ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 19, Número 1, Jan/Mar - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150015

PESQUISA

Transtorno mental na infância: configurações familiares e suas relações sociais

Jéssica Batistela Vicente 1
Ieda Harumi Higarashi 1
Maria Cândida de Carvalho Furtado 2


1 Universidade Estadual de Maringá. Maringá - PR, Brasil
2 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto - SP, Brasil

Recebido em 05/02/2014
Aprovado em 28/08/2014

Autor correspondente:
Jéssica Batistela Vicente
E-mail: jessicabatistela@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Este estudo teve como objetivo conhecer a rede social e o apoio social na perspectiva da família de criança com transtorno mental.
MÉTODOS: Foi uma pesquisa descritiva-exploratória de abordagem qualitativa, com 14 familiares de crianças com transtornos mentais atendidas no CAPS-i de Maringá - PR. A coleta de dados aconteceu de janeiro a abril de 2013, por meio de entrevistas semiestruturadas e construção de genogramas e ecomapas das famílias.
RESULTADOS: Os dados foram analisados a partir da Análise de Conteúdo, modalidade temática, originando duas categorias: "Rede e apoio social: auxiliando a convivência da família com a criança com transtorno mental" e "Configuração familiar: delineando vínculos".
CONCLUSÃO: A rede de apoio e o apoio social são elementos necessários para o enfrentamento das dificuldades advindas da doença mental, cabendo ao enfermeiro conhecer essas fontes de apoio e os tipos de vínculos existentes para prestar um cuidado centrado na família.


Palavras-chave: Saúde mental; Saúde da criança; Família; Apoio social.

INTRODUÇÃO

Estima-se que, dentre a população infanto-juvenil, 10% a 20% sofram de transtornos mentais e desse total, 3% a 4% precisem de tratamento integral em saúde mental1.

No Brasil, é recente o reconhecimento pelas instâncias governamentais de que a saúde mental de crianças é uma questão de saúde pública, tendo em vista que, historicamente, as ações relacionadas a esta temática foram delegadas aos setores educacionais e de assistência social.

No que tange aos impactos individuais dessa problemática, sabe-se que a instalação de uma condição crônica na infância, interfere no funcionamento do corpo da criança em longo prazo, limita as atividades diárias, prejudica o crescimento e desenvolvimento e afeta diretamente o cotidiano de todos os membros da família, que necessitam de assistência dos profissionais de saúde2.

Nesses contextos, é comum que as famílias passem a se sentir responsáveis por amenizar os efeitos da doença, buscando promover o desenvolvimento e crescimento satisfatórios da criança. Essas famílias precisam, assim, aprender a conviver com a doença, enfrentando as dificuldades e adaptando-se a nova situação, a fim de manter o equilíbrio no seio familiar3.

A doença mental, particularmente, abala de forma incontestável a estrutura familiar, pois mesmo após a reforma psiquiátrica persiste por parte da sociedade em geral, uma postura permeada de estigma e preconceito relacionado ao adoecimento psíquico4. A família enfrenta dificuldades para ajudar a criança, dentre elas: investimento de tempo; dependência econômica, privação das necessidades de outros membros da família, falta de atividades sociais e diminuição das relações com o mundo exterior4.

Ademais, o familiar que convive mais diretamente com a criança com transtorno mental se priva de sua própria vida, no sentido de prestar um cuidado adequado, desgastando-se e sofrendo sobrecarga física e emocional. Este cuidador familiar passa então a lidar, diariamente, com comportamentos imprevisíveis da criança, o que abate as expectativas sociais e gera incertezas e dificuldades no grupo familiar e na sociedade4.

Cuidar de uma criança com doença crônica é algo complexo e doloroso, uma vez que surgem muitas dúvidas, angústias e medos nesse cotidiano, demandando uma série de necessidades de apoio, sejam financeiras, emocionais, de informações, afetivas ou de intercâmbio social. Para prover essa demanda, torna-se essencial, nesses contextos a construção de redes sociais e a oferta de apoio social3.

