Volume 19, Número 1, Jan/Mar - 2015
PESQUISA
O ensino de enfermagem e sua relação com um hospital
universitário em Natal/RN (1973-2005)
Djailson Jose Delgado Carlos
1
Raimunda Medeiros Germano
2
Maria Itayra Coelho de Souza Padilha
1
1 Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis - SC, Brasil
2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal - RN, Brasil
Recebido em 11/06/2013
Aprovado em 15/05/2014
Autor correspondente:
Djailson Jose Delgado Carlos
E-mail: djailson.delgado@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Analisar a relação entre o ensino superior em Enfermagem da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte e a Enfermagem do Hospital Universitário Onofre Lopes.
MÉTODOS:
Estudo qualitativo de enfoque histórico-documental, que se utilizou da história
oral. A investigação empírica pautou-se no levantamento de documentos: relatórios,
atas, cartas, regimentos, estatutos, Leis, Decretos e Portarias. Essas fontes
foram complementadas com a realização de entrevistas com seis profissionais que
participaram dessa história e que dela têm vivas memórias.
RESULTADOS:
Depreende-se que a relação ensino/hospital manteve e se mantém bem próximas, mas
nem sempre ocorreu de forma linear.
CONCLUSÃO:
Nessa trajetória, houve momentos de tensão, doação, rupturas e reaproximação,
porém com um propósito bem definido, o de conquistar outros horizontes, abrindo
espaços para novos empreendimentos no aprimoramento da profissão e de seus
profissionais.
Palavras-chave: Educação Superior; Ensino; História da Enfermagem; Enfermagem.
INTRODUÇÃO
Em Natal, capital do Rio Grande do Norte (RN), a criação do ensino de Graduação em Enfermagem, no início da década de 1970, coincide com a reestruturação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no que diz respeito à sua estrutura organizacional, acadêmica e administrativa.
Nesse período, destacam-se algumas realizações, tais como: início da implantação do Campus Universitário; criação da TV Universitária; concurso para professores; criação do Museu Câmara Cascudo; interiorização da Universidade; criação de Pró-Reitorias; fusão das Faculdades, Escolas e Institutos em Centros e Departamentos resultando na criação do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA), Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA), Centro de Ciências da Saúde (CCS), Centro de Tecnologia (CT) e Centro de Biociências (CB)1.
Essa época registra intensa repressão política, inclusive no âmbito das Universidades, apesar desse contexto, no auge do regime militar, representou um momento de renovação e expansão para a Enfermagem do RN, em consequência das políticas educacionais resultantes da Reforma Universitária de 1968.
A respeito do ensino de Graduação em Enfermagem na UFRN, sua aprovação ocorreu em 1973 e, no ano seguinte, com a realização do concurso vestibular, deu-se a entrada da primeira turma. O funcionamento desse curso, embora não tenha sido pioneiro no estado, deu-se pela necessidade de formação de enfermeiras, pela qualificação e melhoria da assistência à saúde.
Nessa época, em Natal, as poucas enfermeiras existentes haviam sido formadas em outros estados do país e, quase todas trabalhavam na Universidade, fosse no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) ou na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC). Sobre as mesmas, sabe-se que acumulavam funções como enfermeira assistencial e como professoras ou supervisoras de estágios da Escola de Auxiliares de Enfermagem de Natal, hoje Escola de Enfermagem de Natal (EEN), em funcionamento desde 1956 e, incorporada à UFRN, em 1964. É importante frisar que estas enfermeiras se revezaram, até o ano de 1989, entre a Chefia do Serviço de Enfermagem do HUOL, a Direção da EEN e a Chefia do Departamento de Enfermagem.
Assim sendo, o marcador do tempo histórico tem seu início com a criação, em 1973, do Curso de Graduação em Enfermagem da UFRN e, o seu término, em 2003, no ano em que completou 40 anos de funcionamento.
Dessa forma, o desenvolvimento deste estudo, cujo objetivo é o de analisar a relação entre a Enfermagem do HUOL e o ensino de Graduação em Enfermagem da UFRN, justifica-se pelo ineditismo, como pelo fato de resgatar uma história ainda não registrada e, de suma importância para a história e memória da Enfermagem, como para a história do Ensino Superior da UFRN e do estado.
