Volume 20, Número 1, Jan/Mar - 2016
REFLEXÃO
Lista de verificação de segurança cirúrgica:
Considerações a partir da micropolítica institucional
Maria Fernanda do Prado Tostes
1
Annelise Haracemiw
2
Lilian Denise Mai
2
1 Universidade Estadual do Paraná. Paranavaí, PR, Brasil
2 Universidade Estadual de Maringá. Maringá, PR, Brasil
Recebido em 08/02/2015
Aprovado em 10/09/2015
Autor correspondente:
Maria Fernanda do Prado Tostes
E-mail: mfpprado@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Realizar uma análise reflexiva sobre aspectos da micropolítica institucional
que possam influenciar o uso da lista de verificação de segurança cirúrgica
pelos serviços de saúde.
MÉTODOS:
Trata-se de um artigo de reflexão, fundamentado nas evidências científicas
disponíveis sobre a temática lista de verificação de segurança cirúrgica,
disponíveis na base de dados PubMed.
RESULTADOS:
Existem aspectos da micropolítica institucional que precisam ser considerados
no processo de implantação da lista de verificação de segurança cirúrgica, a
saber: gestão dos serviços de saúde, planejamento, processo educativo,
auditoria, feedback aos envolvidos, situações especiais do
processo de trabalho, além da subjetividade dos profissionais de saúde.
CONCLUSÃO:
Reconhecer fatores da micropolítica institucional que exercem influência no
uso da lista de verificação pode contribuir para a criação de mecanismos que
garantam o sucesso da implantação da lista em prol da segurança do
paciente.
Palavras-chave: Segurança do Paciente; Lista de Checagem; Serviços de Saúde
INTRODUÇÃO
Concomitante ao aumento da longevidade mundial, o papel da cirurgia cresce expressivamente, mesmo em meio às distintas condições socioeconômicas de cada país. Anualmente, estima-se que 234 milhões de cirurgias sejam desenvolvidas ou cerca de uma para cada 25 pessoas, o que corresponde a, aproximadamente, 63 milhões de pessoas submetidas ao tratamento cirúrgico1. Estimativas recentes sugerem que 11% da carga global de doença pode ser tratada com cirurgia. Esse total é composto por lesões traumáticas (38%), tumores malignos (19%), anomalias congênitas (9%), complicações da gravidez (6%), cataratas (5%) e as condições de nascimento (4%)2.
Oportuno mencionar que a cirurgia está no final do espectro do modelo médico curativo clássico e, como tal, é parte integrante essencial do modelo de saúde pública. Não importa o quão sejam bem sucedidas as estratégias de prevenção ou de tratamento, condições cirúrgicas serão sempre responsáveis por uma parcela significativa do ônus de doença de uma população, em particular nos países em desenvolvimento, onde o tratamento conservador, muitas vezes não está prontamente disponível, a incidência de trauma e complicações obstétricas é elevada e onde há expressiva acumulação de doenças cirúrgicas não tratadas3.
Destaca-se que condições cirúrgicas não tratadas tendem a afetar negativamente a situação socioeconômica da população ativa e, principalmente, de indivíduos desprovidos ou com poucos recursos financeiros, uma vez que, além do absenteísmo no trabalho, muitas vezes, necessitam custear as despesas de saúde decorrentes da doença em curso. Importante ressaltar que a cirurgia nem sempre foi considerada uma prioridade de saúde global, frente a inexistência da ampla garantia de acesso à assistência cirúrgica. Recentemente, a comunidade global de saúde reconheceu que condições cirúrgicas formam uma significativa carga de doença, impactam econômica e socialmente e repercutem na qualidade de vida da população4.
Tudo isso torna o cuidado cirúrgico para a saúde imprescindível, mas não isento de riscos. No Brasil, no que se refere à assistência cirúrgica, observou-se a incidência de eventos adversos cirúrgicos de 7,6%, dos quais 66,7% foram considerados evitáveis5. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em países em desenvolvimento, os principais fatores que colaboram para isso incluem: infraestrutura deficiente, má qualidade de medicamentos e suprimentos, falhas na administração dos serviços e no controle de infecções, inadequação de treinamentos e capacitações das equipes e subfinanciamento grave. Soma-se, ainda, a complexidade dos procedimentos, cada um com inúmeras oportunidades para falhas, além de deficiências na quantidade e qualidade de recursos humanos. Ademais, evidencia-se que práticas de segurança existentes parecem não ser usadas sistematicamente por alguns serviços de saúde, apesar das evidências recomendarem a adesão às medidas de prevenção cientificamente comprovadas1.