A rede social refere-se à dimensão estrutural ou institucional, ligada a um indivíduo. O apoio social encontra-se na dimensão pessoal, sendo constituído por membros desta rede social, efetivamente importantes para as famílias. Rede social é uma teia de relações que liga os diversos indivíduos que possuem vínculos sociais, propiciando que os recursos de apoio fluam através desses vínculos5:325.

A rede social tem o objetivo de fornecer melhores condições de vida à população, esta abrange relações interpessoais, familiares, escolares, sistemas de saúde e setores que ofertem suporte e amparo. Essas redes se articulam e viabilizam troca de experiências e de conhecimento, visando à melhoria das condições sociais, econômicas, culturais e de saúde6.

Um estudo realizado com família de criança em condição crônica apontou que a rede social contribui para o enfrentamento das adversidades e favorece a adaptação, refletindo, positivamente, no equilíbrio familiar e na qualidade de vida dos membros da família3.

No que se refere à atenção em saúde mental, atualmente, se enfatiza o tratamento da pessoa com transtorno mental no seio familiar, em serviços de base comunitária. Nessa perspectiva e com a reforma psiquiátrica, a família passa a ser considerada uma aliada essencial no processo terapêutico, de modo a contribuir com a reabilitação de seu ente7.

Considerando a importância dessa parceria, ao identificar as redes sociais de apoio, o enfermeiro aumenta seus recursos para elaborar um plano de cuidado que englobe as necessidades das famílias e da pessoa com transtorno mental, contemplando a proposta do modelo de atenção psicossocial para a saúde mental7.

Tendo em vista a escassez de estudos abordando a rede de apoio de famílias de crianças com transtorno mental e a prática de enfermagem nestes contextos é que emergiu o interesse e necessidade de desenvolvimento desta pesquisa, que se aporta no referencial teórico de Wright e Leahey8, de avaliação e intervenções com famílias.

Em última instância, o estudo se justifica no intuito de oferecer subsídios que possam contribuir para a atuação dos enfermeiros nestes cenários assistenciais, considerando sempre a perspectiva do envolvimento familiar.

Destaca-se a necessidade de que o enfermeiro e os demais profissionais de saúde conheçam a rede social e o apoio social das famílias às quais prestam assistência, já que estes se constituem aliados imprescindíveis no cuidado. Face ao exposto, o presente estudo tem como objetivo conhecer a rede social e o apoio social na perspectiva de famílias de crianças com transtorno mental.

MÉTODO

Estudo descritivo de abordagem qualitativa que se constitui em parte de um projeto de pesquisa de dissertação de mestrado, cujo objetivo geral foi o de compreender as vivências familiares na presença do transtorno mental na infância. A pesquisa de campo foi realizada com famílias de crianças em atendimento no Centro de Atenção Psicossocial para Infância e Adolescência (CAPS-i) de Maringá - PR.

Para seleção dos entrevistados, adotou-se como critério de seleção: residir no município de estudo, ser familiar e cuidador preferencial da criança atendida pelo CAPS-i, cujo diagnóstico ou acompanhamento venha sendo realizado há mais de um ano, tendo em vista que o diagnóstico ou início de acompanhamento recente poderia interferir no alcance do objetivo de estudo. Utilizou-se a definição de infância estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que considera a mesma até 12 anos de idade9.

A pesquisa de campo foi realizada em dois momentos, no primeiro a pesquisadora participou dos grupos terapêuticos no CAPS-i na condição de ouvinte, com autorização prévia do serviço e dos participantes desses grupos, a fim de conhecer as famílias e estabelecer vínculos. Os participantes da pesquisa foram indicados pela equipe de saúde, que intermediou o primeiro contato com os mesmos. Em momento oportuno, os sujeitos foram então esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa e convidados a participarem da mesma. Mediante os aceites, foram então agendadas as visitas domiciliares para realização das entrevistas, compondo o segundo momento da coleta de dados.

O domicílio foi eleito como local da pesquisa, por acreditar que neste ambiente a família se sentiria mais à vontade para contar sua história. Participaram deste estudo 11 famílias, totalizando 14 entrevistados, pois não se havia estabelecido qualquer impedimento para a participação de mais de um colaborador por família.