MÉTODO
Este estudo caracteriza-se como sendo uma pesquisa qualitativa de enfoque histórico-social. Sobre pesquisa histórica, sabe-se que serve para elucidar o contexto vivido, relacionado a motivações distintas e que resultam de consultas às diversas fontes, sejam elas primárias (documentos, fotos, atas, jornais, relatórios, cartas, diários oficiais, etc.) ou secundárias (generalizações, análises, sínteses, interpretações de fontes primárias)2.
Trata-se, então, de uma análise sistematizada, por meio da qual são estabelecidas novas conexões, comparações e significados dos fatos estudados, com perspectivas a um novo conhecimento3, favorecendo, pois, a compreensão do passado de um grupo social4. Assim concebida, a pesquisa histórica serve para compreender a trajetória da humanidade e provocar reflexões, cujos objetivos são o entendimento da realidade no presente e no futuro5.
Assim, o historiador desempenhará uma dupla função: satisfazer a necessidade de estabelecer ou restabelecer verdades históricas, esclarecendo fatos e acontecimentos, a partir das fontes disponíveis sem perder de vista às estruturas sociais em seu respectivo contexto; e, a apropriação de métodos adequados que conduzam ao novo entendimento de forma racional, crítico e sistemático6.
Sob essa ótica, realizar pesquisas históricas consiste em lançar-se a um desafio que exige organizar vestígios e sinais, apoderar-se de argumentações, a partir do conhecimento, buscando aprofundamento no universo a conhecer7. Também representa possibilidades de rupturas, para constituição de novos discursos8.
As fontes da pesquisa histórica devem ser vistas como a via pela qual o pesquisador entra em contato com o problema. Possibilitam examinar e analisar uma sociedade em seu tempo, contribuindo para a recuperação da memória, ajudando a salvar o passado para servir ao presente e ao futuro9.
Sendo assim, esta investigação pautou-se na pesquisa documental e na História Oral para a reconstrução histórica. Como técnica/fonte a História Oral permite a coleta de informações sobre fatos e acontecimentos vivenciados por sujeitos da história acerca de um período específico e de interesse do pesquisador10.
A coleta de dados ocorreu entre os meses de fevereiro e abril de 2005, a partir da aquiescência do Arquivo Geral do Estado, da UFRN e à Direção do HUOL, cujas fontes documentais - relatórios, atas, cartas, regimentos, estatutos, leis, decretos e portarias - foram da mais alta significação por conter registros que dizem respeito ao Hospital e ao Departamento de Enfermagem/UFRN.
Esses dados foram complementados por meio da realização de seis entrevistas semiestruturadas entre os meses de maio e junho de 2005. As entrevistas tiveram a duração média de 50 minutos e obedeceram ao agendamento e local sugeridos pelos colaboradores. Como critério de participação, estabeleceu-se que seriam profissionais da universidade - professores e servidores - que mantiveram vínculos com o HUOL e com o ensino de Graduação em Enfermagem da UFRN, nas décadas de 1970-80, ou seja, àqueles que vivenciaram parte dessa história e que dele têm vivas memórias. Como critério para o fechamento amostral foi estabelecida a saturação das respostas.
A utilização de entrevistas, como método, privilegia o contato direto com pessoas que testemunharam ou participaram dos acontecimentos. Dessa forma, o pesquisador pode sondar a visão de mundo e as conjunturas, resultando assim, em uma maior aproximação com o objeto de estudo8.
Na oportunidade da realização das entrevistas, foram esclarecidos os objetivos do estudo, enfatizando-se a garantia do anonimato, o sigilo das informações, o direito a recusa e a intenção de divulgar os resultados. Feito isso, solicitou-se dos participantes que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os depoimentos foram gravados, transcritos e, posteriormente, transcriados. Optou-se por identificar os participantes com a letra E, significando entrevistado, acompanhado pela numeração na qual ocorreram as entrevistas (E1, E2, E3...).
A análise e interpretação dos dados ocorreram por meio da leitura atenta e detalhada do material, com a qual se buscou a compreensão dos significados objetiva, científica e sistematicamente. Utilizou-se, portanto, da análise temática, por versar sobre assuntos específicos, para a reconstrução histórica da relação existente entre a Enfermagem do HUOL/UFRN com o ensino de Graduação em Enfermagem /UFRN. Desse modo, pode-se dizer que essa investigação foi sendo lentamente construída.
