Volume 20, Número 2, Abr/Jun - 2016
REFLEXÃO
Ensino inovador de enfermagem a partir da perspectiva das
epistemologias do Sul
Cláudia Cristiane Filgueira Martins Rodrigues
1
Diana Paula de Souza Rego Pinto Carvalho
1
Pétala Tuani Candido de Oliveira Salvador
1
Soraya Maria de Medeiros
1
Rejane Maria de Paiva Menezes
1
Marcos Antonio Ferreira
1
Viviane Euzébia Pereira
1
1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal - RN, Brasil
Recebido em 01/04/2015
Aprovado em 18/01/2016
Autor correspondente:
Pétala Tuani Candido de Oliveira Salvador
E-mail: petalatuani@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Refletir acerca do ensino inovador da enfermagem a partir do referencial das
epistemologias do Sul, de Boaventura de Souza Santos.
MÉTODOS:
Trata-se de um ensaio teórico. Foi utilizado o referencial das epistemologias
do Sul segundo Boaventura de Souza Santos, com destaque para os conceitos:
descolonização do saber; pensamento pós-abissal; e ecologia dos saberes.
RESULTADOS:
A proposta de refletir acerca do ensino inovador da enfermagem sob a
perspectiva das epistemologias do Sul traduz-se no entendimento de que a
abordagem de Boaventura pode subsidiar a efetivação do processo de
ensinar-aprender que tem por base o reconhecimento da pluralidade de
conhecimentos em interações sustentáveis e dinâmicas entre eles sem
comprometer a autonomia de todos.
CONCLUSÃO:
Realçou-se a essencialidade de se compreender que as tecnologias para o
ensino devem integrar um processo pedagógico mais amplo, resultante de
reflexões teóricas e de competências dialógicas do enfermeiro enquanto
educador.
Palavras-chave: Educação em Enfermagem; Inovação; Filosofia em Enfermagem.
INTRODUÇÃO
A formação do profissional de saúde transforma-se dinâmica e continuamente pela influência dos contextos sociais, políticos e econômicos que a sociedade vivencia. Defende-se, atualmente, que o ensino da enfermagem deve ser pautado em uma formação cidadã e integral condizente com as novas demandas do mercado, de modo a superar a visão tradicionalista e dicotômica entre educador e educando.
Nesse ínterim, educar envolve criar possibilidades para a produção e construção de conhecimentos, integrando não somente a aprendizagem de conteúdos, mas também a formação ética dos educandos. Assim, o educador deve concretizar o processo de ensinar-aprender em uma perspectiva de parceria, de complementaridade com o educando1.
Desse modo, há uma ampliação do conceito de educação e de processo de ensino-aprendizagem. Esse processo tem sido historicamente caracterizado de formas diferentes, que vão desde a ênfase no papel do professor como transmissor de conhecimento, até as concepções atuais que apreendem o processo de ensino-aprendizagem com um todo integrado que destaca o papel do educando2.
Ressalta-se, nesse contexto, a incorporação de tecnologias no ensino da enfermagem como instrumento facilitador desse processo. Estas permitem ao educando o estímulo à aprendizagem significativa, ao desenvolvimento do raciocínio reflexivo e crítico do enfermeiro em formação, pois são consideradas diversas formas de aprender.
É importante mencionar que essa abordagem pedagógica necessita de um embasamento teórico-filosófico apropriado do professor, mediador do processo. Destaca-se, a essencialidade da incorporação de ferramentas tecnológicas ao ensino de enfermagem à luz de abordagens filosóficas e, portanto, de teorias pedagógicas que garantam a maximização dos potenciais benefícios das estratégias de ensino3.
