Volume 19, Número 1, Jan/Mar - 2015
REFLEXÃO
Técnica Delphi no diálogo com enfermeiros sobre a
acupuntura como proposta de intervenção de enfermagem
Raphael Dias de Mello Pereira
1
Neide Aparecida Titonelli Alvim
1
1 Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro
- RJ, Brasil
Recebido em 14/03/2013
Aprovado em 03/04/2014
Autor Correspondente:
Raphael Dias de Mello Pereira
E-mail: rdias_46@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Apresentar os pressupostos teóricos da técnica Delphi, sua aplicabilidade e
operacionalização nas pesquisas em enfermagem, a partir de um modelo proposto para
condução de uma dissertação de mestrado sobre a acupuntura como proposta de
intervenção de enfermagem.
MÉTODOS:
Trata-se de um ensaio analítico do tipo reflexão.
RESULTADOS:
Nas últimas décadas, as pesquisas desenvolvidas na área de enfermagem vêm buscando
métodos e técnicas capazes de lidar com diferentes questões e produzirem respostas
tanto para o campo assistencial quanto para o desenvolvimento da ciência de
enfermagem, a fim de consolidar seu saber-fazer em consonância aos ditames da
ciência moderna.
CONCLUSÃO:
A metodologia Delphi busca o consenso de opiniões de especialistas de notório
saber a respeito de um problema complexo, permitindo a validação de proposições
que lhes são apresentadas, se constituindo como alternativa para o desenvolvimento
de estudos em que existam poucos dados acerca do assunto pesquisado ou que
demandem projeção para o futuro.
Palavras-chave: Enfermagem; Pesquisa em enfermagem; Metodologia; Acupuntura.
INTRODUÇÃO
O objetivo desta reflexão é apresentar os pressupostos teóricos da técnica Delphi, sua aplicabilidade e operacionalização nas pesquisas em enfermagem, a partir de um modelo proposto para condução de uma dissertação de mestrado sobre a acupuntura como proposta de intervenção de enfermagem.
A produção científica da enfermagem no Brasil vem crescendo, sensivelmente, nas últimas três décadas, crescimento este propiciado, sobretudo, pelo avanço dos programas de pós-graduação stricto sensu que se constituem como um lócus privilegiado para o apoio e desenvolvimento de pesquisas, reflexões, análises e críticas teórico-práticas do saber-fazer dos enfermeiros. Para tanto, o conhecimento adequado dos aspectos metodológicos, epistemológicos e sociais relacionados à investigação científica a que se pretenda realizar, é vital para o desenvolvimento e o sucesso das pesquisas em enfermagem.
Desde a década de 90/XX, os métodos qualitativos de pesquisa se fazem presentes nas investigações da enfermagem centrados no interesse dos enfermeiros em apresentar respostas a fenômenos complexos às questões de saúde1. Não obstante, a utilização de métodos e técnicas que viabilizem o desenvolvimento da pesquisa à luz da ciência moderna, o domínio e o suprimento de suas questões emergentes, com consequente adequação aos paradigmas científicos por ela utilizados, se constituem como desafios a serem superados pelos pesquisadores que estudam a natureza e a ciência da enfermagem2.
Esses métodos têm sido empregados diante dos limites de se investigar e compreender por meios estatísticos os fenômenos voltados à percepção, intuição e subjetividade relacionados ao significado das relações humanas e suas ações teóricas e práticas3,4. A fundamentação teórica e a constituição de um corpus investigativo que sirva de norte para a identificação do que já foi pesquisado e das lacunas a serem preenchidas, como por exemplo, por meio do estabelecimento do estado da arte e de revisões sistemáticas e integrativas da literatura, se tornaram imprescindíveis para o direcionamento dos estudos no campo da ciência de enfermagem.
Frente a situações complexas para as quais não se tenha um corpus investigativo constituído, ou mesmo, que este ainda seja incipiente, os pesquisadores de enfermagem lançam mão de métodos e técnicas capazes de fornecer suporte ao desenvolvimento de suas pesquisas, possibilitando avançar na construção do conhecimento. Este é o caso da técnica Delphi, criada, originalmente, em 1948 e disseminada a partir da década de 60/XX, cujo objetivo inicial fora o desenvolvimento de uma técnica que possibilitasse o aprimoramento da opinião de especialistas na previsão tecnológica5.
