Volume 19, Número 2, Abr/Jun - 2015
PESQUISA
Egressas da Escola de Enfermagem Carlos Chagas: campos de
atuação. 1936-1948
Fernanda Batista Oliveira Santos
1
Rita de Cássia Marques
1
1 Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
Recebido em 05/06/2014
Aprovado em 18/03/2015
Autor correspondente:
Fernanda Batista Oliveira Santos
E-mail: fernandabos@yahoo.com.br
RESUMO
OBJETIVO:
Analisar a distribuição das egressas da Escola de Enfermagem Carlos Chagas (EECC)
em seus campos de trabalho no período de 1936 a 1948.
MÉTODOS:
Estudo histórico-social, fundado na análise do documento "Relação de diplomadas
1936-1948", do Centro de Memória da Escola de Enfermagem da UFMG (CEMENF). Seguiu
os passos preconizados pelo método histórico.
RESULTADOS:
Cerca de metade de suas egressas foi atuar na saúde pública. O campo hospitalar
não foi dominado pelas ex-alunas da EECC, excetuando-se as Irmãs diplomadas. O
trabalho da enfermeira foi bem aceito pelas empresas, iniciando as primeiras
incursões no universo da Enfermagem do Trabalho. A docência nas escolas de
enfermagem tornou-se um atrativo à mulher que desejava estudar e trabalhar.
CONCLUSÃO:
A EECC confirma historicamente a tendência de formação de profissionais voltadas
para as necessidades do mercado de saúde reguladas pelo Estado.
Palavras-chave: Enfermagem; História da Enfermagem; Escolas de Enfermagem.
INTRODUÇÃO
A Escola de Enfermagem Carlos Chagas (EECC) deu origem à atual Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EEUFMG). Foi criada em 07 de julho de 1933, pelo Decreto nº 10.952. O nome recebido foi uma homenagem ao médico sanitarista Carlos Chagas. A criação da EECC resultou de um acordo entre a Diretoria de Saúde Pública do estado de Minas Gerais e a Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Sua finalidade era atender às crescentes demandas de saúde pública do estado mineiro e do país e também ao campo hospitalar1.
A EECC foi a primeira escola de enfermagem no Brasil situada fora do Rio de Janeiro e, também, a primeira escola de enfermagem estadual criada no país. Seguiu os moldes da escola oficial, a atual Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), conquistando a equiparação em 1942, sustentando a bandeira da Enfermagem Moderna1.
Vale lembrar que os primeiros 15 anos de funcionamento da EECC (1933-1948) estão no contexto nacional que compreendeu o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945). A partir da década de 1930, o governo aumentou o compromisso com a saúde pública e diversas estratégias foram criadas para incremento da saúde no Brasil, dentre elas, os vários acordos internacionais firmados e as diversas instituições de ensino e assistência consolidadas2. Destacou-se, nesse sentido, a atuação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), criado em julho de 1942, em decorrência de um acordo firmado entre os Estados Unidos e o Brasil, estabelecendo as seguintes atribuições: o saneamento do Vale do Amazonas, o preparo de profissionais para o trabalho de saúde pública e a colaboração com o então Serviço Nacional de Lepra3.
Considerando que a EECC era uma instituição subordinada ao Departamento de Saúde Pública do estado de Minas Gerais, compreendeu-se que havia um investimento por parte do estado mineiro no ensino de enfermagem. Surgiu, então, a inquietação em saber se as diplomadas pela EECC cumpriram com os anseios do estado. Partiu-se do pressuposto de que a Escola deveria satisfazer o investidor em suas demandas, uma vez que era financiada pelo estado e, para isso, as alunas, após a formatura, deveriam preencher as lacunas existentes no mercado da saúde, principalmente, o campo da saúde pública.
Assim, este estudo teve como objetivo analisar a distribuição das egressas da EECC em seus campos de trabalho no período de 1936 a 1948, considerando que 1936 foi o ano da formatura da primeira turma de enfermeiras da Escola de Enfermagem Carlos Chagas e 1948 foi o último ano de que se tem o registro dos campos de atuação das egressas, na documentação analisada.
Acredita-se que este estudo contribuirá para a maior visibilidade do Centro de Memória da Escola de Enfermagem da UFMG (CEMENF) como lócus de construção e produção do conhecimento e trará fatos novos para a história da EEUFMG, da saúde mineira e da própria história da enfermagem brasileira.
