Volume 20, Número 1, Jan/Mar - 2016
PESQUISA
Avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde no
primeiro ano após a queimadura*
Maria Elena Echevarría-Guanilo
1
Natália Gonçalves
2
Jayme Adriano Farina
3
Lídia Aparecida Rossi
3
1 Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis - SC - Brasil
2 Faculdade Jaguariúna. São Paulo - SP, Brasil
3 Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto - SP, Brasil
Recebido em 25/07/2015
Aprovado em 27/12/2015
Autor correspondente:
Maria Elena Echevarría-Guanilo
E-mail: elena_meeg@hotmail. com
RESUMO
OBJETIVO:
Comparar a percepção de qualidade de vida de vítimas de queimaduras entre o
4º e 6º mês e entre o 9º e 12º mês após a alta hospitalar, de acordo com o
sexo, superfície corporal queimada e visibilidade das cicatrizes.
MÉTODOS:
Estudo longitudinal. Participaram adultos internados em uma unidade de
queimados. Foram aplicados formulário de dados sociodemográficos e o
Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Survey.
RESULTADOS:
Houve melhora na percepção da qualidade de vida, destacando-se os domínios
Aspecto físico e emocionais. Os homens apresentaram
melhores resultados no domínio Dor; e aqueles que
classificaram suas cicatrizes como não visíveis nos domínios Estado
geral de saúde, Vitalidade, Aspecto social e Emocional entre o
9º e 12º mês.
CONCLUSÃO:
Pacientes relataram pior qualidade de vida em fase precoce e melhora em fase
tardia, principalmente no domínio Aspecto físico e
emocional entre os homens. As cicatrizes visíveis representaram
avaliação negativa na fase tardia.
Palavras-chave: Queimaduras; Adultos; Qualidade de Vida; Reabilitação
INTRODUÇÃO
O número de casos de queimaduras tem despertado o interesse de diversos profissionais da saúde preocupados com a prevenção desse tipo de trauma e redução de sequelas1.
A efetividade do tratamento agudo de indivíduos queimados reflete no aumento de pessoas que sobrevivem a esses acidentes, maiores índices de sequelas e cirurgias reparadoras. Os serviços especializados em atendimento à pessoa queimada desempenham importante papel no processo de reintegração social2,3.
Após a alta hospitalar, a maioria das vítimas relata mudanças no papel social e no relacionamento interpessoal, principalmente no primeiro ano. Essas alterações evidenciam-se pelo afastamento do trabalho e percepção da mudança do comportamento de pessoas próximas devido às marcas e mudanças corporais ocasionadas pela queimadura4.
As manifestações físicas, psicológicas e psicossociais podem comprometer a qualidade de vida dos pacientes queimados5. Problemas emocionais e a gravidade da queimadura são fatores importantes que podem prejudicar a qualidade de vida ao longo do tempo6.
O conceito de qualidade de vida tem sido alvo de amplas discussões e referido como qualidade de vida - QV (englobando um conceito mais genérico), qualidade de vida relacionada à saúde - QVRS (abrangendo conceitos relacionados à saúde, doença e cuidado em saúde) ou estado de saúde (relacionado à condição física que reflete o estado pontual do paciente)7,8. De forma geral, o conceito de QV engloba uma ampla e multidimensional avaliação de domínios relacionados a aspectos físico, psicológicos e sociais7,8. Por esta razão, na avaliação, além do conceito, o instrumento escolhido contribui com a contextualização do tema em estudo9, isto é, deve acompanhar o conceito utilizado.
No paciente queimado, autores5,6,10-12 definem a QVRS como o estado de saúde relacionado à capacidade de resposta e adaptação às mudanças decorrentes do trauma, considerando os aspectos individuais, familiares e sociais.
A identificação precoce de possíveis complicadores do cuidado e do processo de reabilitação tem contribuído com o interesse pela proposta. O uso de ferramentas como escalas ou questionários genéricos para avaliar QVRS de vítimas de queimaduras auxilia na confiabilidade das informações para a prática clínica, tendo como vantagem, a comparação com outras populações8.
Ao avaliar QVRS de vítimas de queimaduras durante 18 meses após a alta hospitalar, autores10 identificaram melhora em todos os domínios da escala de qualidade vida, bem como nas atividades básicas e usuais, como autocuidado e mobilidade entre o primeiro e o terceiro mês após a alta. Entretanto, aos 18 meses após alta, os pacientes ainda reportavam dor e desconforto como os principais problemas enfrentados. Numa comparação entre indivíduos que sofreram queimaduras e as avaliações da população geral da China, as vítimas de queimaduras com mais de dois anos após o trauma apresentaram menores valores para os domínios funcionalidade física e desempenho do papel social devido à problemas físicos e dor. Ainda entre as vítimas de queimaduras, as alterações emocionais contribuíram negativamente com a avaliação de aspecto social e desempenho de papel social11.
Características como sexo, superfície corporal queimada (SCQ) e dor estão envolvidas com problemas de saúde físicos ou emocionais, e tornam a avaliação de QVRS complexa e, ao mesmo tempo, individual5,6,11-13.
Em relação às mudanças de avaliação do estado de saúde, autores referem que as principais queixas das vítimas descritas na literatura estão relacionadas à sensibilidade da pele ao calor, imagem corporal e trabalho. Estes representam os principais motivos de avaliações negativas. Além disso, aspectos ocorridos antes da queimadura e identificados durante o primeiro ano após o ocorrido teriam impacto sobre a saúde do paciente queimado após vários anos14. A pré-existência de transtornos de humor, tais como depressão e estresse pós-traumático, apresentam-se como preditores de saúde a longo prazo em indivíduos com queimaduras. A melhora significativa na saúde após a queimadura pode ser esperada depois de dois anos14.