Conceitualmente, em sua formulação original, o Delphi se traduzia por uma técnica capaz de buscar opiniões de um grupo de especialistas a respeito de eventos futuros5,6. Atualmente, além de buscar um consenso e servir de base futuristas em áreas específicas como a industrial e a militar, a técnica Delphi vem sendo utilizada como ferramenta de pesquisa por outras áreas do conhecimento para a resolução de problemas complexos, dentre estas, a enfermagem7.
É especialmente recomendada quando não se dispõe de dados acerca do assunto em voga ou estes não podem ser projetados para o futuro com segurança, em face da expectativa de mudanças estruturais nos fatores determinantes das tendências futuras6. Ou seja, pode ser utilizada quando há conhecimentos incompletos sobre a natureza ou componentes de uma dada situação.
Tendo em conta tais características, a técnica Delphi foi aplicada em uma pesquisa-dissertação que deu origem ao presente artigo, cuja proposta foi a de promover um diálogo transparadigmático sobre o emprego da acupuntura como uma tecnologia potencial e holística a ser integrada ao conjunto das intervenções de enfermagem. As discussões ocorreram em torno da temática acupuntura, conhecimento que embora não seja próprio de enfermagem, vem sendo utilizado por esta há algumas décadas, no Brasil, como forma de intervenção terapêutica. Trata-se de um sistema milenar de tratamento com a finalidade de diagnosticar doenças, vistas como desequilíbrios energéticos, e a de curar pela estimulação da força de autocura do corpo8. Atualmente, é compreendida como uma prática integrativa e complementar de saúde (PICS) oriunda na Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que possui aceitabilidade mundial e resultados, cientificamente, comprovados, baseando-se tanto na aplicação de agulhas, calor (moxabustão) ou laser sobre pontos de acupuntura, denominados acupontos, quanto na orientação para adoção de práticas saudáveis de vida, na busca pela harmonização do fluxo de energia. Sua forma diagnóstica e de tratamento se diferenciam da adotada pelo modelo biomédico, uma vez que se sustenta na percepção do homem em sua inteireza, na relação que estabelece com o meio natural e na influência que este exerce sobre a saúde9.
Como profissão, apesar da enfermagem buscar desenvolver o cuidado, abordando o ser humano de modo integral e dinâmico, sua linguagem diagnóstica e suas práticas interventivas guardam relações com os referenciais teórico-filosóficos do modelo biomédico, dominante na saúde, portanto, distintos daqueles que norteiam o diagnóstico da acupuntura e sua intervenção. Entretanto, o cuidado de enfermagem, assim como a prática da acupuntura, em tese, parte do princípio de que suas ações não se concentram na atenção à doença, mas sim, no ser humano e em suas inter-relações com o meio natural8.
Dessa forma, a discussão, na mencionada pesquisa, foi pautada nos referenciais teórico-filosóficos que sustentam a MTC e o modelo biomédico, e suas influências nas formas diagnósticas e interventivas da enfermagem, à luz da opinião de dois grupos de enfermeiros: experts em diagnósticos de enfermagem e enfermeiros acupunturistas. A opção pela técnica Delphi na produção de dados da pesquisa derivou da intencionalidade de se travar um diálogo entre os grupos de participantes eleitos dada necessidade de se buscar subsídios teóricos aliados a expertises desses enfermeiros, a fim de contribuírem com a discussão sobre o assunto. Refletir aqui sobre as estratégias desenvolvidas na aplicação da técnica Delphi nos parece oportuno, uma vez que pode ser do interesse de outros pesquisadores cujos objetos de investigação guardem relação com as características desta técnica. Considera-se, ademais, a escassez na difusão de seu emprego pela enfermagem.
DELINEANDO A TEMÁTICA: COMPREENDENDO A TÉCNICA DELPHI
É uma ferramenta de pesquisa que busca um consenso de opiniões de um grupo de especialistas a respeito de um problema complexo. A busca pelo consenso ocorre de forma sistematizada em que os especialistas também denominados de peritos, experts ou juízes, realizam o julgamento de informações, chamadas de proposições, apresentadas pelo pesquisador em questionário, previamente, formulado a partir do problema de pesquisa e seus objetivos, em que se apresenta uma síntese sobre as principais tendências sobre o assunto. A técnica pode ser empregada a dados quantitativos ou qualitativos5,6.
