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ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 20, Número 2, Abr/Jun - 2016



DOI: 10.5935/1414-8145.20160037

PESQUISA

Avaliação da Estratégia Saúde da Família na Perspectiva dos Profissionais de Saúde

Eliane de Fátima Almeida Lima 1
Ana Inês Sousa 2
Franciele Marabotti Costa Leite 1
Rita de Cassia Duarte Lima 1
Maria Helena Nascimento 2
Cândida Caniçali Primo 1


1 Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, ES, Brasil
2 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Recebido em 30/10/2015
Aprovado em 17/02/2016

Autor correspondente:
Eliane de Fátima Almeida Lima
E-mail: elianelima66@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a qualidade da Estratégia Saúde da Família (ESF) através dos atributos da Atenção Primária na perspectiva dos profissionais de saúde e verificar associação entre esses atributos e as características sociodemográficas e profissionais da equipe.
MÉTODOS: Estudo seccional, realizado nas unidades de saúde da família do município de Serra, Espírito Santo. Para coleta de dados utilizou-se questionário denominado de Instrumento de Avaliação da Atenção Primária (PCATool). O instrumento foi aplicado a 205 profissionais atuantes nas equipes de saúde da família. Para verificar associações realizaram-se os testes Exato de Fisher e Qui-quadrado de Pearson.
RESULTADO: As dimensões melhor avaliadas foram: a orientação familiar e a longitudinalidade. A associação entre o atributo essencial e o nível de instrução e experiência anterior na ESF foi significativa.
CONCLUSÃO: Os profissionais percebem a atenção ofertada de maneira positiva, contribuindo para o fortalecimento e humanização da atenção básica.


Palavras-chave: Atenção primária à saúde; Saúde da família; Avaliação de serviço de saúde; Enfermagem.

INTRODUÇÃO

No Brasil, após a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), houve um fortalecimento da Atenção Primária em Saúde (APS). Esse nível da assistência passa a configurar a base e determinar o trabalho de todos os demais níveis dos sistemas de saúde, promovendo a organização e racionalização da utilização dos recursos, não apenas básicos, mas também especializados, com foco nas ações de promoção, manutenção e melhoria da saúde1. Assim, com a implementação e organização da APS, o Ministério da Saúde (MS) estabelece um modelo de reordenação da atenção à saúde conforme os princípios do SUS, denominado Estratégia Saúde da Família (ESF), que prioriza ações de cuidado à saúde de indivíduos, família e comunidade, de forma contínua e integral2.

A equipe de ESF é composta por diferentes profissionais, tendo como equipe mínima médico, enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem e o agente comunitário de saúde, podendo ainda ser acrescidos outros profissionais que se fizerem necessários aos municípios, conforme a realidade e necessidade local. Vale lembrar que os profissionais da equipe devem ser capazes de resolver problemas de saúde da comunidade com a promoção da assistência à saúde na Unidade Básica de Saúde (UBS) e quando necessário atendimento em domicílios3.

A manutenção das diretrizes e princípios do SUS, bem como o impacto favorável nas condições de saúde da população adscrita, devem ser as preocupações básicas da ESF. É fundamental que a equipe trabalhe com vistas a conhecer a sua área de abrangência, ampliando o vínculo com a comunidade, a qualidade e o acesso aos serviços prestados, bem como elabore ações estratégias e de intervenções que desencadeiem melhorias na saúde da população4.

É fato que, ao longo dos últimos anos, a ESF tem colaborado de forma significativa para a melhoria dos indicadores de saúde no país, alterando o perfil de morbimortalidade da população, além da redução de internações desnecessárias5. Desse modo a avaliação da qualidade da atenção prestada pela ESF é fundamental, pois possibilita novos investimentos na melhoria da qualidade dos serviços ofertados dentro de cada território de saúde, novas formas de gestão e cuidado, ações mais acessíveis, resolutivas e humanizadas aos usuários. Incluir profissionais de saúde no processo de avaliação de serviços de saúde significa ter o olhar de quem está dentro do serviço ou de um programa, e que exerce a gestão do cuidado, vivenciando as realidades e dificuldades dos serviços de saúde e do território6.

