Volume 10, Número 3, Jul/Set - 2006
REVISÃO CRÍTICA
A resiliência como objeto de investigação na enfermagem e em outras áreas: uma revisão
Resilience as subject for investigation in nursing and in other areas: a revision
La resiliencia como objeto de investigación en la enfermería y en otras areas: una revisión
Denise de Assis Corrêa SóriaI; Ivis Emília de Oliveira SouzaII; Marléa Chagas MoreiraIII; Deyse Conceição SantoroIV; Maria de Fátima Batalha de MenezesV
IProfª Adjunta da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto-UNIRIO; Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ (Núcleo de Pesquisa em Enfermagem Hospitalar).
IIProfª Adjunta e Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ.
IIIProfª Adjunta e Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ.
IVEnfermeira do INCA/RJ, Hosp. do Câncer I Educação Continuada. Doutora em Enfermagem
VProfª Adjunta e Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ
RESUMO
Estudo descritivo quantiqualitativo na modalidade de revisão sistemática em bases de dados, tendo, como descritores, Resiliência e Enfermagem. Os dados foram caracterizados pela freqüência em cada área de conhecimento. Objetivamos buscar, no catálogo do CEPEN e nas bases eletrônicas de dados BDENF, LILACS, MEDLINE, SCIELO, a resiliência como temática nas produções da Enfermagem, entre janeiro de 1993 e maio de 2004. A incidência foi encontrada nas Ciências Sociais. No MEDLINE, a maior concentração deu-se na Saúde Mental. No BDENF, sua abordagem é escassa. No SCIELO, a Psicologia concentrou os estudos sobre o tema. Dos 122 estudos analisados, a resiliência foi objeto em 6% do total dos estudos. Verificamos uma lacuna na utilização do conceito na área da Enfermagem Latino-Americana, fato que agrega valor ao estudo, contribuindo para um redimensionamento do cotidiano profissional.
Palavras-chave: Resiliência. Enfermagem. Pesquisa em Enfermagem.
ABSTRACT
Qualitative and quantitative descriptive study in the modality of systematic revision in databases, having, as describing, Resilience and Nursing. The data was characterized by the frequency in each area of knowledge. We objectify to search, in the catalogue of the CEPEN and the electronic bases of data BDENF, LILACS, MEDLINE, SCIELO, the resilience as thematic in the productions of the Nursing, between January of 1993 and May of 2004. The incidence was found in Social Sciences. In the MEDLINE, the biggest concentration it was given in the Mental Health. In the BDENF, its boarding is scarce. In the SCIELO, the Psychology concentrated the studies about the thematics. From the 122 analyzed studies, the resilience was object in 6% of the total of the studies. We verify a gap in the use of the concept in the area of the Latin American Nursing, fact that adds value to the study, contributing for a redimensionning of the daily professional.
Keywords: Resilience. Nursing. Nursing research.
RESUMEN
Estudio descriptivo cualitativo y cuantitativo en la modalidad de la revisión sistemática en bases de datos, teniendo, como descritores, Resiliencia y Enfermería. Los datos fueron caracterizados por la frecuencia en cada área del conocimiento. Objectivamos buscar, en el catálogo del CEPEN y las bases electrónicas de datos BDENF, LILACS, MEDLINE, SCIELO, la resiliencia como temática en las producciones de enfermería, entre enero de 1993 y mayo de 2004. La incidencia fué encontrada en las Ciencias Sociales. En el MEDLINE, la concentración más grande fue dada en la Salud Mental. En el BDENF, el abordaje es escaso. En el SCIELO, la Psicología concentró los estudios sobre el tema. De los 122 estudios analizados, la resiliencia era objeto en el 6% del total de los estudios. Verificamos una laguna en el uso del concepto en el área de Enfermera Latinoamericana, el hecho que agrega valor al estudio, contribuyendo para redimensionamiento del cotidiano profesional.
Palabras clave: Resiliencia. Enfermería. Investigacion de enfermería.
INTRODUÇÃO
A resiliência como enfoque de estudos científicos tem sido abordada em variadas áreas de conhecimento. Destacamos a aplicabilidade do conceito na Psicologia, Odontologia, Veterinária, Agronomia, Ecologia, entre outras.
