Volume 20, Número 2, Abr/Jun - 2016
PESQUISA
Antissepsia cirúrgica e utilização de luvas cirúrgicas como
potenciais fatores de risco para contaminação transoperatória
Adriana Cristina de Oliveira
1
Camila Sarmento Gama
1
1 Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil
Recebido em 01/07/2015
Aprovado em 25/02/2016
Autor correspondente:
Adriana Cristina de Oliveira
E-mail: adrianacoliveira@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Objetivou-se investigar a prática da antissepsia cirúrgica das mãos e a
integridade das luvas estéreis após seu uso pela equipe cirúrgica de um
hospital universitário de Belo Horizonte.
MÉTODOS:
Realizou-se um estudo transversal envolvendo o serviço de ginecologia, em
abril de 2013. Os dados foram coletados por meio da observação da prática da
antissepsia cirúrgica das mãos e teste para avaliação de perfuração das
luvas após seu uso. Foi realizada uma análise estatística descritiva.
RESULTADOS:
Somente 16% dos cirurgiões cumpriram com a técnica e tempo recomendados para
a prática antissepsia cirúrgica das mãos. Para as luvas registrou-se 11,1%
de perfurações e 31,8% foram percebidas.
CONCLUSÃO:
Evidenciou-se no presente trabalho que falhas nesses procedimentos ocorrem
rotineiramente, sendo capazes de interferir na segurança do paciente e do
profissional, incitando a reflexão acerca da temática em diferentes
instituições de saúde.
Palavras-chave: Desinfecção das Mãos; Luvas Cirúrgicas; Cirurgia.
INTRODUÇÃO
As infecções do sítio cirúrgico (ISC) são as complicações mais frequentes em pacientes que se submetem a cirurgias, correspondendo a 38% das infecções nessa população1.
A ocorrência da ISC depende dos fatores relacionados ao paciente, à equipe, mas, fundamentalmente, da possibilidade de contaminação da ferida cirúrgica durante o procedimento operatório. No transoperatório é fundamental evitar a contaminação da incisão cirúrgica, capaz de desencadear a ISC, pelo acesso direto dos micro-organismos na cavidade aberta e manipulada2.
Embora a ISC seja multifatorial, a equipe cirúrgica tem papel fundamental na prevenção dos fatores relacionados ao procedimento cirúrgico durante o pré e transoperatório. Ressalta-se a antissepsia cirúrgica das mãos e a utilização de luvas cirúrgicas estéreis como medidas capazes de interferir diretamente na patogênese da ISC, à medida que contribuem para a redução/eliminação da transferência de micro-organismos para a incisão cirúrgica, fator sine qua non para o desenvolvimento da infecção3.
Nesse sentido, as mãos dos profissionais da equipe cirúrgica possuem papel de destaque, sendo comprovadamente colonizadas por micro-organismos potencialmente patogênicos, tendo sido associadas à ocorrência de surtos infecciosos em pacientes cirúrgicos4,5, demonstrando a necessidade da realização de uma antissepsia cirúrgica das mãos de forma efetiva e da utilização de luvas estéreis que impeçam o contato direto das mãos com a cavidade manipulada, protegendo, assim, os pacientes e os profissionais.
A antissepsia cirúrgica ou preparo pré-operatório das mãos objetiva eliminar a microbiota transitória e reduzir a residente, além de inibir o crescimento de micro-organismos nas mãos enluvadas da equipe cirúrgica durante a cirurgia. A sua realização consiste na higienização das mãos no período pré-operatório com substâncias antissépticas que possuem atividades antimicrobianas persistentes e de amplo espectro. E, a eficácia depende da seleção do agente antisséptico, método de aplicação e duração do processo6.
A prática da antissepsia cirúrgica das mãos é fortemente sugerida por associações/sociedades e organizações como a Organização Mundial de Saúde (OMS)6, Association of Perioperative Registered Nurses (AORN)4, Centers for Disease Control and Prevention (CDC)1, Ministério da Saúde (MS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)7. Entretanto, apesar de sua relevância, estudos têm demonstrado insuficiente adesão dos cirurgiões seja quanto ao tempo destinado ou técnica utilizada para tal procedimento8.