Nesse contexto, essa pesquisa teve como objetivo avaliar a qualidade da ESF, através dos atributos da Atenção Primária, na perspectiva dos profissionais de saúde, e verificar a associação entre esses atributos e as características sociodemográficas e profissionais da equipe.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo seccional realizado nas unidades de saúde no município de Serra, Espírito Santo, que tinham ESF. Dentre os municípios do estado, Serra foi o que apresentou a maior variação do Índice de Desenvolvimento Humano, passando de 0,390 em 1991 para 0,761 em 2010, considerado de médio desenvolvimento humano. O município tem como proposta de organização da rede de atenção à saúde a APS como porta de entrada preferencial por meio das UBS e a ESF. Para tal, conta com 33 UBS, 39 ESF e 11 Equipes de Agentes Comunitários de Saúde (EACS) atingindo uma cobertura de 41,1% da população. Cada equipe composta por médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS).

A população de estudo foi constituída pelos profissionais de saúde das equipes básicas ESF. O critério de inclusão foi pertencer à mesma unidade de ESF há mais de um ano e não estar de férias ou em licença que levasse ao afastamento do serviço. Para os profissionais de nível superior (médicos e enfermeiros), não foi realizado um cálculo de amostra, já que optou-se pela inclusão de toda a população (n = 67), e neste processo houve apenas três recusas, finalizando a coleta de dados com 64 profissionais de nível superior. Para os profissionais de nível médio, ACS e auxiliares, calculou-se a amostra aleatória simples. O nível de confiança foi definido em 90%, com margem de erro de 7%, e para garantir representatividade foi assumida a proporção = 0,5, onde se maximiza o tamanho da amostra. Sendo assim, a amostra de ACS e auxiliares totalizou 141 profissionais.

Para a coleta de dados utilizaram-se dois instrumentos, sendo o primeiro para avaliar o perfil sociodemográfico e profissional do grupo de profissionais da ESF (sexo, escolaridade, tempo de atuação e experiência anterior na ESF e incentivo do município a qualificação profissional). E ao segundo, aplicou-se o Instrumento de Avaliação da Atenção Primária (Primary Care Assessment Tool - PCATool), versão para os profissionais que possui 77 itens divididos em oito componentes: acesso de primeiro contato (9 itens); longitudinalidade (13 itens); coordenação - integração de cuidados (6 itens); coordenação - sistema de informações (3 itens); integralidade - serviços disponíveis (22 itens); integralidade - serviços prestados (15 itens); orientação familiar (3 itens) e orientação comunitária (6 itens). As respostas são do tipo Likert, com intervalo de um a quatro (1 a 4) para cada atributo. As respostas possíveis para cada um dos itens foram: "com certeza sim" (valor = 4), "provavelmente sim" (valor = 3), "provavelmente não" (valor = 2), "com certeza não" (valor = 1) e "não sei/não lembro" (valor = 9)7.

A etapa de coleta de dados teve início em agosto de 2013 e finalizou em setembro do mesmo ano. As entrevistas ocorreram nas unidades de saúde selecionadas, durante o período de funcionamento das mesmas. Os entrevistadores foram 4 enfermeiros e 1 nutricionista que participaram de um treinamento com duração de 40 horas semanais. Realizou-se um teste piloto com 14 agentes de saúde e dois profissionais de nível superior, e verificou-se que o instrumento apresentou-se claro, com um tempo de aplicação de 40 minutos.

Para obter o escore de qualidade das ESF, foi calculada a média de cada valor dos itens que compõem as dimensões e subdimensões, e após foram calculados os escores essencial (obtido da média dos atributos essenciais), o derivado (obtido pela média dos atributos derivados) e o escore geral da APS (valor médio dos atributos essenciais e derivados).

Após a consolidação dos dados relativos a cada atributo, os valores foram transformados em uma escala contínua, variando entre zero e dez, utilizando a fórmula a seguir: Escala = [(escore obtido - 1) x 10]/3. Valores de escores ≥ 6,6 foram definidos como elevados e equivalentes ao valor três ou mais na escala Likert, enquanto valores ≤ 6,6 foram considerados baixos7.

Para avaliação das associações entre os atributos da atenção primária e as características dos profissionais realizaram-se os testes Exato de Fisher e Qui-quadrado de Pearson. Os testes realizados assumiram um nível de significância de 5% e intervalo de confiança de 95%. Para a tabulação dos dados, foi utilizado o programa Microsoft Excel, e o processamento e análises dos dados foram realizados através do software SPSS for Windows, versão 19.0.

Os profissionais foram informados sobre os objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery sob o número do parecer: 315.266.

