Volume 19, Número 4, Out/Dez - 2015
PESQUISA
Relação entre fragilidade física e características
sociodemográficas e clínicas de idosos
Maria Helena Lenardt
1
Nathalia Hammerschmidt Kolb Carneiro
1
Maria Angélica Binotto
1
Larissa Sayuri Setoguchi
1
Clovis Cechinel
1
1 Universidade Federal do Paraná. Curitiba - PR, Brazil
Recebido em 07/05/2015
Aprovado em 21/10/2015
Autor correspondente:
Nathalia Hammerschmidt Kolb Carneiro
E-mail: nathalia.kolb@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Investigar a associação entre a síndrome da fragilidade física e características
sociodemográficas e clínicas de idosos usuários da atenção básica de saúde.
MÉTODOS:
Estudo quantitativo transversal. A amostra foi calculada com base na estimativa da
proporção populacional e constituída por 203 idosos usuários de Unidade Básica de
Saúde.
Foram aplicados testes para rastreio da alteração cognitiva, avaliação da fragilidade
física e questionário sociodemográfico e clínico.
RESULTADOS:
As variáveis idade e escolaridade se apresentaram significativas para o grupo de idosos
frágeis. As variáveis sexo, problemas de saúde, solidão, quedas e incontinência urinária
se mostraram significativas para os não-frágeis.
CONCLUSÃO:
A fragilidade relacionou-se às variáveis sociodemográficas idade e escolaridade e
a não
fragilidade relacionou-se à variável sexo e às variáveis clínicas problemas de saúde,
solidão, quedas e incontinência urinária. A identificação das variáveis associadas
à
fragilidade permite o desenvolvimento de intervenções e cuidados específicos para
a
gestão da fragilidade.
Palavras-chave: Idoso fragilizado; Dados demográficos; Enfermagem geriátrica.
INTRODUÇÃO
O termo fragilidade tem sido comumente utilizado na área de saúde para se referir a idosos que se apresentam fisicamente vulneráveis e, nesta condição, requerem mais assistência no cuidado por parte da família, sistema de saúde e sociedade1. De acordo com autores a fragilidade física é "uma síndrome médica com múltiplas causas e contributos/determinantes que se caracteriza por diminuição de força, da resistência e da função fisiológica, que aumenta a vulnerabilidade do indivíduo e desenvolve maior dependência e/ou morte"2:3.
O método de avaliação considerado como fenótipo da fragilidade física é composto por cinco componentes biológicos passíveis de mensuração: perda de peso não intencional, autorrelato de fadiga/exaustão, diminuição da força de preensão manual, diminuição das atividades físicas e redução da velocidade da marcha3. Os idosos que não apresentam qualquer um dos componentes são considerados não-frágeis, os que possuem um ou dois são caracterizados como pré-frágeis, e os idosos com três ou mais dos componentes já se encontram em estado de fragilidade3.
A fragilidade física prediz desfechos adversos à saúde, tais como: agravamento de doenças crônicas e incapacitantes, co morbidades, quedas, institucionalização, hospi talização, incapacidade e morte3,4. Além disso, tem sido associada a diferentes variáveis do perfil socioeconômico e clínicos dos idosos.
São crescentes os estudos com interesses voltados para as associações entre as condições de saúde e variáveis do perfil socioeconômico e clínico da população idosa. Tais investigações fornecem informações detalhadas sobre o impacto dos diferentes aspectos da vida na saúde deles e são consideradas como subsídios valiosos para o planejamento de políticas voltadas para um cuidado digno deste segmento etário5,6.
Um envelhecimento saudável depende da interação multidimensional de vários fatores. No entanto, são poucos os trabalhos que exploram um modelo que combine a idade, o sexo, o arranjo familiar, o estado conjugal, a educação, a renda, as doenças crônicas e a fragilidade em idosos, especialmente nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil7.
Nos Estados Unidos, um estudo com 5.317 participantes que possuíam idade ≥ 65 anos, identificaram prevalência de fragilidade de 6,9%3. A fragilidade mostrou associação às variáveis sexo feminino, etnia afro-americana, situação socioeconômica baixa, nível de escolaridade baixo, precário estado de saúde, comorbidades, doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e incapacidades. Os autores3 observaram também que num período de três anos, a condição de fragilidade foi fator preditor para susceptibilidade às quedas, dependência nas AVDs e hospitalização. No período de cinco anos foi fator preditor para mortalidade3.