Além da antissepsia cirúrgica das mãos, a utilização de luvas cirúrgicas estéreis é, também, uma medida fundamental para a prevenção da ISC ao propiciar barreira física para os micro-organismos presentes nas mãos dos profissionais de saúde, no ambiente e nos pacientes6,8.
As luvas estéreis são usadas de forma complementar à antissepsia cirúrgica das mãos, sendo ambas igualmente imprescindíveis. Entretanto, sua utilização não garante total segurança aos profissionais e aos pacientes, sendo ainda comum a ocorrência de (micro) perfurações/rasgos nas mesmas, que acabam impedindo-as de atenderem a suas finalidades9. Essas falhas, muitas vezes, sequer são percebidas pelos profissionais, sendo o procedimento executado sem interrupção, expondo o paciente, ao contato com micro-organismos potenciais causadores de infecção10.
Diante do exposto, o objetivo da presente investigação foi de averiguar a prática da antissepsia cirúrgica das mãos e a integridade das luvas estéreis após o seu uso, entre membros da equipe cirúrgica do serviço de ginecologia de um hospital universitário de Belo Horizonte.
Revisão de Literatura
A antissepsia cirúrgica das mãos, geralmente, é praticada como parte de um ritual pela equipe cirúrgica, não sendo a adesão um problema de fato, diferentemente da higienização das mãos. Assim, observa-se na literatura uma vasta publicação relacionada à adesão e técnicas de higienização das mãos e um quantitativo bem inferior de estudos que trabalhem aspectos da degermação das mãos8, não tendo sido encontrado estudos brasileiros.
A efetividade da degermação das mãos depende do cumprimento de requisitos como a seleção do antisséptico adequado, a não utilização de acessórios, os cuidados com as unhas, a limpeza do leito subungueal e a pré-higienização das mãos4,7,9,11.
O preparo pré-operatório das mãos da equipe cirúrgica deve iniciar com a cronometragem do tempo. Embora seja uma etapa preconizada, pouco consenso existe acerca do tempo ideal para a efetividade do agente antisséptico. Estudos demonstram que a escovação durante a antissepsia cirúrgica das mãos realizada em dois minutos, é tão eficaz quanto de dez minutos na redução da contagem bacteriana1. Assim, o CDC instrui que esse tempo seja de no mínimo dois minutos e no máximo de cinco minutos1, a AORN recomenda de três a cinco minutos, conforme as instruções do fabricante do produto12 e a ANVISA preconiza que a primeira degermação do dia seja feita entre três e cinco minutos e as subsequentes entre dois e três minutos7.
Quanto à técnica, essa deve incluir a escovação de todos os dedos, em todas as suas dimensões, os espaços interdigitais, a palma e as costas das mãos durante dois minutos. Em seguida, os braços devem ser escovados em todas as suas laterais do punho até o cotovelo durante um minuto, mantendo a mão elevada em relação ao cotovelo e longe do corpo em todos os momentos, permitindo o escoamento da água pelos cotovelos, evitando a recontaminação das mãos por água capaz de carrear micro-organismos4,6,9.
Todo esse processo deve ser repetido com a outra mão e antebraço. Caso alguma região já escovada toque qualquer outro objeto, equipamento ou estrutura que não seja a escova/esponja impregnada com antisséptico, a escovação deve ser realizada novamente por um minuto na área contaminada. Após escovar ambas as mãos e braços, o enxágue deve ser realizado em água que não seja de origem duvidosa, passando-os na água em uma única direção, no sentido da ponta dos dedos para o cotovelo, não sendo recomendada a movimentação do braço para frente e para trás durante essa etapa4,6,9.
Em todos os momentos durante o processo, cuidados devem ser tomados para não espirrar água no vestuário cirúrgico. Por fim, a torneira deve ser fechada sem que a parte degermada toque áreas contaminadas. As mãos e antebraços não devem ser sacudidos e devem ser secos usando uma toalha de estéril e técnica asséptica antes da paramentação cirúrgica, atentando-se para a secagem no sentido da ponta dos dedos em direção ao cotovelo com diferentes partes da toalha em movimento compressivo, e não de arrastamento4,6,9.
