Volume 19, Número 2, Abr/Jun - 2015
PESQUISA
O ensino de práticas grupais em enfermagem norteado pelo
referencial de Pichon-Rivière
Roselma Lucchese
1
Bruno de Souza Calixto
1
Ivânia Vera
1
Núbia Inocêncio de Paula
1
Camilla Lucchese Veronesi
1
Carla Natalina da Silva Fernandes
1
1 Universidade Federal de Goiás. Catalão - GO, Brasil
Recebido em 12/08/2014
Aprovado em 16/04/2015
Autor correspondente:
Roselma Lucchese
E-mail:
roselmalucchese@hotmail.com
RESUMO
Analisar proposta didático-pedagógica de ensino de tecnologia de grupos para
graduação em Enfermagem. Estudo descritivo, qualitativo, do qual participaram 54
estudantes de Enfermagem em 28 sessões de grupos operativos. Tomando a proposta de
se
aprender grupos fazendo grupos, no interjogo de papéis (participante, coordenador
e
observador), os dados foram coletados durante as reuniões dos grupos e passaram pela
análise de conteúdo temática, seguindo o referencial de Pichon-Rivière. Das reuniões
dos grupos operativos, surgiram três categorias "Aprendizagem da técnica de grupo
a
partir da realização do grupo", "O grupo no enfrentamento, reflexão e gerenciamento
de conflitos", "Indicações e ponto fraco". Apreender grupos fazendo grupos superou
o
modelo tradicional de ensino, constituindo ferramenta importante na gestão de equipe
e de cuidados.
Palavras-chave: Ensino; Aprendizagem; Educação em Enfermagem; Processos Grupais; Educação em Saúde.
INTRODUÇÃO
A formação do profissional enfermeiro, com frequência, recebe apontamentos, no sentido de alertar o quanto se reproduz práticas pautadas no modelo biomédico, por meio de um ensino técnico que, por vezes, distancia o profissional de uma prática mais efetiva na atenção às reais necessidades de saúde das pessoas. A superação de tal condição assistencialista requer um novo olhar para a atenção à saúde, com práticas de ensino inovadoras, saindo do papel de afazeres, para uma prática humanizada e integral1. Uma via apontada para sobrepujar essa condição é o trabalho em conjunto e cooperativo, inserido já na formação do enfermeiro, com introdução de ferramentas de ensino que estimulem a discussão, a crítica e a reflexão2.
Nesse sentido, este estudo interessou-se pela utilização do grupo operativo (GO) como norteador das práticas em Enfermagem para o cuidado em grupos, considerando evidências científicas quanto aos ganhos na construção de modelo assertivo na Enfermagem, tanto na atenção à saúde das pessoas, quanto na gestão em equipe1,3,4. Intervenções junto ao processo saúde-doença e no enfrentamento de suas diversidades tiveram especial destaque5.
O GO é uma técnica conduzida por um processo de ensino-aprendizagem ocorrido nas interações de uns com os outros. Trata-se de um grupo pautado pelo interesse coletivo e pela atenção ao objetivo comum6. Capaz de mobilizar o processo de mudança, a prática de cuidados em Enfermagem em grupo, também requer formação de indivíduos coerente a esse sentido, isto é, exige mediação de saberes em um ensino mais dinâmico e esclarecedor, que possibilite a construção de sujeitos responsáveis, reflexivos e capazes de trabalharem com a autonomia do outro5.
Grande parte do potencial crítico e reflexivo desta tecnologia[a] centra-se no desenvolvimento de dimensões cognitivas, pessoais, técnicas, sociais e política; e nos efeitos do ensino-aprendizagem, deposições de papéis e trocas dentro de técnicas operativas, além de conduzirem uma formação profissional integral, coerente e comprometida com a realidade7. Ao professor, cabe o papel de provedor do processo de ensino-aprendizagem, abarcando novas técnicas de ensino, e formando um indivíduo reflexivo e crítico da realidade8.
