Volume 10, Número 3, Jul/Set - 2006
PESQUISA
A percepção da equipe de enfermagem sobre humanização do parto e nascimento
The perception of the nursing staff about the humanization of the labor and birth
La percepción del equipo de enfermería sobre humanización del parto y nacimiento
Flavia Carvalho MarqueI; Ieda Maria Vargas DiasII; Leila AzevedoIII
IEnfermeira e preceptora do Centro Universitário Augusto Mota. E-mail: ministraflavia@bol.com.br
IIProfessora do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora.
IIIEnfermeira coordenadora da Casa de Parto David Capistrano Filho - Rio de Janeiro
RESUMO
Este trabalho se trata de uma pesquisa qualitativa de abordagem descritiva, que discute a percepção da equipe de enfermagem sobre a humanização do parto e nascimento. Participaram como depoentes do estudo profissionais da área de enfermagem que atuam em sala de parto de duas instituições públicas da cidade do Rio de Janeiro. A análise dos dados construída a partir dos depoimentos das participantes do estudo originou a construção das seguintes categorias: humanização no entendimento da equipe de enfermagem; práticas que a equipe de enfermagem considera humanizadoras; práticas que a equipe de enfermagem considera desumanizadoras; e a Enfermagem diante do tema humanização. Nas considerações finais, ficou evidenciada a diferença perceptiva das depoentes e a necessidade de mudança de atitude e postura dos profissionais de enfermagem diante da assistência ao parto e nascimento, reconhecendo sua importância como membro da equipe de saúde na assistência à mulher e ao neonato.
Palavras-chave: Enfermagem. Humanização da Assistência. Parto Humanizado.Nascimento a Termo.
ABSTRACT
This work is about a qualitative research of descriptive boarding, that argues the perception of the Nursing staff on the humanization of the labor and birth. Had participated as deponents of the study nursing area professionals who act in childbirth room of two public institutions of Rio de Janeiro. The analysis of the data was constructed with the depositions of the participants of the study, originating the construction of the following categories: Humanization in the Agreement of the Nursing Staff; Practical that the nursing staff considers as humanizators; Practical that the nursing staff considers as non-humanizator; and The nursing ahead of the humanization subject. In the final considerations it was evidenced the percipient difference of the deponents and the necessity of attitude change and position of the professionals of Nursing front to the assistance to the labor and birth, recognizing its importance as member of the staff of health in the assistance to woman and to the newborn.
Keywords: Nursing. Humanization of Assistence. Humanizing Delivery. Term Birth.
RESUMEN
Es un trabajo sobre una investigación cualitativa de abordaje descriptivo, que discute la percepción del equipo de Enfermería en la humanización del parto y del nacimiento. Habían participado como depoentes del estudio profesionales del área de enfermería que actúan en la sala de parto de dos instituciones públicas de la ciudad de Rio de Janeiro. El análisis de los datos construidos de las deposiciones de los participantes del estudio, originó la construcción de las siguientes categorías: Humanización en el Entendimiento del Equipo de Enfermería; Prácticas que el equipo de enfermería considera humanizadoras; Prácticas que el equipo de enfermería no considera humanizadoras; y La enfermería delante del tema humanización. En las consideraciones finales fue evidenciada la diferencia perceptora de las depoentes y de la necesidad del cambio de la actitud y posición de los profesionales de Enfermería frente a la ayuda al parto y al nacimiento, reconociendo su importancia como miembro del equipo de salud en la ayuda a la mujer y al neonato.
Palabras clave: Enfermería. Humanización de la Atención. Parto Humanizado. Nacimiento de Término.
INTRODUÇÃO
A desvalorização do parto natural e a prática cada vez maior de intervenções cirúrgicas desnecessárias mostram o quanto a população feminina é carente de informação e educação em saúde. A relação profissional de saúde-paciente, usualmente assimétrica, faz com que as mulheres, sentindo-se menos capacitadas para escolher e fazer valer seus desejos, tenham dificuldades em participar da decisão diante das questões técnicas levantadas pelos profissionais de saúde. Fato este que poderia ser solucionado ou pelo menos amenizado com a prática da humanização na assistência ao parto e nascimento, que engloba os cuidados de enfermagem durante o processo gravídico puerperal.