MÉTODO
Trata-se de um estudo de natureza histórico-social, sendo um dos resultados encontrados na pesquisa de mestrado intitulada "Escola de Enfermagem Carlos Chagas: projeto, mudanças e resistência 1933-1950"1 em que a coleta de dados foi realizada no período de agosto de 2012 a junho de 2013. Os achados apresentados neste artigo foram fundados na análise do documento "Relação das Diplomadas 1936-1948"4 disponível no acervo do CEMENF. Essa fonte traz o local de trabalho de cada uma das alunas desde a primeira turma de diplomadas, em 1936, até o ano de 1948, permitindo desvelar os campos em que foram atuar as ex-alunas da Escola de Enfermagem Carlos Chagas. Outras fontes documentais do acervo do CEMENF, como publicações do Jornal "A Enfermagem em Minas"5-7, produzido pelas alunas e professoras da EECC, e a transcrição de uma fonte oral8 pertencente ao acervo do Centro de Documentação da EEAN, cuja cópia foi cedida ao CEMENF, foram utilizadas para a discussão e o confronto documental na crítica interna, conforme é proposto para uso do método da pesquisa histórica na Enfermagem9. Em relação aos aspectos éticos, cabe mencionar que por se tratar de um estudo que utilizou fontes documentais disponíveis para consulta pública, o projeto foi isento de parecer de um Comitê de Ética em Pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Nos 15 primeiros anos de funcionamento (1933-1948), a EECC diplomou um total de 111 enfermeiras no curso geral de enfermagem que tinha duração de três anos. Desse grupo, sete não exerceram a profissão de enfermeira: cinco abandonaram a profissão, uma foi para o convento e uma ficou doente, sendo internada em um sanatório. Assim, restaram 104 enfermeiras disponíveis e atuantes no setor saúde4.
Abaixo, segue um compilado do destino das egressas da Escola de Enfermagem Carlos Chagas no período de 1936 a 1948:
Os campos de atuação mais expressivos nesse período são a saúde pública, o ensino da enfermagem e o campo hospitalar. Apesar de o currículo de enfermagem da EECC ser, predominantemente, voltado para o ensino hospitalar, herança do Padrão Anna Nery de ensino1, o mercado da saúde brasileira abriu frentes de trabalho na saúde pública, o que mostra um descompasso entre as necessidades mercadológicas do país e a formação em enfermagem oferecida no período10.
O campo da Saúde Pública
O Gráfico 1 deixa claro que a maior parte das ex-alunas da EECC voltou-se para os campos da saúde pública, o que era uma das maiores demandas dos governos estadual e federal. As enfermeiras diplomadas ocupavam postos de trabalho como: visitadora sanitária ou de saúde pública, educadora sanitária (nas escolas), responsáveis por serviços de enfermagem no dispensário antituberculoso, no Leprosário Santa Izabel, no serviço pré-natal, no cadastro torácico e no serviço de BCG (Bacillus Calmette-Guérin - vacina contra a tuberculose).
Sobre as atribuições da enfermeira de saúde pública, um estudo realizado sobre a imagem da enfermeira de saúde pública, veiculado em uma revista de 1929, mostra que cabia à enfermeira de saúde pública, em especial, prestar cuidados aos doentes e orientá-los no sentido de se prevenir doenças, em prol do desenvolvimento da qualidade da saúde pública no Brasil11. De fato, o ser/fazer da enfermeira naquele momento histórico vem ao encontro do que foi colocado como uma das prioridades de investimento político no país na saúde nas décadas de 1920 e 193010.
A visitação sanitária foi o campo de maior atuação das egressas da EECC, tanto em relação à saúde pública quanto aos demais campos. A visita sanitária, realizada por uma enfermeira qualificada, era uma das maiores necessidades do governo mineiro em relação à saúde pública. A atuação dessas egressas concentrou-se em Belo Horizonte.
A exigência de enfermeiras visitadoras era tão expressiva no país que um estudo de caráter histórico sobre a enfermagem de saúde pública, em São Paulo, mostrou que, em função da falta de enfermeiras graduadas naquele estado, até aproximadamente a segunda metade dos anos de 1940, as autoridades sanitárias deram preferência à formação de educadoras ou visitadoras sanitárias, em cursos mais ligeiros que o curso geral de enfermagem. O Curso de Educadoras Sanitárias em São Paulo perdeu força somente em 1942 com a implantação da Escola de Enfermagem na Universidade de São Paulo12. Já em Minas Gerais, o investimento nas enfermeiras não diplomadas, ocorreu após a criação da EECC. O governo mineiro, no fim da década de 1940, com números insatisfatórios de diplomadas pelas escolas de enfermagem, investiu na criação da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, com a oferta de cursos também mais curtos que os oferecidos pelas escolas-padrão de enfermagem1.