Possui como características básicas o anonimato, a representação estatística da distribuição dos resultados e o feedback de respostas do grupo, aliado a duas premissas essenciais que sustentam todo o desenvolvimento da técnica: a flexibilidade e as contribuições que os especialistas trazem para o grupo (figura 1).
Nesse sentido, a frente de um problema complexo em que se disponha de pouco ou nenhum dado para a construção de conceitos, práticas, técnicas e intervenções, bem como suas respectivas validações na área de enfermagem, esta técnica de pesquisa se mostra como alternativa viável, de baixo custo, com resultados expressivos e confiáveis, uma vez que reúne a opinião de especialistas com experiências diversificadas, mesmo que distantes geograficamente7,10.
Estudos ressaltam que a crítica mais severa ao uso da técnica Delphi está justamente no consenso. Dependendo da forma como são apresentados os resultados e o feedback aos participantes, há o risco de criar consensos forçados ou artificiais, principalmente, se os respondentes aceitarem passivamente a opinião de outros experts11.
A fim de evitar esse tipo de ocorrência, o grupo deve ser diversificado, com origens bem distintas na forma de abordar e tratar a temática em questão. Portanto, a seleção criteriosa dos participantes e a capacidade crítico-reflexiva dos experts selecionados são questões valiosas a serem refletidas na opção pelo uso da técnica e na elaboração dos questionamentos a serem respondidos, que devem estar, impreterivelmente, em conformidade com os objetivos estabelecidos para a investigação12.
É desenvolvida, geralmente, em três rodadas e, embora seja possível de ser realizada em número menor ou maior de rodadas, tal conduta não é recomendada6,7. Pode ser empregada na modalidade tradicional, em que os questionários são postados aos especialistas por meio de correio físico, ou na modalidade eletrônica, cujos questionários são postados por correio eletrônico ou disponibilizados através de uma plataforma online de acesso seguro e exclusivo aos pesquisadores, por meio da internet6,8,11.
Cabe-nos inferir que a modalidade tradicional, sobretudo, quando aplicada em regiões geográficas dispersas pode tornar-se onerosa e demorada, dadas as dificuldades que possam existir na postagem física do material em todas as etapas de desenvolvimento. Em contrapartida, a modalidade eletrônica, de uso corrente na atualidade, tem-se mostrado alternativa eficaz, não apresentando diferenças significativas no percentual de aderência dos participantes selecionados. Esse aspecto foi retratado na pesquisa-dissertação da qual emergiu essa reflexão, que utilizou a técnica na modalidade eletrônica para superar a barreira espacial imposta pela distribuição dos participantes em diferentes regiões do país. Nesse estudo, os experts selecionados em um total de 30 participantes, distribuídos em dois grupos de 15, experts em diagnósticos de enfermagem e enfermeiros acupunturistas, se encontravam em regiões geográficas distintas. Sendo assim, a utilização da internet reduziu os custos e o tempo de desenvolvimento da pesquisa, sem comprometer o percentual de aderência dos selecionados, além do previsto na literatura13.
As dificuldades na identificação dos peritos foram marcantes e significativas, fato, também, vivenciado e referido por outros pesquisadores no desenvolvimento de seus estudos. Os contatos para a captação dos participantes foram realizados de forma individual entre estes e o pesquisador, por meio dos dados de contato e e-mails divulgados por eles em seus respectivos currículos, disponibilizados na plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Como estratégia seguinte, de modo a permitir a localização de possíveis peritos, buscou-se os diretórios e grupos de pesquisa institucionais e de órgãos de fomento. Nessas bases se pode explorar a produção acadêmica e atuação profissional dos possíveis participantes bem como identificá-los ao pesquisar sobre o assunto ou área de atuação na qual se fundamenta o estudo.
A eventual desistência de selecionados, também, se constitui como fator limitante, sobretudo nas situações em que não dispondo de uma boa margem de tempo para sua participação, ou ainda, de real interesse na pesquisa, acabe por comprometer o desenvolvimento do estudo. Nesse sentido, nas pesquisas desenvolvidas em nível stricto sensu, cujo prazo de integralização dos cursos de mestrado e doutorado é previamente definido esta situação pode comprometer a conclusão do estudo ou a confiabilidade de seus resultados. Essa foi uma preocupação constante dos autores no desenvolvimento da mencionada dissertação que mereceu uma atenção especial e uso de estratégias para assegurar a permanência dos participantes nas três rodadas do estudo, como, contatos frequentes com os selecionados via e-mail, sempre se colocando à disposição para dirimir eventuais dúvidas ou dificuldades que pudessem surgir no decorrer da coleta de dados.
