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ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 20, Número 2, Abr/Jun - 2016



DOI: 10.5935/1414-8145.20160033

PESQUISA

A formação em enfermagem orientada aos princípios do Sistema Único de Saúde: percepção dos formandos*

Joanara Rozane da Fontoura Winters 1
Marta Lenise Do Prado 2
Ivonete Teresinha Schülter Buss Heidemann 2


1 Instituto Federal de Santa Catarina. Florianópolis - SC, Brasil
2 Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis - SC, Brasil

Recebido em 29/06/2015
Aprovado em 04/03/2016

Autor correspondente:
Joanara Rozane da Fontoura Winters
E-mail: joanaraw@ifsc.edu.br

RESUMO

OBJETIVO: Identificar como os formandos de graduação em enfermagem de uma Universidade Pública da Região Sul do Brasil percebem o seu processo de formação em consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).
MÉTODOS: Pesquisa qualitativa, ancorado no referencial de Freire. Os dados foram coletados no primeiro semestre de 2012, por meio de entrevistas individuais e analisadas de acordo com análise de conteúdo.
RESULTADOS: Destaca-se como categoria que a formação está dirigida à realidade, com ênfase no SUS. A formação do enfermeiro está de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais/Enfermagem e os princípios do SUS; os alunos sentem-se preparados para trabalhar na atenção básica, sendo que sua formação é generalista, humanista, crítica e reflexiva.
CONCLUSÃO: O processo de formação do enfermeiro encontra-se de acordo com a política de saúde vigente, porém apresenta fragilidades que devem ser repensadas, como a interdisciplinaridade e a transversalidade dos conteúdos relacionados ao SUS.


Palavras-chave: Educação em Enfermagem; Sistema Único de Saúde; Currículo.

INTRODUÇÃO

A Reforma Sanitária brasileira teve início em plena vigência da ditadura militar e tinha um contexto de luta pela redemocratização do país. O modelo de saúde da época era altamente segmentado e fragmentado, excluía a população mais pobre que não estava inserida no mercado formal de trabalho e também o acesso aos serviços assistenciais públicos, centrando a atenção à saúde em consultórios médicos e hospitais privados. O esgotamento desse modelo coincide com o início do movimento sanitário brasileiro, que surge, portanto, impulsionado por dois 'sentimentos': o da crítica ao modelo vigente e o da construção de um novo sistema de saúde para o país1.

Em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde, com ampla participação de trabalhadores, governo, usuários e parte dos prestadores de serviços de saúde, significou um marco nas mudanças da saúde e ampliou o conceito de saúde que vai muito além da ausência de doença; na sua totalidade é a exímia cidadania, garantida a todos os brasileiros2.

Tendo em vista a construção desse novo modelo de saúde, e a constituição de 1988, o Brasil amplia os direitos em saúde, consolidando, no artigo 196 da Constituição Federal, o princípio de que "saúde é direito de todos e dever do Estado", pautado nos princípios da universalidade, integralidade de assistência, preservação da autonomia, igualdade da assistência à saúde, direito à informação, divulgação de informações, utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, participação da comunidade3. Mesmo que a plenitude desse direito não esteja assegurada, o processo de implementação do Sistema Único de Saúde - SUS tem mostrado ampliação do acesso da população aos serviços e, além do mais, contribuído para incorporar o direito à saúde, como uma condição de cidadania na cultura da população1.

A mudança no modelo assistencial também apontou para uma necessária transformação do perfil dos futuros trabalhadores da saúde, por meio da adoção de estratégias dirigidas ao campo da formação e desenvolvimento dos profissionais, construídas com base nos princípios e diretrizes do Sistema Público de Saúde, além de fundamentadas no conceito ampliado de saúde; na utilização de metodologias que considerem o trabalho em saúde como eixo estruturante das atividades; no trabalho multiprofissional e transdisciplinar; na integração entre o ensino e os serviços de saúde; e no aperfeiçoamento da atenção integral à saúde da população4. Ou seja, para um novo modelo assistencial, um novo modelo de formação.