Os dados foram coletados no período de janeiro a abril de 2013, por meio de entrevistas abertas. As entrevistas tiveram duração média de 40 minutos, por meio da utilização de um instrumento de coleta composto de duas partes: a primeira destinada à caracterização dos entrevistados e ao registro de dados relativos à criança com transtorno mental. A segunda parte voltada a abordar a temática central do estudo, continha a seguinte questão norteadora: Fale-nos sobre a doença de seu familiar (nome da criança), desde o diagnóstico/inicio do acompanhamento até hoje. A partir dessa questão mais ampla foram inseridas no decorrer dos relatos, questões de amparo que estimulassem o entrevistado a verbalizar suas vivências com maior riqueza de detalhes, sempre observando os cuidados necessários para não interferir nas respostas. Dentre os tópicos abordados pelo roteio de amparo referentes à temática, suporte social cita-se: mudanças ocorridas na convivência familiar após o diagnóstico/inicio do acompanhamento, relacionamento da criança/entrevistado com a família extensa, escola, amigos, unidade de saúde, igreja, trabalho.

As entrevistas foram gravadas e complementadas pela utilização de um Diário de Campo, a fim de registrar observações do pesquisador referentes a aspectos não captados na gravação, tais como a linguagem não verbal, gestual, expressões faciais, entre outros.

Ao final de cada entrevista ocorreu a construção manual do Genograma e do Ecomapa, suas finalidades e o significado de cada símbolo foram explicados, para que os entrevistados pudessem corrigir possíveis erros. (Figura 1)

Figura 1. Símbolos utilizados para a construção dos genogramas e ecomapas, 2013.

Esses instrumentos são muito úteis para delinear a estrutura interna e externa da família, são de utilização simples, uma vez que é necessário apenas papel e caneta. "O genograma é um diagrama do grupo familiar. O ecomapa, por outro lado, é um diagrama do contato da família com os outros indivíduos fora da família imediata. Representa os vínculos importantes entre a família e o mundo"8:77. Esses instrumentos são dispositivos que permitem realizar avaliação, planejamento e intervenção com a família e também ilustram os relacionamentos e vínculos entre os indivíduos8.

Para análise dos dados referentes à caracterização da amostra utilizou-se a estatística descritiva. Os dados provenientes dos genogramas e ecomapas foram analisados descritivamente, enquanto os depoimentos foram submetidos à análise de conteúdo, na modalidade temática. As entrevistas foram transcritas na íntegra para a análise, que ocorreu em três fases: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos dados10.

Na pré-análise estabeleceu-se o contato inicial com os documentos que seriam analisados, permitindo o surgimento de impressões que orientaram a seleção dos segmentos mais significativos, a formulação de hipóteses e a elaboração de indicadores que fundamentaram a interpretação final. Na fase de exploração do material foram encontrados grupamentos e associações que responderam aos objetivos do estudo, originando, assim, as categorias. Já na fase de tratamento dos resultados, foram realizadas as inferências e a interpretação dos resultados encontrados10.

O desenvolvimento do estudo obedeceu às diretrizes disciplinadas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Para tanto, obteve-se aprovação da Secretária de Saúde de Maringá e do Comitê Permanente de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos, da Universidade Estadual de Maringá (Parecer nº 162.598/2012). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias e, para garantir-lhes o anonimato, os nomes dos entrevistados foram substituídos por nomes de flores, em alusão à delicadeza e à beleza das histórias relatadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram do estudo 11 famílias, totalizando 14 entrevistados, tendo em vista que em três das famílias participantes, houve a contribuição de dois indivíduos. Dos participantes, dez eram mães de crianças com transtorno mental, três avós e um pai. As idades dos entrevistados variaram de 25 a 74 anos (média de 39 anos). Seis entrevistados eram casados, seis divorciados e dois viúvos.

