ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 21, Número 1, Jan/Mar - 2017



DOI: 10.5935/1414-8145.20170013

PESQUISA

Perfil de idosos que cuidam de outros idosos em contexto de alta vulnerabilidade sociala

Ariene Angelini dos Santos-Orlandi 1
Tábatta Renata Pereira de Brito 2
Ana Carolina Ottaviani 1
Estefani Serafim Rossetti 1
Marisa Silvana Zazzetta 1
Aline Cristina Martins Gratão 1
Fabiana de Souza Orlandi 1
Sofia Cristina Iost Pavarini 1


1 Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, SP, Brasil
2 Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Recebido em 22/08/2016
Aprovado em 31/10/2016

Autor correspondente:
Ariene Angelini dos Santos-Orlandi
E-mail: arieneangelini@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Caracterizar os cuidadores idosos que cuidam de outros idosos em contexto de alta vulnerabilidade social.
MÉTODOS: Estudo descritivo e transversal, realizado com 40 cuidadores idosos utilizando-se: questionário para caracterização do cuidador, Mini Exame do Estado Mental, Índice de Katz, Escala de atividades instrumentais de vida diária de Lawton, Escala de Depressão Geriátrica e o fenótipo de fragilidade proposto por Fried. Para as análises, utilizou-se o Stata versão 11.0, de forma descritiva.
RESULTADOS: Houve predomínio do sexo feminino, da faixa etária de 60 a 69 anos, de indivíduos casados, com ensino primário, aposentados. Não possuíam plano de saúde. A maioria era pré-frágil, hipertensa e independente tanto para as atividades instrumentais quanto para as atividades básicas de vida diária. Não apresentavam indícios de sintomas depressivos, nem de alterações cognitivas.
CONCLUSÃO: Conhecer o perfil dos cuidadores idosos é imprescindível para subsidiar os serviços de saúde no planejamento de uma assistência de qualidade.


Palavras-chave: Cuidadores; Enfermagem Geriátrica; Idoso; Vulnerabilidade Social

INTRODUÇÃO

Nosso país vivencia um momento de transição demográfica em virtude do rápido, intenso e progressivo aumento da população idosa e, concomitantemente a isso, há também uma modificação na epidemiologia das doenças, que passam de agravos infecciosos a doenças crônicas não transmissíveis.1 A cronicidade dos problemas de saúde e a longevidade da população podem contribuir para o aumento de idosos limitados funcionalmente, tornando-os, assim, dependentes de um cuidador.2

Segundo a literatura gerontológica, as mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados destinados aos idosos. Geralmente, essas mulheres são de meia idade ou idosas, esposas ou filhas, que residem com o idoso e não recebem ajuda para realizar o cuidado.2

Resultados de uma meta-análise realizada com 168 estudos publicados em 30 anos sobre cuidadores de idosos mostraram que os cuidadores cônjuges eram mulheres, mais velhas, com baixa renda e que moravam junto do idoso cuidado.3

No Brasil, existe a tendência do aumento do número de idosos cuidadores de outros idosos.4 Cuidadores idosos inseridos em contextos de pobreza estão mais expostos à situações de vulnerabilidade, sendo maiores os prejuízos à qualidade de vida e ao bem-estar desses indivíduos. Esses cuidadores podem estar acometidos por comorbidades, fato que pode contribuir para o prejuízo do cuidado oferecido. A vulnerabilidade social determina carências de recursos individuais, familiares e sociais para atender às necessidades dos idosos.5