Em recente estudo sobre o estado de saúde de vítimas de queimaduras brasileiras seis meses após a alta hospitalar, os autores descreveram bom estado de saúde neste período. Entretanto, depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e variáveis clínicas como tempo de internação, número de cirurgias e SCQ foram negativamente associadas com a percepção do estado de saúde15.
Destaca-se que a avaliação da capacidade de resposta e adaptação às mudanças ocorridas após o acidente com queimaduras, neste caso a QVRS, permite a obtenção de maior conhecimento sobre estas mudanças. A detecção precoce das dificuldades enfrentadas pelas pessoas que sofreram queimaduras no decorrer do processo de reabilitação permitiriam que a equipe de saúde, principalmente de enfermagem, pudesse planejar cuidados direcionados visando melhores resultados. Desta forma, manifestações essencialmente subjetivas podem ser transformadas em dados objetivos que, por sua vez, levam a ações concretas e eficazes de cuidado.
No Brasil, poucos estudos foram feitos abordando QVRS ou estado de saúde de vítimas de queimaduras, sendo todos de delineamento transversal, utilizando uma escala genérica para avaliar a QVRS16,17 e uma escala específica18 para avaliar estado de saúde das vítimas de queimaduras.
Pelo exposto, os objetivos do presente estudo foram explorar a associação das variáveis sexo, SCQ e visibilidade das cicatrizes com a percepção de QVRS avaliada ao longo do tempo e comparar duas medidas de percepção de QVRS de vítimas de queimaduras, obtidas entre o 4º e 6º mês (M1) e entre o 9º e 12º mês (M2) após a alta hospitalar.
MÉTODOS
Estudo de abordagem quantitativa, do tipo longitudinal, realizado no ambulatório da Unidade de Queimados do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (UQ-FMRP-USP), após a obtenção da aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital onde foi realizado o estudo (referência: 11571/2003).
A proposta de um estudo longitudinal na mensuração da QVRS, permite a realização de comparações entre resultados obtidos em mais de uma ocasião, isto é, identificar sua variação, em mais de uma medida e ao longo do tempo19.
Participaram do estudo sujeitos com mais de 18 anos, de ambos os sexos, que estavam internado na UQ-FMRP-USP, se encontravam nas duas primeiras semanas após a ocorrência da queimadura e que apresentavam condições de participação quanto à orientação no tempo, espaço e pessoa.
Não participaram do estudo pacientes com evidentes condições cognitivas que dificultassem a compreensão dos instrumentos aplicados ou se encontravam em quadros agudos de alterações de estados de humor ou de diagnósticos psiquiátricos; que tinham sido internados após segunda semana do acontecimento da queimadura, uma vez que teriam passado a "fase aguda de reabilitação" na qual são realizados com maior frequência procedimentos dolorosos, tais como banhos, troca de curativos e enxertias.
Os dados foram coletados por meio da aplicação de um formulário para coleta de dados sociodemográficos e clínicos elaborado para este estudo. Ele contemplou os dados de identificação dos sujeitos (data de nascimento/idade, sexo e escolaridade) e sobre a queimadura (dia da queimadura, data da internação, agente etiológico, local do acidente, SCQ e regiões do corpo acometidas) e a percepção de cicatriz visível. Também foi utilizado o questionário genérico e multidimensional Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey (SF-36) - versão brasileira20 para avaliar QVRS, composto por 36 itens, os quais se dividem em oito domínios: Capacidade funcional, Aspecto físico, Dor, Estado geral de saúde, Vitalidade, Aspectos sociais, Aspectos emocionais e Saúde mental. Os valores de cada domínio variam de zero a cem (zero: pior estado de saúde e cem: melhor estado de saúde)20. Cada item é respondido em escala de likert. O escore normatizado para cada um dos domínios pode variar de zero a 100, no qual zero representa o pior estado de saúde do indivíduo e 100, o melhor estado de saúde.
Esse questionário tem sido utilizado (versão em inglês) para avaliar qualidade de vida relacionada à saúde e capacidade funcional de pacientes vítimas de queimaduras21. A versão brasileira apresenta boa confiabilidade quando utilizado para medir qualidade de vida relacionada à saúde em pacientes críticos antes da admissão em unidade de terapia intensiva (> 0,70)22.
Foram entrevistados, de forma individual, 91 pacientes adultos atendidos na UQ-FMRP-USP no período de junho de 2005 a março de 2009, que aceitaram participar do estudo, atendiam aos critérios de inclusão e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). No caso de participantes que apresentaram alguma dificuldade para preenchimento dos questionários (como limitação visual ou motora da mão, ou por não saber ler e/ou escrever), um dos pesquisadores auxiliou no preenchimento dos instrumentos. Para tanto, os pesquisadores realizavam leitura da questão e de suas opções de resposta por três vezes, logo depois registravam a opção escolhida pelo paciente na correspondente escala de likert do questionário aplicado.
Os pacientes foram informados e incluídos no estudo durante os primeiros dias de internação para tratamento por queimadura. Imediatamente à alta hospitalar, além dos agendamentos de rotina no ambulatório da unidade, foram agendados encontros para acompanhamento correspondente ao período entre o 4º e 6º mês (M1) e entre 9º e 12º mês (M2) após a alta hospitalar. Nas situações em que o paciente não compareceu ao atendimento, foi contatado por via telefônica e agendado um novo encontro. Após três tentativas sem retorno, considerava-se perda do participante.
Dos 91 participantes entrevistados na primeira medida (M1), 18 não completaram a segunda medida em decorrência de mudança de endereço, telefone ou cidade; óbito e não comparecimento após três tentativas de entrevista.