Com relação ao grau de escolaridade, quatro entrevistados cursaram o Ensino Médio completo, dois tinham Ensino Médio incompleto, um cursou o Ensino Fundamental completo e seis não integralizaram o Ensino Fundamental. Apenas um entrevistado não era alfabetizado.

A renda mensal das famílias variou de R$300,00 até R$3.000,00 (média de R$1.255,00), sendo que uma das famílias não possuía renda, contando apenas com a ajuda família extensa paterna (avô, avó e tios). Em oito famílias, apenas uma pessoa contribui com a renda; e nas demais, havia dois contribuintes. Seis entrevistados deixaram o emprego para se dedicar exclusivamente ao cuidado com a criança.

Com relação à profissão, foram citadas: do lar (4), costureira (1), diarista (3), pensionista (2), zeladora (1), auxiliar administrativa (1), salgadeira (1), autônomo (1).

As famílias apresentavam de um a quatro filhos (média de três filhos), sendo que a idade das crianças em atendimento no CAPS-i variou de 5 a 12 anos (com média de 8 anos). O tempo de tratamento/ acompanhamento variou de um a quatro anos (média de 1 ano e 7 meses), e apenas três, dessas crianças, apresentavam o diagnóstico médico definitivo (Hiperatividade, Déficit de Atenção, Transtorno Bipolar). Destaca-se o fato de em oito das famílias participantes do estudo, haver histórico familiar de transtorno mental.

Há grande dificuldade em fechar um diagnóstico de transtorno mental infantil, o que se deve à limitação dos sistemas classificatórios atuais em psiquiatria infantil, que não abarcam a complexidade de quadros clínicos observados na prática clínica11. A prevalência de transtorno mental em crianças tem aumentado, porém persiste a dificuldade no diagnóstico advinda da forma como esses indivíduos são abordados e julgados pelas pessoas que os circundam4.

No que se refere à abordagem da temática do estudo, segundo os passos da Análise de Conteúdo, modalidade temática10 emergiram duas categorias: "Rede e apoio social: auxiliando a convivência da família com a criança com transtorno mental" e "Configuração familiar: delineando vínculos".

Rede e apoio social: auxiliando a convivência da família com a criança com transtorno mental

Conviver com uma criança com transtorno mental exige da família um esforço no sentido de se adaptar à nova situação, permeada por inúmeros sentimentos e necessidades relativas ao cotidiano de cuidado. Tal condição impulsiona essas famílias a buscarem apoio em sua rede social, para o enfrentamento das dificuldades e das novas demandas que a doença mental impõe às suas vidas.

As famílias apontaram o CAPS-i e a igreja como constituintes de suas redes sociais. Estas objetivam preencher a necessidade que os indivíduos têm de se relacionar, envolvendo aspectos físicos e afetivos e, proporcionando o sentimento de conforto por pertencer a um grupo, bem como de ser amado, elevando a autoestima7.

As instituições religiosas foram citadas como um elemento importante da rede social, contribuindo sobremaneira para o enfrentamento das dificuldades, conforme apontam os depoimentos:

Mas assim, eu só tenho apoio de Deus. De Deus, do meu marido e da minha força de vontade de lutar por ele, porque nessa caminhada desses aninhos dele, eu encontrei muitas portas fechadas. Então, foi com muita oração, me apegando muito com Deus e pedindo a Deus que abrisse as portas, pra que eu pudesse cuidar dele e da melhor forma possível, né?! [...] (Margarida, mãe).

[...] Tem o apoio da igreja, então tem todo um suporte, graças a Deus tem todo um suporte. (Girassol, mãe).

Nossa! Tem horas que eu deito na cama para dormir e agradeço muito a Deus... Eu falo: Nossa, Senhor, muito obrigada por eu conseguir chegar até aqui [...] (Tulipa, mãe).

Eu vou na igreja católica, eu ia pedir pros padres conversarem, eu ia no evangélico... Então, eu acho que é por isso que eu tenho essa cabeça mais aberta. Eu ia escutar, ia pedir apoio, sempre pedi apoio de Deus. (Dália, avó).