A valorização das tecnologias de intervenção, tanto por parte das parturientes quanto dos profissionais, a despeito de seus benefícios, vem ocultando uma medicalização indiscriminada do parto, no qual o desejo das mulheres tem contado muito pouco, principalmente nos setores mais pobres da população, com menor acesso à informação. Segundo Wolff e Moura1, a mulher parturiente está cada vez mais distante da condição de protagonista da cena do parto. Totalmente insegura, submete-se a todas as ordens e orientações, sem entender como combinar o poder contido nas atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato de que é ela quem está com dor e quem vai parir.
Não se podem negar as contribuições dos avanços técnico-científicos que, ao reduzir os riscos maternos e fetais, tornaram o parto mais seguro. No entanto, este modelo medicalizado, que considera o parto uma patologia e por isso estabelece enquanto prática a antecipação e prevenção do risco obstétrico, resultou na desvalorização dos aspectos emocionais e sociais envolvidos na atenção ao parto. Neste sentido, o Ministério da Saúde2 estabelece que a assistência ao parto deve ser segura, garantindo para cada mulher os benefícios dos avanços científicos, mas, fundamentalmente, deve permitir e estimular o exercício da cidadania feminina, resgatando a autonomia da mulher no parto.
Diante disso, o Programa de Humanização do Parto e Nascimento, do Ministério da Saúde, tem o objetivo principal de reorganizar a assistência, vinculando formalmente o pré-natal ao parto e puerpério, ampliando o acesso das mulheres e garantindo a qualidade com a realização de um conjunto mínimo de procedimentos. Este programa apresenta duas características marcantes: o olhar para a integralidade da assistência obstétrica e a afirmação dos direitos da mulher, incorporada como diretrizes institucionais.
Humanizar a assistência de enfermagem materno-infantil é de vital importância porque garante à mulher o seu acesso ao pré-natal, assegurando-lhe uma assistência digna, uma gravidez segura e saudável, com as informações necessárias para que possa escolher com tranqüilidade o local, o tipo de parto, o profissional que lhe assistirá, o acompanhante, a posição de parição, entre outras, respeitando sempre a participação de sua família em todo esse processo.
Esta pesquisa tem como objetivo apresentar e discutir a percepção da equipe de enfermagem sobre a humanização do parto e nascimento. Diante disso, fica estabelecida a seguinte questão norteadora: Qual a percepção que a equipe de enfermagem tem sobre a humanização do parto e nascimento?
Acredita-se que essa pesquisa seja relevante para os profissionais de enfermagem, por fazê-los analisar criticamente o seu trabalho, os cuidados que prestam aos seus clientes e o que podem fazer para melhorar e tornar mais humanizada essa assistência, pois suscita a necessidade de refletir sobre o tema, e isso pode conscientizá-los da importância de sua participação na assistência, educação, promoção da saúde, prevenção de intercorrências na gravidez e recuperação da saúde.
REFERENCIAL TEÓRICO
Muito se tem discutido sobre humanização do parto e nascimento, mas pouco se tem feito para sua real implementação nos hospitais e maternidades do país. O que se pode notar em alguns casos é o despreparo dos profissionais da saúde e uma certa resistência para a mudança na sua maneira de prestar assistência à gestante.
Segundo Duarte3:1, a idéia de humanizar o parto vem do fato de que muitos serviços médicos ignoram as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde (MS) e outros órgãos que regulamentam o atendimento ao parto.
A Organização Mundial de Saúde, em Rattner4, refere que o objetivo da assistência é obter uma parturiente e um neonato saudáveis com o mínimo de intervenções que seja compatível com a segurança. Visando essa humanização, algumas condutas devem ser estimuladas durante o parto, como a presença de acompanhante, oferta de líquidos, uso de técnicas não invasivas para alívio da dor e liberdade de escolha da posição no parto, entre outras. Entretanto, sabe-se que estas não vêm sendo respeitadas nos hospitais e maternidades, e que os procedimentos reconhecidamente danosos e ineficazes, como a imobilização, a posição horizontal na hora do parto e administração de ocitocina para acelerar o trabalho de parto, que deveriam ser eliminados, continuam a fazer parte da rotina na maioria dos serviços de saúde.
De acordo com o Ministério da Saúde2, o conceito de assistência humanizada é vasto e envolve um conjunto de práticas e atitudes com o objetivo de favorecer o parto e o nascimento saudável, bem como a prevenção da morbimortalidade materna e perinatal.