Diante do exposto, conhecer o perfil dos cuidadores idosos torna-se essencial para subsidiar os serviços de saúde no planejamento de uma assistência de qualidade. Assim, o cuidador idoso também poderá oferecer um cuidado de boa qualidade e manter preservada a sua saúde física e cognitiva. Além disso, a literatura traz demasiadamente estudos sobre perfil de cuidadores de idosos, porém pesquisas nacionais sobre o perfil de cuidadores que são idosos e que estão inseridos em contextos de alta vulnerabilidade social são escassas.5 Dessa maneira, este estudo objetivou caracterizar o perfil de cuidadores idosos que cuidam de outros idosos em contexto de alta vulnerabilidade social.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo e transversal, baseado nos pressupostos do método quantitativo de investigação. Foi realizado no Município de São Carlos (SP), no contexto de abrangência de cinco Unidades de Saúde da Família (USF), pertencentes à Administração Regional de Saúde (ARES) "Cidade Aracy", a qual apresenta a maior vulnerabilidade social.

Em primeiro lugar, um contato com essas cinco USFs foi realizado. Nesse momento, os agentes comunitários de saúde disponibilizaram uma lista com os nomes e endereços de possíveis cuidadores idosos. Dessa maneira, os domicílios a serem visitados foram identificados. Em companhia do agente comunitário de saúde foi realizada uma visita domiciliária aos cuidadores idosos, os quais receberam informações sobre o objetivo da pesquisa, a natureza voluntária da participação, o sigilo dos dados coletados e a forma de devolução dos dados aos participantes nas residências visitadas. Após essas informações, foi realizado o convite para participar do estudo. Para os indivíduos que aceitaram participar, foi realizado o agendamento da entrevista.

A população foi composta por pessoas com 60 anos de idade ou mais, que cuidam de idosos, cadastradas e residentes nas cinco USFs pertencentes a Administração Regional de Saúde (ARES) "Cidade Aracy". Foram entrevistados todos os cuidadores (n = 40) que atenderam os seguintes critérios de inclusão: possuir 60 anos de idade ou mais; ser o cuidador primário de um idoso que resida na mesma casa e compreender as questões da entrevista. Os critérios de exclusão utilizados foram: limitações de audição ou de visão que prejudicassem a participação na pesquisa.

A coleta de dados teve início após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e ocorreu em sessão única, no período de setembro a outubro de 2015. Foi utilizado um questionário para a avaliação sociodemográfica e de saúde e aplicação de escalas para a avaliação da capacidade funcional, sintomas depressivos, status cognitivo e de fragilidade.

Os dados sociodemográficos e de saúde foram coletados por meio de um questionário construído previamente pelos pesquisadores, com informações sobre: sexo, idade, estado civil, escolaridade, arranjo familiar, trabalho atual, aposentadoria, renda, número de filhos, plano de saúde, presença de comorbidades, tabagismo e etilismo.

Para avaliar a capacidade funcional, foram usados o Índice de Katz para as atividades básicas de vida diária6 e a Escala de Atividades Instrumentais de vida diária de Lawton.7 Em relação às atividades básicas de vida diária, existem três escores possíveis para cada um dos itens avaliados, de acordo com o nível de dependência do paciente: independente, necessita de assistência e dependente. A pontuação pode variar entre zero e seis pontos, e o idoso demonstrar independência, dependência moderada ou acentuada. Em relação às atividades instrumentais de vida diária, a pontuação final pode variar entre sete e 21 pontos, sendo que sete pontos significa dependência total, de oito a 20 pontos indica dependência parcial e 21 pontos, independência.

Para rastrear sintomas depressivos, foi utilizada a Escala de Depressão Geriátrica, versão de 15 itens. Ao final, é realizada a somatória da pontuação obtida, sendo que de zero a cinco pontos, não há indícios de sintomas depressivos e seis a 15 pontos indica a presença dos mesmos.8

Para aferir o status cognitivo foi usado o teste de rastreio denominado Mini Exame do Estado Mental, de acordo com as seguintes pontuações: 17 para analfabetos; 22 para idosos com escolaridade entre um e quatro anos; 24 para os com escolaridade entre cinco e oito anos, e 26 para os que tinham nove anos de estudos ou mais.9