As famílias, ao vivenciarem a doença crônica, enfrentam grande sofrimento e sentem-se desamparadas diante das dificuldades do cotidiano, buscando em Deus e na sua espiritualidade o amparo necessário para se reerguerem a cada dia, encontrando forças para prosseguirem em sua luta. Fica evidente nos depoimentos que a religiosidade representa uma fonte de esperança para essas famílias, dando vazão a toda a dor e angústia que marcam seu cotidiano e aliviando os medos advindos da doença.

Estudo a respeito da temática revela que as famílias acreditam ser Deus a fonte de cura, o que faz com que as mesmas busquem nestas forças espirituais os sentimentos de conforto para enfrentar tais situações12. As autoras ressaltam ainda que conhecimento científico não se faz a única fonte de explicação que justifique o que vivenciam com a criança. Frente a isto, os familiares procuram novos modos e modelos de apoio como a espiritualidade12.

A prática religiosa permite que os indivíduos formem vínculos de amizade, construindo uma cadeia de ajuda mútua. O apoio social recebido nesse contexto não representa por si só, a solução dos problemas, mas é de grande ajuda, amenizando a dor e o sofrimento, e promovendo o desenvolvimento de habilidades para lidar e entender a doença7.

O CAPS-i foi destacado como elemento importante da rede social de todas as famílias e os profissionais, deste serviço, citado como fonte de apoio social. As famílias evidenciaram que as informações, esclarecimentos, grupos terapêuticos oferecidos pelo serviço em questão auxiliaram para o entendimento, enfrentamento e aceitação da doença mental, facilitando a convivência com a criança e ajudando no equilíbrio da dinâmica familiar.

Eu tenho apoio, mas antes eu não tinha não, era só paulada... agora a gente tem um apoio do CAPS-i para estar conversando, estar entendendo o que é e o que não é. (Girassol, mãe).

O CAPS na verdade ajudou bastante. Eu estava procurando um lugar para ele fazer um contra turno, e eu sempre converso com a assistente social a respeito de tudo. Qualquer dificuldade que tem, que precise de alguma coisa para ele, eu sempre converso e ela dá uma orientação, telefone para ligar... aí, ela liga de lá, sempre ajuda (Crisântemo, mãe).

E daí, a gente vai perdendo a paciência... E lá (CAPS-i) eles ensinam, a gente aprende muita coisa! Igual... eu bato, eu não tenho paciência, eu falo para todo mundo que eu bato, e eles falam que é violência. E como eu bato, ele vai colocando na cabeça que se a vó bate, ele também pode bater. E, então a gente, eu só não sei explicar direitinho o que eu entendo lá (CAPS-i), mas aprende muito coisa: de como lidar, como no caso dele, que ele é muito estressado, ele agride bastante a gente, tanto a gente como as crianças, então a gente aprende bastante [...] e nossa! Eles falam muita coisa com a gente, que a gente consegue se acalmar muito com elas, é muito bom. A família precisa de apoio, porque só a gente assim, a gente não sabe lidar [...]. (Iris, avó).

Os Centros de Atenção Psicossocial priorizam os saberes e forças da família e da comunidade e os profissionais que ali atuam necessitam de habilidades para trabalhar em equipe, junto à família e à comunidade, aprendendo a ouvir e entender as necessidades de cada indivíduo e família13.

Outra fonte de apoio social destacada pelos entrevistados foi representada pelos membros da família extensa, percebidos como aliados importantes dos cuidadores principais, não só pela contribuição financeira prestada por estes familiares, como também pelo suporte emocional oferecido. Ademais, o auxílio destas pessoas no cuidado diário com a criança, contribui em muito para minimizar a sobrecarga física e emocional do cuidador.

Para essas famílias, a família extensa representou a maior e mais constante fonte de apoio no enfrentamento desse tipo de agravo à saúde, o que corrobora com os achados de outros estudos3,7,14,15. Quando a criança é acometida por uma doença, a família exerce uma função de fornecer recursos físicos e emocionais, formando um sistema de apoio para manter a saúde no momento de dificuldade14.