O programa de humanização do parto e nascimento tem o seu início no pré-natal, com a equipe de saúde preparando adequadamente a parturiente para o momento do parto, abrangendo um conjunto de cuidados que visam oferecer à mulher a possibilidade de vivenciar o parto e puerpério com privacidade e autonomia.
De acordo com Câmara et al.5, a parturiente deve receber todas as informações necessárias para a prevenção e controle da ansiedade e do medo. Isso a tornará mais preparada para o fenômeno da parturição, podendo, inclusive, resultar na escolha mais adequada do tipo de parto. Conforme pode ser evidenciado, a ausência de um atendimento pré-natal que prepare a gestante para o parto vaginal está entre um dos fatores agravantes dos índices de cesáreas.
O enfermeiro atua no pré-natal por meio de consulta de enfermagem e de atividades em grupo, com o objetivo de garantir o bom desenvolvimento das gestações, prevenir riscos e identificar as clientes com maior probabilidade de apresentar intercorrências durante a gestação, promovendo a saúde da parturiente e do neonato através do diagnóstico e cuidados de enfermagem.
Na primeira consulta de pré-natal, o enfermeiro realiza o histórico de enfermagem; na entrevista são coletados dados tais como identificação da gestante, percepções e expectativas, e situação sócio-econômica. Logo depois é realizado o exame físico e obstétrico, onde são identificados os problemas, e feito o diagnóstico de enfermagem. Só então é elaborado um plano assistencial.
Nas ações de enfermagem, estão incluídas solicitações de exames, orientações e aplicação de vacinas. As orientações devem abordar o desconforto próprio do período e maneiras de aliviá-lo, aspectos emocionais, exercício de relaxamento, nutrição adequada e ganho ponderal, sexualidade, entre outros.
De acordo com as recomendações de Espírito Santo et al.6, durante o primeiro trimestre é de extrema importância que o enfermeiro oriente sobre o uso de medicamentos e drogas. No segundo trimestre, as informações devem ser sobre o aleitamento materno, desenvolvimento fetal, movimento do feto e contrações. No terceiro trimestre, além de reforçar as orientações sobre aleitamento materno, são abordados os sinais de bem-estar fetal, trabalho de parto e execução do parto, a conduta a ser adotada pela cliente, hospitalização, puerpério, retorno da mulher e seu filho para casa, relacionamento familiar e planejamento familiar.
A partir da análise e avaliação das consultas de enfermagem, o enfermeiro poderá realizar encaminhamentos que julgue necessários para os demais profissionais da equipe de saúde. Toda a assistência prestada deve ser devidamente registrada no prontuário da gestante, e, a cada nova consulta, é realizada a evolução de enfermagem por meio de entrevista e exames físico e obstétrico, para a avaliação do plano assistencial, visando uma assistência singular e peculiar para cada cliente.
Durante o período de dilatação, sendo diagnosticado o trabalho de parto, é realizada a admissão da parturiente no centro obstétrico. A assistência prestada pelo enfermeiro será ajustada às condições da mulher e do feto e à evolução do trabalho de parto. Se a gestação e o início do período de dilatação ocorrerem sem intercorrências patológicas, o enfermeiro realiza o histórico de enfermagem com o objetivo de buscar informações sobre a realização do pré-natal.
O enfermeiro deve estar alerta às queixas e outras manifestações que possam indicar algum tipo de intercorrências, informando a gestante sobre a evolução do trabalho de parto e ensinando-lhe as condutas a serem tomadas durante o período de dilatação, tais como as técnicas respiratórias a cada contração e relaxamento nos intervalos. Esse profissional atua também na sala de parto assistindo a mulher no parto normal ou acompanhando a evolução do parto. No primeiro caso, o enfermeiro deve ser especialista em obstetrícia, assumindo as condutas indicadas para a execução do parto sem distocias. No momento do nascimento, se a criança é saudável, o enfermeiro poderá recebê-la envolvendo-a em campo aquecido e colocá-la sobre o abdome materno, encorajando a mãe a tocá-la e acariciá-la. Os primeiros cuidados com o recém nato podem ser prestados pelo médico ou enfermeiro neonatologista.