A fim de complementar a medida da antissepsia cirúrgica das mãos, utiliza-se as luvas cirúrgicas estéreis, pois atuam como barreiras aos micro-organismos, embora não sejam capazes de eliminá-los. Pelo contrário, elas criam um ambiente úmido nas mãos promovendo a proliferação de micro-organismos que se exacerba, principalmente, quando a antissepsia cirúrgica das mãos não é realizada. Portanto, em caso de perfuração da mesma, a transferência desses patógenos pelos orifícios, ainda que microscópicos, é facilitada, aumentando o risco de contaminação do sítio cirúrgico capaz de desencadear ISC. Por essa razão, seu emprego não dispensa a prática de preparo pré-operatório das mãos6.
Dessa forma, destacam-se a realização da antissepsia cirúrgica das mãos e a utilização de luvas cirúrgicas estéreis como medidas preventivas de extrema relevância capazes de interferir na patogênese da ISC. Medidas essas que devem ser executadas adequadamente a fim de garantir a sua efetividade e, consequentemente, a segurança do paciente.
MÉTODOS
Realizou-se uma pesquisa de corte transversal e de abordagem quantitativa em um hospital universitário de grande porte de Belo Horizonte, com membros da equipe do serviço de ginecologia, em cirurgias eletivas ocorridas no mês de abril de 2013.
Foram elegíveis para o estudo os cirurgiões, preceptores, residentes e instrumentadores, quando presentes na equipe, de ambos os sexos e, independente da faixa etária.
A coleta de dados foi realizada no período da manhã e da tarde, de acordo com a rotina de agendamento cirúrgico da especialidade em foco, sendo a coleta dividida em duas fases.
Na fase I foi realizada a observação da prática de antissepsia cirúrgica das mãos dos membros da equipe por um pesquisador, que não foi apresentado aos profissionais observados, sendo realizada de forma cega para os profissionais, a fim de evitar a mudança no comportamento dos indivíduos quando sabem que estão sendo observados, denominados efeito Hawthorne.
Na fase II, na sala cirúrgica, antes do início do procedimento foi solicitado por um pesquisador diferente do atuante na fase I, o consentimento da equipe cirúrgica para avaliação da integridade das luvas utilizadas durante o procedimento cirúrgico, necessidade de trocas e percepção de perfurações. Após anuência e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi ainda solicitada à equipe que respondesse a um instrumento que contemplava as seguintes informações: categoria profissional, mão dominante para a atividade cirúrgica e tipo de enluvamento adotado que poderia ser único, isto é, uma luva em cada mão ou duplo, duas luvas em cada mão.
As luvas utilizadas foram avaliadas mediante o teste descrito pela norma europeia EN 455-113 para detecção de (micro) perfurações, que consistiu no enchimento de cada luva coletada com 1L de água, observação e compressão manual de cada dedo e espaços interdigitais para a avaliação da presença de furos.
Ao final de toda a coleta, os membros da equipe cirúrgica foram abordados novamente com a finalidade de um detalhamento maior do estudo, em relação à parte observacional e sua justificativa de realização sem a ocorrência de vieses. Nesse momento, foi solicitada a anuência do participante observado e foi esclarecido que, em caso de não concordância com a observação realizada do seu comportamento, a análise referente ao mesmo seria excluída da pesquisa. Mediante sua anuência foi apresentado ao mesmo outro TCLE, em consonância com os princípios éticos adotados para o estudo de acordo com a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais Parecer nº ETIC 11416512.1.0000.5149.
Após essa etapa, os dados obtidos foram digitados e analisados, de forma descritiva, com o auxílio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®) Versão 20.0.
RESULTADOS
Foram abordados 30 indivíduos inseridos nas equipes cirúrgicas do serviço de ginecologia em um hospital universitário de Belo Horizonte, no mês de abril de 2013. Desse total, 19 (63,3%) eram do sexo feminino, 27 (90,0%) eram formados em medicina, uma (3,3%) era acadêmica de medicina e duas (6,7%) eram técnicas de enfermagem. A média de idade foi de 33,1 anos, amplitude de 24 a 58 anos.