Diante disso, as instituições de ensino superior vêm sendo desafiadas a quebrar paradigmas com relação à formação profissional e precisam implementar ações que reorientem o processo de formação. Essas mudanças paradigmáticas, transformações, conquistas e desafios, demonstram que já ocorreram muitos avanços para que os princípios do SUS sejam respeitados, também influenciaram a reconstrução dos projetos pedagógicos dos cursos que devem estar em consonância com a reforma sanitária e com os princípios do SUS.

Assim, o processo de formação do profissional constitui-se no desenvolvimento de um cidadão critico, capaz de enfrentar as rápidas mudanças do conhecimento e seus reflexos no mundo do trabalho. Possibilitando, ainda, a construção de um perfil acadêmico e profissional que levem, por meio de perspectivas e abordagens contemporâneas, ao desenvolvimento de competências e habilidades que possam fundamentar a formação do profissional crítico-reflexivo, transformador da realidade social e agente de mudanças na perspectiva da reorganização das práticas na atenção básica5.

A educação libertadora e crítica somente serão realizadas a partir do momento em que o aluno é inserido dentro da realidade para que possa construir conceitos e conhecimentos, ou seja, ele só vai ser crítico se conhecer a realidade, entendê-la ou compreendê-la para conseguir refletir, e, a partir dessa reflexão apropriar-se de um caráter crítico sobre ela6.

Desse modo, o aluno estará usando de um processo que nasce da observação e da reflexão e culmina na ação transformadora. Ele deve constatar de forma crítica que, para mudar, precisa ter a capacidade de intervir na realidade, tarefa muito complexa, mas também geradora de novos conhecimentos. Sendo assim, o estudante não é objeto da história, mas sujeito dela7.

Essa formação do educando pautada na realidade e na construção do conhecimento e na transformação da realidade está de acordo com as Diretrizes Nacionais do Curso de Enfermagem.

Diante disso, o processo e formação do enfermeiro, na contemporaneidade, se constituem num grande desafio, que é o de formar profissionais com competência técnica e política, dotados de conhecimento, raciocínio, percepção e sensibilidade para as questões da vida e da sociedade, devendo estar capacitados para intervir em contextos de incertezas e complexidade7. É necessário que se tenha clareza desde o início do processo de formação que, "quem forma se forma e re-forma ao for-mar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado"6.

Diante desse panorama de transformações, o presente estudo teve como objetivo identificar como os formandos de enfermagem percebem a formação para os princípios do SUS.

MÉTODOS

É um estudo de caráter qualitativo, descritivo e exploratório. O cenário do estudo foi um Curso de Graduação em Enfermagem de uma Universidade Pública da Região Sul do Brasil. Os participantes foram 11 estudantes de enfermagem do sexo feminino, com idade entre 21 e 30 anos regularmente matriculadas no último ano do curso. O número total de estudantes foi definido pelo critério de saturação dos dados.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado que foram agendadas, previamente, de acordo com a disponibilidade das participantes, e realizadas individualmente pela pesquisadora, no local onde o curso é desenvolvido ou nos locais de estágio das alunas. O tempo médio de duração das entrevistas foi de 30 minutos.

As entrevistas foram gravadas em mídia digital, transcritas na íntegra logo após a coleta e, posteriormente, lidas e analisadas de acordo com análise de conteúdo, que se organiza em torno de três grandes polos cronológicos: a pré-análise; a exploração do material; o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação8.

  1. A pré-análise consiste na organização propriamente dita. Nesta fase, a pesquisadora entrou em contato direto com o material, realizando leituras e fazendo indagações, foi realizado um recorte textual em unidades de registros, retirando das falas das alunas os pontos principais das entrevistas. Nesta fase os recortes textuais das entrevistas foram agrupados em uma tabela no Microsoft Word.