Para proporcionar uma razoável compreensão dos principais conceitos sobre segurança do paciente, a OMS criou a Classificação Internacional para a Segurança do Paciente (ICPS). É importante notar que a ICPS ainda não é uma classificação completa. É um quadro conceitual de uma classificação internacional que visa para nortear o desenvolvimento de diretrizes globais para definir, medir e notificar eventos adversos nos cuidados de saúde, desenvolver políticas baseadas em evidências e estabelecer parâmetros internacionais de excelência6.
Os principais conceitos da taxonomia ICPS incluem: i. Segurança do paciente: redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde; ii. Risco: probabilidade de um incidente ocorrer; iii. Dano: dano da estrutura ou função do corpo e/ou qualquer efeito deletério dele oriundo. Inclui doenças, dano ou lesão, sofrimento, incapacidade ou disfunção e morte, e pode, assim, ser física, social ou psicológica; iv. Dano associado ao cuidado de saúde: dano surgido por ou associado a planos ou ações realizadas durante o cuidado de saúde ao invés de a uma doença de base ou lesão; v. Incidente: evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou resultou, em dano desnecessário ao paciente; vi. Incidente com dano (evento adverso): incidente que resulta em dano ao paciente; vii. Evento: algo que acontece com ou envolve o paciente; viii. Erro: definido como uma falha em executar um plano de ação como pretendido ou aplicação de um plano incorreto. Pode ocorrer por fazer a coisa errada (erro de ação) ou por falhar em fazer a coisa certa (erro de omissão) na fase de planejamento ou na fase de execução6.
Nessa direção e na tentativa de minimizar a ocorrência dos eventos adversos cirúrgicos, melhorar a assistência cirúrgica, comunicação e trabalho em equipe e a segurança do paciente globalmente, a OMS incentiva a adoção de padrões de segurança a serem operacionalizados por uma lista de verificação de segurança cirúrgica com checagem verbal dos seus itens pela equipe multidisciplinar na sala cirúrgica1. Esta ferramenta para a segurança também é referendada pelo Ministério da Saúde brasileiro7,8.
Em síntese, a lista de verificação é um método para garantir adesão a processos fundamentais do cuidado cirúrgico e pode auxiliar a prestar um cuidado mais seguro e confiável. A adoção da lista de verificação em processos complexos e suscetíveis a erros representa um dos maiores avanços na área de segurança do paciente9. Contudo, o acúmulo de experiências relacionadas à adoção da lista de verificação de segurança cirúrgica tem evidenciado muitas falhas e equívocos em sua utilização, tais como baixa adesão, incompletude dos itens de checagem, ausência da equipe multidisciplinar na checagem, checagem sem verbalização dos seus itens e resistência ao seu uso pelos profissionais10-14, entre outros.
Assim, deve-se dar especial atenção à micropolítica institucional presente nos serviços de saúde que podem exercer influência no processo de implantação da lista, a fim de que esta possa cumprir adequadamente sua função em prol da segurança do paciente10-14.
No Brasil, embora haja divulgação recente de experiências de uso da lista de verificação de segurança cirúrgica em serviços de saúde, este assunto é pouco investigado.
Considerando tal contexto e pressupondo que deve haver consonância entre os padrões de segurança que orientam a lista de verificação de segurança cirúrgica proposta pela OMS e a sua operacionalização, esse artigo propõe uma análise reflexiva sobre aspectos da micropolítica institucional que podem influenciar o uso da lista de verificação de segurança cirúrgica pelos serviços de saúde. Para o alcance deste objetivo, realizou-se uma reflexão teórica, fundamentada nas evidências científicas disponíveis sobre o tema, disponíveis na base de dados PubMed, que se destaca expressivamente pelo número de citações da literatura biomédica.