Parafraseando Espírito Santo et al.6, pode-se dizer que o enfermeiro que atua na sala de parto no momento da dequitação deve permanecer ao lado da parturiente, dando-lhe informações sobre o deslocamento e a expulsão da placenta, verificando a pressão arterial e o pulso e avaliando o volume do sangramento vaginal e o tônus da musculatura uterina, orientando sobre a realização de qualquer procedimento. Logo depois, a parturiente deve ser submetida a uma rápida higiene e encaminhada para a sala de recuperação pós-parto. No período de recuperação, são verificados sinais vitais, involução uterina e sangramento vaginal. É importante avaliar a coloração e a hidratação das mucosas, o estado das mamas, a distensão da bexiga, as condições do períneo e dos membros inferiores. Nesse período, o enfermeiro deve oferecer o máximo de conforto à puérpera; promovendo um ambiente tranqüilo para uma boa recuperação. Logo após a recuperação da puérpera, o enfermeiro deve transferi-la com seu filho para o alojamento conjunto, dando-lhe informações sobre aleitamento materno.
No período de puerpério, a assistência de enfermagem deve ajudar na adaptação da mulher às alterações físicas e emocionais. Na avaliação, o enfermeiro deve questionar sobre as queixas e realizar o exame físico, colhendo os dados para o planejamento da assistência de enfermagem.
A realização do pré-natal pode se tornar determinante para minimizar os fatores sócio-econômicos-culturais agravantes dos altos índices de cesárea, porque proporciona à mulher informação e orientação sobre os benefícios gerados pelo parto natural. Assim, ela pode fazer uso de sua autonomia com senso crítico, escolhendo a via de parto que lhe traga maior segurança e tranqüilidade e decidindo o que é melhor para ela e seu filho, desde que seja viável para segurança da saúde de ambos. Indubitavelmente, o parto cesáreo acarreta riscos maiores tanto para a mulher quanto para o neonato, devendo ser empregado, impreterivelmente, apenas quando necessário.
Segundo o programa do Ministério da Saúde2, os riscos potenciais associados ao tipo de parto são maiores no parto cesáreo; com risco maior para prematuridade e alterações respiratórias no neonato, infecção puerperal e complicações mais freqüentes, maio dor após o parto e uma recuperação mais demorada.
Parafraseando Buchabqui et al.7, o parto é um processo fisiológico natural, onde não existe, na maior parte dos casos, a necessidade de condutas intempestivas e agressivas, ou interferências que possam vir a prejudicar fisicamente ou psicologicamente a parturiente e/ou o neonato, exceto em casos em que a gravidez se torna de risco em virtude dos problemas de saúde da mãe ou do bebê. Entretanto, apesar de a gestação evoluir, na maior parte dos casos, normalmente, sem riscos para a parturiente e a criança, o que se vê na maioria das maternidades e hospitais é um número crescente de intervenções cirúrgicas inapropriadas, desnecessárias e dolorosas. A cesárea tornou-se altamente rentável para os hospitais e profissionais de saúde; por conta disso, em muitos serviços, essa técnica cirúrgica foi assumida como rotina, colaborando para a banalização do seu procedimento, dando a impressão de uma operação simples e isenta de qualquer complicação, o que não é correto afirmar. De acordo com o Dossiê do Parto e Nascimento 8, a taxa de cesárea ultrapassa o índice de 35% entre mulheres sem nenhuma escolaridade e atinge 73% entre as de nível superior.
Percebe-se que há um longo e difícil caminho a ser percorrido nos hospitais e maternidades para que realmente sejam postas em prática todas as diretrizes para a assistência humanizada do parto e nascimento, respeitando os direitos e vontades da parturiente e seus familiares e proporcionando-lhe uma gestação e um parto seguros. Entretanto, essas mudanças englobam diversos fatores, e não somente a colaboração dos profissionais de saúde para uma assistência mais humanizada. São necessários respeito aos direito sociais, vontade política e investimentos em remuneração dos profissionais e estruturação de hospitais e maternidades.