A partir da constatação de que as ferramentas tecnológicas são capazes de qualificar práticas de ensino, por meio de uma visão de coparticipação entre docente e discente, mediada pela interatividade e pela criatividade; de que o ensino inovador da enfermagem constitui, na atualidade, uma realidade e uma necessidade emergente; e de que as concepções metodológicas, mesmo inovadoras, carecem de abordagens pedagógicas, pautadas em referenciais teóricos norteadores buscam-se refletir a respeito da seguinte indagação: como a perspectiva das epistemologias do Sul pode contribuir para a compreensão/efetivação do ensino inovador da enfermagem?
Este ensaio visa refletir acerca do ensino inovador da enfermagem a partir do referencial das epistemologias do Sul, de Boaventura de Souza Santos.
REFERENCIAL TEÓRICO
Boaventura de Souza Santos é português, sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal. Atualmente, é conhecido como um dos principais, senão o principal intelectual da língua portuguesa na área das ciências sociais.
Em seu livro, Epistemologias do Sul, traz reflexões acerca das epistemologias que se tornaram dominantes e que eliminaram as reflexões epistemológicas, o contexto cultural e político da produção de conhecimentos. Este pensamento, que o autor o denomina como pensamento colonial ou abissal, submete o mundo e os contextos educacionais a uma dominação e imposição de saberes, ou seja, a uma visão unilateral das políticas sociais4.
Boaventura traz que as epistemologias do Sul são "um convite a um amplo reconhecimento das experiências de conhecimentos do mundo [...]. Abrem-se, assim, pontes insuspeitadas de intercomunicação, vias novas de diálogo"4:26.
Assim, a proposta de compreender o ensino inovador da enfermagem sob a perspectiva das epistemologias do Sul traduz-se no entendimento de que a abordagem de Boaventura pode subsidiar a efetivação do processo de ensinar-aprender em questão, isso porque tal referencial tem por base o reconhecimento da pluralidade de conhecimentos em interações sustentáveis e dinâmicas entre eles sem comprometer a autonomia de todos4.
Nesse ínterim, dentre os inúmeros conceitos do referencial das epistemologias do Sul, àqueles que servirão de base para este estudo são: descolonização do saber; pensamento pós-abissal; e ecologia dos saberes (Quadro 1).
Conceito | Abordagem |
---|---|
Descolonização do Saber | Recuperação dos saberes e práticas dos grupos sociais que, devido ao capitalismo e aos processos coloniais, foram histórica e sociologicamente colocados na posição de serem apenas objetos ou matéria-prima dos saberes dominantes (epistemologia do Norte), considerados durante séculos e séculos como os únicos válidos. |
Pensamento Pós-Abissal | Afirmação positiva da diversidade dos saberes existentes no mundo. Reconhecimento de uma pluralidade de formas de conhecimento além do conhecimento científico. |
Ecologia dos Saberes | Uma espécie de contraepistemologia, que nega a existência de uma epistemologia geral e se baseia no reconhecimento de uma pluralidade de conhecimentos heterogêneos. |
Fonte: Adaptado de Santos e Meneses4
O ENSINO INOVADOR E A DESCOLONIZAÇÃO DO SABER
As epistemologias do Sul são uma proposta que denuncia a lógica que sustentou a soberania epistêmica da ciência moderna, que se desenvolveu com a exclusão e o silenciamento de povos e culturas que, ao longo da história, foram dominados pelo capitalismo e colonialismo4.
Trata-se de uma concepção teórica que busca compreender a relação intrínseca que há entre o contexto histórico-social e epistemológico do mundo.
A partir de tal assertiva, as Epistemologias do Sul têm por base a necessidade de superar uma problemática: a da teoria do conhecimento A epistemologia converteu-se em teoria do conhecimento científico - as Epistemologias do Norte, que tiveram sempre como objetivo a identificação de uma forma particular de conhecimento, superior e única4.
É, nesse contexto, que se destaca a ideia de produção de um saber colonizado. Essa colonização é compreendida, por conseguinte, como uma dominação epistemológica, uma relação extremamente desigual entre conhecimentos que conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias, relegando muitos outros conhecimentos para um espaço de subalternidade4.