POLÍTICAS DE SAÚDE EM PROL DA SEGURANÇA DO PACIENTE
Os eventos adversos advindos do cuidado em saúde chamaram a atenção de governos e organizações internacionais, posicionando a temática qualidade da assistência em saúde e segurança do paciente na agenda da OMS e, no caso das Américas, na Organização Pan Americana de Saúde (OPAS). Foi assim que, na 57º Assembleia Mundial de Saúde, em 2004, foi ratificado o compromisso com o tema e apoio à criação da Aliança Mundial para a Segurança do Paciente. Esta aliança passou a ser responsável pela coordenação, em nível internacional, da implantação dos programas de segurança do paciente nos países membros, sendo o Brasil um deles.
A partir daí foram definidas macroações, denominadas de "Desafios Globais", identificadas como estratégias para nortear os países membros a sistematicamente promover melhorias no quadro de segurança do paciente. O primeiro desafio global, implantado entre 2005-2006, abordou a prevenção e a redução das infecções relacionadas à assistência. Já entre 2008-2009, o desafio elencado como prioritário foi à cirurgia segura, o que resultou na produção de documento intitulado "Cirurgias Seguras Salvam Vidas". A meta desse desafio é melhorar a qualidade da assistência cirúrgica mundial por meio da definição de um conjunto de padrões de segurança que possam ser aplicados em todos os países e cenários1.
Os padrões de segurança incluem: ênfase no trabalho em equipe com estímulo à comunicação e eficiência no cumprimento das etapas preparatórias da cirurgia; anestesiologia segura, pela monitorização adequada do paciente e preparação antecipada na identificação de problemas anestésicos ou potencialmente letais; prevenção de infecção de sítio cirúrgico e mensuração da assistência cirúrgica, pela criação de indicadores para mensurar os processos e resultados da assistência cirúrgica. Esses padrões são operacionalizados por meio da implementação da lista de verificação de segurança cirúrgica, a ser checada verbalmente pela equipe da sala cirúrgica1.
A lista de verificação de segurança cirúrgica é subdividida em três fases, cada uma corresponde a momento específico no fluxo normal do procedimento anestésico cirúrgico, a saber: o período anterior à indução anestésica, anterior à incisão cirúrgica e imediatamente após o fechamento da incisão cirúrgica1.
Em relação à questão da segurança do paciente no Brasil, destaca-se o trabalho pioneiro da Rede Brasileira de Enfermagem e Segurança do Paciente (REBRAENSP). A REBRAENSP foi criada em maio de 2008, vinculada à Rede Internacional de Enfermagem e Segurança do Paciente (RIENSP) como uma iniciativa da OPAS. Os objetivos da REBRAENSP são disseminar e sedimentar a cultura de segurança do paciente nas organizações de saúde, escolas, universidades, organizações governamentais, usuários e seus familiares. Esta relevante iniciativa antecede a preocupação do Ministério da Saúde em relação à segurança do paciente e traz visibilidade à enfermagem no desenvolvimento da cultura da segurança15.
No Brasil, a segurança do paciente vem permeando as legislações sanitárias, mas somente em 2013, foi lançado um programa oficial sobre o tema. Trata-se da Portaria do Ministério da Saúde MS nº 529, de 01 de abril de 2013, que instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) e criou o Comitê de Implementação do Programa Nacional de Segurança do Paciente7, além de outras normativas para ratificar tais recomendações.
Os principais objetivos do PNSP são: contribuir para a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional; promover e apoiar a implementação de iniciativas voltadas à segurança do paciente em diferentes áreas da atenção, organização e gestão de serviços de saúde, por meio da implantação da gestão de risco e de Núcleos de Segurança do Paciente8 nos estabelecimentos de saúde; envolver os pacientes e familiares nas ações de segurança do paciente; ampliar o acesso da sociedade às informações relativas à segurança do paciente; produzir, sistematizar e difundir conhecimentos sobre segurança do paciente; fomentar a inclusão do tema segurança do paciente no ensino técnico e de graduação e pós-graduação na área da saúde7.