  2. A segunda etapa é da exploração do material. É uma fase longa e fastidiosa, que consiste, essencialmente, de operações de codificações e administração de técnicas sobre o corpus. Nesta fase, a pesquisadora explorou, minuciosamente, cada fala para encontrar ideias centrais contidas no discurso das alunas.

  3. A terceira etapa consiste no tratamento dos dados obtidos, que corresponde a uma transformação dos dados brutos do texto, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão. Ainda, nesta fase, foi realizada nova leitura do material e agrupado em subcategorias.

  4. Inferência e interpretação: Nesta fase, foi realizado o tratamento dos resultados inter-relacionando-os com o referencial teórico e com a literatura.

Após a releitura do referencial teórico, emergiu a seguinte categoria: O Processo de Formação na Percepção dos Formandos e a subcategoria: A formação está dirigida à realidade e com ênfase no SUS.

A coleta de dados foi realizada após aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos/UFSC por meio do parecer nº 1942/2011, atendendo às exigências da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa. O convite foi realizado, de forma verbal, no primeiro dia letivo do semestre de 2012-1 e, posteriormente, reiterado por correio eletrônico. Após explicar para as participantes o objetivo da pesquisa, elas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O período de coleta de dados foi de abril e maio de 2012, e o tempo médio de duração das entrevistas foi de 30 minutos. O anonimato foi garantido mediante ao uso de códigos alfanuméricos: A1 (aluno seguido de número de ordem).

RESULTADOS

Os resultados foram agrupados a partir da categoria a Formação está dirigida à realidade e com ênfase no Sistema único de Saúde (SUS).

A acadêmica considera que o curso de enfermagem é voltado para a formação do profissional com ênfase no Sistema Único de Saúde como é retratado na fala a seguir:

[...] Sempre a gente tem o SUS desde a primeira fase você conhece o SUS, como ele funciona, em algumas fases é mais direcionado principalmente na sexta fase e nas outras fases você sempre fala do SUS é um assunto sempre discutido, eu acho importante essa formação porque prepara você para os hospitais públicos, como eu falei para você tudo que se relaciona com a saúde está diretamente ligado ao SUS, e um diferencial (A10).

Dessa forma, percebemos que, durante a formação, o curso tem uma preocupação com essa formação para que esteja em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2001. O depoimento abaixo fortalece o estudo e corrobora essa percepção:

[...] Outra coisa importante é que durante toda a formação você vê exemplos que o SUS dá certo, você abraça a causa, estimula a acreditar que aquilo realmente é o certo, você observa exemplos bons, e isso faz com que você queira fazer a diferença e seguir esses bons exemplos (A1).

Durante a formação, percebemos que há uma inserção do educando na realidade, para que ele possa compreender o processo e depois discuti-lo, para fazer essa inter-relação entre teoria e prática. Essa interação aparece na fala das educandas, pois elas percebem essa inserção na realidade, como mostra o depoimento a seguir:

[...] Desde a primeira fase já é inserido o SUS; a gente vai para campo; observo que é discutido em todas as fases, os professores falam sobre a estratégia de saúde da família, história do SUS. Eu acredito que o aluno que sai da universidade com uma boa noção do SUS e como o enfermeiro pode estar inserido (A2).

As educandas destacam também as mudanças na formação, esse novo olhar para o SUS, como expresso na fala a seguir:

[...] Nós realizamos uma vez um trabalho [...] quando a gente fez saúde coletiva, foi muito legal, porque fomos para a realidade identificar todo o trabalho que o SUS realiza e depois você se identifica como profissional do SUS; primeiro eles mostram você como usuária, seu direito, o que é o SUS, o que ele trabalha, até onde ele abrange, depois ele te insere não só como usuária, mas como profissional (A6).