Para tal fenômeno, Boaventura utiliza como ideias base o epistemicídio, o estrabismo epistemológico, o pensamento abissal e a produção simbólica de inferioridade dos saberes. E, como forma de superação, defende a descolonização do saber, a partir da compreensão do Sul global, ou seja, da pluralidade e da diversidade epistemológica do mundo4.
Diante dessa perspectiva, evidencia-se o debate de que os modelos pedagógicos tradicionais são uma consequência do mundo dominante, ou seja, do capitalismo e de todas as suas implicações da realidade atual5. São produtos, portanto, das Epistemologias do Norte, ao compreender o saber do educando como um saber colonizado que deveria ser desvalorizado.
Historicamente, a formação dos profissionais de saúde tem sido pautada no uso de metodologias conservadoras, sob forte influência do mecanicismo e fragmentação de conhecimentos e saberes. Com isso, o processo de ensino-aprendizagem também se torna uma reprodução de conhecimentos, estando o estudante em uma posição passiva diante do seu processo de aprendizagem6, logo na posição de um saber colonizado.
Todavia, emerge, na atualidade, a relevância de se "(des)pensar as pedagogias coloniais"5, isso devido a uma nova concepção de educação, bem como de um conceito sanitário ampliado, os quais requerem dos profissionais de saúde uma formação voltada para as necessidades de saúde da população e um alicerce de educação norteado pelos princípios basilares da assistência: a universalidade do acesso; a integralidade de saberes e a equidade da assistência.
Frente a este cenário, as mudanças curriculares nos cursos de formação da área da saúde tornam-se imperativas, aspecto que tem por base a descolonização dos saberes proposta por Boaventura.
Assim, cabe ao processo formativo o desafio de modificação das bases curriculares voltadas para adequação do novo perfil profissional e a adoção de estratégias didático-pedagógicas inovadoras, que articulem o processo de ensino-aprendizagem do educando as perspectivas do campo prático, primando pela formação integral e voltada para os princípios basilares da assistência universal, integral e equânime - para o saber descolonizado.
Nesse sentido, o processo de ensino e aprendizagem deve ser visualizado de forma mais ampla e como uma via de mão dupla, tanto o professor participa, como também o aluno. Assim, o discente passa a ter uma consciência mais crítica de seus atos.
Desse modo, deve-se lançar mão de metodologias educacionais que envolvam o educando; que o estimule a aprender, a desenvolver o raciocínio crítico e a perceber a importância daquilo que ele já vivenciou. Com isso, o educador, passa a vislumbrar nos alunos, participantes ativos no processo de ensino e aprendizagem, o que pode vir a facilitar a interação e integração nesse processo7.
A reestruturação acadêmica do processo de formação dos profissionais da enfermagem envolve, portanto, o reconhecimento do caráter multidisciplinar da prática profissional, o estímulo ao raciocínio clínico, a valorização da articulação teoria e prática, a utilização de metodologias ativas de ensino/aprendizagem e a flexibilização curricular.
Nesse contexto, visualizam-se mudanças formativas do profissional de enfermagem associado a um panorama amplo de inovações, em que predomina o capital intelectual, a partir da valorização do conhecimento crítico e criativo, mediado por ferramentas tecnológicas que se traduzem em avanços e desafios para o ensino da enfermagem3,8.
Para que se efetive, destarte, um ensino de enfermagem inovador, tendo por base o uso de ferramentas tecnológicas como mediadoras de seu processo de ensino/aprendizagem, alguns desafios se instituem: a transformação da concepção sobre interação professor-aluno; a preparação adequada dos professores, compreendendo que só o professor no contato pessoal é capaz de trabalhar reflexivamente com o estudante, mesmo num ensino mediado por ambientes virtuais de aprendizagem; e as mudanças estruturais nas instituições de ensino, tanto no domínio organizacional como no do ensino e da investigação9,10.