A produção de heurísticas e vieses também deve ser cuidadosamente considerada, para que os dados resultantes e sua análise não fiquem comprometidos. Nesses estudos, as heurísticas são representadas pela produção de regras padronizadas que implicitamente dirijam o processo de julgamento, limitando o expert em produzir respostas ou expor suas concepções e pensamentos, enquanto os vieses ocorrem quando tais heurísticas são aplicadas de forma não apropriada ou errônea14. Para tanto, consideramos que as atividades que envolvam tarefas de previsão ou análise subjetiva, além de amplo espaço para a exposição das concepções e pensamentos, todas as resultantes devem estar, estatisticamente, ancoradas para a demonstração da obtenção do consenso, que pode ou não ocorrer em função das especificidades. Os questionários elaborados devem ser claros e objetivos sem com isso serem capazes de dirigir o processo de julgamento para esta ou aquela resposta.
A cada rodada concluída, os resultados são analisados à luz da perspectiva qualitativa e quantitativa. Os dados coletados são organizados em representação estatística simples e, retornam associados aos discursos produzidos pelos peritos aos participantes (feedback) para seu conhecimento, análise e reflexão5,6. Este movimento é apresentado na figura a seguir (figura 2).
Na última rodada, considerada como a previsão do grupo, além da análise qualitativa, se estabelecem o 1º e o 3º quartil, a mediana e o intervalo interquartílico, a fim de imprimir ao processo, um maior rigor estatístico e uma impressão quantitativa dos dados5,6. Ao final da pesquisa é apresentado um relatório completo a todos os participantes apresentando os consensos obtidos e as recomendações produzidas pelo grupo. Em nenhuma das fases do estudo a identificação dos peritos é revelada ao público bem como aos demais participantes. Dessa forma, o anonimato além de permiti-los expressarem as suas opiniões livremente, incentiva a abertura de discussões de alto nível sem a preocupação de estarem se contrapondo ao saber de outros estudiosos de notório saber7.
A TÉCNICA DELPHI NAS PESQUISAS DE ENFERMAGEM: LIMITES E POSSIBILIDADES
O uso da técnica Delphi nas pesquisas de enfermagem teve, no Brasil, seu marco inicial na década de 90/XX, quando foi aplicado por enfermeiras na busca pela validação de intervenções de enfermagem para a reabilitação de pacientes adultos portadores de lesão medular. A técnica Delphi proporcionou a reflexão sobre as estruturas organizacionais dos centros de reabilitação, bem como o conhecimento acerca das propostas dos enfermeiros direcionadas a esses pacientes. A característica flexível da técnica ao tempo em que valorizou a opinião dos enfermeiros atuantes os possibilitou apontarem as intervenções de enfermagem neste campo15. Estudo posterior foi realizado com o intuito de validar diagnósticos e intervenções de enfermagem dirigidas às pessoas e familiares com o mesmo tipo de lesão9.
O uso da técnica em outras pesquisas desenvolvidas no âmbito da enfermagem aponta tendência para o nível terciário, especialmente, voltado à validação de práticas assistenciais em instituições hospitalares. Este fato não desqualifica sua utilização em outros cenários ou campo de atuação de enfermagem, a exemplo disto, verificamos o desenvolvimento de pesquisa no ano de 2004 com a finalidade de adaptar um instrumento que trata do dimensionamento de horas diárias de assistência de enfermagem residencial para língua portuguesa. Como participantes, foram selecionados enfermeiros vinculados às empresas sediadas na cidade de São Paulo que prestam assistência na área de enfermagem residencial. A natureza interativa e de reflexão da técnica Delphi sobre fenômenos que carecem novos ou revisitados conhecimentos proporcionou a inclusão de novas intervenções de enfermagem ao referido instrumento, assim como o tipo de atividade e tempo utilizado na execução das mesmas. Ademais, trouxe contribuições no planejamento e sistematização da assistência domiciliária, possibilitando a sincronia entre a contenção dos custos e a manutenção da qualidade do atendimento nesse espaço16.
Estudo realizado em 2008 investigou competências de enfermeiras na área da saúde pública, trazendo contribuições com a identificação de dez áreas que se constituem em referência para a prática profissional nesse campo12.