Outra pesquisa, realizada com 814 idosos residentes em Madri, Espanha, teve como objetivo estimar a prevalência de fragilidade em uma população de idosos e analisar os fatores sociodemográficos e de saúde associados8. Os autores8 encontraram 10,8% de idosos com fragilidade, com associação significativa à idade avançada e às condições socioeconômicas e de saúde desfavoráveis, como renda insuficiente e baixo nível educacional.
Em Taiwan, pesquisadores investigaram 2.238 idosos com 65 anos ou mais a fim de estimar a prevalência de fragilidade em idosos e identificar os fatores associados a essa síndrome9. Os autores9 encontraram 4,9% de idosos frágeis e associação significativa entre fragilidade e idade avançada, sexo feminino, baixa escolaridade, viver sozinho, presença de doenças crônicas, sintomas depressivos e síndromes geriátricas.
A enfermagem gerontológica possui papel expressivo na prevenção, estacionamento e até mesmo na reversão do quadro de fragilidade. Para tanto, é essencial o devido conhecimento sobre a síndrome e os fatores associados a essa condição. A avaliação gerontológica incompleta ou incorreta pode evoluir para o retorno do idoso ao hospital ou para a hospitalização precoce desse indivíduo, maior uso dos serviços de saúde e diminuição da qualidade de vida2. As técnicas utilizadas para avaliação e identificação do idoso frágil podem ser aplicadas em todos os níveis de atenção à saúde, principalmente na atenção básica.
A partir da necessidade de conhecer as características dos idosos na condição de fragilidade, o objetivo da pesquisa foi investigar a associação entre a síndrome da fragilidade física e características sociodemográficas e clínicas de idosos usuários da atenção básica de saúde.
MÉTODOS
Trata-se de estudo quantitativo de corte transversal, realizado em Unidade Básica de Saúde - UBS da cidade de Curitiba, Paraná, Brasil. A população alvo foi composta por idosos que aguardavam consulta na UBS, no período de janeiro a abril de 2013.
O tamanho da amostra foi determinado com base na estimativa da proporção populacional. A UBS possui uma população de aproximadamente 1050 idosos cadastrados. Foram considerados grau de confiança de 95% (α = 0,05) e erro amostral fixado em cinco pontos percentuais. Ao tamanho da amostra foi acrescentado 10%, pelas possibilidades de perdas e recusas, o que resultou em um plano amostral constituído por 203 idosos.
Para a seleção dos idosos, adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 60 anos; estar cadastrado na Unidade Básica de Saúde de realização da pesquisa; apresentar capacidade cognitiva, ou seja, ser capaz de responder aos questionários do estudo, identificado por meio dos pontos de corte do Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Os critérios de exclusão do idoso foram: possuir doenças, problemas e sintomas físicos e mentais que, por qualquer motivo, impedissem a aplicação dos questionários e a realização dos testes.
A amostra foi recrutada por conveniência e os indivíduos foram convidados a participar do estudo na ordem de chegada à recepção da UBS. Foi explicado o objetivo da pesquisa, e aqueles que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Na sequência, em ambiente reservado, foi aplicado o teste para screening cognitivo - o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM)10. O teste compreende 11 itens, agrupados em sete categorias, cada uma com o objetivo de avaliar um grupo de funções cognitivas específicas: orientação temporal, orientação espacial, memória imediata, atenção e cálculo, memória de evocação, linguagem e capacidade construtiva visual. A pontuação total varia de zero a 30. Foram utilizados os seguintes pontos de corte: 13 pontos para baixa escolaridade, 18 pontos para média escolaridade e 26 para alta escolaridade11.
A coleta de dados compreendeu a aplicação do questionário sociodemográfico e clínico e avaliação da fragilidade física, a qual foi conduzida pelos autores do estudo. Para minimizar o viés de informação, os coletadores participaram de um curso sobre fragilidade em idosos e receberam treinamentos para a aplicação dos questionários e realização dos testes, ambos organizados pela coordenadora da pesquisa.
O questionário foi elaborado com o intuito de identificar as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, estado civil, com quem reside e situação financeira) e clínicas dos idosos (presença de problemas de saúde, solidão, histórico de quedas no último ano, função urinária, uso de cigarro e bebida alcoólica, uso de medicamentos, número de hospitalizações no último ano, uso de tecnologia assistiva como muleta, andador e bengala).