Nessa conjuntura, o importante no uso das tecnologias interativas é a abordagem pedagógica que o professor imprime e não a tecnologia em si, entendendo que as ferramentas tecnológicas são capazes de qualificar práticas de ensino, ao propiciar a produção de saberes descolonizados, desenvolvidos e compartilhados por todos os envolvidos no processo de ensinar e aprender, numa perspectiva equânime.
PENSAMENTO PÓS-ABISSAL COMO SUPERAÇÃO DA ABORDAGEM TRADICIONAL
As epistemologias do Sul têm como pretensão base a superação do característico modelo de pensamento moderno ocidental, a saber, o pensamento abissal. Trata-se de uma forma de pensamento que, por meio de linhas imaginárias, divide o mundo e o polariza (Norte e Sul). No campo do conhecimento, o pensamento abissal consiste na concessão à ciência moderna do monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o falso4.
Ao reconhecer a diversidade epistemológica do mundo, o pensamento pós-abissal deve tomar a forma de uma ecologia de saberes. Isso significa uma renúncia total a qualquer epistemologia geral. Nesse aspecto, sua principal diferença quanto ao modelo epistêmico abissal está no reconhecimento de uma pluralidade de formas de conhecimento para além do conhecimento científico4.
Destacam-se enquanto elementos defendidos pelo pensamento pós-abissal: a diversidade epistemológica do mundo; a não existência de uma unidade de conhecimento; a busca pela intersubjetividade; não conceber os conhecimentos em abstrato, mas antes como práticas de conhecimento que possibilitam ou impedem certas intervenções no mundo real4.
Ao refletir acerca do ensino inovador da enfermagem a partir do referencial das Epistemologias do Sul, apreende-se a necessidade de repensar a pedagogia abissal a partir da perspectiva pós-abissal, o que significa democratizar o processo de ensinar e aprender, o que envolve uma concepção emancipatória da educação5 (Quadro 2).
Pedagogia Abissal | Pedagogia Pós-Abissal |
---|---|
Monopólio de verdade à cultura dominante; Relações de sala de aula pautadas no poder e na colonialidade; Regulação da emancipação do aluno; Violência simbólica de imposição de paradigmas. | Aceitação da inclusão e da diversidade cultural; Produção emancipatória do conhecimento; Valorização da diversidade de conhecimentos, modos de pensar e ver o mundo. |
Fonte: Adaptado de Tavares5
A inovação no ensino transforma-se em condição fundamental, sobretudo nos tempos hodiernos, caracterizados pela constante evolução tecnológica, compreendida sob um conceito ampliado, não apenas de máquinas e equipamentos, mas de conhecimentos e interações humanas que, também, evoluem, trazendo novas demandas e exigências à pesquisa. Assim, além de consumir novas tecnologias, acredita-se que a enfermagem deva criar/gerar inovações, estimulando para que sejam testadas e sistematizadas por meio de pesquisas científicas11.
As tecnologias para o ensino já são, mundialmente, reconhecidas como benéficas para o processo inovador e diferenciado que se exige, atualmente, dos ambientes de aprendizagem, contribuindo para o pensamento crítico, as decisões complexas, as habilidades práticas, o trabalho em equipe, a motivação, a interação, a resolução de problemas e a geração de hipóteses, isso, porque se pautam na participação ativa dos discentes, estimulando sua autonomia e sua criticidade3,7,12.
No contexto da enfermagem, destacam-se desafios do ambiente de ensino ainda mais complexos, que demandam por um pensamento pós-abissal: evolui-se para um ambiente de práticas que estabelecem níveis altos de competências dos enfermeiros; exige-se a formação de um enfermeiro crítico e reflexivo, com um desenvolvimento cognitivo como questão inerente da Prática Baseada em Evidências; e o educador insere-se em um contexto de mudanças dialógicas, em que se destacam estudantes com diversos estilos de aprendizagem e necessidades, que devem ser conhecidos pelos educadores de modo a utilizar métodos de ensino efetivos8.
