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Ministério da Educação
CAPES

Volume 20, Número 2, Abr/Jun - 2016



DOI: 10.5935/1414-8145.20160035

PESQUISA

Cuidados paliativos em oncologia pediátrica na percepção dos acadêmicos de enfermagem*

Tuani Magalhães Guimarães 1
Liliane Faria da Silva 1
Fátima Helena Espírito Santo 1
Juliana Rezende Montenegro Medeiros de Moraes 2


1 Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ, Brasil
2 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Recebido em 03/11/2015
Aprovado em 28/01/2016

Autor correspondente:
Liliane Faria da Silva
E-mail: lili.05@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer a percepção dos acadêmicos de enfermagem sobre cuidados paliativos em oncologia pediátrica.
MÉTODOS: Pesquisa exploratória, abordagem qualitativa, desenvolvida em 2014, na Escola de Enfermagem de uma Universidade Federal no Rio de Janeiro. Realizada entrevista semiestruturada com vinte acadêmicos do último período da graduação. Na análise dos dados emergiram duas unidades temáticas: percepção dos acadêmicos quanto aos cuidados paliativos em oncologia pediátrica e quanto à atuação da equipe profissional.
RESULTADOS: Para os acadêmicos, os cuidados paliativos em oncologia pediátrica estão relacionados ao controle de sinais e sintomas, conforto, apoio, promoção da qualidade de vida e bem-estar. Por outro lado, alguns entendem que o cuidado paliativo tem como objetivo prolongar o tempo de vida. Percebem a necessidade da atuação da equipe multiprofissional junto à criança e sua família.
CONCLUSÃO: A complexidade e os múltiplos aspectos envolvidos no cuidado paliativo exige que o mesmo seja abordado durante a graduação dos Enfermeiros.


Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Enfermagem Oncológica; Saúde da Criança.

INTRODUÇÃO

Câncer é um conjunto de doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais, que invadem tecidos e órgãos, podendo espalhar-se para diversas partes do corpo, causando as metástases1.

Considerada uma doença rara, o câncer infanto-juvenil, ou seja, aquele que acomete crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos, corresponde a 1% e 3% de todos os tumores malignos na maioria das populações. No Brasil, o câncer ocupa a segunda posição de óbitos de crianças e adolescentes (0 a 19 anos), perdendo somente para mortes por causas externas, configurando-se como a doença que mais mata no país1.

O câncer pediátrico, quando diagnosticado precocemente e tratado em centros especializados, tem chance de cura em torno de 70%. Entretanto, quando as possibilidades de tratamento curativo - que vão de cirurgia, radioterapia, quimioterapia e ainda o transplante - se esgotam e a doença não regride, só restam medidas de conforto neste momento de impossibilidade de cura. Assim, a proposta do tratamento passa a ser paliativo1,2.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define cuidados paliativos "como uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias, que enfrentam problemas associados a doenças que põem em risco a vida. Realizados por meio da prevenção e alívio do sofrimento, pela identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual"3.

Os cuidados paliativos em pediatria são aqueles que buscam a melhoria de qualidade de vida da criança, com alívio da dor e outros sintomas físicos, bem como apoio às necessidades e expectativas espirituais e psicossociais da criança e da família, uma vez que esta precisa de apoio no momento de luto3.

O papel do enfermeiro inicia-se no momento da notícia à família e à criança, dependendo de sua idade e da sua capacidade de compreender o que está sendo dito, até o momento de apoio ao luto da família. O profissional deve promover um cuidado centrado nas particularidades da criança, além de estabelecer comunicação com a família, que é componente essencial na promoção da saúde e no cuidado à criança, com assistência integral, que engloba os aspectos biológico, psicológico, social, econômico, espiritual e cultural4,5.

Para a assistência integral que a fase dos cuidados paliativos requer, faz-se necessária uma formação acadêmica que contemple esta temática. Entretanto, a literatura científica aponta que na formação dos profissionais de saúde, ainda há predomínio da lógica biologicista. As evidências científicas sobre a necessidade de preparar o graduando para enfrentar a morte mostram que os currículos nas instituições de ensino superior na área da saúde ainda não têm assegurado a contextualização da temática de modo consistente6,7.