O processo de interiorização dos serviços de visitação sanitária com a diplomada da EECC deu-se a passos lentos e ganhou força somente a partir de 1946, com a atuação do SESP. Nesse ano, diplomaram-se 13 enfermeiras. Destas, oito foram para o campo da saúde pública. Destas oito, quatro foram atuar no serviço de visitação sanitária no interior de Minas Gerais: uma em Diamantina, uma em Teófilo Otoni e duas em Divinópolis.
A aceleração do processo de ocupação e modernização da região do Rio Doce mineiro está associada à atuação do SESP no Programa de Saneamento do Vale do Rio Doce, com os Projetos Rio Doce e Mica, na década de 1940, e o Programa Minas Gerais, na década de 1950. Tal associação resultou dos Acordos de Washington entre o Brasil e os Estados Unidos (1942). A ação de promoção preventiva da saúde visava a melhoria da habitabilidade humana naquelas condições e a manutenção da saúde13, justificando a ida de diplomadas da EECC para o interior mineiro.
Sobre as atribuições da enfermeira visitadora, Laís Moura Netto dos Reys, primeira diretora da EECC, gestão 1933-1938, afirma, na revista A Enfermagem em Minas, periódico produzido pela Escola de Enfermagem Carlos Chagas:
E nesse labor vigente e incansável a enfermeira de saúde pública, vulgarmente chamada enfermeira visitadora, percorre e palmilha as ruas da cidade e as estradas dos campos, em visitas quotidianas, alerta ao primeiro sinal de perigo, pronta para defesa da vida e da saúde do povo, do qual guardiã devotada, a educadora sanitária, ao qual ensina como formar, criar e educar para a Pátria e para Deus homens sadios, íntegros, de corpo e de alma. É seu dever melhorar, elevar por sua atitude e sua influência o nível da vida na sociedade5.
Nessa fala, Laís Netto dos Reys mostra que chamar uma "enfermeira diplomada" de "enfermeira visitadora" era a forma vulgar de nomeá-la, devendo-se usar "enfermeira de saúde pública". Isso, provavelmente, advém do fato de que enfermeiras que não fizeram o curso geral da EECC e trabalhavam na visitação sanitária antes da criação da escola em Minas Gerais, também, eram denominadas enfermeiras visitadoras.
A enfermagem escolar foi também outro campo explorado e ocupado pelas egressas da EECC desse período. Cabe mencionar que os grupos escolares eram todos de Belo Horizonte, ou seja, a interiorização do cuidado escolar em Minas Gerais não ocorreu por meio das egressas diplomadas da EECC até 1950. É necessário ponderar que a interiorização do cuidado escolar não ocorreu, nesse período, por meio da enfermeira diplomada, mas pode ter ocorrido por meio da normalista que era preparada em um curso oferecido também pela EECC, mas de menor duração que o curso geral. Esse curso era conhecido como curso anexo da Cruz Vermelha1.
Sobre a rotina de trabalho da enfermeira escolar, registra-se:
Uma enfermeira do estabelecimento [grupo escolar] examinará todas as manhãs a saúde e limpeza das crianças à sua chegada. Se o menino está doente ou se mostra sintomas de enfermidade transmissível será enviado imediatamente para sua casa, sendo readmitido depois de curado. A diretoria do estabelecimento e a enfermeira ajudam as mães com seus conselhos e tratam de corrigir as más influências e os defeitos de higiene no ambiente familiar6.
Diante de parte das atribuições da enfermeira escolar, percebe-se que esse era mais um cargo da saúde pública que privilegiava as noções básicas de higiene. A preocupação de melhorar os hábitos de higiene da população auxiliaria na diminuição da incidência das doenças infectocontagiosas, o que também fazia parte dos planos do governo estadual mineiro.