Os dados foram analizados por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences SPSS® version 18. 0 para Windows (IBM Corporation, Armonk, NY, 2011), com análises descritivas realizadas para todas as variáveis. Devido às várias subescalas e escores dos domínios do SF-36 diferirem significativamente de uma distribuição normal, procedeu-se à análise não paramétrica de ambas as medidas (M1 e M2) por meio do teste de Wilcoxon, no qual os valores médios foram classificados em: negativos (diminuição das pontuações entre M1 e M2), positivos (aumento das pontuações entre M1 e M2) e empate (valores mantidos em M1 e M2). Para explorar se a variável QVRS diferiu segundo sexo, SCQ e visibilidade da queimadura, realizou-se o teste Mann Whitney. Para todas as situações, o nível de significância adotado foi de 0,05.
No intuito de complementar informações sobre a mudança das pontuações obtidas para as duas medidas (4º e 6º mês e 9º e 12º mês após a alta hospitalar) durante o primeiro ano após queimadura, avaliou-se o tamanho do efeito com as seguintes classificações: pequeno (r = 0,10), médio (r = 0,30) e grande (r = 0,50)23 e obtidas os coeficientes de correlações (M1 e M2), classificadas em: valores < 0,30, correlações fracas; entre 0,30 a 0,50, correlações moderadas e > 0,50, correlações fortes24.
Análises de covariância (MANCOVA) foram realizadas para examinar diferenças na QVRS controlando a influência das variáveis sexo, visibilidade da cicatriz e SCQ (covariáveis), nos domínios do SF-36 na M1 e M2. Essas análises foram realizadas pois na análise dos resíduos a distribuição dos dados se apresentou normal.
RESULTADOS
Participaram do estudo 73 indivíduos (18 mulheres e 55 homens) que completaram as duas medidas (entre o 4º e 6º mês e entre o 9º e 12º mês).
Os sujeitos apresentaram idade média de 35,2 anos (DP: 12,9) e se encontravam em acompanhamento ambulatorial. Segundo o nível de escolaridade, destaca-se que 35 (45,2%) possuíam o segundo grau completo (mais de 10 anos de estudo) e 24 (32,9%) o primeiro grau incompleto (menos de sete anos de estudo). A média de SCQ foi de 17% (DP: 12,44), e 75% dos sujeitos apresentavam SCQ menor que 20% (Tabela 1).
Variáveis/Medidas | n (%) | Média (DP) | Mediana (variação) |
Sexo | |||
Feminino | 18 (24,7) | ||
Masculino | 55 (75,3) | ||
Idade (em anos) | 35,2 (12,9) | 33,0 (16-70) | |
Grau de escolaridade | |||
Até primeiro grau completo | 37 (50,7) | ||
Até segundo grau completo | 30 (41,1) | ||
Superior | 6 (8,2) | ||
Local do acidente | |||
Domicílio | 40 (54,8) | ||
Trabalho | 26 (35,6) | ||
Lazer/fora de casa | 7 (9,6) | ||
Agente etiológico | |||
Álcool/produtos inflamáveis | 46 (63) | ||
Eletricidade | 12 (16,4) | ||
Líquidos quentes | 9 (12,3) | ||
Superfície quente | 3 (4,1) | ||
Produto químico | 1 (1,4) | ||
SCQ (%) | 17,0 (12,4) | 14,0 (1-60) | |
≤ 20 | 52 (71,2) | ||
> 20 | 21 (28,8) | ||
Regiões do corpo | |||
Cabeça/face/cervical | 42 (57,5) | ||
Tronco anterior/posterior | 49 (67,1) | ||
Membros superiores | 62 (84,9) | ||
Membros inferiores | 35 (47,9) | ||
Glúteos/genitália | 12 (16,4) |
Entre os agentes etiológicos, álcool e produtos inflamáveis apareceram em 46 casos (63,7%), as queimaduras por eletricidade em 12 (16,4%) e os líquidos superaquecidos em nove (12,3%). A maior parte dos acidentes ocorreu em ambiente domiciliar (n = 40; 58,4%). As áreas do corpo mais atingidas foram membros superiores (n = 62; 84,9%) e tronco (n = 49; 67,1%), mas muitos dos participantes apresentaram mais de uma área do corpo queimada (Tabela 1).
Em relação à QVRS percebida, houve diferença estatisticamente significante para todos os domínios do SF-36, apresentando melhora nas avaliações realizadas entre o 9º e 12º mês (M2) em relação àquelas entre o 4º e o 6º mês (M1). Essa distinção foi evidenciada pelo maior número de mudanças positivas na M2 (Tabela 2). O tamanho do efeito na mudança das pontuações entre M1 e M2 variou de 0,21 a 0,79. Identificou-se tamanho de efeito grande para os domínios Capacidade funcional (r = 0,55), Aspecto físico (r = 0,60), Dor (r = 0,59) e Aspecto emocional (r = 0,79) e efeito médio para Estado geral de saúde (r = 0,32), Vitalidade (r = 0,24), Aspecto social (r = 0,28) e Saúde mental (r = 0,21) (Tabela 2).