Para as educandas, o enfermeiro é um profissional que atua na equipe de saúde tendo contato direto com o sujeito que procura os serviços de saúde. Sendo assim, é também um dos responsáveis pela consolidação dos princípios dos SUS. As educandas mostram como elas são inseridas dentro dos serviços de saúde durante a formação e a importância dos conteúdos do SUS:

[...] Na primeira fase a gente tem a introdução do SUS, história do SUS, a enfermagem no SUS, na segunda fase também, na Quinta fase também porque a gente vai para unidade básica devido a saúde da mulher, na sexta fase é totalmente SUS, fica inteira em unidade básica na sexta fase foi onde a gente teve mais contato com o SUS, na sétima fase também, mas como gestor, mais administrativa da unidade, e na oitava fase eu escolhi fazer na unidade básica também (A5).

No âmbito do Programa de Reorientação da Formação Profissional em Saúde dos Ministérios da Educação e Saúde do Brasil, chama a atenção que, ao longo da formação, os alunos não perceberam e não se inseriram dentro dos programas como o Pró-saúde e o Pet-saúde, uma vez que a IES desse estudo participa dessas iniciativas. As educandas demonstraram, nos depoimentos, a falta de conhecimento a respeito do programa, como também uma falta de interesse nos mesmos, conforme especificado abaixo:

[...] Eu nunca participei do PET, porque eu já tinha outra bolsa de pesquisa, mas não tivemos muita informação com relação ao PET e PRÓ saúde é muito superficial, não tem discussão sobre isso em sala de aula (A7).

Outra questão levantada pelas educandas diz respeito a interdisciplinaridade durante a formação. O depoimento abaixo demonstra que as educandas reconhecem a importância da interdisciplinaridade e a sua fragilidade ao longo da formação:

[...] O que falta trabalhar é a questão da interdisciplinaridade do SUS. Acho que eles fortalecem muita essa questão da enfermagem no SUS; da importância do enfermeiro. Mas acho que falta trabalhar um pouco os outros cursos (A6).

Acredito que essa forma de proposta interdisciplinar ainda é incipiente na formação, conforme as educandas relataram em seus depoimentos. Essa dificuldade para a construção da proposta interdisciplinar, na área de Enfermagem. Dentro da proposta dos programas de reorientação de formação do governo, está a formação de recursos humanos para atuarem na atenção básica e em todas as redes públicas. As educandas falam sobre a sua formação, elas sentem maior segurança em trabalhar na atenção básica e para trabalhar no SUS, conforme relatado abaixo:

[...] E eu me sinto muito mais preparada para atenção básica do que a atenção hospitalar. A universidade me prepara para o SUS mais pra atenção básica (A8).

A partir dos resultados investigados, observa-se que o processo de formação em Enfermagem é voltado para o Sistema Único de Saúde, e está em consonância com as diretrizes curriculares nacionais, conforme evidenciado no projeto político pedagógico do curso. O eixo curricular do curso se constitui a partir da promoção da saúde no processo de viver humano, nos diversos cenários do trabalho em saúde. Somente por meio da inserção do aluno na realidade é que ele vai tomar consciência de si e do mundo, ele se apropria da realidade, reflete sobre ela e depois de admirá-la, ele a transforma de acordo com suas ações.

DISCUSSÃO

O processo de formação do enfermeiro vem sofrendo transformações ao longo dos anos. Desde 1890, quando a formação era voltada para que os profissionais atuassem nos hospícios, passou pela criação da Escola das Enfermeiras em 1922; pela criação da Escola Ana Nery, em 1926, e, finalmente, sofreu modificações com a implantação das Diretrizes Curriculares de Enfermagem, no ano de 2001.

Dessa forma, a trajetória da formação e o perfil dos egressos sempre estiveram atrelados ao modelo político-econômico-social vigente no país. Essa trajetória, contudo, não ocorreu de forma linear, ela encontrou desafios que foram superados nos limites conjunturais de cada momento histórico da sociedade9.

Diante dessas transformações, a formação do profissional enfermeiro está orientada pelas DCN/ENF, que, em seu parágrafo único, diz que: A formação do Enfermeiro deve atender as necessidades sociais da saúde, com ênfase no Sistema Único de Saúde (SUS) e assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento10.