Como referido, no bojo das experiências de estudos desenvolvidos na enfermagem que aplicaram a técnica Delphi se encontra a pesquisa-dissertação que originou este artigo, cujo objeto tratou da acupuntura como proposta de intervenção de enfermagem. Seu emprego possibilitou a construção de diálogo transparadigmático entre expertises em diagnósticos de enfermagem (DE) e acupunturistas sobre as possíveis relações teórico-filosóficas entre a acupuntura, enquanto técnica e ramo da medicina tradicional chinesa, e a enfermagem. Dada à escassez de material que fundamentasse o objeto proposto, o diálogo produzido pelos especialistas viabilizou a fundamentação de constructos teóricos acerca da acupuntura como tecnologia de cuidado. Ainda que o referencial teórico-metodológico da enfermagem siga cunhado ao modelo biomédico, inferiu-se na sua conclusão que é possível a incorporação da acupuntura à práxis de enfermagem, como forma complementar de atenção à saúde das pessoas visando sua integralidade, sem com isto desqualificar as demais formas de saber já constituídas pela profissão. Sob a ótica dos diagnósticos de enfermagem, foram identificados e relacionados, espontaneamente, pelos participantes da pesquisa aqueles considerados possíveis de intervenção pela acupuntura, independentes de ordem e ou classificações taxionômicas. Ambos os grupos trouxeram para o campo do diálogo limites e possibilidades do emprego da acupuntura como proposta de intervenção de enfermagem. Além disso, produziram o consenso de que esta tecnologia pode tanto ser aplicada por enfermeiros especialistas em acupuntura, quanto indicada por outros enfermeiros não especialistas, mas que a reconheçam como possibilidade para intervir em diagnósticos de enfermagem.
A partir do desenvolvimento desta pesquisa, dentre outros estudos, alguns dos quais aqui relacionados, não verificamos discussões sobre os principais desafios que se apresentam ao desenvolvimento da técnica, bem como as formas de enfrentá-los. Dessa forma, a fim de alcançar o objetivo ora proposto e contribuir com outros estudos que a pretendam utilizar, apresentamos na figura 3, com subsequente, um modelo de operacionalização, a partir de suas diretrizes conceituais, utilizado em nossa experiência e reflexões oriundas da mencionada pesquisa.
Operacionalização da Técnica Delphi eletrônica
Fase I - Preparação
É primordial para garantia de todo sucesso do desenvolvimento da técnica. Consiste no levantamento dos experts e especialistas que participarão da pesquisa e na elaboração da plataforma de pesquisa ou do questionário de investigação a ser remetido por e-mail. Esta é uma fase crítica que deve ser bem fundamentada para garantir o sucesso das subsequentes. Questões muito específicas e que dependam de parecer de um grupo muito seleto de profissionais não se constituem como um empecilho para a continuidade do estudo, ainda que a localização destes experts e especialistas demandem de maior busca.
Seleção dos Experts e especialistas
A seleção dos experts e especialistas devem estar de acordo com os objetivos da pesquisa. Os selecionados deverão apresentar afinidade com a proposição que se busca validar, portanto, devem possuir produção acadêmica, científica e/ou experiência profissional na área em que se fundamenta o estudo de maneira que o configure como um perito6,7,10. Assim, para todas as situações a serem investigadas devem ser estabelecidos critérios de inclusão e exclusão claros que possibilitem configurar a expertise do participante na área do estudo11.
Dessa forma para superar os limites que possam apresentar-se para seleção dos participantes e ao mesmo tempo atender as especificações da técnica ao que diz respeito à caracterização dos participantes como peritos, inferimos que a boa estratégia de seleção deve suceder ao levantamento bibliográfico, a produção do estado da arte e revisões sistemáticas ou integrativas realizadas acerca do que se pretende validar ou área do conhecimento a que esteja diretamente relacionada. A partir destes é possível identificar quem são os estudiosos que se debruçam e produzem sobre o assunto ou área em apreço. Profissionais que atuam na área e possuam relevante experiência profissional ainda que não tenham produção acadêmica reconhecida também podem participar como peritos e, nestas situações o destaque para configurá-los como tal recairá sobre sua experiência profissional. Outro cuidado fundamental para o sucesso da pesquisa está na garantia do anonimato. Uma vez identificados os possíveis participantes, o anonimato deverá ser asseguradamente declarado e garantido para todos, em todas as fases de desenvolvimento da pesquisa. Assim, recomendamos que desde o início, todos os contatos sejam feitos por correio eletrônico, preferencialmente, por meio de e-mail criado somente para esta finalidade. Os peritos devem ser contatados um a um sem a formação de grupo de e-mail, pois este pode permitir a identificação de um participante por outro comprometendo a credibilidade e o desenvolvimento do estudo.