Resiliência "constitui conceito extraído da física muito usado pela engenharia. Representa a capacidade de um sistema de superar o distúrbio imposto por um fenômeno externo e inalterado". É a propriedade de retornar à forma original após ter sido submetido a uma deformação ou a capacidade de se recobrar ou de se readaptar à má sorte, às mudanças. Do latim, resiliere, que significa "recusar vivamente". 1
Existem pessoas que se deixam destruir pelas adversidades, pelas situações conflitantes, pelas situações estressoras e pela violência. Enquanto há outros sujeitos, que além de não se deixarem abater pelo infortúnio, ainda se mostram capazes de aproveitá-lo para seu crescimento pessoal, social e profissional. Estudiosos no assunto chegaram à conclusão de que isto ocorre porque algumas pessoas funcionam no modelo do dano e outras, no modelo do desafio2.
A resiliência é exatamente isto: a capacidade de resistir à adversidade e de utilizá-la como fator de crescimento. Ser resiliente é agir, no presente, motivado por um projeto de vida e, não pelas perdas e danos resultantes dos traumas e dos reveses do passado2.
Considerar o exposto não significa que devamos alijar da contextualização do conceito as questões inerentes à responsabilização do Estado e às políticas públicas na determinação das condições e da qualidade de vida das pessoas. Assim, refletir sobre a questão da resiliência torna-se um desafio para gestores e elaboradores de estratégias de proteção e prevenção em vários campos de atuação, por ser considerada uma adaptação inesperada diante do sofrimento.
O que os estudos mais recentes 3 revelaram sobre o tema é que a resiliência não é um dom inato de certas pessoas especiais. Ela é, na verdade, um tipo de competência pessoal e social, que pode ser aprendida, promovida e desenvolvida nas pessoas, nas organizações, nas comunidades e, até mesmo, na vida social mais ampla. Em medicina, ela significa a capacidade de um sujeito de resistir a uma doença, infecção, intervenção por si próprio ou com a ajuda de medicamentos4.
Diante da importância e escassa produção científica desta temática, principalmente na literatura de Enfermagem, sua discussão torna-se relevante, pois seu conceito nas reflexões sobre o processo de trabalho em saúde apresenta-se operativo, inovador e atual.
Assim, o presente artigo intenta inserir o enfoque da resiliência como elemento de contribuição para os estudos e intervenções no campo da saúde e, mais especificamente, da Enfermagem.
METODOLOGIA
Este é um estudo de revisão sistemática descritiva, desenvolvida com produção científica indexada nas seguintes bases eletrônicas de dados: BDENF, LILACS, MEDLINE, SCIELO e Catálogos do CEPEN, que enfocam a resiliência como descritor nuclear e Enfermagem como descritor complementar.
A revisão sistemática responde a uma pergunta específica e utiliza métodos explícitos e sistemáticos para identificar, selecionar e avaliar criticamente os estudos, para coletar e analisar os dados desses estudos a serem incluídos na revisão5. O recorte temporal abrangeu o período compreendido entre janeiro de 1993 a maio de 2004.
Também buscamos utilizar livros-textos que apresentam a resiliência, para suporte no entendimento do conceito e sua aplicabilidade em diversas áreas do conhecimento, uma vez que essa abordagem se configura como recente. Portanto, este é um debate em construção.
Após o levantamento, procedeu-se a análise dos dados, que foram caracterizados por área de conhecimento e freqüência de aparecimento em cada uma delas.
Outros critérios utilizados para análise foram a seleção dos artigos a partir da análise dos resumos, sendo incluídos os que continham os descritores resiliência e Enfermagem, e a inclusão dos artigos em roteiro preestabelecido pelas autoras, contendo questões referentes à fonte, palavra-chave, área de conhecimento, data de publicação e modalidade do artigo.
Para o tratamento dos dados, utilizamos a classificação por área temática, possibilitando uma visão panorâmica sobre pesquisas desenvolvidas nas grandes áreas (ciências sociais, ciências da saúde e áreas básicas) e enfocando a resiliência em suas várias aplicações e definições nas ciências e, em específico, na Enfermagem.
RESULTADOS
Na busca realizada em todas as bases de dados referidas, foram encontrados 986 artigos, sendo 879 trabalhos relacionados ao descritor resiliência e 106 trabalhos, aos descritores resiliência e Enfermagem, o que representa 11% dos artigos encontrados.
