Volume 18, Número 4, Out/Dez - 2014
PESQUISA
Assistência Integral a Saúde do Homem: necessidades,
obstáculos e estratégias de enfrentamento
Joseane da Rocha Dantas Cavalcanti
1
Jocelly de Araújo Ferreira
1
Amanda Haissa Barros Henriques
2
Gilvânia Smith da Nóbrega Morais
3
Janaína Von Sohsten Trigueiro
1
Isolda Maria Barros Torquato
1
1 Universidade Federal de Campina Grande. Cuité - PB, Brasil
2 Universidade de Pernambuco. Picuí - PB, Brasil
3 Universidade Federal de Campina Grande. Campina Grande - PB, Brasil
Recebido em 17/03/2014
Aprovado em 02/06/2014
Autor correspondente:
Joseane da Rocha Dantas Cavalcanti
E-mail:
josyenfermagem@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Conhecer as necessidades de saúde, identificar os obstáculos que impedem o
atendimento das necessidades de saúde do homem e apresentar as estratégias de
enfrentamento para uma assistência integral e humana a um grupo de homens.
MÉTODOS:
Estudo de cunho descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa. A coleta
dos dados foi realizada em fevereiro de 2012 por meio de entrevista
semiestruturada e analisadas à luz do referencial teórico.
RESULTADOS:
A população masculina tem necessidades de saúde a serem atendidas e referenciam
como obstáculos, a vergonha de se expor, a impaciência, a inexistência de tempo e
a falta de resolutividade das necessidades de saúde. A humanização em saúde
predominou como estratégia de enfrentamento, através do acesso, do acolhimento, da
comunicação e do vínculo.
CONCLUSÃO:
A criação da Política de Atenção Integral a Saúde do Homem não foi suficiente
para inseri-lo no contexto de saúde, desta forma, propõe-se mudanças no modelo
assistencial.
Palavras-chave: Saúde do Homem; Atenção Primária à Saúde; Humanização da Assistência.
INTRODUÇÃO
A formação da masculinidade foi conduzida por um processo histórico através da cultura patriarcal desde os primórdios da humanidade, em que se estabelecia uma hierarquia entre homens e mulheres. É visto que o homem, desde os primórdios, apresentava uma supremacia, percebendo-se como ser invulnerável, o qual foi ensinado a não chorar e a reprimir suas emoções, colocando a masculinidade como sinônimo de virilidade1.
Baseando-se em argumentos fortemente arraigados à história, a população masculina percebe o cuidado à saúde como algo que não é peculiar à masculinidade, ignorando a importância da prevenção de doenças. Aliada a este fato, a forma com que o serviço de saúde se coloca, suscita sentimentos de intimidação e distanciamento, fazendo com que haja o desconhecimento acerca das inúmeras possibilidades fornecidas pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), ocasionando a ampliação da vulnerabilidade deste público aos índices de mortalidade.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a média da expectativa de vida mundial masculina e feminina, em 2009, diferia em cinco anos: as mulheres viviam, em média, 71 anos, e os homens, 66 anos. Em relação à mortalidade, no Brasil, a diferença entre homens e mulheres é significativamente maior entre 15 e 39 anos de idade, sendo que, no ano de 2010, a chance de homens de 22 anos morrerem era 4,5 vezes maior do que mulheres da mesma idade, com as causas externas sendo apontadas como as principais causas de morte entre os homens brasileiros nessa faixa etária2.
No Brasil, a saúde do homem vem sendo inserida lentamente na pauta da saúde pública desde o lançamento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), formalizada em 27 de agosto de 2009. Essa política fundamenta-se nos seguintes objetivos: qualificar a assistência à saúde masculina na perspectiva de linhas de cuidado, que resguardem a integralidade e qualificar a atenção primária para que ela não se restrinja somente à recuperação, garantindo, sobretudo, a promoção da saúde e a prevenção de agravos evitáveis3.
No entanto, um estudo que explorou a implantação da PNAISH em cinco municípios do país concluiu que os Planos de Ação Municipal não apresentam descrições precisas para implantação da política, priorizando ações baseadas em procedimentos e exames que reforçam a centralidade da atenção no aparelho genital masculino. Esse estudo destacou também que gestores e profissionais na assistência direta têm pouco ou nenhum conhecimento sobre a política4.
Cabe ressaltar ainda que, mesmo que a criação da PNAISH seja um grande passo em direção ao aprimoramento do atendimento à saúde da população masculina, fato este que gerou um Plano de Ação Nacional com previsão de implementação entre 2009 e 2011, ainda não se tem percebido mudanças efetivas no Sistema Único de Saúde (SUS)3.
Sendo assim, apesar da criação dessa política específica, os profissionais da saúde, em especial a enfermagem, devido ao seu contato direto com o paciente, precisam incorporar um olhar qualificado e direcionado, que fará a assistência à saúde mais eficiente e eficaz, contribuindo para a redução de complicações e aparecimento de agravos na população masculina5.