RESULTADOS

Na Tabela 1 estão apresentados os escores médios atribuídos em todas as dimensões. Verifica-se que a dimensão que obteve a menor média (2.84) foi acessibilidade. Apesar de algumas dimensões apresentarem resultados elevados (escore ≥ 6,6), como: coordenação do sistema de informação (7,82; DP: 1,93), integralidade do serviço disponível (6,71; DP: 1,145); orientação comunitária (7,32; DP: 1,86), e coordenação e integração dos cuidados (6,83; DP: 1,75), apresentam valores de desvio padrão em torno da média que podem levar à modificação nos escores levando a resultados insatisfatórios (escore ≤ 6,6). Destacam-se dentre as dimensões melhor avaliadas pelos profissionais: orientação familiar (9,07) e longitudinalidade (7,99).

Tabela 1. Escores atribuídos às dimensões da APS pelos profissionais entrevistados nas Unidades da Estratégia Saúde da Família. Serra - ES, 2014
  n Mínimo Máximo Média Desvio Padrão
Acessibilidade 205 0,00 7,03 2,84 1,08
Longitudinalidade 205 2,53 10,00 7,99 1,07
Coordenação Integração Cuidados 205 0,00 10,00 6,83 1,75
Coordenação Sistema de Informação 205 3,33 10,00 7,82 1,93
Integralidade Serviços disponíveis 205 2,27 9,83 6,71 1,14
Integralidade Serviços prestados 205 3,33 9,77 7,96 1,26
Orientação familiar 205 3,33 10,00 9,07 1,45
Orientação comunitária 205 1,67 10,00 7,32 1,86
Tabela 1. Escores atribuídos às dimensões da APS pelos profissionais entrevistados nas Unidades da Estratégia Saúde da Família. Serra - ES, 2014

Verificou-se que o município de Serra apresenta uma homogeneidade na distribuição de unidades em relação aos bairros mais populosos e periféricos, áreas de vulnerabilidade ou não, ampla cobertura do sistema de transporte do município e horários de atendimento. No entanto, os critérios de acessibilidade avaliados pelo instrumento pontuam questões não contempladas por todo o sistema de saúde desse município, como horário de atendimento até as 20 horas e nos finais de semana, fornecimento de contato telefônico de profissionais de saúde e aconselhamento por telefone.

Quanto à análise dos atributos essencial (acessibilidade, longitudinalidade, integração dos cuidados, coordenação e integralidade), derivado (orientação familiar e comunitária) e geral, nota-se que para os profissionais todos os três atributos apresentaram valores satisfatórios (escore ≥ 6,6), sendo escore essencial, 6,69; escore derivado, 8,14; e escore geral, 8,19.

Verifica-se na Tabela 2 a pontuação apresentada, para os escores essencial, derivado e geral. Constata-se uma avaliação satisfatória em todos os atributos (escore ≥ 6,6) na perspectiva dos profissionais.

Tabela 2. Escores atribuídos aos atributos da APS pelos profissionais entrevistados nas Unidades da Estratégia Saúde da Família. Serra - ES, 2014
Atributos da APS Profissionais
Escore essencial 6,69
Escore derivado 8,14
Escore geral 8,19
Tabela 2. Escores atribuídos aos atributos da APS pelos profissionais entrevistados nas Unidades da Estratégia Saúde da Família. Serra - ES, 2014

Na Tabela 3 encontra-se a associação entre as características sociodemográficas, de formação e atuação dos profissionais e o atributo essencial, derivado e geral. Observa-se que não houve associação entre os atributos essencial e geral e a variável idade, se receberam incentivo do município para qualificação, e o tempo de serviço (p > 0,05). Mas, ao associar o atributo essencial e geral com o nível de instrução e a experiência anterior na ESF, houve significância estatística (p < 0,05). Já em relação ao atributo derivado não houve significância estatística para as variáveis avaliadas.

Tabela 3. Associação entre as características sociodemográficas, de formação e atuação dos profissionais e o Atributo Essencial, Derivado e Geral. Serra - ES, 2014
Variáveis   Atributo Essencial Atributo Derivado Atributo Geral
  Valor de p Valor de p Valor de p
Sexo Masculino 0,9992 0,9991 0,9991
Feminino
Nível de instrução Ensino fundamental completo < 0,0011 0,0721 0,0021
Ensino médio completo
Ensino superior completo
Especialização completa e/ou residência completa
Experiência anterior Sim < 0,0011 0,0181 0,0011
Não
Munícipio ofereceu incentivo Sim 0,2022 0,9992 0,1662
Não

1 Teste Exato de Fisher;

2 Qui-quadrado de Pearson.

Tabela 3. Associação entre as características sociodemográficas, de formação e atuação dos profissionais e o Atributo Essencial, Derivado e Geral. Serra - ES, 2014

DISCUSSÃO

Nota-se que na perspectiva dos profissionais de saúde a acessibilidade obteve o menor valor atribuído, resultado que aponta um problema no serviço de saúde, uma vez que é por meio do acesso, primeiro contato, que o profissional tem o momento do acolher, ouvir e conhecer as necessidades, aumentando o vínculo entre profissional, usuário e serviço, mas também direcionará todo o cuidado se necessário. É nesse momento que se constroem as relações de confiança, respeito e aumento do vínculo, o que fará toda diferença no tratamento futuro, inclusive na aderência ao tratamento, além é claro de proporcionar a acessibilidade, a longitudinalidade do cuidado e sua integralidade8.