Diante do exposto, o presente estudo teve por objetivo analisar uma proposta didático-pedagógica de ensino de tecnologias de grupos, segundo o referencial teórico de Pichón-Rivière, aplicado a graduandos em Enfermagem. Para tanto, foi realizado uma intervenção no processo de ensino-aprendizagem no formato de disciplina curricular, que orientou a construção do conhecimento sobre grupos realizando grupos.
MÉTODO
Estudo descritivo com análise qualitativa, justificado pela necessidade de acompanhamento e avaliação de disciplinas curriculares sobre tecnologias de grupo no processo de formação do enfermeiro. A disciplina analisada foi aplicada ao sétimo período para duas turmas de um Curso de Graduação em Enfermagem, localizada no sudeste goiano em uma unidade acadêmica da Universidade Federal de Goiás (UFG).
A disciplina estudada faz parte da grade curricular do Projeto Pedagógico de Curso (PPC) de Graduação em Enfermagem, com propostas inovadoras e criado, a partir do projeto de Expansão das Universidades Federais, datado de 2008. Na busca em atender as competências gerais das Diretrizes Curriculares Nacionais para Graduação em Enfermagem, especificamente, as que tratam da atenção à saúde, tomada de decisão, comunicação, liderança e gerenciamento, criou-se a disciplina "Grupos em Saúde". No entanto, sua proposta de trabalho deveria superar o modelo tradicional de ensino. Assim, foram investidos esforços na condução didática, assegurando que todas as aulas seriam práticas e que se aprenderia sobre grupos fazendo grupos, tendo como pauta o referencial de GO e a orientação de um objetivo contrato firmado no primeiro dia de aula, especificando as regras de condução da disciplina.
Nesse contexto, os aprendizes intercalaram as funções de coordenadores-aprendizes e observadores, com revezamento entre eles, distribuídos a cada sessão de grupo em dois círculos, um interno (11 participantes, dois aprendizes-coordenadores e um professor-coordenador) e outro externo (composto pelos 13 observadores-alunos). As sessões se iniciaram com um tema disparador referente a um conteúdo teórico, e aprendizes-coordenadores conduziam a explanação. Seguia-se com a leitura da crônica da reunião anterior, constituída pela análise do movimento grupal pelo professor-coordenador, a partir das anotações dos observadores, que abriam a discussão do grupo. A tarefa explícita era motivar uma interlocução do referencial teórico com as vivências dos discentes, considerando as dimensões pessoais e profissionais.
Foram realizadas 28 sessões de GO com duração de 2 horas cada, que ocorreram no primeiro semestre dos anos de 2012 e 2013. Configuraram-se como participantes da pesquisa os alunos que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter concluído as disciplinas Saúde Mental I e II (momento em que se trabalharam habilidades teóricas e práticas que potencializam a participação em técnicas grupais, como a comunicação terapêutica e o relacionamento interpessoal), e estarem matriculados regularmente no curso e na disciplina intitulada "Grupos em Saúde". Os alunos foram informados, no início da disciplina, de que esta seria acompanhada e analisada com finalidade de pesquisa, tendo lhes sido oferecidos os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os quais assinaram e ficaram com uma cópia, respeitando-se os preceitos éticos que envolvem pesquisa com seres humanos.
Os dados foram gravados em meio digital. Ao final da disciplina, realizou-se um grupo focal para avaliação do processo de ensino-aprendizagem, com a seguinte questão condutora: "Como foi para você cursar a disciplina de Grupos em Saúde? Que saberes vocês construíram para a vivência nos diversos grupos sociais e profissionais?".
A gravação e as anotações foram realizadas por dois observadores-pesquisadores (independentes dos observadores-alunos), sendo esses participantes, em ambas as turmas de 2012 e 2013, e constituindo um material empírico essencial. A análise dos dados deu-se entre outubro de 2012 e junho de 2013, aplicando-se a Análise de Conteúdo, modalidade temática9, que constitui em "núcleos de sentidos" expressos na comunicação do sujeito. Assim, a aparição e a frequência têm significado para o objetivo analítico escolhido.