Desses participantes, oito (26,7%) eram preceptores da ginecologia, e 19 (63,3%) eram residentes. Dos 19 residentes, seis (31,6%) estavam em seu primeiro ano, seis (31,6%) no segundo, três (15,8%) no terceiro, três (15,8%) no quarto e um (5,2%) no quinto.
Foram acompanhadas 20 cirurgias ginecológicas eletivas, sendo 14 (70,0%) no período vespertino e seis (30,0%) no período matutino.
No que se refere à observação da antissepsia cirúrgica das mãos realizada pela equipe cirúrgica, foi obtido um total de 50 observações dessa prática no período do estudo. Ela foi abordada sob os seguintes aspectos: uso de acessórios, utilização de escova impregnada com antisséptico, fricção do degermante na pele (mãos, punhos, antebraços até o cotovelo), manutenção das mãos acima do nível do cotovelo durante todo o procedimento, repetição da técnica no membro oposto, enxágue total em água corrente em uma única direção no sentido das mãos para os cotovelos, fechamento da torneira sem contaminação, ato de movimentar bruscamente os braços com o intuito de eliminar o excesso de água e tempo adequado.
Das 50 observações, apenas oito (16%) cumpriram com os requisitos exigidos de tempo e técnica (Tabela 1).
Variável | N (50) | (%) |
---|---|---|
Uso de acessório | ||
Sim | 0 | 0 |
Não | 50 | 100 |
Utilização de escova impregnada antisséptico | ||
Sim | 49 | 98 |
Não | 1 | 2 |
Fricção de degermante na pele das mãos ao cotovelo | ||
Sim | 48 | 96 |
Não | 2 | 2 |
Manutenção das mãos acima do nível do cotovelo | ||
Sim | 27 | 54 |
Não | 23 | 46 |
Repetição da técnica no membro oposto | ||
Sim | 50 | 100 |
Não | 0 | 0 |
Enxágue em água corrente | ||
Sim | 37 | 74 |
Não | 0 | 0 |
Parcialmente (deixou resquícios de sabão) | 13 | 26 |
Enxágue em uma única direção no sentido das mãos para o cotovelo | ||
Sim | 25 | 50 |
Não | 25 | 50 |
Fechamento da torneira sem contaminação | ||
Sim | 50 | 100 |
Não | 0 | 0 |
Movimentos bruscos dos braços para escoar o excesso de água | ||
Sim | 1 | 2 |
Não | 49 | 98 |
O tempo de degermação foi cronometrado e considerado adequado em 20 (40%) das 50 observações realizadas. Sendo que em 18 (36%) delas o tempo adequado foi de três minutos ou mais, de acordo com o recomendado para aqueles que executam esse procedimento para a primeira cirurgia do dia (Tabela 2).
Tempo de degermação* | Primeira cirurgia | Total | |
---|---|---|---|
Sim | Não | ||
0 a 59 segundos | 2 | 1 | 3 |
60 a 119 segundos | 12 | 1 | 13 |
120 a 179 segundos | 14 | 2 | 16 |
180 a 239 segundos | 13 | 0 | 13 |
240 a 299 segundos | 5 | 0 | 5 |
Total | 46 | 4 | 50 |
* De acordo com as recomendações da ANVISA, foi considerado adequado o tempo de três a cinco minutos para a primeira cirurgia do dia e de dois a três minutos para as subsequentes.
A secagem das mãos realizada após a antissepsia cirúrgica das mãos foi feita com compressa estéril em 48 (96%) observações. Entretanto, apenas 12 (24%) executaram o movimento compressivo no sentido da ponta dos dedos ao cotovelo e 31 (62%) não atentou para a utilização de diferentes lados da compressa para regiões distintas da área degermada.
Quanto à perfuração das luvas, esta ocorreu em 13 cirurgias (65,0%) acompanhadas.