O fenótipo de fragilidade física foi mensurado por meio de cinco componentes: nível de atividade física, fadiga/exaustão, perda de peso não intencional, força de preensão manual e velocidade da marcha. Com o objetivo de tornar efetiva a especificidade dos idosos brasileiros, foram realizadas duas alterações na avaliação dessas medidas. De acordo com pesquisadores americanos e seus colaboradores, para identificar o nível de atividade física é aplicado o Minnesota Leisure Activity Questionnaire12 e na avaliação do nível de energia, especificamente para o componente de fadiga/exaustão, esses autores utilizam duas questões da Escala de Depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos - CES-D13.
No presente estudo, para o componente atividade física, foi aplicado o Questionário de Nível de Atividade Física para Idosos - CuritibAtiva12. Esse questionário contém 20 questões e compreendem atividades físicas sistemáticas, tarefas domésticas ou de trabalhos pesados e atividades sociais e de lazer. A pontuação final é realizada conforme a frequência e tempo das atividades realizadas na última semana.
O nível de energia foi identificado por uma questão da Escala de Depressão Geriátrica - GDS e por uma escala visual graduada, utilizando-se uma régua numerada de zero a 10, sendo que zero corresponde mínima energia e 10 energia máxima13.
O componente perda de peso não intencional foi avaliado pelo autorrelato de perda de peso igual ou maior do que 4,5 kg ou 5% do peso corporal no último ano3. A lentidão foi mensurada pelo teste de velocidade da marcha, medida em segundos (distância de 4 m) e ajustada para gênero3. A força de preensão manual (FPM) foi medida com dinamômetro (marca Jamar® na mão dominante e ajustada para gênero e Índice de Massa Corporal (IMC)3.
Os dados foram organizados no programa computacional Excel 2007, sob dupla checagem, para diminuir a possibilidade de erro. Na sequência, foram verificados por uma terceira pessoa, de forma a garantir a exatidão dos dados. Foi empregado o teste de qui-quadrado para a associação entre síndrome da fragilidade (classificação dos grupos frágil, pré-frágil e não-frágil) e as variáveis sociodemográficas e clínicas. Valores de ρ < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Nos testes de comparações dos grupos dois a dois (para as variáveis significativas no teste de associação) o nível de significância foi corrigido por Bonferroni. Para estas comparações, o nível de significância de 0,05 foi dividido pelo número de comparações, que eram três (frágil x pré-frágil, frágil x não-frágil e pré-frágil x não-frágil) e valores de ρ ≤ 0,017 indicaram significância estatística. As análises estatísticas foram realizadas por meio do programa computacional Statistica v.8.0.
O estudo recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Setor de Ciências da Saúde, sendo aprovado sob o registro CEP/SD: 913.038.10.04 CAAE: 0023.0.091.000-10. Foram observados os princípios éticos de participação voluntária e consentida de cada sujeito, conforme Resolução nº 196, vigente no período de aprovação do projeto.
RESULTADOS
Dos 203 participantes do estudo, 115 (56,7%) são idosos pré-frágeis, 49 (24,1%) não-frágeis e 39 (19,2%) frágeis. A tabela 1 apresenta as características sociodemográficas dos três grupos de idosos. A faixa etária dos participantes do presente estudo variou entre 60 e 93 anos, com média de 70,87 ± 7,42 anos. As variáveis sociodemográficas significativas aos grupos de idosos foram: sexo (p < 0,001), idade (p < 0,001) e escolaridade (p = 0,035).