Minha família dá a maior força para a gente, né? Negocio de aluguel, água, luz... eles ajudam a gente bastante! Agora estamos contando com a ajuda deles e pegamos cesta básica da igreja também, porque é o único jeito! Eu não tenho como trabalhar. (Cravo, pai).

Eu tenho minha tia que me apoia, na ausência da minha mãe (falecida). Ela me ajuda bastante, quando tem que ir no CAPS, buscar as crianças na escola, na creche... Aí ela vai e me dá uma mão. Tem vezes que eu preciso de alguma coisa, aí ela vem aqui e me ajuda. (Tulipa, mãe).

Paradoxalmente aos relatos apresentados, outras famílias referiram não ter encontrado o apoio esperado por parte dos membros da família extensa, o que as levou ao sentimento de desamparo. Percebeu-se nos depoimentos, e nas expressões faciais registradas por meio do diário de campo, a tristeza e frustação diante do afastamento da família extensa. É possível inferir que a falta de amparo por parte dos demais membros da família fragiliza o cuidador principal, cuja expectativa se pautava na ideia de que os laços consanguíneos fossem sinônimos de amor e união.

Só eu que cuido dele... Eu tenho minha mãe e meus irmãos aqui em Maringá, mas ninguém ajuda! E a família do meu esposo mora aqui perto, mas não tem muito contato. (Azálea, mãe).

Eu sempre tive essa dificuldade, porque minha mãe, ela tá sempre distante! Meus parentes praticamente só servem pra criticar [...] Isso começa dentro de casa: a maneira de agir, a maneira de pensar e falar... Até de um pai ou uma mãe falar pra um filho, ou um parente falar com a pessoa que tem esse tipo de problema, dar uma palavra amiga... A gente ganha o céu, é a coisa mais gostosa. Porque eu, muitas vezes, eu na minha caminhada, eu só queria uma palavra, que eu tive que buscar sozinha, enfrentar sozinha. Buscar em Deus, em pessoas, que eu nunca vi na minha vida, e que eu encontrei muito amor, muito apoio. Mas quando a gente tá com um problema, a gente quer isso da família, do pai, da mãe, ou de uma sogra, de um tio [...] minha família se distanciou, é uma família desunida, cada um pensa em si, não pensa no próximo, em ajudar. (Margarida, mãe).

Eu não tenho ninguém que me ajuda, é só eu mesmo [...] o pai dele mora com outra família... é aonde eu não procuro muito o pai dele para isso! E o pai dele também não sabe mexer com problema dele. (Hortênsia, mãe).

A doença na infância pode fragilizar vínculos familiares e desestabilizar a família, mesmo com o grau de consanguinidade, os vínculos não se estabelecem de forma homogênea, pois a capacidade de lidar com a doença é diferente para cada indivíduo14.

O suporte da rede e do apoio social é fundamental para a família no enfrentamento das dificuldades advindas da convivência com a criança com transtorno mental. Nessa perspectiva, estudos afirmam que conhecer a "rede social e o apoio social disponível pode contribuir para o cuidado à família, pois se constitui em possibilidades de ampliar estratégias para aliviar tensões e compartilhar responsabilidades, sendo o apoio social um elemento forte no auxílio à família na resolução das dificuldades"15:17.

Configuração familiar: delineando vínculos

A presença de uma criança com doença crônica no seio familiar pode acarretar uma série de mudanças na rotina da família. Dentre essas alterações, pode ocorrer tanto o fortalecimento, quanto a fragilização dos vínculos entre familiares, amigos, vizinhança, serviços de saúde, igreja; redundando em algumas situações, numa mudança da própria configuração dessas famílias.

Por meio da construção de Genogramas e Ecomapas, foi possível identificar que as famílias apresentavam uma estrutura e dinâmica global variada: cinco eram do tipo nuclear (constituída por uma união entre adultos e filhos), uma era monoparental (constituída pela mãe e duas filhas), cinco eram do tipo extensa (aquela que se estende além da unidade formada pelos pais e filhos, incluindo ainda parentes próximos).