Para a avaliação da fragilidade, foi adotada a definição proposta por Linda Fried.10 São cinco os elementos da definição operacional da síndrome ou do fenótipo de fragilidade: 1) perda de peso não intencional igual ou superior a 4,5 kg; 2) fadiga avaliada por auto relato; 3) baixa força de preensão medida com dinamômetro hidráulico portátil na mão dominante; 4) baixo nível de dispêndio de energia medido em quilocalorias, avaliado a partir de autorrelato sobre exercícios físicos e trabalhos domésticos; 5) baixa velocidade da marcha indicada pelo tempo médio gasto para percorrer a distância de 4,6m. A presença de três ou mais das cinco características do fenótipo significam fragilidade, uma ou duas significam pré-fragilidade e nenhuma característica indica um idoso robusto ou não frágil.

Os dados obtidos foram codificados e digitados em planilha eletrônica e analisados com apoio do pacote estatístico Stata versão 11.0. Foram tratados com estatística descritiva e apresentados em tabelas de frequência, com valores absolutos (n) e percentuais (%) para as variáveis categóricas, e com medidas de posição e dispersão (média, desvio-padrão, mediana, valores mínimo e máximo) para as variáveis contínuas.

Todos os cuidados éticos que regem pesquisas com seres humanos foram observados e respeitados, segundo a Resolução 466/2012, regulamentada pelo Conselho Nacional de Saúde. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, sob parecer número 1.071.650, em 09/06/2015, CAAE 45115615.0.0000.5504.

RESULTADOS

A amostra deste estudo constituiu-se de 40 cuidadores idosos. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos cuidadores idosos segundo as características sociodemográficas.

Tabela 1. Distribuição dos cuidadores idosos segundo os aspectos sociodemográficos. São Carlos - SP, 2015
Variáveis Categorias n (%*) Média (DP) [Mín-Máx] Mediana
Sexo Feminino 13 32,5      
Masculino 27 67,5      
Idade       70,1 (8,2) [60-98] 68,5
Faixa etária 60-69 22 55,0      
70-79 14 35,0      
80 e mais 4 10,0      
Estado civil Casado 35 87,5      
Solteiro 1 2,5      
Divorciado 1 2,5      
Viúvo 3 7,5      
Arranjo familiar** Mora sozinho 0 0,0      
Mora com cônjuge 37 92,5      
Mora com filhos 20 50,0      
Mora com netos 10 25,0      
Anos de estudo       1,8 (2,3) [0-12] 1,0
Escolaridade Nunca foi à escola 14 35,0      
Analfab. func.*** 3 7,5      
Alf. adultos**** 2 5,0      
Primário 16 40,0      
Ginásio 1 2,5      
Colegial 1 2,5      
Curso superior 3 7,5      
Trabalha atualmente Sim 7 17,5      
Não 33 82,5      
Aposentadoria Sim 29 72,5      
Não 11 27,5      
Renda       781,2 (382,0) [0-2000] 780,0

* A somatória das frequências percentuais que não atingiram 100,0% se deve ao fato de que algumas variáveis não foram respondidas por todos os idosos no protocolo da pesquisa. DP: desvio-padrão;

** A somatória da frequência percentual da variável arranjo familiar é superior a 100,0%, pois o idoso pode morar com cônjuge, filhos e netos simultaneamente;

*** Analfab. func.: Analfabeto Funcional;

**** Alf. adultos: Alfabetização de Adultos.

Tabela 1. Distribuição dos cuidadores idosos segundo os aspectos sociodemográficos. São Carlos - SP, 2015

Houve predomínio do sexo feminino (67,5%), da faixa etária de 60 a 69 anos (55,0%) e do estado civil casado (87,5%). Os cuidadores moram com seus cônjuges (92,5%) e filhos (50,0%). Apresentam o ensino primário, que corresponde a cerca de um a quatro anos de escolaridade (40,0%), seguidos dos analfabetos (35,0%). Grande parte deles não trabalha atualmente (82,5%) e são aposentados (72,5%). Os cuidadores idosos apresentaram, em média, 70,1 anos de idade (DP = 8,2), 1,8 anos de escolaridade (DP = 2,3) e renda de R$781,20 (DP = 382,0) (Tabela 1).