A MICROPOLÍTICA INSTITUCIONAL E A LISTA DE VERIFICAÇÃO DE SEGURANÇA CIRÚRGICA
É inegável a contribuição das recomendações internacionais e nacionais vigentes para a segurança do paciente. Mundialmente, estudos comprovam o efeito benéfico desta ferramenta na prática clínica. Cita-se o estudo pioneiro para avaliar o efeito do uso da lista de verificação de segurança cirúrgica na redução da morbimortalidade cirúrgica dos pacientes. Realizado em oito hospitais, globalmente, com diferentes características socioeconômicas, em regiões determinadas pela OMS, evidenciou-se redução significativa na taxa de mortalidade (de 1,5% para 0,8%) e nas complicações de 11,0% para 7,0%16.
No Brasil, na experiência de uso da lista de verificação de segurança cirúrgica, destaca-se o estudo conduzido para avaliar a adesão da equipe cirúrgica ao uso deste instrumento. Constatou-se que das 375 cirurgias analisadas, a adesão ao uso da lista de verificação foi de 61% e somente 4% estavam totalmente preenchidas. Os pesquisadores apontaram a problemática da adesão ao uso da lista, mas não investigaram aspectos do processo de implantação, ou seja, não responderam algumas lacunas de conhecimento, como por exemplo, quais foram as estratégias utilizadas pelo serviço de saúde na adoção desta ferramenta e quais fatores foram impeditivos para a sua ampla adesão17.
Contudo, na experiência de uso da lista pelos serviços de saúde, constata-se que a incorporação da mesma, em alguns serviços de saúde, ocorreu de forma sumária, passiva e burocrática, ou seja, mais um impresso a ser preenchido nos registros dos pacientes cirúrgicos, imposto à equipe de enfermagem, do que uma abordagem planejada, clara, participativa10-14.
Assim, reconhece-se que existem desafios impostos ao uso da lista de verificação de segurança cirúrgica pelos serviços de saúde. Abordar estes aspectos pode lançar luz sobre as condições necessárias à utilização da lista de verificação de segurança cirúrgica e trazer contribuições aos serviços de saúde brasileiros e profissionais da saúde que desejem implantar esta iniciativa em prol da segurança do paciente.
De acordo com a apreciação das evidências disponíveis, para a incorporação da lista de verificação de segurança cirúrgica pelos serviços de saúde, há que se reconhecer aspectos mais amplos da micropolítica institucional que influenciam este processo, a saber: gestão, liderança, planejamento, educação, auditoria e feedback à equipe do centro cirúrgico, situações especiais do processo de trabalho e subjetividade dos profissionais da saúde10-14, conforme demostra a Quadro 1.
Gestão |
Assumir a segurança como eixo norteador da gestão em saúde. |
Desenvolver arranjos institucionais, como a criação de uma política institucional para a segurança do paciente. |
Definir práticas de segurança em conformidade com as recomendações internacionais e nacionais vigentes. |
Estabelecer uma cultura de segurança e promovê-la amplamente. |
Dar condições e apoiar o uso da lista de verificação de segurança cirúrgica precocemente à sua implantação |
Liderança |
Identificar as lideranças centrais (diretores das três disciplinas: enfermagem, anestesiologia e cirurgia). |
Envolver as lideranças no planejamento e execução da lista de checagem. Alistar os líderes locais respeitados de cada disciplina. |
Planejamento |
Estimular o envolvimento de toda a equipe na mudança do processo de trabalho. |
Estabelecer parcerias com a equipe multidisciplinar |
Realizar teste piloto na sala cirúrgica. Planejar a implementação gradual, a princípio envolver um cirurgião e uma sala cirúrgica. |
Educação |
Oferecer ações educativas a toda equipe multidisciplinar, com abordagem participativa e permeada pelo diálogo. |
Abordar "por que" e "como" utilizar a lista de verificação de segurança cirúrgica no processo educativo. |
Estimular a participação dos líderes nesse processo. |
Incentivar a participação de todas as categorias profissionais atuantes no setor. |
Reconhecer que determinada categoria profissional pode ser mais resistente ao uso da lista. |
Proporcionar educação permanente no cotidiano do processo de trabalho. |
Auditoria e feedback à equipe do centro cirúrgico |
Estabelecer auditoria para supervisionar o processo de implantação. |
Determinar profissionais envolvidos na auditoria. |
Solicitar retornos da equipe multidisciplinar sobre a implantação. |
Divulgar os resultados da auditoria |
Definir estratégias para possíveis readequações. |
Situações especiais do processo de trabalho |
Atentar para processos de checagens já existentes e que se tornam duplicados pela lista de verificaçãode segurança cirúrgica. |
Considerar o tempo de checagem. |
Criar estratégias para minimizar a rotatividade de pessoal. |
Entender que situações de emergência podem dificultar o uso da lista de verificação de segurança cirúrgica. |
Subjetividade dos profissionais da saúde |
Reconhecer que os fatores individuais exercem influência na implantação da lista de verificação de segurança cirúrgica. |
Para assumir a segurança como um dos eixos norteadores da gestão em saúde, os serviços de saúde contam com o apoio do Ministério da Saúde, que estimula a criação do Núcleo de Segurança do Paciente nos serviços de saúde7,8. Entende-se que esta normativa assume um compromisso de guiar a condução deste processo e, é no nível da micropolítica de cada instituição, que deve-se desenvolver arranjos institucionais para implementá-la.