Na Figura 2, são apresentados os relacionamentos familiares na perspectiva dos cuidadores Lírio, Tulipa, Amarílis e Orquídea evidenciando os três tipos de configuração familiar (família nuclear, monoparental e do tipo extensa) encontrados no estudo, e suas respectivas redes de apoio. Na construção do Genograma, procedeu-se a elaboração de linhas de relacionamento a partir da geração familiar do sujeito índice (colaborador).

Figura 2. Genogramas e Ecomapas das famílias de Lírio, Tulipa, Amarílis e Orquídea.

Por intermédio dos Genogramas e dos Ecomapas foi possível verificar os vínculos e relações dos núcleos familiares com a família extensa e as demais redes de apoio. Percebeu-se que alguns vínculos se fortaleceram com a descoberta da doença da criança. Nesses casos, a família fortaleceu sua união, no sentido de procurar enfrentar os desafios e mudanças no cotidiano, buscando uma maneira de se adaptar. Observou- se, ainda, o apoio dos demais filhos, auxiliando no cuidado da criança com transtorno mental e no acompanhamento da mesma, durante as atividades junto ao CAPS-i.

Em relação aos vínculos com a família extensa paterna (do total de entrevistados), um cuidador relatou a presença de vínculo, um referiu à existência de relações fortes, cinco mencionaram a presença de relações superficiais e quatro alegaram a existência de relações conflituosas. Em relação à família extensa materna, sete cuidadores referiram se relacionarem com esses familiares, três relataram ter vínculos fortes e um relatou ter vínculo superficial. Três cuidadores atribuíram os vínculos superficiais ao processo de separação/divórcio ou motivados pelo distanciamento geográfico, dois disseram ter vínculos estressantes em função de conflitos familiares previamente existentes e, anteriores ao aparecimento da doença; e dois citaram que os vínculos estressantes são consequência da não compreensão e aceitação da doença mental da criança pela família extensa. Apenas uma família relatou a substituição de vínculos, antes superficiais, por vínculos fortes em relação à família extensa materna e paterna, motivada pela descoberta da presença do transtorno mental no seio familiar.

Ao vivenciar a doença, a família se aproxima e se mobiliza para manter seu funcionamento e cria uma nova estrutura para se adaptar à realidade14. É de suma importância que o enfermeiro observe a estrutura familiar e os vínculos entre os membros, e realize um trabalho para construir e fortalecer esses vínculos, que são essenciais para manter o equilíbrio e a saúde da família.

Os familiares entrevistados referiram, ainda, a existência de vínculos com vizinhos (6) e com amigos (4). A fragilidade das relações para além de seu núcleo familiar, conforme evidenciada no estudo foi atribuída pelos cuidadores, à demanda de dedicação exclusiva ao cuidado com a criança e, a uma rotina árdua de tarefas relacionadas a este cuidar, incluindo as idas ao CAPS-i. Em virtude de todas as famílias do estudo residirem em bairros afastados deste serviço, foram relatadas também dificuldades relacionadas ao deslocamento até o CAPS-i, em função das mesmas utilizarem-se, exclusivamente, do transporte público para chegarem ao local. Deste modo, era comum ocorrerem atrasos para as consultas, o que por sua vez gerava atrasos no cumprimento de outros compromissos, impactando no tempo disponível destes familiares para se dedicarem a momentos de lazer e distração com vizinhos ou amigos.

A fragilidade de vínculos com amigos e vizinhos é prejudicial para a saúde do cuidador, que se doa exclusivamente ao cuidado com a criança, ao mesmo tempo em que deixa de olhar para si, para suas necessidades de socialização, de lazer, de distração. Assim, embora os familiares sejam a principal fonte de apoio destes cuidadores, os amigos exercem também um papel primordial, principalmente, no suporte oferecido durante os momentos difíceis14.

A maioria dos entrevistados (10) relatou manter forte vínculo com o CAPS-i, o que foi evidenciado durante diversos momentos ao longo das entrevistas, destacando em especial o papel do serviço, na oferta de apoio e informação, gerando nos cuidadores, sentimentos de gratidão e reconhecimento.