Além disso, sabe-se que o enfermeiro, enquanto educador se insere em espaços de ensino múltiplos - com discentes (formação acadêmica), com os próprios profissionais (educação continuada) e com os pacientes (educação em saúde)13.
Nesse ínterim, o educador enfermeiro deve coadunar com incorporações tecnológicas em resposta às demandas atuais, aspecto que deve, de maneira fundamental, unir-se ao seguimento de uma abordagem pedagógica que guie a incorporação das tecnologias nos ambientes educacionais.
A ECOLOGIA DE SABERES E A INCORPORAÇÃO TECNOLÓGICA AO ENSINO
A ecologia de saberes pauta-se na ideia da poética da relação, que compreende o outro como inferência, como uma presença implícita de ações. É pressuposto da poética da relação uma concepção de identidade relação, que implica um encontro com o outro sem perigo de diluição4.
Apreende-se, assim, a ecologia dos saberes como estratégia para consolidar o pensamento pós-abissal, uma vez que se pauta na ideia de compartilhamento e incentivo às múltiplas formas de conhecimento.
No âmbito do ensino inovador da enfermagem, realça-se que a ecologia de saberes altera mesmo a lógica da aprendizagem, ao defender que é imprescindível que os sujeitos envolvidos no processo de ensinar e aprender estejam sempre atentos a efetuar a comparação entre o conhecimento que está sendo aprendido e aquele que, no mesmo processo, pode estar sendo desaprendido e esquecido.
Essa abordagem está pautada no conceito de "conhecimento prudente", que tem por base que "a ignorância só é uma forma desqualificada de ser e de fazer quando o que se aprende vale mais do que o que se esquece"4:26. Numa concepção pedagógica, apreende-se tal ideia como a valorização do aprendizado com o erro, a partir de uma concepção de avaliação e aprendizado contínuos e formativos.
Assim, ao contrário dos modelos que concorrem para que o estudante se torne dependente do docente na aquisição de saberes, mantendo uma postura passiva, a ecologia de saberes contribui para o ensino inovador ao defender que o estímulo à construção e ao empoderamento do saber é primordial, para que os educandos tomem consciência de que eles são corresponsáveis por sua aprendizagem, sendo o professor um facilitador desse conhecimento1.
Torna-se essencial, nesse processo, a utilização de metodologias ativas para uma prática de educação libertadora, na formação de um profissional ativo e apto a aprender a aprender. O aprender a aprender, na formação dos profissionais de saúde, deve ser pautado em: aprender a fazer; aprender a ser; aprender a conhecer; aprender a conviver6.
Para tanto, as incorporações tecnológicas ao ensino, por meio das metodologias ativas, utilizam como estratégia de ensino-aprendizagem motivar o estudante diante de um problema; e, assim, ele se detém, analisa, examine, reflete e relaciona com suas vivências e sua aprendizagem, levando a uma construção de conhecimentos, com a finalidade de resolver a questão proposta inicialmente6,7.
Soma-se, ainda, enquanto motivação para o ensino inovador da enfermagem, a possibilidade de garantir um ensino multissensorial e dinâmico, a partir do uso de diferentes recursos e abordagem pedagógica. Ressalta-se que, dentre os determinantes do processo de aprender, os estilos de aprendizagem preferidos pelos estudantes constituem um elemento de avaliação diagnóstica fundamental, os quais são compreendidos enquanto formas e condições mais eficientes e eficazes por meio das quais os discentes aprendem, considerando os fatores cognitivos, afetivos e psicológicos13.
O enfermeiro educador, nesse contexto, possui duas responsabilidades significativas: aceitar a diversidade de estilos de modo a criar uma atmosfera para a aprendizagem que ofereça experiências encorajadoras para cada indivíduo alcançar seu potencial máximo; e combinar diferentes abordagens a partir de uma análise crítica de seus fundamentos, já que um currículo de enfermagem baseado em apenas uma abordagem pode restringir o desenvolvimento educacional dos estudantes13.