Talvez humanizar a assistência ao parto e nascimento pelas condições culturais e econômicas do nosso país ainda seja um sonho distante, mas acredita-se que, com um pouco de boa vontade dos profissionais, essa idéia possa ser aceita e implementada nas equipes de saúde, possibilitando uma melhor assistência à parturiente e ao neonato, em que sejam respeitados os valores éticos da profissão e os direitos e valores morais e culturais de cada cliente. Corroborando a idéia de humanização, Gaíva et al.9:143 referem que:
É imprescindível que a equipe compreenda o nascimento como um momento fisiológico e natural, que valorize a experiência humana, vendo a mulher e a família como centro do processo de atenção e fortalecendo-os como cidadãos. Modificando, assim, a cultura vigente do nascimento somente como evento médico-hospitalar.
Os profissionais precisam modificar suas atitudes diante da assistência prestada, valorizando as necessidades da parturiente e seus familiares e resgatando o vínculo de afetividade entre a equipe e os clientes, reconhecendo o parto como experiência singular e peculiar para cada mulher e, por isso, especial e com diferentes sentimentos e necessidades. Portanto, torna-se de vital importância que o profissional tenha uma visão holística de cada cliente. E, por conseguinte, é necessário que a mulher resgate sua autonomia durante o nascimento de seu filho, tornando-se o objeto central do evento do nascimento, fazendo valer sua autonomia, seus direitos e vontades e deixando claro que o processo do parto pertence a ela, seu filho e seus familiares, o que ajuda na implementação da humanização na assistência do parto e nascimento.
REFERENCIAL METODOLÓGICO
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de abordagem descritiva, que discute a percepção da equipe de enfermagem sobre o processo de humanização do parto e nascimento. Segundo Andrade10, na pesquisa descritiva, os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados sem que o pesquisador manipule e interfira neles.
O primeiro procedimento do estudo foi a elaboração de um projeto de pesquisa, que, após ter sido aprovado pelo comitê de ética, foi encaminhado às instituições, juntamente com a carta de apresentação e solicitação para a coleta dos dados.
Os sujeitos do presente estudo são de profissionais da área de enfermagem que atuam em sala de parto de ambas as instituições. Não houve critérios de exclusão para as depoentes participarem do estudo. A única condição estabelecida pelo pesquisador foi a vontade dos sujeitos em participar do estudo.
Após a explicitação dos objetivos da pesquisa, foi solicitado aos sujeitos envolvidos que assinassem um termo de consentimento livre e esclarecido de sua participação no estudo, garantindo-lhes sigilo de informações, anonimato e a possibilidade de desistência em qualquer momento da pesquisa, se assim desejassem. O instrumento de coleta de dados utilizado foi a entrevista semi-estruturada, que foi gravada em fita magnética.
A coleta de dados foi realizada no mês de maio de 2005, totalizando 12 sujeitos entrevistados, estes com idade entre 20 e 48 anos, com tempo de serviço nas referidas instituições variando de 1 mês a 31 anos e com tempo de atuação na área materno-infantil variando de 1 mês a 22 anos. Entre as profissionais de enfermagem que participaram do estudo, 3 eram enfermeiras, 7 eram técnicas de enfermagem e 2 eram auxiliares de enfermagem.
Após a coleta dos dados, passou-se para a fase de análise e interpretação dos mesmos, que se constituiu numa análise temática. Segundo Minayo11, este tipo de análise comporta um feixe de relações e pode ser graficamente apresentado através de uma palavra, uma frase, um resumo, pois a noção de tema está ligada a uma afirmação a respeito de determinado assunto.
Fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença de ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado. De acordo com Minayo11, operacionalmente, a análise temática desdobra-se em três etapas: pré-analise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos, e interpretação. Todas essas etapas foram seguidas na elaboração do presente estudo que ora apresenta os resultados obtidos.