Na base de dados Medline, foi encontrado um total de 862 artigos, sendo selecionados apenas os 51 artigos que estavam vinculados à área de Enfermagem, o que representa 6% deste total.
Na base de dados LILACS, foram encontrados 69 artigos e selecionados apenas 2 artigos que estavam vinculados à área de Enfermagem, o que representa 3% dos artigos encontrados. Esclarecemos que os artigos encontrados na base de dados BDENF constavam da listagem do LILACS.
Na base de dados SCIELO, foram encontrados 18 artigos com o descritor resiliência e apenas 1 com os descritores resiliência e Enfermagem.
Para detalhamento da freqüência dos artigos por área do conhecimento, elaboramos o quadro a seguir:
DISCUSSÃO
O resultado do estudo evidenciou que a abordagem da resiliência se inicia a partir da década de 1990, com maior enfoque nos periódicos americanos e europeus.
Na busca em periódicos latino-americanos (LILACS), o maior enfoque ocorreu na área das Ciências Sociais, com destaque para o estudo da resiliência vinculado à situação de pobreza, relacionando a infância e a educação.
Nas publicações de Enfermagem americanas e européias encontradas na base de dados Medline, ressaltamos a maior concentração da temática na área da Saúde Mental, seguida da Enfermagem Pediátrica, Enfermagem Clínica e Administração em Enfermagem.
Verificamos que nas publicações da Enfermagem brasileira concentradas na base de dados BDENF, a abordagem da resiliência é escassa, com apenas 2 trabalhos citados, na área da saúde da criança e do adolescente. E na base de dados SCIELO, a área de conhecimento que mais trata desta temática é a Psicologia, seguida da Agronomia, Ciências Sociais e Química.
Constatamos que a resiliência como objeto de estudo integra a realidade das pesquisas americanas e européias, contabilizando 862 artigos. Porém, a representatividade desta abordagem na Enfermagem ainda apresenta pouca expressão, evidenciando-se em apenas 51 artigos, o que representa 6% do total dos estudos encontrados.
Dos 122 estudos analisados disponíveis nas bases de dados pesquisadas, 121 utilizavam a abordagem qualitativa na aproximação ao conceito. Encontramos somente um estudo com abordagem quantitativa, que apresentava uma escala-modelo para a mensuração da resiliência nos seres humanos. Destacamos que esse instrumento foi aplicado utilizando como depoentes enfermeiras americanas atuantes em centros cirúrgicos, considerados cenários altamente estressantes, que exigem das enfermeiras o desenvolvimento de atitudes resilientes6.
Esse instrumento já foi validado culturalmente no Brasil, com publicação no Caderno de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública7.
Os artigos consultados apontam controvérsias quanto ao conceito de resiliência. Ela tanto pode ser entendida como uma habilidade pessoal para o enfrentamento de situações adversas4, bem como pode ser resultante de um processo existencial 3, 7, 8.
Encontramos também autores que, para melhor compreensão da resiliência, discorrem ainda sobre alguns conceitos tais como de risco, vulnerabilidade, estresse, coping, competência e fatores de proteção 4, 6, 7,8.
Entre os autores que mais publicam sobre essa temática, destaca-se um autora com estudos sobre o conceito relacionado à criança e ao adolescente 3,9. Em seus estudos, ele discute a resiliência e faz uma revisão das pesquisas e conceitos, entendendo a resiliência como uma habilidade individual para escapar de danos em situações adversas. Ele ainda revê o estudo da resiliência discutindo a relação entre a resiliência e a exposição ao risco, e explora sua origem. O referido autor resume conhecimento atual acerca dos fatores protetores e descreve, ainda, quatro mecanismos que colaboram para a ocorrência de processos de proteção: redução do impacto de riscos, redução das reações negativas, estabelecimento e manutenção da auto-estima e auto-eficácia e criação de oportunidades9.
Ser resiliente na sociedade emergente seria desenvolver capacidades físicas ou fisiológicas conducentes a determinados níveis de "endurance" física, biológica ou psicológica. E, até, a uma certa imunidade que possibilite a aquisição de novas competências de ação que permita adaptar-se melhor a uma realidade cada vez mais imprevisível e agir adequada e rapidamente sobre ela, resolvendo os problemas que a sociedade lhe apresenta4.