O serviço de enfermagem escolar já existia antes da criação da EECC. Assim, ao que tudo indica, é a partir da EECC que esse campo passa a contar com enfermeiras diplomadas. Isso mostra a expansão do campo de atuação da enfermeira diplomada na saúde pública e simultaneamente a consolidação de seu papel. O mesmo acontece com os cargos de enfermeira de dispensário antituberculoso, enfermeira no Leprosário Santa Izabel, enfermeira do serviço pré-natal, enfermeira do cadastro torácico e enfermeira do serviço de BCG.
No dispensário, o trabalho era de "vigilância aos que estão ou estiveram em contato com tuberculosos", "consultas", "diagnósticos", "encaminhamento aos sanatórios", "mensuração dos óbitos". Eram feitos exames laboratoriais, tais como "exame de escarro B.K.", "análise de urina", "outras análises" e exames radiológicos, como "radiografias e radioscopias". Os tratamentos aplicados eram "pneumotórax, frenicectomias e injeções (ouro, cálcio, etc.)". Havia um serviço de enfermeiras visitadoras no dispensário central e eram feitas visitas domiciliares, encaminhamento, palestras e injeções em domicílio7.
Ainda sobre as atribuições da enfermeira de saúde pública, um periódico do Distrito Federal, que circulava em 1929, apontou que cabia à enfermeira identificar e acompanhar os acometidos pelos sintomas da tuberculose, encaminhando-os, quando necessário, às consultas médicas ou ao dispensário da Inspetoria de Tuberculose mais próximo da moradia, para que fossem examinados, bem como deveria solicitar às pessoas, principalmente às crianças, que tivessem tido contato direto ou indireto com os doentes tuberculosos, que fossem examinadas de três em três meses pelo médico da família ou do dispensário11, apontando a tendência do trabalho da enfermeira na visitação sanitária e nos dispensários.
O campo do ensino da arte de cuidar
Dentre as egressas da Escola de Enfermagem Carlos Chagas há o grupo de diplomadas que se voltou para a carreira da docência, dando continuidade ao ensino da arte de ensinar a cuidar. Isso pode ser entendido pelo fato de a enfermagem, seguindo o padrão de ensino oficial no Brasil, desde 1931, ser, naquele momento, uma profissão jovem, com um número pequeno de enfermeiras no país. Assim, era natural que parte das egressas fosse compor as cadeiras de professoras das instituições já existentes, e era previsível que fosse auxiliar na criação de outras escolas de enfermagem. Isso ocorreu com a irmã Matilde Nina, a primeira religiosa a se diplomar enfermeira no Brasil. Ela foi a fundadora da Escola de Enfermagem Luiza de Marillac, no Rio de Janeiro, em 1939. Aconteceu, também, com a irmã Josefa Luno, que dirigiu a Escola de Enfermagem do Recife, e com Celina Viegas, que organizou e dirigiu a Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo (EEHB), em Juiz de Fora4.
Na ocasião da criação da EEHB em 1946, Minas Gerais contava com apenas duas escolas de enfermagem, a EECC e a Escola de Enfermagem Hugo Werneck, ambas na capital do estado. Como o número de enfermeiras diplomadas por essas escolas anualmente não era suficiente para atender às necessidades de expansão e ampliação dos vários serviços de saúde a serem criados no estado, a cidade de Juiz de Fora foi escolhida para sede da escola, por ser a segunda em população em Minas Gerais e, também, pela localização afastada de Belo Horizonte, podendo atender às necessidades de outra microrregião, a próspera Zona da Mata14.
Uma importante personalidade histórica da enfermagem, que cursou enfermagem na Escola Carlos Chagas, foi Waleska Paixão. Era amiga de Laís Netto dos Reys e foi convidada a auxiliá-la na EECC ministrando a disciplina de Drogas e Soluções. Foi, então, que Waleska Paixão passou a conviver com a dualidade de ser aluna e professora da EECC, diplomando-se em 1938. Com a saída de Laís Netto dos Reys da diretoria da EECC para assumir a EEAN no Rio de Janeiro, Waleska Paixão assumiu a direção da Escola de Enfermagem Carlos Chagas e foi sua diretora por 10 anos, quando foi para a EEAN15.
O campo hospitalar
No campo hospitalar, Belo Horizonte, nascida no final do século XIX, símbolo da proposta higiênico-sanitária e com o status de "cidade salubre", contava com precária rede. Certos das vantagens do bom clima e das boas águas da cidade, os engenheiros positivistas que planejaram a cidade não viam a construção de um hospital como prioridade e as instituições foram aparecendo por iniciativas, sobretudo, da sociedade, representada pelos médicos, pelas damas da sociedade e pelas irmãs de caridade16.