As luvas utilizadas foram de látex natural de uma mesma marca registrada. Foram analisadas 198 luvas, das quais 22 (11,1%) tiveram perfuração detectada em teste após o término da cirurgia. As luvas perfuradas foram utilizadas por 12 (40,0%) participantes, sendo que cinco deles teve sua luva perfurada mais de uma vez em procedimentos cirúrgicos distintos. Do total de perfurações detectadas, sete (31,8%) delas foram percebidas por seus usuários.
Quanto aos usuários das luvas perfuradas, 17 (77,3%) eram residentes, cinco (22,7%) eram preceptores, sendo que 16 (72,7%) atuavam como cirurgiões e seis (27,3%) como médicos auxiliar/assistente. No que se refere à mão dominante, 26 (86,7%) eram destros, três (10,0%) canhotos e um (3,3%) ambidestro.
O tempo de duração da cirurgia em que ocorreu o maior número de perfurações das luvas foi de 90 a 119 minutos (40,9%). E a luva mais perfurada foi a da mão esquerda, conforme Tabela 3.
Variável | N (22) | % |
---|---|---|
Duração da cirurgia em que foi detectada perfuração na luva | ||
0 a 29 minutos | 1 | 4,5 |
30 a 59 minutos | 1 | 4,5 |
60 a 89 minutos | 2 | 9,1 |
90 a 119 minutos | 9 | 40,9 |
120 a 149 minutos | 3 | 13,7 |
180 a 209 minutos | 4 | 18,2 |
300 a 329 minutos | 2 | 9,1 |
Mão em que ocorreu a perfuração | ||
Luva única da mão esquerda | 6 | 27,3 |
Luva única da mão direita | 5 | 22,7 |
Luva interna e externa da mão esquerda concomitantemente* | 4 | 18,1 |
Luva externa da mão esquerda | 3 | 13,7 |
Luva interna da mão direita+ | 3 | 13,7 |
Luva externa da mão direita | 1 | 4,5 |
Quantidade de perfuração por luva | ||
Uma perfuração | 19 | 86,5 |
Duas ou mais perfurações | 3 | 13,5 |
No que se refere à localização anatômica, observou-se que o dedo polegar foi o mais acometido pelas perfurações (25%), seguido pelo dedo indicador e dorso e da mão (20,8%) (Figura 1).
Do total de perfurações detectadas, 15 (68,2%) eram de usuários do sexo feminino, nove (41,0%) ocorreram na mão dominante, 12 (54,5%) na mão não dominante e um (4,5%) ocorreu com usuário ambidestro. Ressalta-se que três (13,6%) luvas foram rasgadas durante o calçamento e não foram trocadas no momento da perfuração tendo sido colocada outra por cima, tornando em enluvamento duplo.
O tipo de enluvamento utilizado pelo usuário no momento em que a luva perfurou foi único em 68,4% e duplo em 31,6% das ocorrências. Dentre aqueles que utilizaram enluvamento duplo, 66,7% furaram apenas a luva externa e 33,3% furaram a interna e externa ao mesmo tempo, no mesmo local.
DISCUSSÃO
No que diz respeito à antissepsia cirúrgica das mãos os achados dessa pesquisa estão em consonância com demais estudos8, demonstrando adesão insuficiente da equipe cirúrgica (16%) quanto ao tempo e técnica para a execução desse procedimento.
A fim de otimizar a técnica e tempo empregados na antissepsia cirúrgica das mãos e garantir sua efetividade, é de extrema relevância que a equipe cirúrgica atente para algumas recomendações como: a remoção de acessórios antes de iniciar o procedimento; a não utilização de unhas artificiais; remoção da sujeira no leito subungueal com um limpador ou escovas apropriadas em água corrente; atenção ao tempo de escovação recomendado1,4,6,11.
A adesão ao tempo de escovação foi baixa (40%). Os estudos referentes ao tempo necessário para a efetividade da escovação possuem metodologias distintas quanto ao antisséptico avaliado, tempo de aplicação e desfecho mensurado9 sendo, portanto, necessário a definição de um protocolo padrão para as instituições de saúde que orientem os seus profissionais.