Na literatura científica, há, atualmente, estudos com foco na equipe profissional, e que buscaram analisar o comportamento dos enfermeiros no cuidado diante da criança sem possibilidade de cura; assim como, descrever as percepções e experiências da equipe de enfermagem em relação à família em cuidados paliativos na oncologia e compreender o significado para a equipe de enfermagem de cuidar da criança com doença oncológica sem possibilidade de cura4,5,8. Entretanto, há escassez de literatura e pesquisas que contemplem a percepção dos graduandos, mais especificamente os de Enfermagem, futuros profissionais da área de saúde, quanto aos cuidados paliativos desenvolvidos junto à criança com câncer e sua família.

Frente ao exposto, esta pesquisa teve como objeto de estudo: cuidados paliativos em oncologia pediátrica na percepção dos acadêmicos de enfermagem. Deste modo, a questão norteadora do estudo foi: Qual a percepção dos acadêmicos de enfermagem sobre cuidados paliativos em oncologia pediátrica? Para a qual, estabeleceu-se o seguinte objetivo: conhecer a percepção dos acadêmicos de enfermagem sobre cuidados paliativos em oncologia pediátrica.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa9, realizada em uma Escola de Enfermagem de uma Universidade Federal localizada no Estado do Rio de Janeiro. O conteúdo teórico sobre oncologia e cuidados paliativos em pediatria são oferecidos no sétimo período da graduação, na disciplina obrigatória que aborda a saúde da criança hospitalizada. Na grade curricular, existe também uma disciplina eletiva sobre oncologia, mas que não aborda a temática pediátrica. Todos os acadêmicos passam pelo hospital universitário, cenário no ensino teórico-prático, porém não há atendimento para crianças com câncer.

Participaram 20 acadêmicos de uma turma de 33 graduandos de enfermagem no nono período, ou seja, o último período da graduação em Enfermagem. Os acadêmicos participantes do estudo representam 60% da turma do nono período.

Os critérios para inclusão dos participantes foram: acadêmicos com idade superior a 18 anos, cursando o último período da graduação. Já os critérios para exclusão dos participantes foram: acadêmicos com a matrícula trancada durante o período de coleta de dados, e os acadêmicos que trabalham como técnicos em enfermagem, pois estes podem trazer experiências de sua prática que não tenham sido adquiridas no curso de graduação.

O número de participantes foi delimitado com o decorrer da pesquisa e interrompido quando houve saturação dos dados. Por critério de saturação, entende-se o conhecimento adquirido e que consegue compreender a lógica interna do grupo ou da coletividade em estudo9.

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista semiestruturada, realizada no período de setembro a novembro de 2014. Foram perguntas abertas, nas quais o entrevistado teve a possibilidade de falar sobre os cuidados paliativos em oncologia pediátrica, sendo elas: O que você pensa sobre cuidados paliativos em oncologia pediátrica? Como acha que é feito o cuidado paliativo em criança com doença oncológica? Quais os cuidados paliativos que uma criança com doença oncológica demanda? As perguntas fechadas foram utilizadas para identificação dos participantes.

As entrevistas, com duração aproximada de 30 minutos, aconteceram em data e horário agendados, segundo a disponibilidade dos participantes. Para garantir a privacidade e evitar interferência de ruídos durante a gravação em aparelho eletrônico (MP3), as entrevistas, que foram realizadas pela primeira autora do artigo, ocorreram em salas de aula vazias da Escola de Enfermagem.

As entrevistas foram transcritas na íntegra e analisadas segundo as três fases da Análise Temática9: (1) pré-análise, com leitura flutuante para conhecer o conteúdo do material empírico gerado pelas entrevistas; (2) fase de exploração do material, quando os dados brutos foram transformados em unidades que representavam significados e depois agregados nas categorias; (3) fase de tratamento e a interpretação dos resultados, quando foi possível fazer inferências à luz da literatura científica sobre os cuidados paliativos na percepção dos acadêmicos de enfermagem.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição onde foi realizada (CAAE: 33739514.4.0000.5243/Parecer: 751.462), e respeitou todos os aspectos contidos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Nesse sentido, os participantes assinaram duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), uma via ficou com o pesquisador e outra, com o participante. Foi garantido o anonimato dos participantes através da classificação destes por ordem numérica precedida da Letra "A", referente a acadêmico.

Todo o material obtido por meio da coleta de dados, como gravação de voz e transcrição das falas, serão armazenados pelo pesquisador pelo período de 5 (cinco) anos e, posteriormente, serão destruídos.

