi observada em todos os estudos analisados.17-23 Os métodos experimentais ou quase-experimentais utilizando agulhas metálicas foram os mais empregados, apresentando boa validade interna e controle de variáveis de acordo com os padrões de recomendação universal para estudos clínicos, o que possibilita inferir à luz das evidências que a AP se constitui em tecnologia eficaz de intervenção em saúde aplicada ao cuidado de pessoas com HAS.17-24

De acordo com as concepções teórico-filosóficas da MTC/AP o corpo é um campo de contínua movimentação de energia denominado de Qi, que circula entre os tecidos, músculos, órgãos e vísceras, através de canais energéticos denominados de meridianos, onde se localizam os acupuntos. As agulhas metálicas ao penetrarem na pele por meio dos acupontos mobilizam o Qi e regularizam seu fluxo pelo corpo objetivando equilibrá-lo, de modo que as manifestações de seu desequilíbrio, expressas pelos sinais e sintomas presentes no padrão de desarmonia, sejam regularizadas ou sanadas.11,12

Do ponto de vista da biomedicina, a inserção das agulhas metálicas nos acupontos pode ser capaz de promover a liberação de substâncias endógenas e neuroquímicas, ativando respostas imunológicas e inflamatórias que resultam na melhora de sinais e sintomas.25 Independente de as diferentes concepções próprias dos modelos que as instruem, observa-se um ponto de concordância: a AP por meio da estimulação do corpo pelos acupontos promove a melhora da saúde por meio da estimulação da autocura, que no caso da HAS se expressa pela redução dos níveis tensóricos da PAS e PAD.11,12,25

Assim, é possível que a melhora da HAS se dê através da regulação do fluxo de Qi nos meridianos, auxiliando no equilíbrio entre o yin e o yang no organismo (paradigma da MTC/AP), que pode corresponder à liberação de substâncias endógenas ou neuroquímicas (paradigma biomédico). Entretanto, não foram encontrados registros de estudos clínicos que abordem o isolamento dessas substâncias de maneira a responder quais são, como agem e a durabilidade de seus efeitos.

A redução da PA e seu controle efetivo favorece a minimização de riscos e comorbidades associados a DCV sobretudo nas pessoas hipertensas não diabéticas e sem doença renal em atividade.3,4,26 Cabe considerar que a utilização de técnicas de simulação e/ou placebo nos estudos analisados não favoreceram a redução da pressão arterial. As reduções mais significativas foram observadas nos participantes expostos à AP associada à tecnologia medicamentosa, quando comparados àqueles que receberam somente medicamentos ou AP.17-19,22,23 Isto possibilita a compreensão de que a AP quando empregada em complemento ao tratamento convencional pode produzir resultados mais satisfatórios.

O mesmo fato pôde ser observado nos ensaios clínicos randomizados (ECR) empregando a AP através da técnica laseracupuntura,23 em que se destaca estudo realizado por enfermeiros com resultados significativos sobre a PA e DE em pessoas hipertensas.24

Não foram percebidos comprometimentos ou prejuízos no potencial de ação da técnica da laser-acupuntura quando comparada às respostas de eficácia encontradas em investigações que empregaram agulhas metálicas ou associação de agulha e eletroterapia.23,24 Entretanto, não foram localizados estudos que tenham utilizado as três modalidades de intervenção de modo a que se pudesse proceder a comparação de eficácia entre as técnicas.

Os estudos de revisão sistemática com meta-análise que fizeram parte desta reflexão também evidenciaram intervalos de confiança estatisticamente significantes, no entanto a heterogeneidade metodológica e clínica dos estudos analisados resultou em medidas de inconsistência muito variantes, de percentis muito baixos a altos, aspectos estes pontuados como limitações dessas pesquisas.17,23

Acredita-se que tal variação tenha sido influenciada pela perda de segmento referida nos ECR. Em alguns estudos a perda maior estava presente no grupo placebo, podendo-se inferir que na medida em que os participantes não percebiam melhora de sua condição de saúde-doença, a exemplo da diminuição da pressão arterial, desistiam de participar do estudo, deixando de comparecer às sessões do experimento. Outras relevantes limitações estão na utilização do placebo e na adoção de protocolos padrões, necessários para o desenvolvimento dos ECR.