No contato inicial se deve explicitar os motivos pelos quais, cada participante foi selecionado e o que será investigado na pesquisa, o convidando a participar. É importante verificar a disponibilidade para a participação no estudo bem como as condições de acesso aos meios eletrônicos, periodicidade de acesso à internet e ao seu e-mail, a fim de não comprometer o tempo de realização das rodadas. Mediante o aceite de participação o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deve ser remetido para que após a assinatura seja devolvido por e-mail. Durante a realização do estudo pode haver diminuição de até 30% dos participantes6; logo na seleção deve ser aplicado um índice de segurança técnica não inferior a esta margem de perda, a fim de garantir a realização do estudo sem comprometer a qualidade do resultado.
Elaboração da plataforma de pesquisa ou do questionário de investigação
Na modalidade eletrônica se pode optar por duas formas de realização da investigação. A primeira consiste na elaboração de uma plataforma de pesquisa ou site para acesso dos peritos. Nessa modalidade, o perito acessa a plataforma através de login e senha obtendo acesso as proposições que realizará seu julgamento. As vantagens do uso desta ferramenta estão na praticidade tanto para o pesquisador ou coordenador da pesquisa, quanto para o próprio perito. Nesta forma, não há necessidade de envios de e-mail com arquivos que podem gerar conflitos, dificuldades de abertura, propagação de vírus eletrônicos. Além disto, sintetizam as respostas de todos os participantes, armazenam em um banco de dados virtual que possibilita acesso irrestrito sem permitir modificações tanto pelos peritos quanto pelo pesquisador ou coordenador. Entretanto dada sua complexidade deve ser elaborada e gerenciada, preferencialmente, por empresas ou profissionais de tecnologia de informação, o que pode aumentar os custos da pesquisa, embora tenda a aumentar a confiabilidade no processo da pesquisa.
Não menos eficaz e certamente com menor custo operacional estão os questionários tradicionais que são enviados por e-mail. Pode-se optar pelo envio direto, em que as proposições e respostas são lançadas no corpo do próprio e-mail ou indireta, em que há a remessa de arquivo a ser aberto em um editor de texto para que as respostas sejam efetuadas. Essa forma requer maior atenção de todos os envolvidos no estudo, tendo em vista as dificuldades que podem ser encontradas para abertura dos arquivos ou ainda na propagação de vírus eletrônicos. Além disto, o tempo de resposta para o fechamento da rodada pode ser comprometida caso haja morosidade por parte dos peritos no envio da resposta ou mesmo se estes encontrarem dificuldades que precisem ser sanadas. Em qualquer uma das formas as proposições devem ser formuladas apresentando respostas em escalas como de avaliação, posição ou de atitudes, a exemplo, dos tipos Likert, Guttman e Thurstone. Este escalonamento é o que permitirá a análise quantitativa dos dados a serem empregados nas fases seguintes6. Em nossa experiência na pesquisa-dissertação que originou o presente artigo optamos pela escala do padrão do tipo Likert, por apresentar uma melhor compreensão às proposições apresentadas aos participantes e por facilitar a distribuição do percentil que varia fixamente em 25% a cada opção apresentada para escolha do participante. Embora não se configure como uma etapa desta fase, nesta mesma pesquisa propusemos a realização de um estudo piloto, com rodada única, a fim de verificar possíveis erros, dificuldades na transmissão dos dados e obtenção das respostas, ajustes necessários nos textos para melhor clareza do que se pretendia, entre outras correções necessárias. Recomendamos a realização do piloto, sobretudo para os iniciantes no uso desta técnica.