Na perspectiva da gestão do cuidado de enfermagem, a implantação de práticas de segurança, a exemplo da lista de verificação de segurança cirúrgica, vem de encontro ao desafio de conciliar as necessidades de se trabalhar em equipe, considerando as necessidades da mesma, bem como as de seus clientes, familiares e da própria instituição18. No entanto, incorporar a lista de verificação de segurança cirúrgica como parte de uma metodologia de cuidado, também pode ser uma oportunidade para buscar continuamente transformações no processo de trabalho em prol do desenvolvimento de recursos humanos nas suas dimensões pessoais e profissionais, e que culminem na melhor assistência que podemos oferecer ao cliente.
No que tange a cultura de segurança e a lista de verificação de segurança cirúrgica, considera-se esta relação uma via de mão dupla, pois o uso da lista pode influenciar a cultura, mas seu sucesso também pode ser determinado pela cultura da organização. É um equívoco, transitar em torno da ingênua premissa de que a simples inserção de uma lista de checagem em um processo clínico complexo, sem lidar com as questões culturais, irá aumentar a segurança. Assim, é recomendável que os serviços de saúde se comprometam com a promoção de uma cultura de segurança quando se tem em vista a implementação de projetos específicos, como é o caso do aprimoramento da cirurgia segura9.
Em consideração à liderança, este aspecto é considerado um dos fatores críticos envolvidos na implantação da lista de verificação de segurança cirúrgica10-14. Sugere-se que este papel também seja assumido pelo enfermeiro, dada a sua competência em gerenciar o cuidado ao paciente cirúrgico.
Interessante destacar a influência de três níveis de liderança, a saber: a liderança central, ou seja, a gestão da enfermagem, anestesiologia e cirurgia, que devem apoiar o uso da lista de verificação de segurança cirúrgica em todos os procedimentos cirúrgicos; a liderança de divisão de todas as três disciplinas, estes devem dedicar uma parte da sua carga horária semanal, para a comunicação e feedback aos membros das suas respectivas disciplinas e participar de uma reunião de planejamento, de preferência, periódica, com o restante da equipe executora da lista de verificação de segurança cirúrgica. O último nível são os líderes locais, profissionais que são reconhecido por seus pares como capazes de influenciá-los. Estes podem promover seu uso e estar disponíveis para receber feedback sobre quaisquer questões dentro da sua linha de serviço. Esta liderança foi atribuída como fator de sucesso, pois facilitaram a adoção durante a implementação e julgamento da lista de verificação de segurança cirúrgica12.
Referente ao planejamento, frequentemente, observa-se que mudanças no processo de trabalho são realizadas com mínima organização e de maneira abrupta. Por conta disso, são executados em circunstâncias inadequadas, o que pode levar à implantação desorganizada, promover acirramento da irritação e má vontade dos membros da equipe. Mudanças neste formato, impossibilitam que os envolvidos tenham uma impressão positiva real sobre as mesmas e as receba favoravelmente, mesmo que estejam sustentadas por práticas baseadas em evidências12.