Assim, a possibilidade de um ensino motivador, reflexivo, multissensorial, dinâmico, flexível, colaborativo e que promova a socialização do conhecimento são benefícios destacados para o ensino na educação em enfermagem, em seus diversos ambientes de aprendizagem. Além disso, constitui um meio de afirmar as concepções defendidas pelas Epistemologias do Sul, na medida em que se pauta na diversidade de saberes e na poética da relação entre docente e discente.
IMPLICAÇÕES PARA ENFERMAGEM
Em relação às práticas pedagógicas presentes no ensino de enfermagem no Brasil e que, por sua vez, determinam as práticas educativas vinculadas à docência nessa área, cabe salientar que, historicamente, a formação acadêmica do enfermeiro está direcionada aos aspectos técnicos necessários à profissão, baseada no repasse e transmissão de conteúdos ao aluno14.
No que diz respeito às possibilidades de inovações no ensino de enfermagem, uma pesquisa documental que objetivou caracterizar as tecnologias para o ensino utilizadas ou desenvolvidas nas dissertações e teses brasileiras, revelou que, das pesquisas resultantes de mestrado e doutorado defendidas entre 2003 e 2013, apenas 15,0% referiam-se ao uso ou ao desenvolvimento de tecnologias para o ensino, compondo as seguintes categorias: uso de mapa conceitual; uso de jogos; desenvolvimento de Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA); desenvolvimento de material educativo; desenvolvimento de curso de Educação à Distância; e desenvolvimento de artefato15.
Assim, visualizam-se exemplos de inovações no ensino da enfermagem que podem contribuir para a efetivação de uma prática educativa pautada na Ecologia dos Saberes. O Quadro 3 destaca os benefícios e limitações do uso das tecnologias para o ensino, os quais foram elucidados pelas investigações analisadas na pesquisa citada15.
Benefícios | Limitações |
---|---|
Estímulo à motivação, reflexão e comprometimento dos estudantes; Ensino dinâmico por meio da participação ativa dos discentes; Aprendizagem multissensorial a partir do uso de diferentes mídias; Flexibilidade ao ritmo e estilo de aprendizagem dos discentes; Familiaridade dos estudantes com recursos tecnológicos; Avaliação em diferentes momentos e várias dimensões; Criação de espaço de partilha de experiências e informações (fóruns, chats, etc.). | Tempo necessário para o desenvolvimento das inovações; Necessidade de avaliar o impacto das incorporações tecnológicas no ensino; Existência de alunos com pouca habilidade; Ambientes de ensino com estruturas precárias; Necessidade de validação das inovações no ensino que requer peritos qualificados. |
No âmbito do ensino inovador da enfermagem, são propostos, portanto, três elementos substanciais para a rápida mudança no panorama de cuidados de saúde mediante o ensino. A primeira consideração é a valorização de um sistema de ensino mais responsável, o segundo é o uso da tecnologia para oferecer cuidados e envolver os "consumidores". E o terceiro é o movimento em direção as equipes interprofissionais, para atender as necessidades de cuidados de saúde atuais e futuras da população16.
Nesse contexto, alguns modelos de ensino são discutidos para favorecer um processo de ensino e aprendizagem que se aproximem da Ecologia dos Saberes. O modelo de Educação Padrão por Competência, baseado em um conceito global de educação em que inicia uma aproximação com os conceitos de Boaventura de Souza Santos, em que integra o conhecimento, o estímulo ao desenvolvimento da capacidade e aperfeiçoamento da qualidade. Esse método de ensino é empregado por determinar as necessidades de competência do núcleo de estudantes de enfermagem, a criação de novos métodos ao modificar os métodos até então padrão, e de forma abrangente avalia os resultados científicos específicos para efetivamente reformar e melhorar a qualidade do ensino17.