RESULTADOS

A partir da análise das respostas dos acadêmicos entrevistados, emergiram as seguintes unidades temáticas: percepção dos acadêmicos quanto aos cuidados paliativos em oncologia pediátrica e a percepção dos acadêmicos quanto à atuação da equipe profissional na realização dos cuidados paliativos.

Percepção dos acadêmicos quanto aos cuidados paliativos em oncologia pediátrica

Na percepção dos acadêmicos de enfermagem participantes da pesquisa, os cuidados paliativos em oncologia pediátrica têm por finalidade o alívio dos sintomas, além de oferecer conforto e bem-estar à criança. Acrescenta-se que, para alguns participantes da pesquisa, esse cuidado tem por finalidade o prolongamento do tempo de vida dos pacientes.

Os acadêmicos de enfermagem destacaram que esta modalidade de cuidado é realizada com a finalidade de aliviar os sintomas, tais como dor, desconforto respiratório, dificuldade na alimentação e locomoção, além da identificação de alguma intercorrência. Para isso, são utilizados medicamentos e medidas não farmacológicas, como aplicação de compressas quentes e frias, e também monitorização dos sinais vitais das crianças:

Eu acho que o cuidado paliativo é feito através de medicamentos, radioterapia e quimioterapia [...] Dar banho, verificar sinais vitais, caso a criança tenha alguma intercorrência. Tentar resolver o problema (A9).

Ah, os cuidados paliativos que uma criança com doença oncológica demanda, são os cuidados gerais que uma criança sem nenhuma patologia requer, como alívio da dor (A8).

Até mesmo tratamento com quente/frio, compressas, coisas para amenizar a dor e o sofrimento dessa criança (A16).

Acho que a dor é a principal, mas acho que dependendo da área que a criança está comprometida pode gerar problemas respiratórios, dificuldade na alimentação, na locomoção. É até mesmo, não só no motor, mas também no cognitivo, no mental da criança (A17).

Para a maioria dos acadêmicos de enfermagem, o cuidado paliativo oferecido à criança com doença oncológica não tem com objetivo apenas o alívio da dor e dos sintomas físicos, mas também visa a promoção de bem-estar e saúde mental por meio de atividades e brincadeiras lúdicas, aproximação da família, apoio psicológico, interação social e atividades que elevem a autoestima da criança. Para isso, eles reforçam a importância de um ambiente agradável, sendo adaptado às necessidades que são específicas da infância:

Além da questão do cuidado como amenização da dor, provedor de conforto e melhoria da qualidade de vida da criança, tem toda a questão lúdica, né? Basta fazer atividade com estas crianças, o cuidado vai melhorar a autoestima dela e, consequentemente, vai influenciar no seu quadro, né? (A10).

A criança demanda cuidados com a recreação e crescimento. Por mais que você saiba que ela tem pouco tempo de vida, você tem que garantir que ela tenha o resto do tempo de vida feliz e sem dor, né? Sendo criança (A13).

Os cuidados paliativos vêm com o objetivo de aliviar a dor da criança, dar suporte à família e ao próprio paciente a fim de possibilitar uma morte mais tranquila, digamos assim. Amenizando os sinais e sintomas, como a dor, por exemplo (A20).

Para outros acadêmicos, os cuidados paliativos em oncologia pediátrica são adotados com a finalidade de prolongar o tempo de vida da criança:

Os cuidados paliativos vão conseguir prolongar a vida desta criança fazendo com que ela tenha este restinho de vida, né? (A2).

Bom. Eu penso que é o mesmo cuidado que se tem com pacientes adultos, que através do tratamento terapêutico, tentar estender o máximo possível a vida desta criança (A9).

O máximo de estimativa, né? Prolongar essa vida pra ele ficar tipo um período mais, entendeu? (A6).

Percepção dos acadêmicos quanto à atuação da equipe profissional na realização dos cuidados paliativos

Os acadêmicos participantes da pesquisa falaram a respeito da percepção que têm quanto à atuação dos profissionais na realização dos cuidados paliativos. Neste sentido, ressaltaram a importância da equipe multiprofissional e que todos devem atuar oferecendo apoio à criança e a sua família.

Os entrevistados ressaltaram a importância do trabalho da equipe multiprofissional para o sucesso no cuidado à criança com doença oncológica fora de possibilidade de cura:

Bom. Eu acho que essa criança precisa de trabalho psicológico, né? Trabalho nutricional, devido às medicações, radioterapia e quimioterapia que são feitos na criança, e os cuidados gerais de enfermagem (A9).