Essa técnica de análise desenvolveu-se em três fases. A primeira foi a pré-exploração do material, por meio da leitura flutuante, que objetiva estabelecer contato com os documentos e conhecer o texto, buscando impressões e orientações. Foram feitas várias leituras de todo o material, buscando apreender, de uma maneira total, as ideias principais e os significados gerais.
Na segunda fase, selecionaram-se as Unidades de Registro (UR) ou significação. Em conformidade com os objetivos da investigação, foram construídos os recortes das falas dos atores sociais. Tais unidades receberam um código referente à letra G e numeração cardinal sequencial de 1 (referente a turma de 2012) e 2 (referente a turma de 2013).
Na terceira fase, houve a categorização, que correspondeu a uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, posteriormente, por reagrupamento pela convergência ou divergência das UR, constituindo categorias.
O presente estudo faz parte de uma pesquisa matriz, que buscou acompanhar e avaliar o processo de implantação do PPC de 2009 a 2014, bem como apontar sua inovação didático-pedagógica (protocolo 026/2009 do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFG).
RESULTADOS
Este processo de avaliação grupal foi realizado com 54 componentes grupais, sendo que 49 eram do sexo feminino, com média de idade de 23 anos. Todos participaram efetivamente de todo o processo grupal, instituído pela disciplina de Grupos em Saúde, o qual era orientado pela professora coordenadora. Após o processo de análise dos dados emergiram três categorias: "Aprendizagem da técnica de grupo a partir da realização do grupo", "O grupo no enfrentamento, reflexão e gerenciamento de conflitos", "Indicações e ponto fraco" (Quadro 1).
Aprendizagem da técnica de grupo a partir da realização do grupo | O grupo no enfrentamento, reflexão e gerenciamento de conflitos | Indicações e ponto fraco da técnica grupal empregada |
Consegui tirar que o grupo é uma modalidade de trabalho terapêutico... que pode ser adotado em nossa atividade profissional... (G1) | Tenho um problema... mas, também pode se ajudar alguém que já passou pelo mesmo ou vice-versa, como coisas que eu não quero falar, mas alguém fala, aí o que resolve pra ela serve pra mim (G1) | Eu indicaria o GO para segunda turma de enfermagem (G1) |
A pessoa, às vezes, busca conselhos e você não quer se arriscar a pessoa tomar aquilo que você vai falar como resolução pra vida dela, então eu acredito que como profissional a gente hoje vai buscar outra forma resolver os conflitos internos, não fazer como a gente fazia... (G1) | Você tem a oportunidade de falar de seus sentimentos... que são coisas frágeis mas importantes para cada um, com as reuniões isso aconteceu com nosso grupo (G2) | ... todo tipo de organização, ajuda no gerenciamento de conflitos que é uma coisa muito complicada, ajuda as pessoas a crescerem, a entender umas as outras (G1) |
Foi possível aprender a mediar discussões entender o que o outro quer disser, falar, não fala na sua vez, é a vez do outro se não fosse assim não teria tido tanto sucesso (G1) | Ensinou a ser tolerante um com o outro que a gente se permitiu conhecer o outro, tem que se aceitar, ele é diferente, que não pensa de mesma forma... é aprendendo com o outro as diferenças (G2) | Todas as pessoas (G1) |
Esses critérios utilizados... vão além do tradicional como palestras... aqui não! Acho que isso possibilita uma visão pouco mais crítica acerca de situações e objetivos (G1) | Relatos de que não conseguia falar, não conseguia ouvir, outros não conseguiam aceitar outras opiniões, então foi mais pra resolver por dentro pra depois começar resolver por outras pessoas. (G1) | Curso de psicologia (G2) |
Eu tive... dificuldade no começo até eu perceber que eu não precisava escrever tudo o que falam, só o importante... no final eu estava preferindo ser observador... eu aprendi mais... (G2) | Acima de tudo, aprendemos a nos respeitar, acredito que isso a gente não perca... respeito que agora temos um pelo outro sempre a partir de nos permitir a escutar o outro e absorver um pouco sua experiência de vida (G2) | Um grupo que tenha um conflito evidente, porque e a oportunidade de falar, partilhar os problemas com o grupo (G1) |