A rede hospitalar permaneceu bastante precária até meados da década de 1940, quando foi incrementada, com novas instituições como o Hospital Municipal, atual Hospital Odilon Behrens e com a construção do atual Hospital da Baleia17.
Cabe destacar que o crescimento da rede hospitalar na década de 1940 não ocorreu somente em Belo Horizonte, mas no país, pois houve declínio do modelo sanitário e a ampliação da importância da Previdência Social. Assim, ocorreu um aumento do número de hospitais em decorrência da expansão da medicina privada voltada para a assistência curativa individual. Com a ampliação do sistema previdenciário brasileiro, a produção de serviços privados foi privilegiada e favoreceu a assistência hospitalar curativa18, ampliando-se dessa forma a oferta de trabalho às enfermeiras no âmbito do hospital.
Mesmo com o crescimento do campo hospitalar, na década de 1940, em Belo Horizonte e no país, este foi pouco ocupado pelas egressas da EECC. Em João Monlevade, cidade que fica a 120 quilômetros de Belo Horizonte, duas egressas da EECC foram atuar como enfermeiras-chefes do Hospital Margarida, e uma delas também trabalhava na Belgo Mineira, empresa siderúrgica de grande porte. Apenas uma enfermeira foi atuar no Hospital São Vicente de Paulo, hoje Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, sendo esta uma irmã de caridade. É imprescindível mencionar que esse hospital era administrado por irmãs de caridade e que serviu de campo de estágio para a EECC. Nenhuma outra egressa da EECC atuou no Hospital São Vicente até 1948.
Na Santa Casa de Belo Horizonte, tampouco há registro da atuação de egressas da EECC até 1948. A Santa Casa era dirigida por irmãs de caridade, desde a sua criação (1901) e serviu como campo de estágio às alunas da Escola de Enfermagem Carlos Chagas. O estágio começou no início do ano de 1935 e, em novembro do mesmo ano, a diretora Laís Netto dos Reys recebeu um ofício do provedor da Santa Casa afirmando que uma regra do acordo feito com a EECC havia sido infringida. Uma aluna do primeiro ano do curso geral da escola entrou na enfermaria ginecológica para aferição de dados vitais e a Irmã, encarregada do serviço, impugnou a entrada dessa aluna. A diretora Laís Netto dos Reys justificou que não se tratava de um cuidado específico relacionado à especialidade e, por isso a aluna poderia fazê-lo, mas, ainda assim, a Santa Casa de Misericórdia proibiu os estágios da EECC na instituição1.
O Hospital da Sociedade Anônima Metalúrgica Santo Antônio, em Rio Acima, também foi usado como campo de estágio na EECC, e foi considerado por Waleska Paixão como o melhor campo de estágio da escola durante sua gestão (1938-1948), pela ampla governabilidade para pôr em prática a Enfermagem Moderna8. Em 1942, uma egressa da EECC assumiu como enfermeira-chefe essa instituição, mas, em seguida, mudou para a saúde pública, assumindo o cargo de enfermeira visitadora.
O Hospital Municipal de Belo Horizonte foi inaugurado em 1945 e serviu de campo de estágio para a EECC desde sua criação e coube à diretora da Escola, Waleska Paixão, a chefia dos serviços de enfermagem1. O Hospital só contratou sua primeira enfermeira diplomada em 1947. A contratada era egressa da EECC e irmã de caridade (irmã Aparecida de Cristo Rei)4. A ausência de diplomadas laicas no Hospital São Vicente e na Santa Casa e a contratação de uma enfermeira religiosa para o Hospital Municipal mostram que o campo hospitalar belo-horizontino ainda era dominado pelas religiosas, especialmente, nas instituições ligadas a igreja católica.
O hospital foi um espaço que a egressa da EECC, à exceção das sete irmãs de caridade diplomadas pela escola, teve dificuldade de ocupar em Minas Gerais, especialmente em Belo Horizonte. No pequeno grupo de enfermeiras diplomadas que não eram irmãs e que assumiram cargos em hospitais estão as que foram atuar em outros estados e as que assumiram o Pronto Socorro Policial, a maternidade do Hospital São Lucas e a maternidade do Hospital São Francisco, todas na capital mineira. Porém, a documentação revelou que uma das egressas que havia assumido o Pronto Socorro Policial logo o trocou por um cargo na saúde pública e, das três que foram atuar nas maternidades, apenas uma continuou, pois uma foi para a saúde pública e outra abandonou a profissão porque se casou4.