Valores Domínios | Média dos postos | Desvio-padrão | Mediana | Mínimo (mín-máx) | Mudanças nas pontuações * | n | z | p * | Tamanho do efeito ** |
Cap. funcional_M1 | 73,8 | 26,2 | 80 | 0-100 | Negativo | 12 | -4,55 | 0,00 | 0,55 |
Cap. funcional_M2 | 87,1 | 16,2 | 90 | 10-100 | Positivo | 39 | |||
Empate | 22 | ||||||||
Aspecto físico_M1 | 35,3 | 42,5 | 0 | 0-100 | Negativo | 10 | -3,98 | 0,00 | 0,60 |
Aspecto físico_M2 | 61,6 | 44,9 | 100 | 0-100 | Positivo | 32 | |||
Empate | 31 | ||||||||
Dor_M1 | 60,8 | 27,1 | 62,0 | 0-100 | Negativo | 11 | -4,51 | 0,00 | 0,59 |
Dor_M2 | 76,3 | 26,2 | 84,0 | 10-100 | Positivo | 45 | |||
Empate | 17 | ||||||||
Est. saúde geral_M1 | 75,5 | 17,8 | 72 | 32-100 | Negativo | 15 | -2,93 | 0,00 | 0,32 |
Est. saúde geral_M2 | 81,4 | 18,9 | 87 | 5-100 | Positivo | 39 | |||
Empate | 19 | ||||||||
Vitalidade_M1 | 73 | 20,3 | 75 | 15-100 | Negativo | 18 | -2,46 | 0,01 | 0,24 |
Vitalidade_M2 | 77,6 | 19 | 85 | 15-100 | Positivo | 40 | |||
Empate | 15 | ||||||||
Asp. social_M1 | 72,4 | 24,7 | 75 | 0-100 | Negativo | 14 | -2,43 | 0,01 | 0,28 |
Asp. social_M2 | 79,5 | 25,8 | 87,5 | 0-100 | Positivo | 36 | |||
Empate | 23 | ||||||||
Asp. emocional_M1 | 46,6 | 44,7 | 33,3 | 0-100 | Negativo | 5 | -4,92 | 0,02 | 0,79 |
Asp. emocional_M2 | 78,5 | 35,7 | 100 | 0-100 | Positivo | 34 | |||
Empate | 34 | ||||||||
Saúde mental_M1 | 71,4 | 22,3 | 72 | 8-100 | Negativo | 22 | -2,41 | 0,02 | 0,21 |
Saúde mental_M2 | 76,1 | 22,3 | 80 | 8-100 | Positivo | 43 | |||
Empate | 8 |
Houve mudanças positivas (maiores valores) e estatisticamente significativas para os domínios Capacidade funcional (n = 26; p < 0,00), Aspecto físico (n = 19; p < 0,01), Dor (n = 31; p < 0,00), Estado geral de saúde (n = 26; p < 0,03), Aspecto social (n = 26; p < 0,04) e Aspecto emocional (n = 28; p < 0,00) entre os pacientes que apresentaram SCQ menor que 20% e na Capacidade funcional (n = 13; p < 0,01), Aspecto físico (n = 13; p < 0,00), Dor (n = 14; p < 0,00), Vitalidade (n = 13; p < 0,01) e Aspecto emocional (n = 13; p < 0,00) entre os pacientes com SCQ maior que 20% (Tabela 3).
Medidas Dimensões | SCQ | Visibilidade da cicatriz | Sexo | ||||
Mudanças nas pontuações* | < 20 (n = 52) | > 20 (n = 21) | Sim (n = 48) | Não (n = 25) | Feminino (n = 18) | Masculino (n = 55) | |
Cap. funcional_M1 | Negativo | 10 | 2 | 10 | 2 | 6 | 6 |
Cap. funcional_M2 | Positivo | 26 | 13 | 27 | 12 | 6 | 36 |
Empate | 16 | 6 | 11 | 11 | 6 | 16 | |
z | -3.66 | -2.70 | -3.45 | -3.02 | -0.83 | -4.53 | |
p | 0,00 | 0,01 | 0,00 | 0,00 | 0,41 | 0,00 | |
Asp. físico_M1 | Negativo | 8 | 2 | 8 | 2 | 4 | 6 |
Asp. físico_M2 | Positivo | 19 | 13 | 21 | 11 | 5 | 27 |
Empate | 25 | 6 | 19 | 12 | 9 | 22 | |
z | -2.66 | -3.15 | -2.95 | -2.92 | -0.72 | -3.88 | |
p | 0,01 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,47 | 0.00 | |
Dor_M1 | Negativo | 7 | 4 | 9 | 2 | 5 | 6 |
Dor_M2 | Positivo | 31 | 14 | 26 | 19 | 9 | 36 |
Empate | 14 | 3 | 13 | 4 | 4 | 13 | |
z | -3.62 | -2.72 | -3.02 | -3.45 | -1.01 | -4.62 | |
p | 0,00 | 0,01 | 0,00 | 0,00 | 0,32 | 0,00 | |
Est. saúde geral_M1 | Negativo | 9 | 6 | 14 | 1 | 3 | 12 |
Est. saúde geral_M2 | Positivo | 26 | 13 | 20 | 19 | 10 | 29 |
Empate | 17 | 2 | 14 | 5 | 5 | 14 | |
z | -2.19 | -1.89 | -0.85 | -3.33 | -0.88 | -2.84 | |
p | 0,03 | 0,06 | 0,40 | 0,00 | 0,38 | 0,00 | |
Vitalidade_M1 | Negativo | 17 | 1 | 15 | 3 | 7 | 11 |
Vitalidade_M2 | Positivo | 27 | 13 | 23 | 17 | 8 | 32 |
Empate | 8 | 7 | 10 | 5 | 3 | 12 | |
z | -1.25 | -2.74 | -0.85 | -3.05 | -0.23 | -2.83 | |
p | 0,21 | 0,01 | 0,39 | 0,00 | 0,82 | 0,01 | |
Asp. social_M1 | Negativo | 10 | 4 | 12 | 2 | 3 | 11 |
Asp. social_M2 | Positivo | 26 | 10 | 21 | 15 | 10 | 26 |
Empate | 16 | 7 | 15 | 8 | 5 | 18 | |
z | -2.06 | -1.32 | -1.02 | -2.70 | -0.88 | -2.19 | |
p | 0,04 | 0,18 | 0,31 | 0,01 | 0,38 | 0,03 | |
Asp. emocional_M1 | Negativo | 3 | 2 | 3 | 2 | 3 | 2 |
Asp. emocional_M2 | Positivo | 21 | 13 | 24 | 10 | 7 | 27 |
Empate | 28 | 6 | 21 | 13 | 8 | 26 | |
z | -3.9 | -2.89 | -4.22 | -2.56 | -1.79 | -4.41 | |
p | 0,00 | 0,00 | 0,12 | 0,05 | 0,07 | 0,00 | |
Saúde mental_M1 | Negativo | 16 | 6 | 15 | 7 | 6 | 17 |
Saúde mental_M2 | Positivo | 30 | 13 | 27 | 16 | 11 | 32 |
Empate | 6 | 2 | 6 | 2 | 2 | 6 | |
z | -1.84 | -1.53 | -1.54 | -2.00 | -1.17 | -2.12 | |
p | 0,06 | 0,12 | 0,12 | 0,45 | 0,24 | 0,03 |
* Mudança nas pontuações do SF-36 em ambas as medidas: M1 (4º a 6º mês) e M2.