Muito difícil um coordenador ter muitas habilidades se ele não passou pelo papel de observador, né?! É sofrível, nem tudo é fácil (G1) | Foi um período que a gente começou a se desculpar das coisas que tinha feito começou a conhecer um a outro acho que a gente teve mais liberdade de se abrir falar e aí chorou, emocionou abraçou, passamos pelo momento de desabafo... (G1) | Todo meio profissional, seja no hospital, empresa (G2) |
Eu acho que o aluno só consegue perceber se ele se apropriar de algum embasamento teórico... conhecer os diferentes papéis dentro de um grupo... eu só consegui identificar... um papel de porta-voz de sabotador a partir do momento que eu conheço (G2) | Durante os 4 anos o que aconteceu com todos os nossos conflitos existia um momento que os conflitos explodiam e simplesmente nós virávamos a cara para o outro e depois de 3, 4 meses esquecia-se aquilo que havia acontecido e pronto ninguém mais tocava neste assunto e hoje eu vi que dentro do grupo nós conseguimos trazer estes conflitos, resolvê-los e tanto conseguimos nos unir mais por meio dessa disciplina (G2) | Profissionais da área da enfermagem porque têm uma necessidade muito grande, a equipe precisa de união (G1) |
Aprender a ouvir foi muito importante, observar mais (G2) | As barreiras que tinha antes, aqueles obstáculos que a gente mesmo colocava um no outro sem mesmo tentar... hoje resolveu os conflitos da sala... agora a gente senta e conversa e ouve o que o outro tem a dizer (G1) | Pra equipe de enfermagem, mas nesse momento... um certo grupo Familiar (G2) |
A linguagem não verbal, ter mais atenção nos gestos (G1) | ... Acho que já, quando a gente resolveu os conflitos internos, vamos aprender resolver conflitos no trabalho... vivemos isso, aqui na sala dos grupos (G2) | Médicos, equipe multiprofissional (G1) |
Papel do sabotador que foi X, quando você cutucava ela eu sabia que ela ia mudar de assunto, e Y, ela assume um papel de porta-voz muito claro, hoje ela assumiu esse papel, mais eu só consegui identificar que ela assumiu ou o outro a partir do momento que eu conheço (G1) | Acho que qualquer tipo de pessoa deve fazer, porque melhora o convívio (G2) | |
O aprendizado teórico, que não foi maçante, foi aprendido no decorrer dos grupos, mas que trouxe esse esclarecimento, eu acho que se eu tivesse agora que dar uma aula sobre grupos, eu... eu faço (G2) | Cuidadores de idosos... para trocarem experiências (G1) | |
Sabe eu acho que o mais importante é isso quando eu tiver que praticar... em momento algum eu vou me sentir perdida... eu acho que não só eu mas todos aqui dão conta de levar um grupo (G1) | Algumas tribos pra melhorar a convivência e comunidade GLBT (G1) | |
A didática não foi o convencional que a gente tá acostumado, o professor sempre fica na frente falando com os alunos, e eu achei interessante que no grupo, o professor tá dentro do grupo, então abre mais um leque pros alunos, né! (G2) | Docentes, o departamento de enfermagem, porque já é separado por salinha, por mestre, doutor (G2) | |
O mais interessante foi que a gente não precisou fazer prova para aprender a disciplina (G1) | ... Pensei em algumas pessoas, minha irmã, minha prima, pois elas têm dificuldade de ouvir... (G1) | |
E todo mundo aprendeu a matéria, nós sabemos a matéria (G2) | Em especial na graduação, do enfermeiro, aprender a conviver em grupo desde o início (G1) | |
E voltando ao diário de bordo eu ficava lembrando, tinha coisas que eu até chorava, lembro aquele dia... e outro dia que foram coisas que mexe com a gente também (G1) | Pacientes com doenças crônicas... por dificuldade de adesão ao tratamento (G2) | |
Eu gosto do diário [de bordo] algo que não falo em sala, posso escrever nele (G2) | Família, ambiente de trabalho (G1) | |
Para gestão (G2) | ||
Os idosos... pois tenho muita dificuldade em lidar com minha avó (G1) |
Porta-voz indica aquele que aponta a enfermidade grupal, quem denuncia as ansiedades grupais, verbaliza os conflitos que estão latentes; sabotador correspondeu àquele que exerceu a resistência à mudança, podendo ser visto com aversão pelo grupo, além de assumir as culpas do grupo; diário de bordo foram as anotações sobre o ocorrido no campo grupal, realizadas por todos os participantes após cada encontro6,7. GO: grupo operativo; GLBT: Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais.