CONCLUSÃO
Verificamos a existência de uma lacuna no que tange a utilização do conceito de resiliência na área da Enfermagem na América Latina, fato que agrega valor à sua abordagem neste estudo.
Desta forma, acreditamos que, dado seu potencial, a resiliência é um conceito que pode ser significativo para o redimensionamento das pesquisas em Enfermagem, contribuindo para reflexões na área do ensino, com enfoque na formação de profissionais, os quais entram em um mercado de trabalho povoado pelas incertezas e instabilidades sociais, econômicas e políticas.
Adicionalmente, torna-se interessante a instrumentalização das enfermeiras para a capacitação e formação de equipes, a fim de que possam identificar fatores de resiliência na clientela assistida, de modo a colaborar na adesão ao plano de cuidados de Enfermagem, favorecendo o enfrentamento da situação adversa do adoecimento10.
O enfoque da resiliência pode ser uma fonte de inspiração e de orientação da nossa atenção e da nossa ação. Porém, compete a cada um de nós definirmos o que queremos e o que podemos fazer com este instrumento de trabalho. A resiliência não é uma caixa mágica, uma vara de condão ou um livro de receitas. Na verdade, ela é uma fonte de inspiração para nossas vidas e para nosso trabalho, uma visão da vida que possibilita uma nova interpretação dos fatos do dia-a-dia2.
Portanto, torna-se necessário formar profissionais com competências e habilidades compatíveis num cenário de alta mutabilidade, devendo ser priorizada a articulação de saberes e fazeres, em consonância com a realidade em que irão atuar.
Em tempos de mudanças amplas, profundas e aceleradas, como os que estamos vivendo nos dias de hoje, o conhecimento sistemático da resiliência é um instrumento válido e eficaz para todos os que se propõem a aperfeiçoar seu campo profissional.
REFERÊNCIAS
1. Antunes C. Resiliência: a construção de uma nova pedagogia para uma escola pública de qualidade. Petrópolis (RJ):Vozes; 2003.
2. Costa ACG. A resiliência no mundo do trabalho. Belo Horizonte (MG): Modus Faciendi; 1993.
3. Rutter M. Psychosocial resilience and protective mechanisms. American Orthopsychiatric Association 1987;57(3):316-31.
4. Tavares J,organizador. Resiliência e educação. 2ªed. São Paulo (SP): Cortez; 2001.
5. Castro AA. Revisão sistemática com e sem metanálise 2001. Disponível em URL: htpp//www.evidencias.com. Consultado em: 20/05/2006.
6. Wagnild GM, Young HM. Development and psychometric evaluation of the resilience scale. J Nurs Measurement 1993;1(2):165-78.
7.Pesce RP, Assis SG, Avanci JQ. Adaptação transcultural: confiabilidade e validade da escala de resiliência. Cad Saúde Pública 2005 abr;21(2):436-48.
8. Yunes MAM, Szymanski H. Resiliência: noção, conceitos afins e considerações críticas. In: José Tavares, organizador. Resiliência e educação. São Paulo (SP): Cortez; 2001. p. 13-42
9. Rutter M. Resilience: some conceptual considerations. J Adolesc Health 1993; 14 (8):626-31;690-96.
10. Martinez LC; Ferian MGC. Relación entre las características de la adolescente embarazada y la resistencia al consumo de droga. Rev Latino-Am Enfermagem 2004;12(1):333-39.
Notas
aMichael Kutter - Psiquiatra infantil e Diretor do Centro de Pesquisa de Psiquiatria Social, Genética e do Desenvolvimento da MRC Child Psychiatry Research. Suas pesquisas incluem estudos epidemiológicos, investigações de efetividade escolar, estudos de risco social, bem como pesquisas quantitativas e de genética. Suas pesquisas clínicas focam o autismo, desordens neuropsiquiátricas, depressão, comportamento anti-social, dificuldades de aprendizado escolar, síndromes de privação e hiperatividade. Publicou 38 livros e cerca de 400 artigos científicos e congrega a maior produção na temática de resiliência.
Recebido em 23/09/2005
Reapresentado em 25/09/2006
Aprovado em 04/11/2006