Os cuidadores idosos possuem, em média, 5,5 filhos (DP = 3,1). Não possuem plano de saúde (90,0%) e referem a hipertensão arterial (62,5%) como a patologia de maior frequência. A maioria desses cuidadores nunca fumou (42,5%), nem é etilista (90,0%). Os cuidadores são independentes tanto para as AIVDs (52,5%) quanto para as ABVDs (72,5%). A Tabela 2 apresenta a distribuição dos cuidadores idosos, segundo as características cognitivas e de humor.

Tabela 2. Distribuição dos cuidadores idosos, segundo os aspectos cognitivos e de humor. São Carlos - SP, 2015
Variáveis n (%) Média (DP) [Mín-Máx] Mediana
Pontuação GDS     4,5 (2,8) [0-9] 4,0
Resultado GDS          
    Sem sinais depressivos 23 57,5      
    Com sinais depressivos 17 42,5      
Pontuação MEEM     21,5 (4,7) [9-29] 22,0
Resultado MEEM          
    Com indícios de alterações 3 7,5      
    Sem indícios de alterações 37 92,5      

DP: desvio-padrão; GDS: Escala de Depressão Geriátrica; MEEM: Mini Exame do Estado Mental.

Tabela 2. Distribuição dos cuidadores idosos, segundo os aspectos cognitivos e de humor. São Carlos - SP, 2015

A maioria dos cuidadores idosos não apresenta sinais depressivos (57,5%) de acordo com a Escala de Depressão Geriátrica (GDS), os quais fizeram 4,5 pontos em média (DP = 2,8). No MEEM, 92,5% não apresentaram indícios de alterações cognitivas e fizeram em média 21,5 pontos (DP = 4,7) (Tabela 2). A Tabela 3 apresenta a distribuição dos cuidadores idosos, segundo as características de fragilidade.

Tabela 3. Distribuição dos cuidadores idosos, segundo os aspectos de fragilidade. São Carlos - SP, 2015
Variáveis Categorias n (%*)
Perda de Peso Não frágil 16 40,0
Frágil 21 52,5
Atividade Física Não frágil 14 35,0
Frágil 25 62,5
Fadiga Não frágil 26 65,0
Frágil 14 35,0
Força de Preensão Não frágil 17 42,5
Frágil 23 57,5
Velocidade da Marcha Não frágil 17 42,5
Frágil 23 57,5
Nível de Fragilidade Não frágil 16 40,0
Pré-frágil 20 50,0
Frágil 4 10,0

* A somatória das frequências percentuais que não atingiram 100,0% se deve ao fato de que algumas variáveis não foram respondidas por todos os idosos no protocolo da pesquisa.

Tabela 3. Distribuição dos cuidadores idosos, segundo os aspectos de fragilidade. São Carlos - SP, 2015

Em relação aos critérios de fragilidade, 52,5% pontuaram para perda de peso, 62,5% para inatividade física, 35,0% para fadiga, 57,5% para baixa força de preensão palmar e 57,5% para lentidão da marcha. A maioria dos cuidadores era pré-frágil (50,0%), seguida de não frágeis (40,0%) e frágeis (10,0%) (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Os resultados mostraram que houve predominância do sexo feminino entre os cuidadores idosos (67,5%). Esses dados são corroborados tanto pela literatura nacional2,11 quanto internacional.12 O predomínio feminino entre os cuidadores familiares reflete o papel sociocultural da mulher, historicamente determinado no contexto ocidental, uma vez que, naturalmente, cabe às mulheres a prestação dos cuidados, quer seja esposa, filha ou irmã, e aos homens, a condição de provedor do sustento e administrador financeiro.2