Os indivíduos que reportaram as cicatrizes como visíveis apresentaram mudanças estatisticamente significantes para os domínios Capacidade funcional (n = 27; p = 0,00), Aspecto físico (n = 21; p = 0,00) e Dor (n = 26; p = 0,00) nas duas medidas (M1 e M2). Entre os sujeitos que referiram suas cicatrizes como não visíveis, somente o domínio Saúde Mental não apresentou significância estatística (n = 16; p = 0,45). Finalmente, para as mudanças positivas ocorridas para a variável sexo, os valores dos oito domínios se apresentaram estatisticamente significantes para o feminino (Tabela 3).
Na análise das relações entre M1, M2 e a porcentagem de SCQ avaliada na internação, houve correlação positiva e estatisticamente significante entre os domínios da M1 Capacidade funcional, Dor, Vitalidade, Aspecto social e Aspecto emocional com a maior parte dos domínios da M2, não tendo relação significante entre os domínios do SF-36 e a SCQ (Tabela 4).
9-12º meses 4-6º mês | Cap. funcional | Asp. físico | Dor | Est. geral S | Vitalidade | Asp. social | Asp. emocional | Saúde mental |
Cap. funcional | 0,55** | 0,29** | 0,29* | 0,09 | 0,17 | 0,20 | 0,24* | 0,09 |
Asp. físico | 0,29* | 0,38** | 0,31** | 0,29* | 0,25* | 0,29* | 0,23 | 0,07 |
Dor | 0,35* | 0,28* | 0,49* | 0,18 | 0,23 | 0,26* | 0,16 | 0,01 |
Est. geral S. | 0,18 | 0,07 | 0,27* | 0,35** | 0,28* | 0,35** | 0,26* | 0,22 |
Vitalidade | 0,28* | 0,09 | 0,33* | 0,24* | 0,51** | 0,26* | 0,30* | 0,34** |
Asp. social | 0,18 | 0,05 | 0,27* | 0,20 | 0,27* | 0,47** | 0,36** | 0,36** |
Asp. emocional | 0,30* | 0,12 | 0,37* | 0,08 | 0,78* | 0,14 | 0,34** | 0,17 |
Saúde mental | 0,28 | 0,16 | 0,37** | 0,30* | 0,45** | 0,26* | 0,31** | 0,44** |
SCQ | -0,14 | -0,23 | 0,29 | 0,75 | 0,29 | 0,44 | -0,09 | 0,03 |
As medidas de QVRS foram analisadas segundo efeito multivariado (MANCOVA), sendo assim controladas para o estudo de influência aleatória das variáveis sexo, SCQ e visibilidade das cicatrizes referidas pelos pacientes.
Na comparação dos valores da M1 e da M2 dos domínios da SF-36, com as covariáveis sexo e visibilidade da cicatriz referida pelo paciente, os domínios se apresentaram como coeficientes positivos entre si, isto é, na amostra estudada, os valores apresentados na M1 (4º a 6º mês) afetaram positivamente os valores apresentados nos domínios da M2 (9º a 12º mês) (Tabela 5).