Sua realização obedeceu às diretrizes da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde11 e, seu desenvolvimento tornou-se possível após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN, conforme Parecer nº 81/2004.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No ano de 1972, em decorrência do convênio assinado entre a UFRN e os Estados Unidos, chegou a Natal o navio HOPE (Health Opportunity for People Everywhere), a serviço da People to People Fundation, sediada em Washington. Tinha por objetivo o ensino e a atualização dos profissionais da área biomédica, assim como desenvolver atividades assistenciais junto à população. Esse convênio, com duração de dez meses, propiciou intercâmbio entre os profissionais de saúde do navio, do HUOL e das Secretarias de Saúde Estadual e Municipal12,13.
Acerca desse período, reitorado do professor Genário Alves da Fonseca (1971-75), é importante destacar que foram criados novos cursos de graduação na UFRN, dentre eles, o de Enfermagem, por meio da Resolução nº 58, do Conselho Universitário (CONSUNI)14. Essa mesma Resolução criou, também, os seguintes cursos: Arquitetura, Engenharia Química, Estatística e Educação Física.
Sobre o Ensino Superior de Enfermagem no RN é importante destacar que, apesar de Natal ser a capital, a primeira iniciativa ocorreu no Município de Mossoró, em 1968, com a fundação da Escola Superior de Enfermagem, mas que por falta de condições, materiais e de recursos humanos só iniciou suas atividades no início da década de 1970.
Quanto a Enfermagem, em especial, outro benefício da passagem desse navio decorre da permanência de cinco enfermeiras até o ano de 1977, a saber: Mary Anne Small, Margareth Mein da Costa, Jane Marie Shima, Tyana Payne e Shirley Myers Snowe. Sobre as mesmas, sabe-se que contribuíram com a discussão/organização do projeto de criação do Curso de Enfermagem e, que atuaram no mesmo, na condição de professoras visitantes, desempenhando suas funções em sala de aula e em campos de estágios12.
Retornando a reestruturação da UFRN e dando andamento aos atos relacionados à organização dos novos cursos, a Resolução nº 78/73 - CONSUNI15 respaldou a criação do Departamento de Enfermagem. Para sua chefia, foi designada a enfermeira do HUOL e, também, professora da Escola de Enfermagem de Natal, Lêda de Melo Morais, na ocasião, Diretora da Escola. Com ela, as demais enfermeiras do Hospital e professoras da Escola passaram a exercer suas atividades, também, no Departamento de Enfermagem12,13.
De acordo com a Resolução nº 35/74 - CONSUNI16, o quadro de docentes ficou assim constituído: Guiomar Pereira Barreto, Maria Élida Santos de Sousa, Nadir Soares Vila Nova, Raimunda Medeiros Germano e Oscarina Saraiva Coelho, ambas como professoras assistentes e, na condição de professoras auxiliares de ensino, Dayse Maria Gonçalves Leite e Maria das Graças de Araújo Braga.
Fez-se, então, necessário reunir esforços para dar encaminhamento às exigências necessárias ao funcionamento do ensino de Graduação, recém-criado, sem descuidar, contudo, do ensino profissional. Com a criação do Departamento de Enfermagem, a EEN continuou funcionando no mesmo espaço físico de antes, ou seja, um único prédio13 abrigando os diferentes níveis do ensino (auxiliar, técnico e superior) de Enfermagem.
Para a organização curricular, os docentes do Departamento de Enfermagem da UFRN contaram com a assessoria da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn Nacional), da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA)12,17. Legalmente, respaldava-se pela legislação regulamentadora do currículo mínimo do Curso de Enfermagem17, à época.
Para a implantação e funcionamento da graduação em Enfermagem, em 1974, foram indicados alguns nomes para ocupação de cargo e realizada eleição interna entre as professoras, ficando o resultado assim: professora Lêda de Melo Morais para a chefia do Departamento de Enfermagem, a professora Raimunda Medeiros Germano eleita internamente para a vice-chefia e, em abril do mesmo ano, em igual processo, a professora Maria Élida Santos de Sousa foi eleita para representar o curso junto ao Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFRN12,13.