Variável | Classificação | Total n (%) | Frágil n (%) | Pré-frágil n (%) | Não-Frágil n (%) | Valor de p |
Sexo | Masculino | 99 (48,7) | 10 (25,6) | 42 (36,5) | 28 (57,1) | < 0,001* |
Feminino | 104 (51,3) | 29 (74,4) | 73 (63,5) | 21 (42,9) | ||
Idade | 60 a 69 anos | 100 (49,2) | 6 (15,4) | 65 (56,5) | 29 (59,2) | < 0,001* |
70 a 79 anos | 73 (36) | 17 (43,6) | 39 (33,9) | 17 (34,7) | ||
≥ 80 anos | 30 (14,8) | 16 (41) | 11 (9,6) | 3 (6,1) | ||
Estado Civil | Casado(a) | 103 (50,7) | 16 (41) | 59 (51,3) | 28 (57,1) | 0,112 |
Divorciado (a) | 16 (7,8) | 0 (0) | 10 (8,7) | 6 (12,2) | ||
Solteiro(a) | 13 (6,5) | 4 (10,3) | 6 (5,2) | 3 (6,1) | ||
Viúvo(a) | 71 (35) | 19 (48,7) | 40 (34,8) | 12 (24,5) | ||
Com quem mora | Cônjuge | 45 (22,2) | 6 (15,4) | 30 (26,1) | 9 (18,4) | 0,447 |
Familiar | 125 (61,6) | 25 (64,1) | 66 (57,4) | 34 (69,4) | ||
Sozinho | 33 (16,2) | 8 (20,5) | 19 (16,5) | 6 (12,2) | ||
Escolaridade | Analfabeto | 27 (13,3) | 11 (28,2) | 14 (12,2) | 2 (4,1) | 0,035* |
Fund. Inc. | 121 (59,7) | 24 (61,5) | 69 (60) | 28 (57,1) | ||
Fund. Comp. | 18 (8,9) | 1 (2,6) | 10 (8,7) | 7 (14,3) | ||
Médio Inc. | 6 (3) | 1 (2,6) | 3 (2,6) | 2 (4,1) | ||
Médio e Sup. Comp. | 31 (15,1) | 2 (5,1) | 19 (16,5) | 10 (20,4) | ||
Situação financeira | Insatisfatória | 58 (28,5) | 9 (23,1) | 36 (31,3) | 13 (26,5) | 0,649 |
Mediana | 79 (39) | 19 (71,8) | 42 (36,5) | 18 (36,7) | ||
Satisfatória | 66 (32,5) | 11 (28,2) | 37 (32,2) | 18 (36,7) | ||
Total | 203 (100) | 39 (100) | 115 (100) | 49 (100) |
* Teste Qui-quadradro, p ≤ 0,05, variáveis significativas.
A caracterização clínica dos idosos mostrou consonância nos resultados entre os três grupos de fragilidade. Dessa maneira, independente do grupo, a maioria dos idosos referiu: problemas de saúde, uso de medicamentos e não se sentir solitário. De modo contrário, a maioria não apresentou: episódio de queda ou hospitalização no último ano, incontinência urinária, uso de cigarro ou bebida alcoólica e a utilização de tecnologias assistivas. As variáveis clínicas significativas aos grupos de idosos foram: problemas de saúde (p < 0,001), solidão (p = 0,001), quedas no último ano (p = 0,003) e incontinência urinária (p = 0,001) (Tabela 2).
Variável | Classificação | Total n (%) | Frágil n (%) | Pré-frágil n (%) | Não-frágil n (%) | Valor de p |
Problemas de saúde | Sim | 180 (88,6) | 38 (97,4) | 104 (90,4) | 38 (77,6) | < 0,001* |
Não | 23 (11,4) | 1 (2,6) | 11 (9,6) | 11 (22,4) | ||
Solidão | Sim | 52 (25,6) | 16 (41) | 32 (27,8) | 4 (8,2) | 0,001* |
Não | 151 (74,4) | 23 (59) | 83 (72,2) | 45 (91,8) | ||
Quedas no último ano | Sim | 61 (30,1) | 16 (41) | 37 (32,2) | 8 (16,3) | 0,003* |
Não | 142 (69,9) | 23 (59) | 78 (67,8) | 41 (83,7) | ||
Incontinência urinária | Sim | 58 (29,1) | 18 (46,2) | 34 (29,6) | 6 (12,2) | 0,001* |
Não | 145 (70,9) | 21 (53,8) | 81 (70,4) | 43 (87,8) | ||
Tabagista | Sim | 18 (8,8) | 3 (7,7) | 9 (7,8) | 6 (12,2) | 0,633 |
Não | 185 (91,2) | 36 (92,3) | 106 (92,2) | 43 (87,8) | ||
Etilista | Sim | 27 (13,3) | 3 (7,7) | 15 (13) | 9 (18,4) | 0,339 |
Não | 176 (86,7) | 36 (92,3) | 100 (87) | 40 (81,6) | ||
Tecnologias assistivas | Sim | 11 (5,4) | 5 (12,8) | 6 (5,2) | 0 (0) | 0,085 |
Não | 192 (94,6) | 34 (87,2) | 109 (94,8) | 49 (100) | ||
Medicações | Sim | 179 (88,1) | 38 (97,4) | 101 (87,8) | 40 (81,6) | 0,073 |
Não | 24 (11,9) | 1 (2,6) | 14 (12,2) | 9 (18,4) | ||
Hospitalização no último ano | Sim | 35 (17,2) | 6 (15,4) | 24 (20,9) | 5 (10,2) | 0,239 |
Não | 168 (82,8) | 33 (84,6) | 91 (79,1) | 44 (89,8) | ||
Total | 203 (100) | 39 (100) | 115(100) | 49 (100) |
* Teste Qui-quadradro, p ≤ 0,05, variáveis significativas.