ANÁLISE DOS DISCURSOS
A análise dos dados construída a partir dos depoimentos das participantes do estudo originou a construção das seguintes categorias: humanização no entendimento da equipe de enfermagem; práticas que a equipe de enfermagem considera humanizadoras; práticas que a equipe de enfermagem considera desumanizadoras; e a Enfermagem diante do tema humanização, descritas a seguir:
Humanização no Entendimento da equipe de Enfermagem
As depoentes da maternidade referiram que humanização do parto e nascimento é a realização de um parto sem nenhum tipo de manobras ou adição de drogas como a ocitocina. Entendem, ainda, que dar atenção à parturiente e orientá-la no pré-natal é uma forma de humanizar a assistência ao parto, conforme ilustra o depoimento a seguir:
O parto humanizado, para mim, é um parto sem nenhuma droga e sem nenhuma manobra; o fórceps ou outras coisas. É um parto natural. Humanizado, para mim, o que eu entendo, é isso. (E3)
Entretanto, as depoentes da casa de parto apresentam a questão da humanização através do respeito pela mulher, sendo este o fator primordial para a humanização da assistência ao parto, proporcionando à parturiente condições de escolha sobre o tipo e formas de parto, o direito de acompanhante no momento do parto e os cuidados que essa mulher deseja ter. Como pode ser verificado na fala a seguir:
O que é humanizar mesmo: tratar o ser humano, a mulher, da forma mais humana possível, dando a ela a possibilidade de parir o próprio filho. Humanizar, para mim, é oferecer condições à mulher de ter o seu próprio filho, do jeito que ela quer, da forma que ela deseja (E2).
Em relação à humanização, Simões et al.12 afirmam que humanizar é uma postura de respeito à natureza do ser humano, voltada para sua essência, singularidade, totalidade e subjetividade. É favorecer e estimular a mulher para uma participação ativa, uma participação de cidadania.
Embora as depoentes da maternidade tenham referido o parto sem intervenções como prática de assistência humanizada, pode-se perceber que esses profissionais possuem um entendimento limitado e superficial sobre o tema, pois não conseguiram se aprofundar na temática, não conseguiram atingir o essencial da questão, ao contrário das depoentes da casa de parto, que entendem que a assistência humanizada vai além de um parto sem intervenções desnecessárias e que o respeito pela mulher é a verdadeira prática humanizada.
Segundo Boaretto13, apesar de o termo humanização vir se incorporando nas políticas de saúde, em várias áreas de conhecimento e práticas de intervenção, o termo tem diferentes sentidos, percepções e significados, dependendo das diferentes posições ou papéis que ocupam aqueles que a ele se referem, sejam dirigentes, tomadores de decisão, profissionais de saúde, movimentos organizados da sociedade ou usuários. O termo humanização possui também um conteúdo importante de questionamento às práticas de saúde excessivamente intervencionistas, julgadas muitas vezes práticas desumanizadoras, ao desconsiderarem as condições fisiológicas da vida e a importância do apoio emocional na atenção em saúde.
O momento do parto é extremamente importante na vida de uma mulher, momento de grande intensidade emocional, marco no caminho da vida, que afeta profundamente as mulheres, os bebês, as famílias, com efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade. A valorização do parto e do nascimento humanizados é uma etapa importante para o aumento da autonomia e do poder de decisão das mulheres e, fundamentalmente, para o encontro entre estas e os profissionais de saúde, resultando numa relação menos autoritária e mais solidária, com desdobramentos efetivos para uma boa evolução do trabalho de parto e para a saúde das mulheres e das crianças.
Práticas que a equipe de enfermagem considera humanizadoras
As depoentes da maternidade afirmaram que o parto feito sem manobras, o apoio da enfermagem na amamentação e a orientação no pré-natal são práticas de humanização ao parto e nascimento.
Em relação às depoentes da casa de parto, essas entendem que a participação dos familiares no processo gravídico puerperal é o fator primordial na prática de humanização. Consideram, ainda, que o ambiente tranqüilo, com música suave, técnicas de massagens para alívio da dor, são práticas humanizadoras, como pode ser observar na declaração a seguir:
Manter a mulher num ambiente agradável, num ambiente com quem ela gosta, um ambiente de penumbra, um ambiente com pessoas que não façam manobras invasivas a todo o momento, que respeitem essa mulher, escutem o que essa mulher está querendo contar para gente. Eu considero uma prática humanizadora; uma prática de respeito à mulher, tudo isso que a envolve. É lógico que existem as técnicas de alívio da dor, mas a principal prática humanizadora é respeitar a mulher (E4).
São diversas as práticas consideradas humanizadoras e colocadas como diretrizes de assistência humanizada ao parto e nascimento pelo Ministério da Saúde (MS) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Como refere Jakobi14, no pré-natal, é preciso planejar onde e como o nascimento será assistido; o risco de intercorrências deve ser avaliado durante a gestação; deve-se respeitar a escolha da gestante sobre o local do nascimento. É essencial fornecer informações às mulheres e seus familiares sempre que necessário. Na admissão, devem-se respeitar a privacidade da mulher e a escolha do seu acompanhante. Durante o trabalho de parto, devem-se oferecer líquidos via oral, dar suporte emocional, oferecer informações sobre os procedimentos realizados e encorajar à posição não deitada; oferecendo a liberdade de posição e movimento à parturiente. O controle da dor deve ser feito por meios não invasivos e não farmacológicos, tais como técnicas de relaxamento, massagens, entre outros.