Esse atributo consiste não apenas no acesso ou chegada dos usuários ao serviço, mas perpassa por vários pontos relacionados ao acolhimento e humanização da atenção ofertada. Para alguns autores, a acessibilidade é tida como adequação entre a oferta e a demanda de serviços, e inclui a disponibilidade, acessibilidade geográfica, comodidade ou acesso socio-organizacional, bem como possibilidade de pagamento, acessibilidade financeira e aceitabilidade9,10.

Corroborando com nossos resultados, estudo com 123 profissionais médicos e enfermeiros em um município de médio porte do sul do Brasil utilizou o PCATool e constatou que o escore para o "acesso de primeiro contato" teve a pontuação mais baixa, com 3,65 (IC 3,4-3,9)11. Da mesma forma, uma avaliação da ESF em Porto Alegre verificou que "acesso de primeiro contato" recebeu os menores escores em todos os serviços, conforme os profissionais de saúde12. Quanto à acessibilidade em todos os municípios pesquisados no nordeste brasileiro foram observadas dificuldades para se conseguir consultas especializadas, serviços de apoio diagnóstico e terapêutico na média e alta complexidade da atenção, além de longos tempos de espera, filas (também virtuais), demora no recebimento dos exames, entre outros13. Outro estudo que corrobora com a nossa pesquisa e mostra a insuficiência na avaliação dessa dimensão foi o estudo realizado na ESF de São Luís, no Maranhão14.

A presença adequada da longitudinalidade é um fator essencial para o sistema de saúde, pois este atributo tende a produzir diagnósticos e tratamentos mais precisos, além da redução dos encaminhamentos desnecessários para especialistas e para a realização de procedimentos de maior complexidade15. Diferente de nossos resultados, pesquisa em município de Santa Catarina, no sul do Brasil, obteve escore de longitudinalidade de 6,0 (IC 5,83-6,34)11. O desenvolvimento da longitudinalidade no cotidiano de trabalho requer pontos importantes da ESF, como o acompanhamento dos usuários nas diferentes fases da vida, a assistência integral ao indivíduo e família, considerando seu contexto biopsicossocial, e a atuação por meio de ações de prevenção de agravos e promoção da saúde, buscando resultados positivos na situação de saúde da população16.

A coordenação do cuidado é definida como a articulação entre os diversos serviços que constituem a rede de atenção à saúde e ações relacionadas a esta atenção, de maneira que independente do local onde seja prestada esteja sincronizada e voltada ao alcance de um objetivo comum, ou seja, a melhor atenção ao usuário17. Na coordenação do cuidado na atenção primária, verifica-se que dentre as responsabilidade das equipes de saúde encontra-se a gestão do cuidado, uma vez que as equipes da ESF devem acompanhar os usuários nos projetos terapêuticos ao longo da Rede de Atenção à Saúde (RAS), organizar os fluxos entre os diferentes pontos de atenção desta, atuando como centro de comunicação, bem como responsabilizar-se pelos usuários ao longo desta rede, de forma horizontal, contínua e integral, produzindo com isso uma gestão compartilhada desta ação integral18.

Semelhante ao nosso estudo, pesquisa realizada na Região Centro-Oeste do Brasil19 encontrou uma coordenação considerada adequada na avaliação de centros de saúde tradicionais, equipes de saúde da família e entre usuários e profissionais. Da mesma forma, estudo desenvolvido em Centros de Saúde da Família de Sobral (CE) com 98 profissionais da ESF observou que o atributo coordenação foi bem avaliado, no entanto, ainda há deficiência na contrarreferência para a atenção primária20.

Quanto à integralidade da atenção, pesquisa em Minas Gerais verificou que 89,2% dos entrevistados ressaltaram a resolutividade do serviço oferecido pelo Programa Saúde da Família (PSF), especialmente devido às visitas domiciliares e às ações de prevenção de agravos21. Por outro lado, os resultados de um estudo desenvolvido com trabalhadores de equipes de saúde da família em um município do sudeste goiano revelaram que a fragmentação das ações e a desarticulação entre os trabalhadores dificultam a integralidade22.