Domínio SF-36 (M2) | Covariáveis (M1) | Médias ajustadas | DP | IC 95% | gL | F | Sig | |
Inferior | Superior | |||||||
Cap. funcional | Cap. Funcional | 0,00 | ||||||
Sexo | 0,39 | |||||||
Masculino | 87,49 | 2,18 | 83,13 | 91,86 | 1 | 0,74 | ||
Feminino | 84,17 | 3,53 | 77,12 | 91,22 | ||||
Visibilidade | 0,16 | |||||||
Sim | 83,20 | 2,34 | 78,58 | 87,93 | 1 | 2,05 | ||
Não | 88,41 | 3,29 | 81,84 | 94,98 | ||||
SCQ (%) | 0,15 | |||||||
< 20 | 88,64 | 2,19 | 84,27 | 93,01 | 1 | 2,12 | ||
> 20 | 83,02 | 3,54 | 75,96 | 90,07 | ||||
Asp. físico | Asp. físico | 0,01 | ||||||
Sexo | 0,33 | |||||||
Masculino | 67,89 | 6,73 | 54,45 | 81,33 | 1 | 0,98 | ||
Feminino | 56,15 | 10,77 | 34,67 | 77,64 | ||||
Visibilidade | 0,12 | |||||||
Sim | 53,41 | 7,16 | 39,12 | 67,70 | 1 | 2,45 | ||
Não | 70,63 | 10,02 | 50,64 | 90,63 | ||||
SCQ (%) | 0,81 | |||||||
< 20 | 60,52 | 6,83 | 46,89 | 74,15 | 1 | 0,06 | ||
> 20 | 63,52 | 10,94 | 41,70 | 85,34 | ||||
Dor | Dor | 0,00 | ||||||
Sexo | 0,03 | |||||||
Masculino | 81,16 | 3,34 | 74,50 | 87,83 | 1 | 5,27 | ||
Feminino | 67,70 | 5,41 | 56,90 | 78,50 | ||||
Visibilidade | 0,97 | |||||||
Sim | 69,77 | 3,59 | 62,62 | 76,93 | 1 | 2,85 | ||
Não | 79,09 | 5,06 | 69,00 | 89,17 | ||||
SCQ (%) | 0,97 | |||||||
< 20 | 74,32 | 3,31 | 67,73 | 80,92 | 1 | 0,00 | ||
> 20 | 74,54 | 5,42 | 63,72 | 85,36 | ||||
Esta. geral de saúde | Esta. Geral de saúde | 0,00 | ||||||
Sexo | 0,54 | |||||||
Masculino | 85,38 | 2,76 | 79,87 | 90,88 | 1 | 0,38 | ||
Feminino | 82,38 | 4,45 | 73,50 | 91,25 | ||||
Visibilidade | 0,02 | |||||||
Sim | 78,22 | 3,00 | 72,24 | 84,19 | 1 | 5,87 | ||
Não | 89,53 | 4,18 | 81,19 | 97,88 | ||||
SCQ (%) | 0,17 | |||||||
< 20 | 80,55 | 2,71 | 75,14 | 85,95 | 1 | 1,96 | ||
> 20 | 87,21 | 4,42 | 78,39 | 96,03 | ||||
Vitalidade | Vitalidade | 0,00 | ||||||
Sexo | 0,07 | |||||||
Masculino | 82,80 | 2,49 | 77,83 | 87,77 | 1 | 3,45 | ||
Feminino | 74,67 | 4,05 | 66,59 | 82,75 | ||||
Visibilidade | 0,02 | |||||||
Sim | 73,73 | 2,67 | 68,40 | 79,06 | 1 | 5,87 | ||
Não | 83,74 | 3,80 | 76,16 | 91,32 | ||||
SCQ (%) | 0,09 | |||||||
< 20 | 74,94 | 2,46 | 70,03 | 79,84 | 1 | 2,96 | ||
> 20 | 82,53 | 4,09 | 74,37 | 90,69 | ||||
Asp. social | Asp. social | 0,01 | ||||||
Sexo | 0,93 | |||||||
Masculino | 81,81 | 3,78 | 74,27 | 89,35 | 1 | 0,01 | ||
Feminino | 81,18 | 6,13 | 68,95 | 93,42 | ||||
Visibilidade | 0,05 | |||||||
Sim | 75,35 | 4,07 | 67,23 | 83,46 | 1 | 3,87 | ||
Não | 87,65 | 5,72 | 76,24 | 99,0 | ||||
SCQ (%) | 0,85 | |||||||
< 20 | 80,87 | 3,74 | 73,41 | 88,34 | 1 | 0,04 | ||
> 20 | 82,120 | 6,11 | 69,93 | 94,31 | ||||
Asp. emocional | Asp. emocional | 0,01 | ||||||
Sexo | 0,72 | |||||||
Masculino | 79,57 | 5,24 | 69,12 | 90,02 | 1 | 0,13 | ||
Feminino | 76,18 | 8,47 | 59,28 | 93,09 | ||||
Visibilidade | 0,05 | |||||||
Sim | 74,29 | 5,66 | 63,00 | 85,58 | 1 | 0,67 | ||
Não | 81,47 | 7,92 | 65,65 | 97,28 | ||||
SCQ (%) | ||||||||
< 20 | 80,08 | 5,29 | 69,52 | 90,65 | 1 | 0,22 | 0,64 | |
> 20 | 75,68 | 8,50 | 58,72 | 92,64 | ||||
Saúde mental | Saúde mental | 0,00 | ||||||
Sexo | 0,20 | |||||||
Masculino | 76,83 | 3,15 | 70,55 | 83,11 | 1 | 1,70 | ||
Feminino | 69,55 | 5,15 | 59,27 | 79,82 | ||||
Visibilidade | 0,87 | |||||||
Sim | 72,75 | 3,40 | 65,96 | 79,55 | 1 | 0,03 | ||
Não | 73,62 | 4,78 | 64,10 | 83,15 | ||||
SCQ (%) | 0,31 | |||||||
< 20 | 76,04 | 3,12 | 69,83 | 82,26 | 1 | 1,07 | ||
> 20 | 70,34 | 5,13 | 60,10 | 80,58 |
Em relação às covariáveis, sexo apresentou coeficientes positivos e estatisticamente significantes na mudança dos valores do domínio Dor (p < 0,03), sugerindo que no decorrer do primeiro ano pós queimadura os homens apresentaram diminuição expressiva da dor, quando comparados com as mulheres. Quanto à Visibilidade da cicatriz, os coeficientes foram negativos para os domínios Estado geral de saúde (p < 0,02) e Vitalidade (p < 0,02), sugerindo que os pacientes que relataram suas cicatrizes visíveis na M1 apresentariam piora na percepção das mesmas na M2. Já a covariável SCQ se apresentou negativa para os domínios Dor e Aspecto social, ou seja, quanto maior a SCQ, maior a dor (Tabela 5).