Verifica-se na Tabela 3 a comparação entre os três grupos de idosos e as variáveis sociodemográficas e clínicas que se apresentaram significativas. Constata-se que as variáveis idade e escolaridade se mostraram significativas para os idosos frágeis e as variáveis sexo, problemas de saúde, solidão, quedas e incontinência urinária para os não-frágeis.
Grupos comparados | Sexo | Idade | Escolaridade | Problemas de saúde | Solidão | Quedas | Incontinência urinária |
Frágil x pré-frágil | 0,244 | < 0,001* | 0,063 | 0,297 | 0,161 | 0,334 | 0,077 |
Frágil x não frágil | 0,005* | < 0,001* | 0,003* | 0,010* | < 0,001* | 0,015* | 0,001* |
Pré-frágil x não frágil | 0,016* | 0,769 | 0,416 | 0,043 | 0,007* | 0,055 | 0,018 |
* Correção de Bonferroni, p ≤ 0,017.
DISCUSSÃO
A distribuição da condição de fragilidade nos idosos do presente estudo é semelhante quando comparada às pesquisas internacionais, que também utilizaram a avaliação do fenótipo da fragilidade física, em idosos da comunidade. Diversos países apresentam investigações com maior distribuição de frequência de idosos pré-frágeis, seguidos pelos frágeis. Estudo realizado na Espanha encontrou 47% de idosos pré-frágeis e 9,6% de idosos frágeis14. Nos Estados Unidos, investigação apontou frequência de 53,1% e 9,8% idosos pré-frágeis e frágeis, respectivamente15. Na Colômbia, esse percentual foi de 53,3% e 12,2%16. No Brasil, estudo multicêntrico apresentou taxa de 51,8% e 9,1% para pré-fragilidade e fragilidade17.
A similaridade dos resultados encontrados quanto à distribuição da condição de fragilidade, em estudos nacionais e internacionais, sugere aos profissionais de saúde um olhar atento. Os resultados apontam para o maior percentual de idosos pré-frágeis, sendo este o segmento da síndrome que requer maior atenção. A síndrome da fragilidade pode ser reversível e/ou atenuada por intervenções imediatas, o que compreende a gestão da fragilidade. Tais intervenções precoces podem possibilitar melhores condições de vida aos idosos2.
A literatura aponta associação da fragilidade entre alguns fatores sociodemográficos e clínicos dos idosos. Os sociodemográficos citam, com mais frequência, o fator idade18, baixa escolaridade19, baixa renda20, sexo feminino9,21, e os desfechos clínicos para fragilidade mostram as variáveis comorbidades14 e incapacidades8.
No presente estudo, as variáveis idade e escolaridade se mostraram estatisticamente significativas para o grupo de idosos frágeis. As variáveis sexo, problemas de saúde, solidão, quedas e incontinência urinária mostraram associação significativa entre os idosos não-frágeis.
Quanto à idade, 53,3% dos idosos com 80 anos ou mais, no presente estudo, eram frágeis. Aqueles entre 70 e 79 anos 23,2% eram frágeis. Em contrapartida, entre os idosos com 60 a 69 anos apenas 6% eram frágeis. Constata-se que a fragilidade é diretamente proporcional à idade dos idosos. Estudos na literatura corroboram a presente afirmação8,15.
Nos estudos sobre fragilidade, o envelhecimento tem sido frequentemente identificado como fator predisponente e como um marco das alterações estruturais desencadeantes do processo de fragilização, o que acarreta efeitos sobre o estabelecimento da prevalência de fragilidade e gravidade de sua evolução3,4. Alguns autores caracterizam a fragilidade como o acúmulo de déficits ao longo da vida22, outros a consideram uma síndrome de declínios em múltiplos sistemas relacionados às condições inerentes ao envelhecimento como a sarcopenia, desregulação neuroendócrina e disfunção imunológica4.