A ênfase na equipe multidisciplinar é considerada fator de sucesso no planejamento e uso da lista de verificação de segurança cirúrgica, pois facilita uma maior adesão do que quando a aplicação fica sob a responsabilidade de um único membro da equipe cirúrgica, a exemplo da equipe de enfermagem11. Reforça-se que a equipe multidisciplinar de implementação deva se reunir semanalmente para revisar o processo, discutir questões acerca dos feedbacks recebidos a fim de adequar mudanças, caso sejam necessárias12.
Outros autores também reforçam este aspecto ao considerar que a distribuição de responsabilidade, reforço da comunicação e trabalho em equipe são essenciais. Cabe à equipe multidisciplinar admitir que este processo requer esforço e concentração de energia para promover o trabalho e a comunicação entre seus membros10-14. Sendo o enfermeiro, o coordenador da lista de verificação de segurança cirúrgica, é imprescindível que ele admita essas considerações e crie mecanismos para seu fomento.
Considerar a introdução gradual da lista, ratificando as recomendações da OMS, ou seja, a princípio envolver um cirurgião e uma sala cirúrgica. Do mesmo modo, considerar a realização de teste piloto no âmbito do centro cirúrgico1,12. Isso dará subsídios ao enfermeiro na extensão desta inciativa nas demais salas operatórias e equipes cirúrgicas.
Igualmente relevante, é o processo educativo. Neste, deve-se enfatizar porque utilizar e como utilizar este instrumento de trabalho10. A ênfase no "porque" e "como" a lista de verificação de segurança cirúrgica deve ser utilizada inclui fornecer uma justificativa para o seu uso, com destaque aos valores da instituição alinhados aos da lista e da equipe cirúrgica, reconhecendo o seu próprio papel na segurança do paciente. Os diálogos em torno do "porque" são importantes para gerar entusiasmo e obter aceitação desta ideia por toda a equipe10,14.
Em relação ao "como fazer" não se refere apenas à execução da lista propriamente dita, mas também o método de introdução da mesma na sala cirúrgica e apoio para uma mudança sustentável. Os pontos-chave incluem a educação específica com treinamento em tempo real, monitoramento e feedback, lê-la em voz alta em vez de confiar na memória, abordar diretamente as preocupações da equipe na execução do procedimento e dar apoio a longo prazo10.
No que se refere aos recursos pedagógicos utilizados no processo educativo, utiliza-se palestras com apresentações de slides e vídeo, materiais impressos, cartazes educativos na sala cirúrgica, sessões presenciais de diálogo entre os membros da equipe e líderes locais, tutoria direta e atualizações frequentes por e-mail10-14.
Convém atentar-se para alguns fatores impeditivos que podem comprometer o processo de ensino aprendizagem sobre esta temática, como a ausência dos líderes neste processo. Assim, a participação e envolvimento dos mesmos pode garantir uma boa formação e compreensão pessoal12,13.
Considera-se que existem diferenças na receptividade e adesão ao uso da lista de verificação de segurança cirúrgica relacionados à hierarquia existente no centro cirúrgico. Evidências científicas apontam resistência ao uso da lista de verificação de segurança cirúrgica entre as diferentes categorias profissionais. A exemplo de um estudo sobre a adesão à lista de verificação de segurança cirúrgica , em que os anestesistas e enfermeiros foram amplamente favoráveis, mas alguns cirurgiões não estavam entusiasmados em aderir. Em relação ao feedback dado pelas equipes cirúrgicas, foi em geral positivo, mas o apoio tendeu a ser maior a partir de enfermeiros e anestesistas do que cirurgiões13.
Recomenda-se que se estabeleça uma parceria com um cirurgião, alguém que esteja totalmente comprometido, dedique o tempo necessário e seja responsável pela comunicação e coordenação do processo educativo no departamento de cirurgia. Assim, podem diminuir barreiras sociais e culturais que permeiam este processo, pois alguns médicos podem encarar, equivocadamente, padronizações como um fator limitante à sua capacidade de julgamento clínico14.
Considera-se que o envolvimento médico é uma parte crítica da mudança da cultura na sala cirúrgica. Ter o nome de um cirurgião ou sua imagem ligada a um projeto dessa magnitude, sem a sua participação ativa no dia-a-dia pode ser considerada uma tomada de decisão insuficiente, especialmente porque este tipo de parceria pode determinar a promoção da adesão a este plano essencialmente interdisciplinar de cuidado e segurança12.