As depoentes da maternidade citaram alguns itens que fazem parte de uma assistência humanizada, embora não tenham utilizado uma explicação precisa acerca das técnicas humanizadoras, e os depoimentos foram feitos com frases curtas. Pode-se perceber que as depoentes da casa de parto possuem uma maior compreensão sobre a questão de práticas relativas à humanização do parto e nascimento, descrevendo todas as técnicas de forma exata e esclarecedora.
Segundo o Ministério da Saúde2, existe a necessidade de modificações profundas na qualidade e humanização da assistência ao parto nas maternidades brasileiras. Um processo que inclui desde a adequação da estrutura física e equipamentos das instituições até uma mudança de postura e atitude dos profissionais de saúde e das gestantes. Dessa forma, recomenda a adoção de um conjunto de medidas de ordem estrutural, de capacitação técnica, gerencial e financeira, e de atitude ética e humana do profissional envolvido com a atenção, propiciando às mulheres um parto humanizado sob a orientação do princípio da medicina baseada em evidências.
No entanto, as mudanças no acesso e oferta de serviços não são suficientes, e os objetivos de uma maternidade segura não serão alcançados até que as mulheres sejam fortalecidas e os seus direitos humanos, incluindo seu direito a serviços e informação de qualidade durante e depois do parto, sejam respeitados.
Práticas que a equipe de enfermagem considera desumanizadoras
Com relação às práticas desumanizadoras, as depoentes da maternidade entendem que as manobras com fórceps, a estimulação de ocitocina, a falta de cuidados e a negligência são maneiras de desumanizar a assistência. Todavia, as depoentes da casa de parto relatam que tudo o que é oposto às práticas humanizadoras é uma forma de desumanizar a assistência ao parto e nascimento. O fato de não se respeitarem os direitos e vontades da parturiente descaracteriza a humanização da assistência, como refere o depoimento a seguir:
Você invadir essa mulher. Você abusar do poder que você sente que tem naquele momento, que não é um poder seu, é o poder da mulher parir. Você fazer toques em excesso, você manipular medicações que não são necessárias, você induzir um parto, induzir um colo de forma que não seja adequado naquele momento. A partir do momento em que você desrespeita essa mulher, você infringe tudo aquilo que é humanizador (E5).
Segundo a Organização Mundial de Saúde 15, algumas condutas são prejudiciais ou ineficazes e devem ser eliminadas, tais como: uso rotineiro de enema e tricotomia; uso rotineiro da posição supina durante o trabalho de parto; exame retal; administração de ocitocina para acelerar o trabalho de parto; revisão rotineira do útero depois do parto, entre outras.
De uma forma geral, as depoentes da maternidade não souberam esclarecer através do conhecimento científico as técnicas ineficazes ou prejudiciais que são consideradas desumanizadoras. Observou-se pouca argumentação sobre o tema.
As depoentes da casa de parto mencionam que não permitir a presença de acompanhante na hora do parto, fazer intervenções desnecessárias e prejudiciais e não deixar que a mulher vivencie o parto do jeito que ela deseja é infringir as normas e condutas da assistência humanizada.
Segundo Boaretto13, as condutas desnecessárias e arriscadas são consideradas violações do direito da mulher à sua integridade corporal; a imposição autoritária e não informada desses procedimentos atenta contra o direito à condição de pessoa.
Postula-se que a melhor assistência é aquela que consegue uma mulher e um bebê saudáveis, sem ou com o mínimo possível de intervenção, fazendo-se o possível para facilitar, ao invés de atrapalhar, a fisiologia do parto e do nascimento.
A Enfermagem diante do tema humanização
Questionadas sobre a possibilidade de falarem algo a mais sobre humanização, as depoentes da maternidade, em sua maioria, não quiseram se pronunciar, dizendo não ter nada mais a complementar sobre a questão da humanização do parto e nascimento. Com exceção de uma depoente, que assim relatou:
O que eu considero que seja uma coisa que no futuro vai trazer isso é uma total integração, digamos assim, por parte do companheirismo do homem, participando, junto com essas mulheres, na hora do nascimento dos filhos; em que ele tenha condição de assistir esse parto. Eu acho que isso é válido (E6).