No presente estudo, entende-se que a fragilidade física é oriunda da diminuição da reserva de energia e da redução da capacidade de resistência aos fatores estressores. O idoso longevo, pelo próprio processo de envelhecimento, apresenta taxa de sarcopenia mais elevada do que a observada em idosos mais jovens, além de predomínio de doenças crônicas23. Essas características justificam, em parte, a alta incidência de fragilidade física na faixa etária dos mais idosos.
A variável escolaridade mostrou associação significativa entre os idosos frágeis. O grau de escolaridade foi inversamente proporcional à condição de fragilidade. A maioria dos idosos frágeis possuía baixa escolaridade (analfabetos e ou apenas o ensino fundamental incompleto). Ao comparar o percentual de escolaridade dos frágeis entre os pré-frágeis e não-frágeis esse percentual diminuiu cerca de 17% e 28%, respectivamente. Outros estudos nacionais e internacionais também apresentaram associação significativa entre fragilidade e escolaridade3,9,21.
Ao comparar os países desenvolvidos entre os em desenvolvimento, sabe-se que estes apresentam os maiores índices de analfabetismo e baixa escolaridade. Entretanto, observa-se em ambos (países desenvolvidos e em desenvolvimento) associações significativas entre escolaridade e fragilidade3,7,19. Entre eles estão Estados Unidos, Taiwan, Espanha e Brasil. Dessa forma, os dados mostram que a fragilidade está relacionada à baixa escolaridade dos indivíduos e não, necessariamente, aos países que possuem baixo índice de rendimento educacional3,7,19.
A baixa escolaridade é reflexo da privação de oportunidades e a desigualdade na condição de saúde dos idosos, ao longo da vida. Más condições socioeconômicas, pouca instrução formal e baixa renda são características presentes em pessoas mais debilitadas, as quais são mais suscetíveis a problemas de saúde, como a fragilidade24. Acredita-se que o nível de educação atue como modificador de efeito na associação entre fragilidade e desempenho cognitivo por meio de mecanismos como o da reserva cognitiva25. Dessa maneira, o aumento da escolaridade é visto como proteção contra os prejuízos cognitivos em indivíduos mais velhos.
Quanto ao sexo, observam-se maiores índices de fragilidade e pré-fragilidade para as mulheres. O número de mulheres frágeis foi quase três vezes maior daquele encontrado nos homens, assim como, a pré-fragilidade foi quase o dobro. Ainda, no presente estudo, a variável sexo mostrou associação significativa entre o grupo de idosos não-frágeis. Esse resultado diverge dos encontrados em outros estudos, os quais identificaram associação significativa entre sexo e idosos frágeis9,21.
Investigação realizada por pesquisadores nos Estados Unidos apontou incidência de 68,5% e 31,5% de fragilidade para o sexo feminino e masculino, respectivamente3. No estudo realizado com idosos de Taipé (Taiwan) este resultado foi de 60,1% para as mulheres e 40,4% para os homens9. Na Inglaterra, o índice de fragilidade em idosos do sexo feminino foi aproximadamente o dobro do encontrado no sexo masculino, com percentual de 8,5 e 4,1, respectivamente26.
As maiores taxas de fragilidade em mulheres têm sido referidas na literatura como sendo em razão de fatores prevalentes como menor força muscular, pior estado nutricional, piores condições socioeconômicas e de saúde ao longo da vida e baixa autopercepção de saúde, quando comparadas aos homens27. Nas mulheres, o nível de hormônio diminui de maneira abrupta devido à menopausa, o que gera diminuição de massa muscular e força observadas em idosos frágeis28.
Os problemas de saúde estão presentes quase que na totalidade dos idosos frágeis, pré-frágeis e um percentual menor nos não-frágeis. A variável problemas de saúde apresentou associação significativa para o grupo de idosos não-frágeis. O teste de Bonferroni explica pouco essa relação, visto que no cruzamento dois a dois, o grupo frágil x não-frágil apresentou valor de p significativo e os grupos pré-frágil e não-frágil apresentaram valor p com tendência significativa. Porém, tal resultado pode sugerir que intervenções imediatas nos problemas de saúde dos idosos não frágeis, como controle e tratamento, podem interferir no quadro de fragilidade desses indivíduos, prevenindo ou adiando o estabelecimento da síndrome.