Nesse sentido, alguns guias e manuais de prevenção da infecção cirúrgica baseados em evidências científicas, como o proposto pela AORN4, pela OMS6, e pela ANVISA7, contribuem para nortear as instituições ao padronizarem o tempo da primeira escovação de três a cinco minutos e de dois a três minutos para as subsequentes, mediante a utilização da solução antisséptica, em geral três mililitros, suficiente para cobrir toda a área necessária das mãos.
A não utilização de acessórios pelos participantes durante a escovação esteve em conformidade com recomendações da AORN4, CDC1, National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE)11 e OMS6, uma vez que estudos têm demonstrado maior colonização sob a área coberta por esses adereços prejudicando o contato do antisséptico nesses locais contribuindo, consequentemente, para a redução da efetividade da antissepsia. Além disso, o risco de perfurações e rasgos nas luvas é maior dentre os usuários de acessórios, ressaltando ainda o seu prejuízo para a manipulação do paciente em casos de urgência e o aumento da dificuldade de aderência das luvas no decorrer do procedimento cirúrgico1,6.
A utilização de escovas estéreis descartáveis de cerdas macias impregnadas com antisséptico, polivinilpirrolidona - iodo/ PVP-I, conforme preconizado pela ANVISA7 foi adotada por quase todos (98%) os participantes, adequadamente.
Ao longo dos anos, a prática de utilização de escovas se modificou consideravelmente. Até a década de 1960, usavam-se cerdas mais rígidas para a escovação. A partir de então, estudos começaram a demonstrar que o seu emprego provocava danos/ranhuras na epiderme que auxiliavam no abrigo de micro-organismos desses locais, aumentando a colonização bacteriana. Assim, elas foram substituídas no mercado por escovas descartáveis de cerdas macias e esponjas que conseguiam o mesmo efeito redutor da carga microbiana das mãos do que as de cerdas rígidas. Contudo, posteriormente, outros estudos demonstraram que a utilização ou não de escovas/esponjas durante a antissepsia cirúrgica das mãos alcançava o mesmo resultado, não sendo necessário, portanto, o seu uso6,8,9.
Quanto ao uso do antisséptico, todos usaram o PVPI. Embora não seja recomendado pela OMS e não tenha sido a realidade da instituição estudada, algumas antissepsias cirúrgicas das mãos são realizadas com preparações alcoólicas por meio de fricção desse produto nas mãos e antebraços do profissional12.
As substâncias ativas dessas preparações são o etanol, isopropanol e o n-propanol, separadamente ou em combinação de dois deles. A atividade antimicrobiana do álcool se deve a sua habilidade de desnaturação das proteínas, inviabilizando as funções celulares. Apesar de sua rápida ação antimicrobiana, quando aplicado à pele, não possui atividade residual. A adição de PVP-I, clorexidina, octenidina, ou triclosan à solução alcoólica, pode resultar em atividade residual6,14.
A eficácia dessas preparações alcoólicas tem sido comparada com a dos produtos tradicionais, tendo como vantagens o rápido início de ação, a ampla disponibilidade, a redução de danos à pele e o baixo custo1,15. No que se referem à redução microbiana, estes têm alcançado resultados iguais ou superiores a desses produtos e, quanto às taxas de infecção, estas têm sido similares16.
Os participantes aderiram satisfatoriamente durante todo o processo de antissepsia cirúrgica das mãos, à repetição da fricção com o membro oposto, ao fechamento da torneira sem contaminação da área degermada e a não realização de movimentos bruscos para o escoamento da água após o enxágue. Entretanto, a manutenção das mãos acima do nível do cotovelo e o enxágue em uma única direção, no sentido da ponta dos dedos para o cotovelo, com o intuito de evitar a contaminação da área degermada com micro-organismos proveniente de área não degermada, não apresentou adesão satisfatória, conforme pressuposto pelas recomendações de guidelines4,6.
Recomenda-se o enxágue das mãos em água limpa, para que não ocorra a recontaminação das mãos e, preferencialmente morna, para que os antissépticos atuem de forma mais efetiva. Em alguns casos, apesar da água ser de fonte confiável, pode ocorrer contaminação das torneiras por Pseudomonas aeruginosa e outras bactérias Gram-negativas. Embora não existam casos descritos na literatura de surtos em centros cirúrgicos relacionados a torneiras contaminadas, aconselha-se que estas, quando destinadas à antissepsia cirúrgica, não possuam arejadores6.