A avaliação positiva desses usuários em relação ao serviço prestado pelo CAPS-i ratifica a importância do mesmo no cenário da atenção à doença mental infantil/juvenil, ao mesmo tempo em que chancela o cumprimento de seu objetivo que é o de "além de atender crianças e adolescentes com transtornos mentais, dar suporte psicológico aos familiares"16.

O autor ressalta que para cuidar e conviver com uma criança com doença crônica, a família precisa adquirir habilidades, conhecer a doença e, quando as informações são fornecidas de maneira superficial ou técnica, esse processo é dificultoso17. Nesse sentido, é fundamental que os profissionais de saúde entendam a importância de prestar um cuidado centrado na família, oferecendo orientações, esclarecimentos sobre a patologia, e ajudando a família a desenvolver estratégias de adaptação à nova realidade.

Com relação à religião, três famílias referiram vínculo superficial, quatro informaram possuir vínculo e quatro referenciaram vínculo forte. Tais achados corroboram os resultados de outros estudos, que apontam a religião e a igreja como forte elemento na rede de apoio social das famílias7,12,14. A doença crônica modifica a dinâmica familiar, fortalece e/ou fragiliza vínculos e traz sofrimento para a família como um todo, fazendo com que a mesma necessite de cuidado. Nesse contexto, cabe à enfermagem adentrar à realidade assistencial que se descortina e se sensibilizar diante dela, prestando um cuidado que tenha como foco a família. "Sob esse enfoque, a atenção à saúde da família não se deve limitar aos conhecimentos técnicos e científicos, uma vez que o cuidado da criança e de sua família dentro de um contexto sistêmico exige uma ação abrangente, única e especial"18:526.

CONCLUSÃO

O presente estudo evidenciou a importância da rede de apoio e do apoio social para as famílias que convivem com a criança com transtorno mental. O transtorno mental faz emergir uma série de conflitos no seio familiar, pelas mudanças impostas pela doença e, neste contexto tão adverso, a família necessita de fontes de apoio para conseguir restabelecer o equilíbrio e não adoecer.

No presente estudo e, considerando o cenário da família frente à doença mental infantil, a rede social foi entendida como o conjunto de serviços, instituições formais e informais, com os quais a família tinha algum tipo de vínculo; e o apoio social foi compreendido em termos das pessoas ou elementos da sociedade, significativos e importantes no processo de enfrentamento da família. Emergiram como redes sociais de apoio o CAPS-i e a igreja; e como fontes de apoio social os membros da família extensa.

Os vínculos com amigos e vizinhos foram considerados superficiais ou inexistentes, o que mostra a fragilidade das relações dessas famílias, com elementos ou pessoas externas a ela. Tal postura foi atribuída pelos cuidadores pela falta de tempo, em virtude das demandas de cuidado com a criança com transtorno mental. Tampouco foram citadas atividades de lazer, evidenciando a dedicação exclusiva à criança que caracteriza a realidade destas famílias e a sobrecarga física e emocional gerada sobre os cuidadores.

É de suma importância que os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, procurem se aprofundar no conhecimento dessas realidades tão particulares. Nessa perspectiva, há que se buscar desvelar o cotidiano e a dinâmica dessas famílias, reconhecer seus problemas de saúde, delineando, assim, suas redes e apoios sociais. Somente por meio deste olhar sensível, torna-se possível planejar ações que levem em conta as fortalezas e fragilidades de cada realidade, em busca de uma assistência de enfermagem individualizada e centrada na família, capaz de promover a qualidade de vida de todos os seus membros.

Por utilizar uma abordagem qualitativa neste estudo, entende-se não ser possível traçar generalizações a partir dos resultados e conclusões do mesmo, ou transpor tais considerações de forma linear a outras realidades e contextos assistenciais. Espera-se, contudo, que o mesmo estimule novas reflexões sobre a temática, incentive outras pesquisas na área, e subsidie a prática de enfermagem no trabalho com famílias.

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