No presente estudo, a maioria dos cuidadores idosos estava inserida na faixa etária de 60 a 69 anos (55,0%). A média de idade foi de 70,1 anos (DP = 8,2), com variação entre 60 e 98 anos. Outros pesquisadores também encontraram idosos cuidando de outros idosos.2

Atualmente, é crescente o número de idosos sendo cuidados por outros idosos, pois ambos estão vivendo por mais tempo. Com o aumento da longevidade, há tendência de crescimento no número de cuidadores idosos.13 Autores apontam que idosos mais jovens apresentam mais energia para cuidar dos indivíduos mais velhos.2

Em relação ao estado civil, a maioria dos cuidadores idosos, deste estudo, era casada (87,5%). A participação da mulher no mercado de trabalho e os novos arranjos familiares contribuem para a redução de familiares disponíveis para exercerem o ato de cuidar de idosos, fazendo com que os cônjuges idosos se tornem a primeira opção. Autores relatam que mulheres casadas podem demonstrar maior comprometimento para com o cuidado, visto que possuem mais responsabilidade e experiência no lar em relação à família quando comparadas às mulheres solteiras.14 Autores afirmam que, quando os cuidadores idosos são cônjuges, há uma relação de obrigação matrimonial de cuidar do seu esposo, uma vez que foi assumido diante do casamento o compromisso de uma vida em comum e de estar junto na saúde e na doença.15

Grande parte dos cuidadores idosos referiu residir junto com o idoso (92,5%), dado corroborado pela literatura.11,12,16 A corresidência com seus cônjuges faz com que as esposas se tornem potencialmente as cuidadoras dos mesmos. Esse fato pode ser favorável ao idoso cuidado, uma vez que suas demandas de cuidado podem ser prontamente atendida.16

No quesito renda, os cuidadores idosos não trabalham atualmente (82,5%) e são aposentados (72,5%). Possuem, em média, uma renda de R$781,20 (DP = 382,0). Os cuidadores idosos, muitas vezes, estão impossibilitados de exercer atividade extradomiciliar remunerada, por não haver outra pessoa disponível que assuma o cuidado ao idoso. Tal situação pode impactar o rendimento mensal da família.17 Nesse sentido, a aposentadoria torna-se a única fonte de renda dessas famílias, sendo o idoso um provedor fundamental.18 A grande desigualdade socioeconômica e o fato de viver em um contexto de pobreza podem promover o estresse crônico ao longo da vida e afetar os domínios físico e cognitivo tanto dos cuidadores quanto dos idosos cuidados.2

A restrição de recursos financeiros coloca os idosos em situação de grande vulnerabilidade social e pode expor os idosos ao risco de adoecimento, agravar doenças pré-existentes ou até mesmo comprometer o tratamento, já que muitos idosos fazem uso de medicamentos nem sempre fornecidos pelo sistema único de saúde.17,18

Em relação à escolaridade, 40,0% dos cuidadores idosos apresentavam de um a quatro anos de estudos e, em média, 1,8 anos de escolaridade (DP = 2,3), com variação entre zero e 12 anos. Outras pesquisas também detectaram a baixa escolaridade entre os cuidadores idosos.11,15,17

A época em que esses idosos nasceram e cresceram pode explicar o baixo índice de escolaridade. No início do século XX, a educação formal não era valorizada e as condições socioeconômicas precárias dificultavam o acesso às escolas, além de não haver incentivo por parte dos progenitores. Nesse sentido, os meninos acompanhavam seus pais no trabalho rural, enquanto as meninas auxiliavam suas mães nas tarefas domésticas, sendo a educação infantil um privilégio da minoria.16

Desfechos negativos como problemas de saúde mental, fragilidade e condições crônicas podem estar associados à baixa escolaridade, na medida em que piores hábitos de vida, maior exclusão social, menor nível de informação, piores condições socioeconômicas e falta de conscientização para as necessidades de cuidado com a saúde impedem o livre acesso aos serviços de saúde precocemente, em busca da promoção da saúde e prevenção dos agravos.15