A análise apontou a construção de conceito sobre grupos, identificação do grupo como um instrumento de enfrentamento, e superação de estereótipos, conflitos e dificuldades, além da indicação desse tipo de intervenção em diversos contextos.
DISCUSSÃO
Os aprendizes se apropriaram do conceito de GO e descreverem o grupo segundo seus critérios. O GO é uma técnica conduzida por um processo de aprendizagem ocorrido nas interações uns com os outros, que, ao se expressarem e ouvirem o outro, têm a oportunidade de elaborarem suas próprias questões. O GO tem seu fator terapêutico conduzido pela aprendizagem6.
O grupo se constitui em operativo quando existem pessoas que compartilham o mesmo ambiente, com objetivos em comum e que trabalham coletivamente para alcançá-los, estabelecendo metas e estratégias, e centrando-se na realização de tarefa. Nesse contexto os participantes assumem e adjudicam papéis, permitindo a visão diversificada e o desempenho crítico diante das situações reais, bem como a construção coletiva de atitude (des)alienantes, isto é, em um mesmo ambiente, decisões são tomadas considerando as diversidades e em meio da disposição para o trabalho grupal. Essas são condições necessárias para a abordagem em GO, constituindo ambiente favorável para transformação do ensino-aprendizagem7.
Dentro dessa concepção de GO, identifica-se a figura do coordenador, que representa um integrante facilitador da aplicação de técnicas grupais. Este conduz o grupo e preocupa-se em manter uma atmosfera acolhedora e interativa a todos os participantes. Também se atenta às necessidades do grupo, como o desenrolar de papéis, e o acolhimento de ideias e reflexões, trazendo a discussão e a centralização de temas para uma investigação mais complexa10.
O coordenador, juntamente do observador, deve fazer uma análise clara e objetiva das questões listadas pelos constituintes do grupo10. O observador tem papel importante na avaliação das intervenções no grupo, a partir de sua atividade de registro e identificação do conjunto de interações no grupo. Sua função torna-se pouco ativa no setting grupal, contudo, apreende significativas impressões expressas pela alocução dos participantes, como sentimentos ocultos em falas, caracteres e comunicação não verbal. Esse rico material, produzido pela prática do observador, auxilia sobremaneira na análise do desempenho GO11.
Para tanto, observador e coordenador necessitam de entendimento de seu papel no grupo em uma abordagem prática-teórica11, no sentido de aplicá-lo como instrumento de ensino-aprendizagem que possibilite a reflexão de conceitos e conflitos pessoais. Esse momento permite ao indivíduo estabelecer um processo de mudanças para resoluções, encontrando seu próprio caminho, por meio das reflexões que surgem durante a participação no grupo. Esse aparato de respostas à aprendizagem fica claro ao se assimilar a construção de uma ponte de conhecimento estabelecido em um ambiente integrador e positivo, como a estratégia de sobreposição de papéis de componentes do grupo12.