Vale destacar que a orientação familiar e comunitária teve o maior escore de todos os demais atributos avaliados pelos profissionais da ESF. O enfoque familiar acontece quando a equipe é capaz de interagir com as famílias, tendo assim maior facilidade de reconhecer os seus problemas e necessidades, em sua singularidade, como sujeito da atenção. A orientação comunitária promoveria o reconhecimento das necessidades familiares através do ambiente social, econômico e cultural em que estão inseridas. Assim, as demandas em saúde seriam concebidas mediante as representações familiares e individuais sobre saúde e doença, e também dos sistemas de apoio comunitários1.

Estudo que tem avaliado a APS através dos seus atributos tem demonstrado divergências em relação ao resultado aqui apresentado, pois as dimensões enfoque familiar e a orientação comunitária têm recebido baixos escores na avaliação19,23,24.

Quanto aos resultados dos escores essencial e geral, estudo realizado em Porto Alegre, avaliando a qualidade da atenção primária pelos médicos e enfermeiros, encontrou, para o escore essencial, 7,36, e, para o geral, 7,80, corroborando com nossos achados12. Também concordando, pesquisa realizada na atenção primária em Chapecó (SC) apresentou um escore geral de APS estimado pelo PCATool-Brasil em 7,09 (IC 6,95-7,24), sendo um alto escore de orientação para a APS, e o escore essencial de APS foi de 6,86 (IC 6,91-7,01)11.

Os escores essenciais vinculam-se às tecnologias leves. Assim, uma vez ultrapassada a etapa do acesso, vão ser estabelecidos processos de negociação entre profissionais e usuários, com intuito de identificar suas necessidades e estabelecer uma produção de vínculo e melhor oferta do cuidado1,10.

As equipes devem estabelecer vínculos de compromisso e de corresponsabilidade com a comunidade, devendo estimular a organização das comunidades para exercer o controle social das ações e serviços de saúde. Além disso, devem estabelecer parcerias intersetoriais entre diferentes segmentos sociais e institucionais para que possam intervir em situações que transcendem a especificidade do setor saúde e que têm efeitos determinantes sobre as condições de vida e saúde dos indivíduos-famílias-comunidade17.

Em relação às associações entre o perfil sociodemográfico e profissional observou-se significância estatística entre o nível de instrução e ter trabalhado anteriormente em ESF, e, corroborando com nossos resultados, pesquisa realizada em município de Minas Gerais observou que as equipes onde atuavam profissionais com melhor qualificação como residência em saúde da família ou residência de medicina de família e comunidade apresentaram escores dos atributos geral e essencial da APS mais elevados do que os escores das equipes onde os profissionais não possuíam tal qualificação25.

Frente a essas constatações, aponta-se a importância de uma formação dos profissionais de saúde voltada para a área da saúde da família, pois o modelo de atenção à saúde na ESF exige dos profissionais conhecimentos específicos e as atribuições da equipe são complexas e múltiplas. Além disso, a persistência de modelos biomédicos e fragmentados na atenção à saúde concentra as ações nas consultas médicas e oferece pouca abertura para atividades educativas, de promoção e de prevenção à saúde26.

Enfim, a ESF deve ser constituída por equipes multiprofissionais que atuem numa lógica interdisciplinar, devendo priorizar o território como foco das intervenções e de orientações para a promoção à saúde e prevenção das doenças. Ao ampliar a intervenção para além do clínico e individual, contemplando a comunidade e seu entorno, o profissional precisa construir novas formas de atuação, dentro de um processo de trabalho coletivo que contemple e integre os saberes.

CONCLUSÃO

Nessa pesquisa, todos os atributos apresentaram escores satisfatórios (escore ≤ 6,6). Cabe ressaltar que as dimensões melhor avaliadas pelos profissionais foram: orientação familiar (9,07) e longitudinalidade (7,99). Também é preciso destacar que, ao associar o atributo essencial com o nível de instrução e a experiência anterior na ESF, verificou-se significância estatística (p < 0,05). Nesse sentido, evidencia-se que o investimento na formação profissional pode ser uma estratégia de qualificação da atenção em todos os serviços. De modo geral, sob a perspectiva dos profissionais, a experiência da ESF do município de Serra (ES) pode ser considerada exitosa, contribuindo para o fortalecimento e humanização da atenção básica.

Como limitação desse estudo registra-se que a avaliação ocorreu em um único município, mas que com a carência de estudos sobre o tema destaca-se a relevância de avaliações similares.

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