A baixa escolaridade pode influenciar diretamente o ato de cuidar, podendo haver uma queda na qualidade da assistência prestada. Dificuldades na compreensão do processo de adoecimento, dificuldades para com o cuidado e falta de acesso a serviços e informações podem surgir diante da baixa escolaridade dos cuidadores, o que poderia acarretar estresse e tensão emocional.17

Pesquisadores apontam que é de suma importância conhecer o nível de escolaridade dos cuidadores idosos, pois são eles que irão interagir com a equipe de saúde ao acompanhar o idoso ao serviço. A baixa escolaridade pode dificultar a compreensão do cuidador em relação ao que acontece com o idoso, podendo representar uma barreira no processo de educação em saúde, que necessita da integridade da capacidade de aprendizagem das pessoas. Atenção redobrada dos profissionais em relação aos cuidadores pode ser necessária diante do conhecimento insuficiente dos cuidadores. Os profissionais devem orientá-los com os mais variados recursos em busca de atingir os objetivos desejados e prevenir possíveis equívocos.15

No presente estudo, a doença referida mais presente entre os cuidadores idosos foi a hipertensão arterial (62,5%). Dados semelhantes foram encontrados na literatura.19 A prevalência de doenças crônicas e não transmissíveis se constitui em panorama epidemiológico comum à população que envelhece. O aumento da longevidade traz para os idosos a convivência com essas enfermidades por um longo período, o que pode comprometer sua qualidade de vida. Outros autores apontam que a hipertensão arterial pode se manifestar no idoso cuidador em decorrência dos diversos fatores estressores presentes no ato de cuidar.14,17

Ao dedicar grande parte do tempo ao cuidado, muitas vezes, o cuidador descuida de sua própria saúde, sendo os cuidadores com idade avançada os mais susceptíveis a problemas de saúde. Nesse sentido, torna-se um grande desafio para os profissionais de saúde lidar com o surgimento de doenças no cuidador idoso, o que justifica a necessidade de auxílio de outros membros no cuidado ao idoso.2

Cuidadores com idade avançada podem apresentar doenças crônicas que dificultam o desenvolvimento de suas atividades ou que podem desencadear ou piorar problemas de saúde pré-existentes, levando o idoso cuidador às limitações.20

Em relação ao tabagismo e etilismo, 57,5% dos cuidadores idosos já tiveram contato com cigarro e 10,0% com bebidas alcoólicas. Autores afirmam que o cigarro pode ser tido como um método para aliviar tensões em momentos de insegurança dos cuidadores idosos.17 A literatura aponta que a associação entre tabagismo e etilismo com as condições crônicas e o próprio efeito do envelhecimento no organismo pode aumentar a susceptibilidade dos idosos a doenças (como a DPOC, por exemplo) e incapacidade,21 resultando em piora da saúde.

O aparecimento de uma ou mais doenças crônicas pode afetar a capacidade funcional dos cuidadores idosos. Neste estudo, conforme o esperado, a maioria dos cuidadores idosos se mostrou independente tanto para as atividades instrumentais (52,5%) quanto para as atividades básicas de vida diária (72,5%). Esse resultado pode ser justificado pelo perfil da amostra estudada, ou seja, são indivíduos residentes na comunidade.