Essa nova situação do ensino propiciou novas oportunidades à Enfermagem do HUOL, à medida que abriu espaços para a formação dos técnicos e auxiliares ali existentes, naturalmente, submetendo-se à seleção por meio do vestibular. Assim, depreende-se, pelo fato da cidade de Natal, até então, não dispor de um Curso de Graduação em Enfermagem, público ou privado e, pela dificuldade desses profissionais em se deslocarem a estados vizinhos para cursar.
A essa altura, no que diz respeito à relação existente entre a Enfermagem do HUOL e o Departamento de Enfermagem, vale ressaltar que a chefia de Enfermagem do Hospital, durante toda a década de 1970 e, ainda, início dos anos de 1980, ficou a cargo de um professor, facilitando o intercâmbio ensino-serviço entre as instituições.
No entanto, esse período foi marcado pela crise do serviço público, sem abertura de concurso, agravado por algumas aposentadorias e, que no dizer de um entrevistado, levou a Universidade a
[...] contratar os chamados professores colaboradores. No caso da Enfermagem, estes docentes foram lotados nos diversos hospitais pertencentes à UFRN, na condição de enfermeiro (E1).
Deve-se assinalar que as dificuldades não se expressam apenas na escassez de recursos humanos. Igualmente, atingiu a estrutura hospitalar. Quanto à disponibilização de leitos, verificou-se uma sensível diminuição na oferta. Essa realidade, conforme dois colaboradores deste estudo:
[...] trouxe consequências danosas a um hospital que tem com função ensinar. Não tinha pacientes suficientes para que os acadêmicos pudessem ter esse aprendizado com continuidade (E2).
[...] quando eu cheguei aqui nesse hospital havia duzentos e quarenta leitos, depois foi diminuindo, diminuindo, chegando a setenta e poucos leitos (E3).
No que concerne aos professores colaboradores, apesar das dificuldades, esse grupo não só aproximou o processo ensino-serviço como impulsionou alguns serviços no Hospital, conforme expresso a seguir:
[...] o hospital deu um salto de qualidade. Foi criado o Serviço de Hemodiálise, reorganizado a Unidade de Terapia Intensiva, o Centro Cirúrgico e o Setor de Neurologia (E4).
[...] o Serviço de Neurologia, por exemplo, transformou-se em referência. Tanto é que entre os funcionários comentava-se o seguinte: você trabalha num hospital e eu em outro (E1).
Outro aspecto relevante desse período, conforme os mesmos entrevistados dizem respeito ao:
[...] o corpo de Enfermagem era insuficiente para atender à demanda, por isso esse grupo de professores colaboradores contribuía para o funcionamento do Hospital, embora suas atividades, também, estivessem vinculadas ao Departamento de Enfermagem por meio de atividades docentes (E1).
[...] nós tínhamos uma aproximação maior com o ensino do que os outros enfermeiros do Hospital e isso era perceptível (E4).
Nesse contexto de reorganização dos serviços do HUOL, com vistas à melhoria do ensino dos diversos cursos do CCS da UFRN, que desenvolviam e desenvolvem suas práticas nessa instituição, os Departamentos também passavam por reestruturação. A respeito disso, assim se pronunciou um colaborador:
[...] havia um projeto que consistia na capacitação do quadro de professores, formando mestres e doutores para o exercício da docência (...) a contratação dos professores colaboradores favoreceu o afastamento de professores do Departamento para outros centros para realizar cursos de Pós-Graduação (E5).
No caso da Enfermagem, os professores colaboradores que se encontravam prestando serviços em outras instituições da Universidade, inclusive no Hospital, passaram a integrar o quadro do Departamento de Enfermagem, mediante concurso interno.
[...] Esta seleção consistiu em apresentar uma monografia a uma banca. Caso fosse aprovado, tinha que ir dar aulas. Diretamente a gente não dava aulas, a gente recebia os alunos lá no Hospital (E4).
Dessa nova realidade, o enquadramento dos professores colaboradores ao quadro efetivo de docentes do Departamento de Enfermagem, a partir do ano de 1989, adotou-se a realização de eleições, entre enfermeiros, em pares, para a Chefia de Enfermagem do Hospital. Esse acontecimento trouxe desdobramentos para a Enfermagem em relação ao ensino-serviço e, sobre isso, assim se pronunciaram dois entrevistados:
[...] quando só o enfermeiro chefiou a Divisão de Enfermagem, sentiu-se uma queda na relação existente entre o ensino e o serviço (E6).