A variável incontinência urinária atingiu nível de significância para os não-frágeis. Entretanto, constata-se percentual crescente de desordem vesical à medida que aumenta o grau da fragilidade. A incontinência urinária, assim como a síndrome da fragilidade, aumenta com a idade e é maior entre as mulheres do que entre os homens29. Alguns fatores contribuem para o aparecimento dos sintomas em mulheres. Entre eles o próprio envelhecimento natural das fibras musculares do assoalho pélvico, raça, fatores obstétrico-ginecológicos, estado hormonal, medição, obesidade, álcool, cafeína, tabagismo e tosse crônica29.
Pesquisa realizada com 100 idosos de 60 anos ou mais, no município de Campinas-SP, teve como um dos objetivos verificar a ocorrência de incontinência urinária e suas características em idosos pré-frágeis e frágeis atendidos em um ambulatório de geriatria. Por meio dos critérios de classificação da fragilidade física os autores encontraram que 59% dos idosos caracterizavam-se como frágeis30. Na comparação entre os idosos com e sem incontinência urinária e fragilidade, houve diferença estatisticamente significativa (p = 0,001) quanto à classificação, ou seja, 62,8% dos idosos não incontinentes apresentaram pré-fragilidade, enquanto 70,7% dos idosos incontinentes apresentaram fragilidade30.
A incontinência urinária em idosos frágeis constitui um modelo sindrômico com interação de múltiplos fatores de risco, tais como alterações psicológicas e cognitivas relacionadas à idade e comorbidades31. Dessa forma, os achados do presente estudo divergem daqueles encontrados na literatura e reforçam a necessidade de prevenção dessa condição em idosos, uma vez que a presença de incontinência urinária os induz a diminuir a prática de atividades de vida diária, principalmente das atividades instrumentais.
A queda foi outra variável em que houve associação significativa entre os idosos sem fragilidade. Embora o percentual de quedas entre o grupo frágil, pré-frágil e não-frágil seja crescente, respectivamente, não houve predomínio desta em nenhum deles. Em estudos internacionais o evento queda é citado como um desfecho clínico3. No presente estudo, não foi possível identificar se a queda é causa ou consequência da fragilidade.
Pesquisa realizada no município de Ribeirão Preto (SP) investigou 240 idosos de 60 anos ou mais, com o objetivo de analisar a prevalência de quedas em idosos frágeis, suas consequências e fatores demográficos associados32. Os resultados divergem do presente estudo, já que mostrou prevalência de quedas entre os idosos que apresentaram fragilidade. Os autores concluem que a fragilidade e a ocorrência de quedas podem estar relacionadas bidirecionalmente - como a queda pode levar o idoso à fragilidade - esta poderá levá-lo à queda32.
A solidão se mostrou estatisticamente significativa para o grupo de idosos não-frágeis. Observa-se que a distribuição de frequência dessa variável cresce à medida que aumenta o nível de fragilidade, mas em nenhum grupo houve predomínio desta. O idoso que não se sente solitário possui mais ânimo para realizar as atividades de vida diária, interagir com as outras pessoas, praticar atividades físicas, participar de grupos, entre outras atividades. Todos esses fatores, além de auxiliarem na dimensão psicológica do indivíduo, interferem também no corpo físico, já que mantêm o idoso mais ativo e com menor possibilidade em desenvolver fragilidade.
CONCLUSÃO
A fragilidade relacionou-se às variáveis sociodemográficas idade e escolaridade e a não fragilidade à variável sexo e às variáveis clínicas problemas de saúde, solidão, quedas e incontinência urinária.
O tipo de estudo utilizado na pesquisa foi um fator limitante, uma vez que estudos transversais não possibilitam a análise de causa e efeito, no caso, entre as algumas variáveis sociodemográficas e clínicas e a condição de fragilidade entre os idosos. Dessa forma, sugere-se a realização de estudos exploratórios e longitudinais com o mesmo objetivo, na tentativa de delimitar as relações.
A investigação dos fatores associados à síndrome da fragilidade em idosos é essencial para a Enfermagem gerontológica. A identificação de variáveis que se associam à fragilidade dos idosos permite o desenvolvimento de intervenções e cuidados específicos, ou seja, traz subsídios para a gestão da fragilidade - possibilidades de prevenção e reversão da condição de fragilidade do idoso.
AGRADECIMENTOS
Pesquisa realizada com o Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná - Fundação Araucária (FA), Curitiba, Paraná, Brasil, protocolo 18239, convênio 005/2011.
Á Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; bolsa de doutorado). Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq; bolsa de Iniciação Científica).
REFERÊNCIAS