Eu penso que é uma área superimportante, não só pra a gente que é da enfermagem, né? Mas para a área multiprofissional da saúde. Eu acho que é uma área que demanda profissionais com conhecimento maior sobre oncologia, sobre esses cuidados (A17).

Alguns entrevistados falaram sobre a importância da atuação dos enfermeiros junto à criança, dando apoio e orientações, esclarecendo as mudanças que ocorreriam no seu corpo, o motivo pelo qual está internada ou vão precisar retornar ao hospital, os efeitos colaterais das medicações e as limitações para a prática de algumas atividades.

Tem que dar apoio para a criança. Fazer com que essa criança se torne ativa no tratamento, que entenda o que esta acontecendo, o que está sendo feito. [...] Falar das mudanças do corpo que ela vai ter, entende? (A1).

A gente pode fazer uso de brinquedos e desenhos para elas expressarem os sentimentos. Ela precisa ter algo para desprender essa dor que ela está sentindo nesse momento (A16).

Conversar com a criança para que ela entenda porque está internada, porque não pode voltar para casa, ou porque deve, frequentemente, retornar ao hospital, porque passa mal com os remédios, porque não pode fazer certas atividades (A19).

Alguns acadêmicos ressaltaram a importância da família no cuidado paliativo em oncologia pediátrica. Reforçaram a necessidade de oferecer apoio aos pais para que possam transmitir segurança à criança e acalmá-las durante este processo, serem envolvidos nos cuidados e receber orientações para o cuidado com a criança:

Como os pais enfrentam este momento. [...] O profissional também tem o pensamento focado nos pais (A8).

Quando eu penso em cuidado paliativo em oncologia pediátrica, eu não penso só na criança, mas também na família. Porque assim como é muito difícil para a criança, a sustentação e o apoio dela é a família, que também vai encarar isso de uma forma muito complicada. Então, a família é o foco do nosso cuidado (A19).

DISCUSSÃO

Através dos depoimentos dos participantes da pesquisa, foi possível observar a preocupação com o controle e eliminação dos sinais e sintomas durante a terapia paliativa, sobretudo a dor. Destaca-se que a literatura refere-se à dor em cuidados paliativos, não apenas como dor física, provocada pelo tumor, mas também como reflexo da situação que o paciente vive, incluindo os aspectos físicos, mentais e espirituais5. Neste sentido, os futuros profissionais precisam estar sensibilizados para compreender que a avaliação e controle da dor é algo complexo, que exige esforço e empenho da equipe multiprofissional.

O sucesso no controle da dor depende de uma avaliação rigorosa de sua intensidade e da efetividade dos analgésicos utilizados. Para isso, é imprescindível compreender o desenvolvimento e o comportamento infantil, pois muitas vezes a criança é pequena demais para expressar, através da fala, tudo o que está sentindo. Por isso, torna-se fundamental conhecer os parâmetros de sinais para determinadas faixas etárias, visando determinar as variações nas manifestações da dor10.

Diversos instrumentos podem ser utilizados para a avaliação da dor em pediatria. Estes incluem entrevistas, para as crianças que já verbalizam e podem autorrelatar a dor, e escalas que levam em consideração aspectos do comportamento, como a posição do corpo, a expressão facial, o choro; e fisiológicos, como frequência cardíaca, sudorese, frequência respiratória, entre outros10.

Os acadêmicos participantes da pesquisa também relataram a necessidade de controle de outros sinais e sintomas, como desconforto respiratório, dificuldade na alimentação e locomoção, que são recorrentes na criança em cuidado paliativo, seja pelo avanço da doença, seja pelo uso de medicações.

É importante que os profissionais de enfermagem sejam qualificados para intervir nestes sintomas clínicos mais frequentes na doença terminal, para atuar mais prontamente e utilizar adequadamente medicamentos para controle dos sintomas5,11. Como sinais e sintomas mais frequentes, destacam-se: desidratação, constipação, fadiga, fraqueza, náusea, vômito, caquexia, infecção, anemia, alterações metabólicas e endócrinas, alterações musculares, mucosite, dispneia e alteração do estado mental5.

Os acadêmicos destacaram medidas não farmacológicas com o objetivo de cessar os sintomas apresentados nesta fase. A literatura aponta que diversas terapias não-convencionais são usadas atualmente no tratamento de diversos agravos à saúde, destacando-se aromoterapia, ludoterapia e o toque terapêutico4,11.