Para tal compreensão, apreende-se "papel" tal qual a concepção de Jacob Levy Moreno: a conduta e o posicionamento da pessoa diante da sua rede de interações, considerando sua individualidade e o contexto grupal. Quando um papel é adjudicado, entende-se que este é o papel necessitado pelo grupo. Como, exemplo, naquele espaço, quem assumiu o papel de porta-voz foi o membro mais sensível à ansiedade grupal e atuante como um captador dos problemas subjacentes. São nesses movimentos de adjudicação e de assunção de papéis que o grupo se encaixa e se articula11.
Assim, o interjogo de papéis no grupo favorece a abordagem de contextos e conhecimento diversificados, promovendo a plasticidade das relações, e o sentido de coparticipação e autonomia no próprio processo de ensino aprendizagem e na condução das relações. Nesse espaço, o professor é mediador de reflexões e discussões, no desempenho de disseminador do saber e organizador do interjogo de papéis dos integrantes do grupo7.
Por vezes, o professor é o coordenador do grupo e, no âmbito da aprendizagem, um fenômeno imprescindível é a avaliação, que, considerando as diretrizes pichonianas, identificou-se, na análise dos dados, uma proximidade com a concepção da avaliação formativa. Esta se reporta como um método que auxilia no processo de ensino-aprendizagem, por meio dialógico professor-aprendiz, na construção de conhecimento, auxiliando na identificação de efeitos positivos ou negativos, e no empoderamento de ações reflexivas pelos alunos com levantamento de hipóteses13.
Para tanto, a avaliação formativa supera modelos normativos, ao designar meios que contrapõem esse efeito somático, alicerçando estratégia para melhoria de métodos de ensino-aprendizagem. De certa forma, o docente estimula o aprendiz a uma autoavaliação, e à busca de um saber que vai além do que está explícito em avaliações de ensino tradicional, instituindo métodos de verificação de aprendizagem diversificados, com intuito formativo, como portfólios, diários, relatos, entre outros13.
Dentre as atividades propostas para avaliação das técnicas e o caminho desempenhado no grupo, o diário (de bordo) compreende o relato de conceitos e valores não perceptíveis durante as atividades do grupo, sendo fonte de arquivo de dados evidenciados pelos integrantes durante o processo grupal, que permite aos integrantes expressarem quanto a anseios, necessidades, angústias, sentimentos ou dúvidas. Esse processo de ganho sobre as relações corrobora um acréscimo subjetivo e profissional10.
Nesse sentido, o GO busca o "aprender a pensar" nos moldes da resolução dos problemas originados e apresentados no espaço grupal, no "aqui-agora-comigo", e, nesse ambiente de trocas de experiências teórico-prática, possibilita uma inter-relação de aprendizagem11. Principalmente, nesse contexto, foi a comunicação em suas variadas formas e o fenômeno percebido entre os participantes da pesquisa que determinaram a expressão de ideias e o treinamento da escuta, o que denominaram como "ouvir".
O fato de terem apreendido a "ouvir", para os alunos, não foi relativo à capacidade fisiológica auditiva, mas sim no sentido de saber ouvir como escuta. O escutar se torna algo mais complexo e profundo. Do ponto de vista grupal, a escuta é uma desencadeadora de análise, pois se refere a um contexto oculto e abstrato6.
O coordenador, como peça-chave para a análise, torna-se um apurador de fatos e escuta, proporcionando uma abordagem em relação aos conflitos e interjeições explícitos no grupo, que norteiam discussões e controvérsia. O desenvolver de técnicas de escuta, dentro do grupo, permite uma instrumentalização eficaz para a resolução de questões pertinentes aos integrantes, que assumem seus papéis posicionando-se de maneira ativa dentro do contexto2,6.