A presença dessas egressas nas maternidades, ainda que pouco expressiva, aponta para a maior consolidação do papel da enfermeira na área materno-infantil, a maior independência da mulher e, também, para o crescimento do mercado; afinal, até então, o mais comum, mesmo para as senhoras da alta sociedade, era ter os filhos em casa com o auxílio de uma parteira16.
As empresas abrem as portas às enfermeiras da EECC
Ao que a documentação consultada pôde indicar, mesmo que a enfermagem do trabalho não tenha despontado nessa época, foi no período varguista que a enfermeira diplomada mineira iniciou sua inserção nas empresas. Embora não se tenham encontrado, nas fontes, pistas, que apontem as atribuições dessas egressas no campo das empresas, cogita-se que o trabalho da enfermeira devia incluir ações curativas, decorrentes de acidentes nas empresas e, ainda, ações preventivas, trabalhando noções de higiene, a fim de manter a boa saúde dos trabalhadores e minorando entre eles as doenças infectocontagiosas. As empresas que contrataram as egressas da EECC foram: Standard Oil (ou Esso Brasileira de Petróleo), no Rio de Janeiro, Banco do Brasil, em Belo Horizonte, e Companhia Siderúrgica Belgo Mineira4.
A Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, em João Monlevade, atual Arcelor Mittal, inaugurada por Getúlio Vargas na década de 1930, teve seu primeiro alto-forno operando em 1937. Com sua franca expansão, em 1942 a siderúrgica já funcionava com três altos-fornos. Isso deve ter aumentando muito o número de empregados, demandando os trabalhos curativos e preventivos da enfermeira1.
Os abandonos à profissão de enfermeira
Para o ingresso da mulher moderna no mundo da educação e, muito mais ainda, no mundo das profissões, havia um leque restrito de alternativas. Para ser exercida pela mulher, a profissão precisava aglutinar elementos que justificassem a permissão dos pais das boas moças da sociedade para segui-la, bem como a autorização das congregações para que suas religiosas a abraçassem. A enfermagem podia ser, dessa forma, uma boa opção para a mulher que não queria dedicar-se ao magistério1.
Mesmo sendo a enfermagem uma nova proposta para a mulher que queria trabalhar, o abandono da profissão acontecia, em parte, pelo desconhecimento por parte da população brasileira da atuação da enfermeira diplomada e, também, pelo fato de ser vigente à época a cultura de a mulher não trabalhar. A enfermeira poderia vir a se casar e o marido solicitar que ela não mais trabalhasse fora de casa, ou ela poderia considerar que o trabalho de enfermeira já não era mais de seu interesse, ou que era muito pesado física e psiquicamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, algumas considerações devem ser feitas. A Escola de Enfermagem Carlos Chagas confirma historicamente a tendência de uma formação de profissionais voltadas para as necessidades do mercado de saúde reguladas pelo Estado. No entanto, apesar de as egressas terem se voltado, principalmente, para atendimento de demandas da saúde pública, a instituição diplomou um número inferior de enfermeiras em relação à enorme necessidade de profissionais no país nesse período, e poucas foram as egressas a atuar no interior. Isso ajuda a compreender a criação de outra escola em Minas Gerais voltada para a saúde pública, a Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, para a formação de educadoras sanitárias, em um curso mais rápido que o curso geral da enfermeira diplomada, no fim da década de 1940.
O campo hospitalar não foi dominado pelas ex-alunas da EECC no período de 1936 a 1948, excetuando-se as irmãs de caridade diplomadas. Isso denota que a tradição do cuidado pelas religiosas e seu poder no campo hospitalar mineiro continuaram imperando nesse período. Em compensação, o trabalho da enfermeira diplomada foi visto como atrativo pelas empresas que lhe abriram as portas, iniciando as primeiras incursões no universo do que viria a ser a Enfermagem do Trabalho em Minas Gerais.
Por fim, a docência nas escolas de enfermagem tornou-se um atrativo para as Enfermeiras, à medida que a enfermagem foi se consolidando como alternativa de carreira para a mulher que desejava estudar e trabalhar, auxiliando a manter viva a atual Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais e sua história.
REFERÊNCIAS