Foi destacada a importância da preservação do ambiente infantil, enfatizando o brincar. Assim, dar possibilidades e estimular brincadeiras com as crianças em cuidado paliativo é reconhecer as especificidades da infância, uma vez que é através das brincadeiras que a criança se comunica e expressa seus sentimentos, ansiedades e frustrações. Neste contexto, diversos recursos podem ser utilizados para minimizar o adoecimento e a hospitalização, e ainda promover o bem-estar, conforto e alegria, tais como: o desenho, pintura, música, brinquedo, teatro e a iniciativa de contar histórias2.

Alguns acadêmicos percebem os cuidados paliativos como uma estratégia para prolongar a vida. Tal visão equivocada indica a necessidade de maior abordagem do tema durante a graduação, para esclarecimento dos objetivos e melhor compreensão da filosofia dos cuidados paliativos, uma vez que para crianças sem possibilidade de recuperação, a utilização de medidas intervencionistas curativas acaba sendo grande complicador nos cuidados paliativos, pois além de onerosas e sem benefícios, geram apenas dor e sofrimento12.

Existe, por parte dos profissionais de saúde, dificuldade no manejo de crianças em fase final de vida, o que os remetem a opção errônea pelo prolongamento da vida, ao invés da indicação de cuidados paliativos. Esse comportamento dos profissionais de saúde justifica-se pela falta de ensino e treinamento para lidar com os aspectos que envolvem o fim da vida nos cursos de graduação e pós-graduação, tais como: fundamentos bioéticos, habilidades de comunicação, estratégias assistenciais e ausência de discussão sobre os cuidados paliativos, apesar destes já terem sido eleitos pela Organização Mundial da Saúde como uma prioridade há mais de uma década13.

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) preconizam a formação de um enfermeiro generalista, humanista, crítico e reflexivo, para atuar sobre a realidade social e atender às necessidades da população com responsabilidade e compromisso com a cidadania e saúde integral do ser humano. Neste sentido, o perfil esperado apresenta, dentre outras características, a capacidade de reconhecer e intervir sobre os diferentes problemas e situações do processo de saúde-doença, com identificação das dimensões bio-psico-sociais14. No âmbito dos cuidados paliativos, essas dimensões devem ser abordadas de modo a oferecer conforto e bem-estar aos dias de vida das pessoas sem possibilidades de cura, inclusive as crianças com câncer.

Quanto à atuação da equipe, os acadêmicos destacaram que é fundamental o trabalho multiprofissional no cuidado à criança com doença oncológica fora de possibilidade terapêutica. Neste sentido, existe um estudo que foi realizado com o objetivo de compreender a visão da equipe multidisciplinar perante à criança com leucemia em cuidado paliativo. Os participantes apontaram que, para que o cuidado paliativo se desenvolva de forma segura e satisfatória, é necessário que no trabalho em equipe multiprofissional todos tenham atitudes alinhadas, independente da categoria profissional. Além disso, todos devem promover assistência integral aos indivíduos e suas famílias, sempre respeitando suas crenças e opiniões15.

Neste sentido, se faz importante também a criação de espaços de discussão entre os profissionais da equipe para que sejam abordadas as questões que emergem durante o processo de trabalho6.

No que diz respeito à atuação junto à criança, vale destacar a importância que a comunicação, seja ela verbal ou não verbal, tem na relação com a criança que vivencia o processo de terminalidade, pois ela é considerada o alicerce de um bom relacionamento interpessoal, em busca do seu bem-estar. Através da comunicação, a equipe se mostra disponível para estar com a criança, compreendê-la e ajudá-la16.

É essencial dar voz à criança e estabelecer um relacionamento franco e aberto para compreender sua vivência e, assim, desenvolver a assistência em toda a sua plenitude, com base nos cuidados paliativos, pautados na demonstração de afetuosidade na atenção e na sensibilidade de estar presente para tranquilizá-la e confortá-la16.

Com a comunicação estabelecida, é possível trocar informações entre o profissional e a criança. Neste sentido, um estudo aponta que os enfermeiros têm um papel importante a desempenhar na orientação à criança, tornando-a sujeito ativo e participativo nos seus cuidados17. Essa troca de informações favorece também a seleção das intervenções mais apropriadas para cada criança5.