DISCUSSÃO
Na presente investigação procurou-se conhecer a percepção do estado de saúde de vítimas de queimaduras que se encontravam em atendimento ambulatorial entre o 4º e 6º mês e entre o 9º e 12º mês após a alta hospitalar, e a influência das variáveis sexo, superfície corporal queimada e visibilidade das cicatrizes referidas pelo paciente.
A partir dos resultados apresentados, pode-se observar que houve melhora da QVRS ao longo do primeiro ano. Entretanto, os pacientes ainda reportaram pior percepção da QVRS no componente Aspecto físico no 12º mês após a alta hospitalar.
Dados semelhantes foram descritos em estudo realizado na China11, com 20 participantes que se encontravam com mais de dois anos após a ocorrência da queimadura e pacientes que realizavam hemodiálise. Os sobreviventes de extensas queimaduras apresentaram valores significativamente mais baixos nos domínios Capacidade funcional, Aspecto físico, Dor, Aspecto social e Aspecto emocional. Comparados aos pacientes que realizavam hemodiálise, os pacientes com queimaduras apresentaram valores significativamente mais elevados na avaliação do Estado geral de saúde e Vitalidade, e pior para Aspecto emocional11.
Os dados do presente estudo permitiram observar mudanças positivas na QVRS, quando comparadas ambas as medidas (M1 e M2), mas na análise do tamanho do efeito para essas mudanças, destacaram-se os domínios Aspecto emocional (0,79) Aspecto físico (0,60), Dor (0,59) e Capacidade funcional (0,55), por apresentar tamanho do efeito considerado grande (Tabela 2). Entretanto, na maior parte dos domínios (Capacidade funcional, Estado geral de saúde, Vitalidade, Aspecto social e Saúde mental) os pacientes apresentam pior percepção das condições fisicas ao longo de um ano.
A mudança nos domínios Capacidade funcional e Aspecto físico (Tabela 2) podem estar relacionadas ao fato de que os pacientes tendem a apresentar uma diminuição de problemas relacionados à mobilidade com o passar do tempo6, com melhora na movimentação e na realização das atividades diárias25. Isto é, quanto melhor a recuperação pós-queimadura, melhor a avaliação de QVRS. Em relação a indicadores de gravidade, autores26-28 referem que a maior porcentagem de SCQ e a profundidade das queimaduras podem apresentar alterações negativas, especialmente para os domínios físico, mental, social e de saúde geral. Da mesma forma, a presença de queimadura nas mãos e alterações de aspectos psicológicos estariam diretamente relacionadas à percepção de pior QVRS27,29. Entretanto, outros autores5,30 referem não ter encontrado relação entre avaliação de QVRS, a partir de medidas de estado de saúde, e variáveis, tais como idade, sexo, SCQ, tempo de lesão e de permanência de internação durante a recuperação.
Na análise dos resultados do presente estudo, observaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os valores dos domínios da SF-36. Pacientes com queimaduras com SCQ inferior a 20% apresentaram aumento dos valores no decorrer do tempo para os domínios Capacidade funcional, Aspecto físico, Dor, Estado geral de saúde, Aspecto social e Aspecto emocional; e Capacidade funcional, Aspecto fisico, Dor, Vitalidade e Aspecto emocional para os que apresentaram SCQ superior a 30% (Tabela 3). Assim como identificaram-se influências da covariável sexo (nas duas medidas, os homens apresentaram mudanças expressivas e positivadas em relação às das mulheres) unicamente no domínio Dor e, influências negativas da covariável Visibilidade das cicatrizes nos domínios Aspecto emocional, Estado geral de saúde, Aspecto social e Vitalidade. Ainda, a SCQ > 20% se apresentou negativa para os domínios Dor e Aspecto social.
Dados como esses devem ser interpretados com cautela, uma vez que o número de participantes do sexo masculino foi maior em relação ao feminino. Porém, chamam a atenção os resultados em relação às mulheres, que poderiam sugerir maiores dificuldades na recuperação de aspectos relacionados à saúde no primeiro ano após a alta hospitalar. Em relação à SCQ, em ambos os grupos (SCQ até 20% e >20%), observou-se melhor avaliação de QVRS a partir da avaliação de estado de saúde, entre o 9º e 12º mês (M2), quando comparada às realizadas entre o 4º e 6º mês (M1).
Com o objetivo de identificar os índices clínicos e funcionais específicos que preveem a boa qualidade de vida após grandes queimaduras, em uma amostra de 47 pacientes sobreviventes de acidentes, autores27 encontraram pontuações significativamente mais baixas na percepção dos domínios Aspecto físico (69,1 vs. 82,1; p = 0,006) e Estado geral de saúde (67,2 vs. 77,0; p = 0,0001), quando comparados com as normas canadenses da população. Concluíram que, no geral, indivíduos que sofreram acidentes por queimaduras não apresentaram alterações significantes na maioria dos domínios do SF-36 e que aspectos como a extensão da queimadura, profundidade, idade e queimadura nas mãos estavam relacionados à percepção de pior qualidade de vida relacionada a saúde27.
Com o objetivo de estudar a relação entre a presença de contraturas e QVRS, pesquisadores29 aplicaram o SF-36 em uma amostra de 22 adultos que recebiam tratamento ambulatorial no mínimo há seis meses após terem recebido alta hospitalar. Os autores encontraram que o domínio Vitalidade e aspectos emocionais foram os mais afetados devido à porcentagem de SCQ. Entretanto, quando considerada a presença de contraturas, os domínios Capacidade funcional, Aspecto físico, Dor e Vitalidade foram os mais afetados. Os autores28 não encontraram relação entre SCQ e Capacidade funcional e sim com Aspectos psicológicos e Aspectos sociais. Nessa perspectiva, ao analisar os resultados da presente pesquisa, destaca-se que a maior parte dos participantes apresentou SCQ total ≤ 20%, e somente não demonstrou diferenças estatisticamente significativas e positivas (maiores valores) nos domínios Vitalidade e Saúde mental (Tabela 3).