Para que esse modelo seja bem sucedido, os professores devem desempenhar um papel de guia, não só ter um alto nível de conhecimento, habilidades profissionais, conhecimento humanístico, e rico conhecimento clínico da interdisciplinaridade, mas também devem compreender, profundamente, os novos conceitos de ensino. Esse modelo considera o aluno como o corpo principal e usa o professor como um mediador, alia conhecimento teórico com a prática docente. E, conforme o pensamento pós-abissal associa uma variedade de métodos de ensino avançados, como a Prática Baseada em Problemas, simulação de situações realísticas, análise de casos, e aprendizagem cooperativa. O método incentiva os alunos a estudarem, ativamente, explorando as soluções para os problemas em enfermagem clínica, utilizando aprendizagem ativa em vários canais para estabelecer as bases para a aprendizagem ao longo da vida17.
Em relação à utilização da tecnologia educacional avançada, principalmente as simulações, são ferramentas necessárias para preparar os alunos para ambientes de trabalho complexos e dinâmicos. O uso dessas ferramentas fornece um ambiente de aprendizagem seguro para os alunos com uma variedade de oportunidades que permite a aproximação prática dos conceitos e habilidades adquiridas no curso de enfermagem. Além disso, esse ambiente de aprendizagem facilita a exploração das consequências de julgamentos clínicos sem o medo dos pacientes sofrerem consequências. Em última análise, a troca de conhecimento bem sucedida durante a simulação é baseada na disposição dos educadores para se aventurar em direção ao desconhecido e investir o tempo necessário exigido para planejar cuidadosamente a experiência de aprendizagem18.
Dessa forma, enfermeiros educadores têm um papel profissional e ético no desenvolvimento de um ambiente propício para a aprendizagem, que incentive os alunos a pensarem e raciocinarem, o que requer um planejamento estratégico. Os educadores devem mostrar consideração ao tempo despendido pelos alunos, esforços e contribuições, assim como respeito, acessibilidade, flexibilidade e disponibilizar ajuda, para construir uma relação de ensino-aprendizagem que promova a confiança e incentive a participação dos alunos, ou seja, um ambiente de aprendizagem em que os alunos são, genuinamente, valorizados e incentivados para construírem habilidades de pensamento crítico19.
Essas habilidades devem ser associadas ao raciocínio clínico e ao contexto que o estudante pertence, assim como a sociedade que está inserida com o intuito de favorecer a formação do enfermeiro com competência técnica e habilidades que permitam uma assistência efetiva e de qualidade.
CONCLUSÃO
Este ensaio refletiu acerca do ensino inovador da enfermagem, a partir do referencial das epistemologias do Sul. Tendo por base as discussões acerca do pensamento pós-abissal, das tendências de descolonização dos saberes, de se fazer compreender a necessidade de interconhecimentos. Conclui-se que, para a construção contínua de um conhecimento complexo mediado pelos saberes prévios, pelas competências e habilidades inerentes ao enfermeiro, tal referencial pode subsidiar um ensino inovador que proporcione uma aprendizagem significativa.
Realçou-se, portanto, a essencialidade de se compreender que as tecnologias para o ensino devem integrar um processo pedagógico mais amplo, resultante de reflexões teóricas e de competências dialógicas do enfermeiro enquanto educador e, principalmente, utilizar as inovações propostas no ensino para favorecer ao estudante de enfermagem o desenvolvimento do pensamento crítico, e, portanto, ser capaz de atuar nas mais diversas situações.
O pensamento abissal traduz-se, destarte, no referencial teórico que pode subsidiar o ensino inovador da enfermagem, em consonância com a compreensão da diversidade epistemológica necessária ao ensino que compreende a coparticipação entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e o reconhecimento da diversidade de saberes como aspecto enriquecedor do ensino.
REFERÊNCIAS