As depoentes da casa de parto, com exceção de uma, quiseram complementar o assunto falando sobre a importância de se abordar o tema para a conscientização dos profissionais de saúde. A seguir, a fala de uma das depoentes:
É um tema que, graças a Deus, está em alta. Agora, todo mundo está falando em humanização. Acho que é um tema bom de ser abordado e explicado; ser envolvido, as pessoas se envolverem com esse tema, e, cada vez mais, as práticas nos hospitais e casas de parto serem humanizadas(E1).
Para que a assistência ao parto e nascimento se torne realmente humanizada é necessário que os profissionais da saúde aceitem a postura da mulher como condutora do processo de parturição e comecem a respeitar suas vontades e direitos. É de vital importância reconhecer a mulher como um indivíduo único, para que o profissional estabeleça um plano de assistência correlacionado com as necessidades da cliente; pois cada mulher é um ser único, possuidor de valores, sentimentos e crenças que devem ser respeitados.
O profissional de enfermagem deve se conscientizar da sua importância na assistência à parturiente e ao neonato durante todo o processo gravídico puerperal, educando, promovendo a saúde, prevenindo e diagnosticando intercorrências na gravidez durante o pré-natal. A equipe de enfermagem deve ser parte integrante da equipe de saúde na assistência integral prestada à mulher, usando o seu conhecimento técnico científico em conjunto com seus preceitos éticos de compromisso com a profissão e com a vida humana, proporcionando uma assistência digna e com qualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através dos depoimentos dos profissionais de enfermagem que participaram desta pesquisa, observou-se uma visão diferenciada sobre humanização do parto e nascimento. Enquanto as profissionais da maternidade enfocam a questão da humanização somente sobre o aspecto de não utilizar drogas ou fazer intervenções na hora do parto, as profissionais da casa de parto colocam em foco a questão do respeito pela mulher, estabelecendo uma assistência centrada nas suas vontades e escolhas.
Diante disso, acredita-se que o fato de essas profissionais de enfermagem não terem uma participação ativa no processo de parturição dentro da maternidade contribui para a falta de conhecimento sobre o tema, ao contrário das profissionais da casa de parto, que têm uma participação ativa, não só durante o parto, mas em todo o processo gravídico puerperal, fazendo as consultas de pré-natal e complementando a assistência na hora do parto e no período puerperal.
Outro fator importante verificado nesta pesquisa foi a necessidade de os profissionais de enfermagem mudarem a atitude e a postura diante da assistência ao parto e nascimento, reconhecendo sua importância como membro da equipe de saúde na assistência à mulher e ao neonato, usando o conhecimento técnico científico para promover a saúde e o bem-estar de seus clientes e ajudando na implementação das práticas humanizadoras dentro dos hospitais e maternidades.
Os profissionais de saúde precisam olhar a mulher como um ser único, respeitando suas vontades e direitos, reconhecendo a mulher e o seu filho como peças fundamentais no evento do nascimento e compreendendo que não basta somente proporcionar à mulher um parto por via natural, se não levar em conta os sentimentos e desejos da parturiente e seus familiares. Por sua vez, é de vital importância que se façam investimentos para estruturar melhor os hospitais e maternidades, remunerar melhor os profissionais e organizar espaços de aperfeiçoamento sobre técnicas e diretrizes para uma assistência humanizada.
O processo gravídico puerperal demanda uma assistência digna e de qualidade que não se limite à expulsão ou extração de um feto do ventre da mulher, é um fenômeno que necessita a implementação de uma assistência verdadeiramente humanizada, com todos os profissionais da saúde respeitando as normas e condutas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde, considerando os sentimentos e valores da mulher.
Referências
1. Wolff LR, Moura MAV. A institucionalização do parto e a humanização da assistência: revisão de literatura. Esc Anna Nery Rev Enferm 2004 ago;8(2):279-85.
2. Ministério da Saúde (BR). Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília (DF); 2001.
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Recebido em 08/11/2005
Reapresentado em 24/11/2006
Aprovado em 08/12/2006