Estudiosos também corroboraram os achados do presente estudo, os quais obtiveram que os cuidadores idosos demonstraram pior desempenho em AIVDs quando comparadas às ABVDs.2

A literatura aponta que as atividades avançadas de vida diária são as primeiras a serem comprometidas com a longevidade e, em seguida, as atividades instrumentais, em decorrência de agravos que acometem a saúde dos idosos e do próprio envelhecimento. As atividades básicas, que estão relacionadas ao autocuidado, são as últimas que sofrem comprometimento. Quando o idoso perde sua autonomia e independência, surge a necessidade de um cuidador.16

No contexto do cuidado, autores afirmam que é fundamental refletir sobre a capacidade funcional dos cuidadores, uma vez que condições físicas podem acometer os cuidadores, colocando em risco sua capacidade funcional.13 Doenças crônicas podem aparecer em decorrência do avanço da idade e, assim, aumentar a susceptibilidade de incapacidade, podendo ser mais intensa num cenário de prestação de cuidados a outros idosos.2

Embora a maioria dos cuidadores idosos não apresente sintomas depressivos, 42,5% necessitam de mais atenção. A pontuação média na Escala de Depressão Geriátrica foi de 4,5 pontos (DP = 2,8), com variação entre zero e nove pontos.

A presença de sintomas depressivos foi elevada no presente estudo quando comparada a outros estudos com cuidadores.22 Talvez isso se explique devido ao contexto de grandes dificuldades em que esses cuidadores estão inseridos.

O cuidador idoso passa por mudanças na sua vida em decorrência do cuidado, ou seja, há menos tempo para lazer e vida social, o que pode se agravar quando esse cuidado está inserido num contexto de alta vulnerabilidade social. Tais modificações podem originar sentimentos depressivos, impactando negativamente a qualidade de vida do cuidador.14

Pesquisa aponta que cuidadores idosos apresentam mais sintomas depressivos e menor satisfação com a vida quando comparados a idosos que não são cuidadores,3 fenômeno corroborado neste estudo. Receber pouco apoio social também faz com que os cuidadores idosos sintam mais sintomas depressivos quando comparados a cuidadores adultos jovens e de meia idade.3

Pesquisadores apontam que os cuidadores idosos podem apresentar sintomas depressivos diante da responsabilidade do cuidar, da sobrecarga e do próprio envelhecimento e comprometimento físico. Com o passar dos anos, cuidadores idosos sentem-se incapazes de realizar tarefas como antigamente, os quais sofrem de angústia e preocupações.20

De acordo com o MEEM, 7,5% dos cuidadores idosos apresentaram indícios de alterações cognitivas. A média da pontuação foi de 21,5 pontos (DP = 4,7), com variação entre nove e 29 pontos. Estudiosos afirmam que a manutenção da saúde cognitiva facilita a adoção de práticas adequadas e saudáveis, tanto para a saúde do cuidador quanto para a do idoso cuidado. Relatam ainda que as funções cognitivas podem ser prejudicadas em cenários de pobreza, grandes desigualdades socioeconômicas e insuficiência de suporte institucional.2

Em relação à fragilidade, 10,0% dos cuidadores idosos eram frágeis, 50,0% pré-frágeis e 40,0% não frágeis, levando em consideração o fenótipo proposto por Linda Fried. Os achados do presente estudo foram corroborados pela literatura nacional.23-25

A supremacia de idosos pré-frágeis reitera a necessidade de intervenções a fim de evitar o avanço da condição de pré-fragilidade para a fragilidade. Essa atitude evitaria desfechos adversos de saúde e melhoraria a qualidade de vida desses idosos.23

Pesquisas indicam que quando as necessidades básicas não são atendidas em virtude de escasso recurso financeiro, privação continuada de benefícios e oportunidades e da desigualdade social, desvantagens são acumuladas ao longo da vida, as quais se somam às perdas associadas ao envelhecimento.25 Nesse sentido, idosos inseridos em contextos de alta vulnerabilidade social podem estar expostos ao risco de adoecimento e ao agravamento de doenças pré-existentes. Além disso, a baixa escolaridade, o menor acesso aos serviços de saúde e a falta de suporte social fazem com que os idosos apresentem uma condição de saúde mais fragilizada.18