Fase II - Execução
É a fase da coleta de dados. Em geral, se define o máximo de três rodadas do questionário entre os participantes. Nelas são lançadas as proposições que se desejam validar por meio da obtenção de consenso. O ponto de corte para obtenção do consenso é definido pelo pesquisador, devendo ser maior que o percentil 50. No entanto, percentis muito próximos ao limite mínimo podem não gerar credibilidade suficiente para consolidação de uma proposição. Dessa forma, ainda que considerado um ponto de consenso alto e, em muitos casos, difícil de ser obtido, recomendamos que não seja aplicado nas pesquisas de enfermagem, em situações de escassez de produção ou para formação constructos teóricos, ponto de corte para a obtenção de consensos percentis inferiores a 75%. À medida que as proposições vão obtendo consenso, elas vão sendo retiradas da rodada, permanecendo no questionário da etapa seguinte somente as proposições que ainda não obtiveram consenso. Ao final de cada rodada, é dado aos participantes um retorno dos resultados (feedback) em são apresentados os resultados de cada proposição, bem como as justificativas e considerações feitas pelos peritos (sem identificá-los) na análise de cada proposição. Este feedback pode apresentar gráficos e tabelas que expressem a situação alcançada por cada proposição analisada, entretanto, deve-se considerar a aptidão de todos os elementos do grupo para análise e interpretação de dados puramente numéricos. Isso pode atrapalhar a análise do grupo, induzir ao erro ou desencorajar o participante a prosseguir no estudo. Retomando os resultados da citada dissertação, na primeira rodada duas proposições alcançaram níveis consensuais para ambos os grupos participantes, não havendo necessidade de retorno aos grupos para novas análises. As demais retornaram aos participantes na segunda rodada. Em algumas destas, foram necessários ajustes baseados no posicionamento dos experts e especialistas sem, contudo, alterar o sentido ou direção das proposições. Os resultados de cada rodada retornaram aos participantes em documento no formato PDF via e-mail e, posteriormente, disponibilizados online na plataforma da pesquisa.
Obtidos os consensos, segue-se até a terceira rodada, quando, geralmente, todo processo é finalizado. Nessa fase, todos os resultados são analisados, rodada por rodada, embora só sejam validadas as proposições com consenso obtido. Proposições sem obtenção de consenso se configuram como resultado de pesquisa e não podem ser desprezados ou suprimidos e sua apresentação e discussão devem ser apresentadas no relatório final. O tratamento dos dados quantitativos deve ser feito estabelecendo as medidas de tendência central que demonstrarão a obtenção e regularidade dos consensos5,6. Para tanto, deve ser utilizado à análise do primeiro e terceiro quartil, mediana e diferença interquartílica de cada proposição lançada independente do consenso. Os dados qualitativos resultantes podem ser tratados com emprego de técnicas associadas como a análise de conteúdo ou análise de conteúdo temática, previamente definida pelo pesquisador na elaboração do protocolo de pesquisa.
Fase III - Disseminação
É a apresentação dos resultados obtidos da pesquisa. Nesta fase, os participantes recebem ou acessam o relatório dos resultados da pesquisa que apresenta os dados consolidados, os consensos e as recomendações pertinentes a cada proposição lançada5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção deste artigo teve como referência a experiência prévia dos autores no desenvolvimento de uma dissertação que promoveu um diálogo sobre a acupuntura como intervenção de enfermagem entre enfermeiros distribuídos em dois grupos distintos: experts em diagnóstico de enfermagem e especialistas em acupuntura. Tal experiência possibilitou a construção de um processo reflexivo acerca da técnica Delphi, suas possibilidades e limites de utilização. Não se pretendeu aqui esgotar esta reflexão, mas abordar as principais influências e contribuições da técnica aplicadas aos estudos, especialmente, desenvolvidos na área da enfermagem, por meio de um modelo operativo. A intenção é que a utilização deste modelo possa contribuir para o norteamento dos estudos que empreguem a técnica Delphi na enfermagem, de forma a consolidar, refutar ou trazer novos elementos ao seu emprego.
Consideramos que esta técnica se configura em uma proposta metodologicamente confiável e aplicável às pesquisas na enfermagem, sobretudo nas situações em que a escassez de dados e materiais possam se constituir como fator limitante ao desenvolvimento da ciência da profissão. Por oportuno, a análise das pesquisas aqui citadas, nos leva a considerar que a técnica quando bem aplicada produz resultados consistentes que contribuem com a fundamentação de novas formas de cuidar e de tecnologias aplicáveis ao cuidado de enfermagem. A riqueza na utilização da Delphi não está tão somente na produção de dados que sustentem esta ou aquela proposição, mas sim na produção de diálogo entre os participantes, com suas respectivas expertises.
REFERÊNCIAS