Autores afirmam que o curso de Enfermagem tem um aumento das perspectivas em relação à atenção em saúde pública enquanto mercado de trabalho e, com isso, oportunidade de transformação da sociedade11. Em estudo realizado com o profissional enfermeiro identificou-se que a primeira atividade como enfermeiro declarado, 52,5% foi no serviço público, seguido de 44% em emprego privado e apenas 2% declaram a primeira atividade como autônomo12.

Repensar a atuação do educador no ensejo da formação a partir de sua interação com a comunidade, talvez seja um ponto crucial para despertar no estudante a compreensão real do SUS. A cisão teoria/prática é agravante da qualidade da formação. Por isso, pensar na transformação das práticas em saúde é uma necessidade para a melhoria da qualidade de vida da população. Ao se trabalhar somente a prática, o indivíduo torna-se um ativista; ao articular teoria e prática, o indivíduo procura exercer a práxis, isto é, a prática refletida e transformadora13.

Já na formação acadêmica, os estudantes precisam conhecer/reconhecer o SUS, para buscar na realidade do sistema aproximar-se da população, com sensibilidade para agir na diversidade e complexidade dos problemas de saúde da população13.

A mudança na formação é necessária, porém para que essa formação consiga romper valores e paradigmas ela deve se aproximar das reais necessidades dos usuários e do sistema. Isso requer mudanças institucionais, profissionais e pessoais difíceis, lentas, conflituosas e complexas. O significado da formação e a qualificação do cuidado devem estar presentes nos processos educativos para os profissionais de saúde14.

Dentro dessa perspectiva, observamos que a formação dos profissionais da saúde foi fortemente marcada pela visão assistencialista, sob forte influência de abordagens conservadoras, fragmentadas e reducionistas, nas quais se privilegiava o saber curativista, em detrimento das práticas proativas voltadas para a proteção e promoção da saúde. Nesse sentido, em busca da eficiência técnica, a transmissão do conhecimento estava centrada em aulas expositivas, nas quais ao estudante era facultada pouca ou nenhuma possibilidade de inserção e participação. Além da ênfase na competência técnica, as abordagens tradicionais fragmentavam razão e emoção; ciência e ética; objetivo e subjetivo. O processo ensino-aprendizagem estava focado, basicamente, na pessoa do professor e no espaço da sala de aula, com pouca chance de problematização da prática15.

Todavia, para que o enfermeiro contribua com a efetiva implantação dos princípios que regem o SUS, é necessário que esse profissional conheça, compreenda e incorpore tais princípios em sua prática diária, independentemente de sua área de atuação e nos diversos níveis de complexidade de saúde. Tal compreensão deve iniciar-se no processo de formação do enfermeiro e deve continuar em seu cotidiano profissional, visto que os conceitos vão se reformulando na medida em que novas situações e novos conhecimentos surgem16.

Reconhecendo essa necessidade, algumas ações interministeriais (Saúde e Educação) tem fomentado a implantação de novas experiências de formação em saúde. Dentro da proposta dos programas de reorientação de formação do governo, está a formação de recursos humanos para atuarem na atenção básica e em todas as redes públicas.

Dentre essas ações, está o Projeto Pró-saúde, o qual consiste em uma proposta de integração ensino-serviço, visando à reorientação da formação profissional, assegurando uma abordagem integral do processo saúde/doença com ênfase na atenção básica, promovendo transformações nos processos de geração de conhecimentos, ensino e aprendizagem e de prestação de serviços à população17. Assim, como o Pró-saúde, o Projeto Pet-saúde se constitui em um instrumento para viabilizar programas de iniciação ao trabalho, estágios e vivências, dirigidos aos estudantes da área, de acordo com as necessidades do SUS18. Tem como eixo central a integração ensino-serviço, com a consequente inserção dos estudantes no cenário real de práticas, que é a Rede SUS, com ênfase na atenção básica, desde o início de sua formação19.