[...] no tempo dos professores colaboradores, sentia-se uma maior aproximação entre a formação, o ensino e o Hospital. Enquanto a gente estava como professor-diretor, a gente mantinha o elo com o Departamento, com os alunos e com a Graduação (E4).
Sucederam aos professores-diretores as seguintes enfermeiras: Francisca Lídia Oliveira da Silva (1989-1991), Kátia Linhares Rebouças Soares (1991-1995), Lucila Corsino da Paiva (1995-1997), Maria Cléa de Oliveira Viana (1997-2007) e, desde 2007, Neuma Oliveira de Medeiros13.
Dessa nova realidade, no que diz respeito aos campos de estágios, veja o seguinte relato:
[...] os colegas enfermeiros não queriam mais alunos. Afirmavam que era trabalho do professor, por não entenderem sobre política de estágio (E6).
Pode-se observar, então, que isso representou uma baixa na relação ensino-serviço, diferentemente de outrora, quando uma enfermeira professora respondia pela chefia de Enfermagem do Hospital e pela chefia do Departamento de Enfermagem. Sobre essa situação, eis que:
[...] quando em reunião com os alunos, na sala de aula, eram colocados, no quadro, todos os campos de estágios em hospitais públicos, privados e rede básica, o HUOL nunca era a opção deles (...) há quem tenha passado o curso de Graduação em Enfermagem inteirinho, concluído e nunca tenha entrado no HUOL (E4).
Analisando esse quadro de dificuldades, de ordem didático-administrativa decorrente das relações entre o Departamento (ensino) e o Hospital (serviço), é preciso reconhecer que esses obstáculos, se, por um lado, representaram um retrocesso acadêmico, por outro, possibilitaram o amadurecimento do corpo de Enfermagem do Hospital.
Olhando a história recente, vê-se que a Enfermagem do HUOL cresceu nessa transição, apesar de todos os percalços enfrentados na conquista de sua autonomia. Essa fase foi superada e atribuem não somente a chefia de Enfermagem do Hospital, mas, igualmente à renovação e ao aumento do quadro de enfermeiros com a realização de novos concursos públicos.
Entende-se que esse novo cenário guarda relação com o próprio processo de redemocratização do país (1980-90), abrindo espaços às reivindicações e lutas dos servidores públicos.
Aliados a esse contexto, percebe-se a intenção da Enfermagem, quanto a sua qualificação, haja vista sua participação em programas de Pós-Graduação e, em outros eventos da Enfermagem. Essa nova postura deve-se, em parte, conforme uma depoente:
[...] a vinda da capacitação pedagógica para enfermeiros através do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE) foi de muita importância para o grupo, pois tínhamos profissionais aqui há muitos anos sem estudar (...) a partir de então, percebeu-se melhoras na relação entre o ensino e o serviço (...) afinal de contas, trata-se de um Hospital escola (...) é uma grande responsabilidade (E3).
Diante disso emergem novas relações entre o ensino e o serviço, fazendo-se crer que com maior amadurecimento e, possibilitando o desenvolvimento de trabalhos em um sistema, de fato, alicerçado a partir de parcerias entre o Departamento de Enfermagem e o Hospital.
No que diz respeito à expansão do ensino superior de Enfermagem na UFRN, vale ressaltar que o Departamento, no ano de 1982, iniciou seu primeiro Curso de Especialização (lato sensu), sob a coordenação da professora Léa Tavares de Melo Arce Águila, seguindo outros, nas áreas de Enfermagem Médico-cirúrgica, Saúde Pública, Enfermagem Materno-infantil, Maternidade Segura, em períodos diferenciados13.
Essa experiência bem sucedida resultou na proposta, no início dos anos 1990, de criação de um Curso de Mestrado. A essa altura, o Departamento de Enfermagem/UFRN contava com duas bases de pesquisas que contribuíram para a concretização desse projeto. Assim, criou-se um grupo de estudos sob a coordenação da professora Bertha Cruz Enders para estruturar a Pós-Graduação stricto senso.
Portanto, a Resolução nº 17/95, do CONSUNI/UFRN18 respaldou o funcionamento do Mestrado em Enfermagem, sendo então selecionados 13 enfermeiros para a primeira turma, que se iniciou no mês de agosto do mesmo ano. Outras turmas sucederam e, dada à carência de doutores, a seleção, inicialmente, ocorria a cada 2 anos, mas a partir de 2003, vem acontecendo, regularmente, a cada ano.