Logo, a comunicação entre os constituintes do grupo permite a expressão de múltiplos conceitos, sentimentos e identificações salutares, caracterizados como distribuidores e desencadeadores de crescimento e do desenvolvimento, por meio da técnica grupal. A identificação pessoal transforma o processo em dinâmico e aplicado, correlacionando-o com a identificação projetiva, que é um ponto de referência da formação da empatia no grupo. Esses métodos estão arraigados ao desenvolvimento pessoal, à integração entre participantes e às identificações de anseios que se reportam à avaliação do método adotado14.
O enfrentamento de discussões e conflitos no grupo é algo inerente ao processo grupal, tanto nos níveis organizacionais, em grupo de indivíduos proativos ou institucionais15. Os aprendizes, ao passarem por várias mudanças durante sua adequação à rotina da instituição, vivenciaram diversificadas relações, como anseios profissionais que expõem o indivíduo a situação de angústia e ansiedade. Esse processo causa uma sobrecarga emocional e afetiva. De acordo com esse contexto alarmante, graduandos necessitam de um espaço de encontro e reflexão e, o grupo proporciona esta vivência na díade, relação de conflito e elaboração de enfrentamento16.
A dialética entre o movimento no grupo possibilitou a amplificação de recursos dos alunos, em virtude da construção de relações entre a história vertical (de cada um dos participantes) e história horizontal (de todos, interagindo) do grupo11, criando a possibilidade da abordagem do diferente/contraditório e da totalidade das situações e, consequentemente, dos conflitos. Com efeito, perceberam-se o crescimento grupal e o envolvimento social. Todo esse processo foi identificado e somado a experiência pessoal do discente.
A técnica de GO objetiva promoção do crescimento e desenvolvimento dos participantes, propondo metas comuns de ganhos e contribuindo com ações nas diversas experiências vivenciadas por cada indivíduo. Logo, há um enriquecimento de papéis e da aprendizagem, e o conhecimento se torna amplo. Como empregado no modo de aprendizagem nas áreas da saúde, o enfermeiro, como um cuidador, necessita de uma visão integralizada das possíveis experiências, atuando como integrante primordial no desempenho e na dissolução de ideias e contribuições pertinentes ao grupo. Nesse contexto, o enfermeiro carece de uma abordagem reflexiva de formas de cuidado e implementações de técnicas, que visem a uma melhor adesão e a resultados do cuidado17.
Por certo, o trabalho em grupo é legitimado por necessidade de diversas áreas científicas, em que técnicas grupais de aprendizagem se constituem em um instrumento primordial e eficaz a se empregarem no meio social18. Isso intensifica os processos de adesão e de resolutividade de conflitos, bem como as estratégias de identificação pessoal, em consonância com a atuação coletiva e solidária. O desempenho das atividades demanda indivíduos proativos, na produção de um amplo e transformador espaço de aprendizagem pelo contato com o outro18.
Ante o exposto, a indicação dos alunos para aplicação do GO na vida, entre os familiares, na formação e atuação profissional sugere uma necessidade de mudar a qualidade das relações atuais, em busca de se ampliar a visão do outro e de superar o individualismo.
Em conformidade, o GO tornou-se um alicerce a enfoques e abordagens na atuação multidisciplinar, como apoio oferecido ao aluno de psicologia no decorrer de sua formação12, na aplicação de técnicas de pesquisas que tiveram em essência a abordagem ampla do objeto de estudo3, em equipes multiprofissionais de saúde de Estratégias Saúde da Família4, além de experiências em grupo terapêuticos[b] aos pacientes portadores de diabetes e hipertensão5. O GO se denota como uma prática existente na área da saúde, principalmente, na área de atuação da enfermagem, que ostenta meios de emprego no campo social de técnicas de GO7.
Assim, são indispensáveis o oferecimento e a formulação de técnicas, que vão além de simples jogos de informações e significativos teóricos. O profissional enfermeiro possui na bagagem teórica, com métodos de ensino-aprendizagem que podem ser diversificados, transformando-se em um meio de integração entre conceitos de forma mais significativa e em métodos mais participativos e integrativos, como as técnicas grupais5.