A liberação do Qi pode ser percebida pelo usuário durante a manipulação quando refere sensação de agulhamento, classificada pela MTC/AP como Hebiqi ou De Qi, manifestada pela sensação de choque ou peso, leveza, formigamento, calor e frio. Essa sensação, geralmente, ocorre próxima do local da punção, podendo propagar-se no trajeto do meridiano e nas regiões adjacentes.12,27 O Hebiqi também pode ser percebido pelo acupunturista durante a acupunção por meio da sensação de aperto, como se a agulha fosse puxada ou empurrada para fora; pela observação de pequenos espasmos musculares ao redor dos acupontos; ou, ainda, pela retenção da agulha, sendo necessária a realização de manobras para a liberação da mesma.12

Esses aspectos dificultam o emprego de agulhas metálicas em pesquisas clínicas (ou estudos de eficácia), sobretudo as de maior nível de evidência, como os ECR, que necessitam de cegamento e procedimentos sham (simulados) e/ou placebo. Isto, porque, tanto o participante quanto o acupunturista poderão ser capazes de reconhecer a ocorrência ou não do Hebiqi, e, nesse caso, se a área de punção é ou não um acuponto, comprometendo a confiabilidade da investigação.

Fato semelhante ocorre na utilização de protocolos padrões na pesquisa, pois a MTC/AP se funda nos princípios de integralidade e holismo, considerando que cada pessoa pode apresentar necessidades diferentes, ainda que a manifestação base seja comum. Logo, a adoção destes protocolos na dependência das concepções teóricas adotadas para sua construção, pode atender as diretrizes do paradigma biomédico, mas divergir das bases filosóficas que fundamentam a MTC/AP. Em alguns estudos analisados, percebeu-se a preocupação com esses aspectos, tendo os pesquisadores se empenhado na descrição da manifestação da HAS à luz da MTC/AP para fundamentarem a escolha e construção dos protocolos.18,20,24

A AP, assim como outras PICS que abordam a perspectiva do cuidado preconizado pelo SUS, não objetivam agir em substituição a outras modalidades terapêuticas, e sim, atuarem como de forma complementar à tecnologia medicamentosa no cuidado à saúde.7,11 Dessa feita, a AP é indicada como tratamento complementar na HAS, ainda que sejam necessários outros estudos de eficácia clínica sobre sua aplicação na saúde humana, sobretudo, voltados às DCNT.

Acupuntura sobre DE em pessoas com HAS e suas contribuições para o cuidado

As evidências das investigações, objeto da presente análise, revelam que os desdobramentos da AP na HAS não se limitam às medidas da PA. Além de reduzir os níveis tensóricos da PAS e PAD, a AP contribui com a melhora de eventos relacionados à progressão da clínica da doença, como a insônia, níveis elevados de estresse e ansiedade. Esses eventos quando investigados e identificados por enfermeiros no âmbito do processo de enfermagem, podem ser compreendidos como respostas humanas afetadas, sobre as quais os enfermeiros são responsáveis por intervir.13

Embora a utilização da AP como tecnologia de intervenção sobre DE seja apontada em alguns estudos como possibilidade terapêutica, ainda são incipientes estudos de eficácia e práticas baseadas em evidências.9,11,28,29

ECR desenvolvido por enfermeiros brasileiros aplicando AP na modalidade laser-acupuntura no cuidado às pessoas com HAS revelou efeitos significativos sobre os DE ansiedade, campo de energia perturbado, intolerância à atividade, fadiga, insônia, dor crônica e aguda, nutrição desequilibrada e controle ineficaz da saúde.24

Esses tipo de estudo, ao apontar evidências clínicas sobre DE pode fortalecer o emprego da AP no âmbito do cuidado praticado por enfermeiros acupunturistas e ainda servir de base de evidência para indicação por enfermeiros generalistas e de outras especialidades em seu plano de cuidados, particularmente, no interesse desta reflexão, voltadas às pessoas com HAS.