Importa, sobretudo, ressaltar, nesse contexto, que os enfermeiros mestres e especialistas que integram o quadro de Enfermagem do HUOL, na sua maioria, foram formados pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRN. Em contrapartida, enfermeiros do HUOL têm contribuído, efetivamente, com o ensino profissional e de graduação na condição de professores, uns como docentes do quadro efetivo, outros como substitutos do Departamento de Enfermagem e da EEN, contratados, provisoriamente, por meio de concurso público, pelo período de 2 anos. Sobre essa realidade, pode-se ver quão estreita é a relação entre o ensino de Enfermagem da UFRN e o serviço de Enfermagem do HUOL13.
Desse modo, de tudo que foi possível registrar desse percurso, depreende-se que as relações entre o ensino de Graduação em Enfermagem e o serviço de Enfermagem do HUOL se mantiveram e se mantêm bem próximas. Em alguns momentos, até fisicamente, quando do funcionamento a EEN, em 1956, no interior do Hospital, então Hospital Miguel Couto, local onde foram fomentados os primeiros passos para a Enfermagem profissional do RN13.
Assim sendo, convém destacar que essa trajetória nem sempre ocorreu de forma linear. Houve momentos de doação, tensão, rupturas e reaproximação, como registram os fatos e as falas dos entrevistados deste estudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir esta pesquisa, torna-se importante reafirmar que as informações contidas, neste estudo, foram obtidas por meio de consultas a documentos pertinentes ao HUOL e ao Departamento de Enfermagem da UFRN. Igualmente importante foi à realização de entrevistas com quem viveu essa história.
Para sua realização, fez-se necessário vencer alguns desafios, dentre eles a precariedade dos serviços de arquivo das instituições, de modo geral, e da própria Universidade, em particular. Esta situação se traduz na ausência de catalogação, acondicionamento, conservação e, à inadequação de arquivamento de documentos e, porque não afirmar, a falta de registros de ocorrências relevantes. Outra dificuldade diz respeito aos poucos estudos realizados sobre a Enfermagem do RN.
Da pesquisa propriamente dita, torna-se importante destacar que o acúmulo de funções pelas enfermeiras - Serviço de Enfermagem do HUOL, Direção da EEN e Direção do Departamento de Enfermagem - nas décadas de 1970-80, dada a escassez dessas profissionais, à época, pode ser visto como determinante à boa relação ensino-serviço de Enfermagem na UFRN.
Também merece destaque a sessão, por parte da EEN, de sua estrutura física e dos recursos humanos - enfermeiras professoras e servidores - a partir dos quais foi possível criar o Departamento, responsável ensino de Graduação em Enfermagem da UFRN. Esse acontecimento representou o nascer de um novo tempo para a Enfermagem do Hospital, anos depois, incrementado pelo funcionamento da Pós-Graduação em Enfermagem.
Quanto aos enfermeiros do Hospital, com função de professores colaboradores, ficou evidenciado que contribuíram para manter próximas as relações entre o ensino-serviço. Eles colaboravam com o ensino, supervisionando alunos nos campos de estágio, ministrando aulas e, em algumas oportunidades, chegaram a contribuir com o serviço na abertura de novos setores e, também, no exercício da chefia de Enfermagem do Hospital.
Acerca da participação dos enfermeiros do HUOL, a pesquisa demonstrou que eles têm contribuído ao longo do tempo com o ensino de Enfermagem na supervisão dos estágios dos alunos da EEN e do Departamento de Enfermagem e, em alguns momentos, na condição de professores substitutos.
Quanto à realização de concursos públicos para a UFRN, isso significou a composição de um novo cenário no quadro de enfermeiros do HUOL, à medida que novos profissionais foram admitidos, integrando-se àquela instituição, representando, por conseguinte, melhorias na assistência à saúde.
Assim sendo, ao analisar a relação existente entre o ensino de Enfermagem da UFRN e HUOL, conclui-se que sua trajetória é marcada por idas e vindas, por situações de superações e resgates, porém com um propósito bem definido, o de conquistar outros horizontes, abrindo espaços para novos empreendimentos no aprimoramento da profissão e de seus profissionais.
REFERÊNCIAS