No processo educativo, além dos dados objetivos inerentes ao uso da lista de verificação de segurança cirúrgica, por mais complacente que as pessoas sejam, recomenda-se considerar a abordagem dos aspectos subjetivos dos profissionais, o que abarca despertar o sentimento de propriedade pelos membros da equipe13.
Nessa perspectiva, a educação permanente incorporada ao processo de trabalho perioperatório, oportuniza a discussão coletiva, dialógica e constante dos problemas vivenciados e a busca coletiva de soluções para o enfrentamento desses desafios.
Acerca dos aspectos que envolvem auditoria e feedback à equipe do centro cirúrgico, processos que incorporam o feedback contínuo, em tempo real e auditorias regulares são altamente determinantes para assegurar que o cuidado será eficiente, efetivo e seguro13,14.
Em termos operacionais, estimula-se que o enfermeiro convide a equipe de enfermagem, anestesistas e cirurgiões para dar feedback do conteúdo, sobre a facilidade de uso e opinião geral sobre o uso da lista de verificação de segurança cirúrgica. Quando os líderes não puderem estar presentes na sala cirúrgica, o feedback pode ser por e-mail10.
Em relação às situações especiais do processo de trabalho em centro cirúrgico, existem os desafios pragmáticos para manter o fluxo de trabalho eficiente com a utilização da lista de verificação11. Quando as instituições têm um grande número de checagens, a implantação adicional de uma lista de checagem pode levar à fadiga de verificação, o que desnecessariamente complica os processos e, por sua vez, diminui a confiança e credibilidade no instrumento12. Soma-se, ainda, a alta rotatividade de pessoal, onde alguns membros da equipe podem não estar familiarizados com o instrumento. Ressalta-se que em casos de emergência o seu uso pode ser inconveniente13.
O trabalho em saúde, mesmo que pautado em evidências científicas, é profundamente dependente de aspectos subjetivos dos profissionais. Assim, a adesão à lista de verificação de segurança cirúrgica, pode ser diretamente dependente desses fatores. No processo de trabalho, concebe-se o trabalhador enquanto sujeito, por não se restringir a mero reprodutor de tarefas, mas, antes, tentar interferir nas orientações que as regem e ajustá-las às necessidades circunstanciais. Essa postura, cuja intervenção pode ser apenas ligeiramente diferente das ordens estabelecidas, repercute de maneira significativa em sua subjetividade, à medida que busca conciliar suas escolhas pessoais e culturais com as demandas e as ordens. Essas atividades são, na realidade, reformuladas, às vezes, reinventadas e, consequentemente, apropriadas por sujeitos que renormalizam o seu meio e, na medida do possível, singularizam seus atos de trabalho de acordo com os seus próprios usos corporais, subjetivos, valorativos e simbólicos19.
Nesse sentido, o trabalhador não se porta passivamente perante os regulamentos que gerem o modo de fazer sua atividade. Pelo contrário, na situação de trabalho, ele negocia os procedimentos operacionais, mostrando que o meio tanto o coage quanto recebe intervenções dele19. Assim, faz-se necessário o reconhecimento dos profissionais atuantes no centro cirúrgico, como sujeitos do processo de produção do cuidado perioperatório, para o sucesso de estratégias que modifiquem o processo de trabalho e afetem o saber fazer dos profissionais da saúde, a exemplo do da lista de verificação de segurança cirúrgica.
CONCLUSÃO
Constata-se que existem desafios impostos ao uso da lista de verificação de segurança cirúrgica nos serviços de saúde, ainda que embasados em recomendações internacionais e nacionais com fundamentos sólidos que norteiem este processo. Deste modo, este artigo apresentou considerações importantes sobre aspectos da micropolítica institucional que podem influenciar o uso da lista de verificação de segurança cirúrgica pelos serviços de saúde, a saber: gestão dos serviços de saúde, planejamento, processo educativo, auditoria, feedback aos envolvidos, situações especiais do processo de trabalho, além da subjetividade dos profissionais de saúde. Reconhecer tais elementos pode contribuir para o planejamento adequado e criação de mecanismos que garantam o sucesso da implantação, bem como a mudança sustentável em prol da segurança e qualidade da assistência cirúrgica.
REFERÊNCIAS