No presente estudo, 52,5% dos cuidadores idosos referiram perda de peso não intencional no último ano. Essa prevalência foi muito mais elevada do que a registrada na literatura.25 Autores apontam que esse resultado pode ser explicado em decorrência da alta valorização da sociedade por um corpo magro, levando os participantes das pesquisas a superestimar o valor de uma perda de peso casual.25

Por outro lado, pesquisadores afirmam que a população idosa pode sofrer de problemas nutricionais (por exemplo, a desnutrição), que podem antecipar o desenvolvimento da fragilidade, sendo considerados marcadores potenciais da referida síndrome.23

Na presente investigação, 62,5% dos idosos eram frágeis para o critério "atividade física". Resultados de uma pesquisa também demonstraram que dentre os idosos frágeis, 17,5% apresentaram baixo nível de atividade física. Esses autores afirmam que o declínio na prática de atividade física pelos idosos pode estar relacionado à redução da mobilidade, fraqueza muscular, instabilidade postural, má nutrição e sarcopenia.23

A literatura internacional também corroborou os achados da presente investigação em relação à fragilidade. Pesquisas ao redor do mundo têm utilizado o fenótipo de Fried para identificar a prevalência da síndrome da fragilidade. Essa prevalência variou de 4% a 17% de idosos frágeis.26,27

Esse estudo apresentou algumas limitações. Tais achados devem ser considerados preliminares devido ao reduzido tamanho amostral, o que pode limitar a generalização. Além disso, a concepção deste estudo não era uma amostragem da população, fato que pode levar a uma subestimação da prevalência de fragilidade e de declínio cognitivo.

Sugere-se o investimento em pesquisas futuras, as quais levem em consideração a fragilidade, a cognição e os sintomas depressivos de cuidadores idosos inseridos em contexto de alta vulnerabilidade social, já que são escassas na literatura.

CONCLUSÃO

Os resultados mostraram que a maioria dos cuidadores idosos era do sexo feminino (67,5%), pertencentes à faixa etária de 60 a 69 anos (55,0%), casados (87,5%), que moravam com seus cônjuges (92,5%) e com seus filhos (50,0%), com ensino primário (40,0%), não trabalhavam (82,5%) e eram aposentados (72,5%). Apresentaram renda média de R$781,20 e 5,5 filhos. Não possuíam plano de saúde (90,0%). A hipertensão arterial foi a patologia mais referida pelos cuidadores (62,5%). Cerca de 57,5% desses cuidadores já tiveram contato com o tabagismo e 90,0% não eram etilistas. Em relação às atividades de vida diária, a maioria era independente tanto para as AIVDs (52,5%) quanto para as ABVDs (72,5%). Houve predomínio de cuidadores idosos sem indícios de sintomas depressivos (57,5%) e de alterações cognitivas (92,5%). Em relação à fragilidade, 10,0% dos cuidadores eram frágeis, 50,0% pré-frágeis e 40,0% não frágeis. Em relação aos critérios de fragilidade, os cuidadores pontuaram para perda de peso (52,5%), inatividade física (62,5%), fadiga (35,0%), baixa força de preensão palmar (57,5%) e lentidão da marcha (57,5%).

Os resultados da presente pesquisa contribuem para o planejamento de uma sistematização de atenção individualizada respeitando o perfil dos cuidadores idosos, privilegiando-se tarefas relacionadas à promoção de saúde, à prevenção de problemas como depressão, demência e fragilidade, no âmbito da Estratégia de Saúde da Família.

Dessa maneira, torna-se imprescindível para os profissionais de saúde fornecerem suporte adequado aos cuidadores idosos. Ao pensarmos nas implicações práticas desses achados, sugere-se que grupos de apoio podem ser implantados no sentido de garantir o acompanhamento desses cuidadores, atender suas demandas e melhorar a qualidade de vida dos mesmos.

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a Artigo extraído da pesquisa intitulada "Fragilidade e cognição: um estudo com idosos cuidadores em contexto de alta vulnerabilidade social", do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos como parte dos requisitos do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), 2016, com bolsa da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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