No entanto, sabe-se que ainda que a AP se constitua como possibilidade terapêutica amparada legalmente pelos dispositivos regulamentadores da profissão de enfermagem, sua utilização como tecnologia aplicada ao cuidado está diretamente relacionada à visão paradigmática constituída em torno da práxis dos enfermeiros e das concepções teóricas e filosóficas que a sustentam.28,29

O mesmo ocorre para a utilização de diversos tipos de PICS de no cuidado. Embora seja notória a busca crescente por parte da população e dos profissionais de saúde pelas PICS, a ocupação desses espaços pelo enfermeiro na prestação dos cuidados é parcimoniosa face aos fatores que influenciam o seu avanço no setor saúde. Com exceção da AP, regulamentada pela Resolução COFEN 326/2008 o emprego das demais PICS no cuidado carece de regulamentação específica, tendo em vista que a Resolução COFEN 0500/2015 retirou o reconhecimento das PCICS como especialidade e/ou qualificação do profissional de enfermagem antes garantida pela Resolução COFEN 197/97.30

Dentre os demais fatores que convergem para essa situação está a pouca visibilidade das PICS nos cursos de graduação em enfermagem, com escassas discussões teóricas e práticas acerca dos limites e possibilidades que se apresentam à sua inserção no cuidado. Ademais, a resistência de sistemas e instituições de saúde à sua adoção, cuja visão filosófica, política e social fortemente arraigada no modelo da biomedicina, dominante na saúde, resulta em pouca flexibilidade à utilização das PICS.28,29

Tais aspectos corroboram o desconhecimento ou desinteresse de alguns profissionais pelas PICS e sustentam a defesa de interesses classistas pela medicalização. Oportuno considerar o caráter inclusivo das PICS destacado na Portaria 971 do Ministério da Saúde. Apesar disso, a categoria médica protagoniza um embate com os demais profissionais de saúde e os conselhos que os representam, no sentido de assegurar especialmente a AP como prática exclusiva médica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A redução da PA em pessoas com HAS que fizeram uso da AP de forma complementar à tecnologia medicamentosa foi verificada em todos os estudos analisados, o que permite inferir que há evidências que demonstram o seu potencial de eficácia. Independente de os resultados apresentados, deve-se levar em conta que o desenvolvimento de estudos quase experimentais e experimentais empregando a AP é metodologicamente complexo de ser construído.

Os métodos adotados para cegamento bem como o emprego do placebo dificultam todo o processo e, por vezes, geram vieses importantes. Sobretudo, se ao analisar os desenhos metodológicos e a forma de controle empregado o analista não levar em consideração as características teóricas e filosóficas sobre as quais se sustentam a AP e seu emprego enquanto intervenção terapêutica. É possível que, por esse fato, se tenha observado nos estudos analisados algumas limitações e inconsistências metodológicas, incluindo os de metanálise. Nesse sentido, para uma análise mais aprofundada, faz-se necessário o diálogo com expertises da área da AP a fim de que estes contribuam com a compreensão da totalidade, apontando aspectos peculiares desta prática.

No tocante à aplicação da AP como intervenção terapêutica de enfermagem, verifica-se sua eficácia sobre DE. É verossímil que esse evento possa contribuir, dentre outros aspectos, com a adesão ao tratamento medicamentoso e as mudanças no estilo de vida das pessoas com HAS, podendo a AP ser indicada por enfermeiros em seus respectivos planos de cuidados durante as consultas de enfermagem.

Espera-se que as reflexões levantadas possam suscitar um olhar mais criterioso sobre as relações do cuidado de enfermagem e a AP, sobretudo, gerando o interesse por investigações que aludam sua contribuição efetiva ao campo da ciência e da prática da enfermagem, agindo sobre os DE. Para tanto, é essencial a aplicação de metodologias arrojadas que permitam o uso seguro e eficaz da AP na saúde das pessoas, incluindo àquelas com HAS.

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