A abordagem interdisciplinar é uma proposta potencialmente criativa que pode gerar redimensionamento de conhecimentos e práticas, ao promover a transposição de fronteiras disciplinares e estabelecer uma interlocução mútua entre saberes20. Isso é reconhecido pelas diretrizes curriculares para os cursos de graduação, de maneira geral, quando recomendam a necessidade de formação de sujeitos pensantes, crítico/reflexivos e comprometidos com a ética e a sociedade13.

Portanto, para as transformações que se deseja no modelo de atenção à saúde, se faz necessário que a formação contribua para a constituição de profissionais críticos-criativos e reflexivos. Para isso, é necessário que o aluno desenvolva a consciência crítica, que é a capacidade de refletir criticamente sobre a realidade, e por meio dessa consciência o aluno é capaz de transformá-la21. Para isso, o educando precisa distanciar-se para pensar sobre o objeto, admirá-lo, o que significa direcionar o olhar, o pensamento, e, a partir desse ato, analisar e aguçar a curiosidade, permanecer inquieto e construir formas de agir por perceber essa atitude como uma necessidade. Esse processo somente é alcançado com a consciência crítica e criativa e indicativa do alcance da conscientização22,23.

A conscientização é proposta como uma forma de aproximação dos seres humanos à preparação para a ação contra a sua desumanização. Para tanto, o indivíduo precisa admirar a realidade de forma distanciada, para então voltar a ela e se inserir novamente, transformando-a. Esse ato, então, será a sua práxis21.

CONCLUSÃO

O processo de formação do enfermeiro no Curso de Graduação deste estudo está de acordo com as DCN/ENF e os princípios do SUS, porém apresenta algumas fragilidades que devem ser repensadas, como a interdisciplinaridade e a transversalidade dos conteúdos relacionados ao SUS. Apesar disso, as educandas percebem que a sua formação é voltada ao Sistema Único de Saúde, sentem-se preparadas para trabalhar na atenção básica, apontam que sua formação é generalista, humanista, crítica e reflexiva.

A formação está pautada em projetos pedagógicos voltados às metodologias dialógicas e participativas, comprometidas com a construção do saber, e em proporcionar ao aluno o saber, o saber-fazer e o saber-ser, comprometidos com as mudanças da sociedade para atuar com autonomia, eficiência e eficácia nos serviços de saúde.

Percebemos, também, que os programas de reorientação do governo para a integração ensino e serviço como o Pró-saúde e o Pet-saúde fazem parte da formação de alguns alunos, são reconhecidos como experiências enriquecedoras, mas, ainda carecem de institucionalização.

As educandas também relatam a importância dos conteúdos relacionados ao SUS, bem como a sua inserção em vivências curriculares na atenção básica de forma gradual, desde as primeiras fases do curso. Tal fato reitera a importância dessa aproximação durante a formação dos profissionais de modo a contribuírem com a consolidação do Sistema Único de Saúde-SUS, no Brasil.

Este estudo aponta que os estudantes reconhecem que sua formação é voltada para o sistema único de saúde e está de acordo com as DCN/ENF, entretanto ainda precisam ser discutidas cada vez mais propostas pedagógicas inovadoras para que viabilizem a formação em consonância com os princípios do SUS, e que caminhos possam ser redescobertos para melhor compreensão. Devemos, também, refletir sobre a possibilidade de institucionalizar as experiências formativas proporcionadas pelos programas de reorientação do Governo como o Pró-Saúde e o Pet-Saúde, de modo a integrarem, efetivamente, o percurso formativo dos aluno, contribuindo, assim, com o fortalecimento das experiências interdisciplinares, fragilidade apontada pelos alunos neste estudo.

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* Este estudo é parte da Dissertação - Formação em enfermagem para o Sistema Único de Saúde numa perspectiva crítico e criativa: visão dos formandos de mestrado em enfermagem, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, em 2012.

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