Observou-se ainda que os acadêmicos citaram que a família deve ser envolvida no cuidado paliativo à criança com doença oncológica fora de possibilidade de cura. Esta percepção está alinhada com o que é preconizado pela Organização Mundial de Saúde3, em que o apoio à família ganha destaque neste processo tão doloroso.

Ao vivenciar a experiência de ter uma criança enfrentando esta situação, a família se desestrutura emocionalmente e passa por momentos de grande fragilidade e vulnerabilidade, necessitando de um suporte para enfrentar este momento. Neste sentido, o apoio à família e à criança pode ocorrer por meio de uma conversa, um abraço, para amenizar os momentos de dores e medos que emergem diante do agravamento do quadro clínico e da iminência da morte4.

É importante que se preserve uma comunicação efetiva com os familiares de crianças em cuidados paliativos, pois esta tem primordial atuação na promoção do bem-estar do paciente18. Em estudo com familiares cuidadores dessas crianças, os mesmos relataram que, durante todo o percurso do processo de doença, a comunicação entre a equipe de saúde e a família mostrou-se confusa e ambígua. Demonstraram assim, a necessidade de receber informações reais e objetivas sobre as condições de saúde da criança. Constatou-se que a comunicação adequada pode auxiliá-los na aceitação da morte19.

O aspecto da espiritualidade, que é contemplado na própria definição de cuidados paliativos da Organização Mundial de Saúde, não foi citado por nenhum dos participantes da pesquisa. Esse achado demonstra que a espiritualidade precisa ser mais bem trabalhada, especialmente em cuidados paliativos, com oferta de cuidados particularizados, pois é através dela que as pessoas procuram conforto e significados para o enfrentamento das dificuldades5,20. Em pesquisa cujo objetivo era investigar a experiência dos familiares no cuidar de crianças e adolescentes com câncer, em cuidados paliativos, os familiares apontaram a fé e a crença religiosa e espiritual entre os apoios mais importantes e necessários no enfrentamento do processo de adoecimento e morte19. Cabe aos profissionais de saúde promoverem um ambiente que favoreça à criança e à sua família o desenvolvimento de sua espiritualidade e religiosidade.

CONCLUSÃO

Na percepção da maioria dos acadêmicos de Enfermagem entrevistados, os cuidados paliativos voltados à criança com câncer envolvem medidas empregadas para o controle dos sinais e sintomas que surgem quando a doença já não tem possibilidade de cura. Além disso, têm por finalidade promover conforto e apoio, por meio da utilização de atividades lúdicas para promoção do bem-estar físico e mental no cuidado à criança, o que favorece a melhora da sua qualidade de vida. Entretanto, para alguns acadêmicos, os cuidados paliativos têm como objetivo prolongar o tempo de vida dos pacientes.

A atuação da equipe multiprofissional junto à criança e à família durante a fase do cuidado paliativo em oncologia pediátrica foi destacada pelos acadêmicos para o sucesso nesta modalidade de cuidado. Neste sentido, destacaram-se as orientações dadas à criança sobre condutas adotadas e possíveis complicações, além de apoio ao paciente e à família. A espiritualidade, elemento normalmente relacionado ao cuidado paliativo, não foi mencionada por nenhum dos participantes.

Os cuidados paliativos em oncologia pediátrica envolvem uma série de aspectos complexos: a impossibilidade de cura; a quebra de expectativa de vida que se espera para a criança; o fim de um ser frágil que é protegido na nossa cultura e família. Entende-se que, por sua complexidade, o cuidado paliativo em oncologia pediátrica precisa ser abordado durante a graduação dos profissionais de saúde, sendo este o primeiro passo para sensibilização e preparo do futuro profissional.

Como limitação da pesquisa, aponta-se a escassez de publicações relacionadas ao ensino de cuidados paliativos em oncologia pediátrica nos cursos de graduação em enfermagem, para ampliação da discussão e comparação deste estudo. Neste sentido, sugere-se que sejam desenvolvidas novas pesquisas abordando a temática, tanto no que tange a formação do enfermeiro, quanto na formação de outros profissionais da área de saúde.

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* Artigo extraído da Pesquisa de conclusão de graduação "Cuidados paliativos em oncologia pediátrica na percepção dos acadêmicos de enfermagem" desenvolvida no Núcleo de Pesquisa e Estudos em Saúde Integral da Criança e Adolescente (NUPESICA) da UFF, 2014.

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