Quanto à secagem das mãos, embora a maioria (96%) tenha utilizado a compressa estéril atendendo a recomendações6, apenas 24% realizaram a secagem com movimentos compressivos da ponta dos dedos em direção ao cotovelo e 62% não atentaram para a utilização de diferentes lados da compressa para regiões distintas, viabilizando o carreamento de micro-organismos de regiões mais colonizadas para as menos colonizadas.
No que se refere à taxa de perfuração de luvas cirúrgicas estéreis, o resultado do presente estudo está de acordo com a literatura. Estima-se que ocorram em média 18%, variação de 5-82%, de (micro) perfurações/rasgos nas luvas durante a execução dos procedimentos que viabilizam a transferência de micro-organismos10, sendo capazes de dobrar o risco de ISC9.
Conforme observado, essas perfurações ocorreram com mais frequência na mão não dominante e, na maioria das vezes, no dedo polegar, seguido do indicador, diferente dos resultados encontrados que foi o indicador, seguido do polegar. Essa caracterização das perfurações se deve ao fato do cirurgião manipular os instrumentos perfurocortantes com a mão dominante causando acidentes na mão oposta17.
Quanto ao papel desempenhado, estudos têm demonstrado maior quantitativo de perfurações das luvas entre cirurgiões, fato em consonância com o presente trabalho18.
A maior duração do procedimento cirúrgico está relacionada com o aumento das taxas de perfurações nas luvas17. E a redução da taxa de contaminação microbiana está associada ao aumento da frequência de troca das luvas cirúrgicas. Assim, sugere-se a substituição das mesmas durante as cirurgias prolongadas, preferencialmente a cada noventa minutos.
Além da troca com maior frequência, para a manutenção da integridade física das luvas é preconizado o uso do enluvamento duplo, que consiste na utilização de duas luvas, sendo que a luva externa atua como uma barreira protetora contra perfurações da luva interna1-3,6. Recomenda-se a utilização de enluvamento duplo, quando existe um alto risco de perfuração da luva, por exemplo, cirurgias ortopédicas com uso excessivo de perfurocortantes e envolvimento com fragmentos ósseos, e que as consequências da contaminação sejam catastróficas como em implantes de próteses2,19. Essa proteção oferecida pela luva externa à luva interna foi efetiva para 66,7% dos usuários que colocaram em prática essa recomendação.
Notou-se que, geralmente, a minoria dos usuários percebeu a perfuração das luvas. Assim, com o intuito de aprimorar a efetividade do enluvamento duplo, tem sido indicado o uso de pares de luvas de cores diferentes, por exemplo, a luva interna de coloração verde brilhante e a externa branca, aumentando dessa forma, a percepção da ocorrência das perfurações pelo usuário das luvas20.
CONCLUSÃO
A realização de uma antissepsia cirúrgica inadequada, que não atenda ao tempo e à técnica preconizados, concomitantemente à ocorrência acidental e despercebida de perfurações das luvas cirúrgicas estéreis, pode expor a incisão cirúrgica a micro-organismos potencialmente patogênicos capazes de desencadear infecções.
Evidenciou-se no presente trabalho que falhas nesses procedimentos ocorrem rotineiramente, sendo capazes de interferir na segurança do paciente, incitando a reflexão acerca da temática em diferentes instituições de saúde de acordo com suas realidades.
Assim, a fim de minimizar a ocorrência de falhas, sugere-se a implantação de algumas medidas como: a realização de treinamentos e monitoramentos periódicos quanto à prática de antissepsia cirúrgica das mãos empregada pelos membros das equipes cirúrgicas; a utilização de enluvamento duplo para preservar a integridade da luva interna, garantindo a sua efetividade; e a troca de luvas a cada 90 minutos de uso, para reduzir a chance de seu usuário continuar utilizando-a com perfurações que passam despercebidas.
AGRADECIMENTOS
Essa pesquisa foi apoiada pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
REFERÊNCIAS