Aspectos relacionados à alteração da funcionalidade são referidos principalmente em situações em que queimaduras acometem as mãos ou regiões do corpo consideradas importantes pelo indivíduo27. Na amostra da presente pesquisa, 42 pacientes apresentaram queimaduras na cabeça, face ou região cervical; 62 nos membros superiores, incluindo as mãos (Tabela 1); e 48 dos 73 participantes (Tabela 3) referiram suas cicatrizes como visíveis. Porém, durante o primeiro ano de reabilitação, essas queimaduras não foram referidas como importantes (visíveis) por esses pacientes. Indivíduos que sofreram acidentes com queimaduras muitas vezes não as percebem como grandes complicadores e, aparentemente, isso seria entendido como problema apenas pelos profissionais de saúde e não necessariamente pelos próprios enfermos30.
Ao avaliar a QVRS em 100 indivíduos sobreviventes a queimaduras, na aplicação da Burn-Specific Scale-Brief (BSHS-B), autores31 concluíram que pacientes que sofreram queimaduras apresentaram impactos negativos na maior parte das dimensões que compõem a avaliação de estado de saúde da BSHS-B, principalmente, nas dimensões relacionadas ao Afeto, Imagem corporal, Sensibilidade da pele, Trabalho e Aspectos psicológicos. Esses aspectos foram influenciados pelo sexo, grau de escolaridade, ocupação após a queimadura, SCQ, visibilidade das cicatrizes (principalmente pelo estigma) e funcionalidade. Na análise das relações entre as medidas de QVRS (M1 e M2) do presente estudo não foram identificadas correlações estatisticamente significantes. Além disso, nas medida dos domínios Capacidade funcional, Dor, Vitalidade, Aspecto social e Aspecto emocional da M1, houve correlação significante com a maior parte dos domínios da M2. Por outro lado, na análise de covariância (Tabela 4), não foram identificados efeitos significativos para a variável SCQ.
Destaca-se a importância da equipe de saúde, e principalmente, da equipe de enfermagem, atentar para aspectos relacionados a QVRS, durante a recuperação do indivíduo queimado, já que sua avaliação pode contribuir com a identificação precoce dos domínios que podem estar sendo afetados31. Isso permitiria um planejamento e desenvolvimento de cuidados iniciados em etapa precoce do processo de reabilitação, isto é, desde a internação, imediatamente após a ocorrência da queimaduras, envolvendo paciente e família e favorecendo a continuidade dos cuidados após a alta hospitalar.
Ao analisar os resultados relacionados ao domínio Dor, seis meses após a alta hospitalar, 75% dos participantes não o apresentaram como o domínio mais importante para alteração da QVRS. Entretanto, houve correlação significativa entre os domínios Dor e Aspectos sociais, considerando a variável sexo (Tabela 3). As manifestações de dor durante o cuidado no período de reabilitação podem apresentar-se como principal contribuidor no desenvolvimento de limitações físicas e psicológicas durante o primeiro ano após a queimadura32 e, consequentemente, no comprometimento da avaliação de QVRS.
Resultados como os apresentados nesta pesquisa sugerem que vítimas de queimaduras, em aspectos importantes na avaliação de QVRS, teriam um processo de adaptação bem sucedido. Indivíduos com extensas queimaduras nem sempre apresentam alterações psicológicos e/ou problemas físicos e/ou sociais, porém esses aspectos representam importantes riscos para alterações ou dificuldades em longo prazo. Ações que promovam a recuperação e previnam o aparecimento de complicações, por parte de equipe de saúde, principalmente da enfermagem, que permenece em contato a maior parte do tempo com o paciente durante hospitalização, potencializam avaliações positivas em relação à QVRS de paciente que sofreram queimaduras.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados do presente estudo, conclui-se que os domínios Aspecto físico e Aspectos emocionais apresentaram o maior comprometimento nos primeiros seis meses após a alta hospitalar de tratamento por queimaduras. Houve melhor avaliação em relação à QVRS para todas as dimensões, quando comparadas ambas as medidas temporais (M1 e M2), destacando-se pelo tamanho do efeito, com melhores valor na M2, as dimensões Aspectos emocionais, Aspecto físico, Dor e Capacidade funcional, sendo as mudanças em ambas as medidas (M1 e M2) principalmente para o sexo masculino.
De forma geral, a QVRS, representada na medida dos domínios a SF-36, nos primeiros seis meses de recuperação, seria afetada de forma negativa por variáveis a SCQ, visibilidade das cicatrizes e o sexo; e, pela presença de cicatrizes consideradas visíveis e o sexo em etapa de recuperação mais tardia.
Destaca-se como principal limitação o tamanho da amostra, o qual também se justifica por se trata de uma população específica, dificultando a inclusão de maior número de participantes. Por essa razão, aponta-se a necessidade de futuros estudos com maior número de participantes de ambos os sexos, permitindo a realização de análises estatísticas robustas sobre a influência das variáveis estudadas, bem como a inclusão de variáveis como Apoio social, Limitações físicas e Retorno à realização de atividades desenvolvidas antes dos acidentes.
AGRADECIMENTO
A Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo suporte financeiro da tese de doutorado.
REFERÊNCIAS
* Trabalho extraído da Tese de Doutorado com o título de "Validação da Burns Specific Pain Anxiety Scale - BSPAS e da Impact of Event Scale - IES para brasileiros que sofreram queimaduras".