Além da capacidade de aprender e mudar as relações de aluno e sujeito protagonista em uma dada realidade, os discentes também se autoavaliaram e apontaram as fragilidades com encaminhamentos às soluções. Esse modelo de ensino, fundamentado na teoria de GO, inova em uma realidade que habilita o aprendiz à coparticipação do processo.
Tem-se evidenciado que o ensino brasileiro teme inovações na forma de ensino-aprendizagem, necessitando abarcar a renovação do aprendizado em cursos de formação de profissionais. Desse modo, deve haver preocupação com o conteúdo e, também, com meio de articular no aluno seus recursos psíquicos, fisiológicos e sociais, em função da criatividade, com vista ao aperfeiçoamento de indivíduos pragmáticos8. As apresentações de mobilizações relatadas pelos participantes da disciplina inferem que o GO promoveu a articulação de habilidades cognitivas, biológicas e sociais dos participantes do grupo, representando um aprendizado significativo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência de participar de uma disciplina de grupos na modalidade de GO possibilitou aos alunos um conhecimento além da aprendizagem de uma tecnologia. Por certo, identificaram-se outras dimensões, como a cognitiva (obter capacidade para construir argumentações, enfrentar situações-problema, elaborar propostas, indicações e projetos); a pessoal (refletir sobre si mesmo e as relações familiares); dimensão técnica (apreender conceitos e leitura do contexto e aprendizado, em relação a movimentos grupais); a social (mudança no posicionamento diante do outro, construção de relações solidárias e tomada de condutas coletiva); e a política (assunção de papéis sociais mais efetivos, construção de processos interventivos na própria vida e diante da responsabilidade da vida de quem iria cuidar em um futuro próximo).
A técnica de GO permitiu o despertar do aprendiz para futuras relações, que tendem a ser mantidas sólidas para com o outro e, em função do trabalho coletivo, a percepção da relevância da comunicação entre componentes grupais, a sensibilidade para as diferenças, a escuta e o acolhimento das dificuldades foram favorecidos. Observou-se que o grupo se constituiu com um vínculo forte com o trabalho e aplicável nas diversas áreas de abrangência, sobretudo em relação aos benefícios que ele pode proporcionar a uma determinada população, equipe, organização ou indivíduo específico.
Em relação aos resultados obtidos, verificou-se a importância da prática de GO em saúde como construtora de uma formação em enfermagem, no sentido de representar uma ferramenta de intervenção e cuidado, tanto da saúde das pessoas quanto do próprio aprendiz.
O ensino de GO deve ser tomado como garantia para construção de uma nova formação de enfermeiros adicionados como formadores de apreciações, fomentos críticos e reflexivos de atuação, denotando sua importância ao emprego nas práticas de saúde, que deve convir como uma formação integralizada e diversificada, e não somente com um olhar limitado a um sistema. O GO permitiu a abordagem e a apreciação de um contexto real, com base nas experiências vivenciadas.
No entanto, entendem-se as limitações desta pesquisa, que se desenvolveu em um meio de transformações específicas de construção de um PPC e em uma realidade desafiada pela necessidade de inovar, o que pode agregar uma dose a mais de anseio ao processo ensino-aprendizagem. Indica-se a realização de estudos em outros contextos, para o aprimoramento das práticas de ensino de estratégias de grupo na formação do enfermeiro.
REFERÊNCIAS
[a] Conjunto de saberes teóricos e práticos aplicados em uma situação real. No caso deste estudo, em uma situação real no âmbito da formação do enfermeiro e na atenção à saúde das pessoas.
[b] Na concepção pichoniana, o grupo terapêutico é aquele que possibilita a desconstrução de mal-entendidos quanto à percepção e à internalização da realidade. Esse processo se dá pela aprendizagem mútua nas relações grupais, tendo como meio essencial a comunicação11.