Nesse sentido, o setor saúde necessita favorecer mudanças, principalmente, no sentido de ampliar a equidade e a integralidade da assistência a partir do reconhecimento de outras necessidades de saúde, além daquelas reconhecidas pelos serviços e políticas da área, visando cada vez mais a qualidade da assistência à saúde. Dessa forma, é fundamental a discussão sobre as masculinidades para os serviços e profissionais de saúde, bem como para a população, no sentido de romper com o paradigma de invulnerabilidade dos homens e de fazer ressoar as necessidades desse grupo, muitas vezes, esquecidas e embutidas não só pelo sistema de saúde, mas pelo próprio homem6.
É evidente que há uma ponderação muito grande voltada à construção do gênero que permeia as concepções de masculinidade, no entanto, alcançar o homem com ações de prevenção e promoção à sua saúde demanda mudanças, principalmente culturais, por ser considerado um desafio. Frente a esse desafio, alguns estudiosos apontam que a organização e a rotina dos serviços influenciam de maneira relevante na inserção do homem nos serviços, uma vez que sua presença é ainda muito tímida, sobretudo no que se refere à consulta de enfermagem e aos grupos educativos1,7.
Nessa conjuntura, nota-se a ausência de estratégias específicas na atenção básica direcionadas aos homens em idade adulta, especialmente, no que diz respeito à prevenção de agravos e à promoção de sua saúde. Para tanto, é primordial sensibilizar os profissionais que os atendem, especialmente os da enfermagem, estimulando-os a ouvir esta demanda específica no intuito de melhor compreendê-la quanto à percepção acerca de sua saúde6,8.
Desse modo, ressalta-se a importância, haja vista a relevância social conferida pela incidência de agravos e pelo aumento da vulnerabilidade às doenças relacionadas a essa população. Nesse sentido, este estudo repercutirá sobre a assistência preventiva, gerando intervenções que implicarão transformações no processo de acolhimento e fornecerá subsídios para o planejamento de ações voltadas a saúde masculina.
Sendo assim, seguindo esta linha de raciocínio, o presente estudo objetivou conhecer as necessidades de saúde, identificar os obstáculos que impedem o atendimento das necessidades de saúde do homem e apresentar as estratégias de enfrentamento para uma assistência integral e humana a um grupo de homens.
MÉTODO
Trata-se de um estudo de caráter descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa, que foi desenvolvido na cidade de Cuité-PB, localizada no Curimataú Paraibano, a 230 Km da capital do Estado. Conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), este município possui um contingente populacional de aproximadamente 19.978 habitantes, dos quais 9.833 são do sexo masculino9.
Sabendo da existência de um grupo de homens da Igreja Católica no referido município, o qual possui atualmente 52 integrantes, residentes na zona urbana e em sua grande maioria trabalhadores rurais, desta maneira este grupo foi eleito e o local ideal para a realização da pesquisa. Para tal fim, a partir da saturação das falas expressas pelos sujeitos e atendendo aos critérios de inclusão da pesquisa, 10 deles compuseram a amostra, os quais se incluíam nos seguintes critérios: ter acima de 21 anos de idade, ser alfabetizado, participar assiduamente do grupo - frequência de pelo menos 50% de participação.
Os dados foram coletados em fevereiro de 2012, empregando como instrumento uma entrevista semiestruturada, contendo 12 perguntas organizadas em duas partes, respectivamente: questões socioeconômicas e educativas, com o intuito de caracterizar os sujeitos, e questões específicas pertinentes aos objetivos do estudo.
Foi utilizado um gravador de voz digital, em que os depoimentos foram gravados mediante a anuência dos entrevistados, prosseguindo com a disponibilidade de cada sujeito, em local e horário que garantiram a privacidade dos mesmos. Ademais, ressalta-se que houve a utilização de um diário de campo, servindo de instrumento auxiliar.
Após a coleta de dados, houve a transcrição e leitura minuciosa do material empírico, o qual foi analisado por meio da técnica de Análise de Conteúdo (AC), proposta por Bardin. De acordo com a autora supracitada, a AC divide-se em quatro fases as quais são necessárias para analisar os dados: fase de organização; exploração ou codificação do material; categorização e tratamento; e interpretação dos resultados10.
Em se tratando de uma pesquisa realizada com seres humanos, foram observados os princípios éticos, estabelecidos pela Resolução Nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde11, solicitando aos participantes da pesquisa assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento (CESED) e aprovado em 1º de dezembro de 2011, pelo parecer nº 2249.0.000.405-11.
RESULTADOS
Em relação aos aspectos sócios demográficos dos entrevistados, observou-se que a faixa etária esteve entre 42 a 68 anos. Quanto ao estado civil, oito eram casados e dois solteiros. A renda familiar variou entre menos de um salário mínimo e mais de três salários mínimos vigentes, relacionado com o baixo nível de escolaridade. Nesse sentido, sete dos depoentes afirmaram ter cursado o Ensino Fundamental Incompleto e apenas três relataram possuir o Ensino Médio Completo. No que se refere à profissão, sete eram agricultores, com vínculo de trabalho na zona rural, porém residentes na zona urbana, um aposentado, um pedreiro e um comerciante. A jornada de trabalho semanal descrita por eles variou entre 20 a 52 horas.
Considerando a análise do material coletado, a seguir, serão apresentadas as três categorias temáticas que emergiram provenientes da transcrição e interpretação das falas dos entrevistados.
As reais necessidades de saúde do homem
Em presença das considerações feitas pelos sujeitos da pesquisa, os mesmos foram convidados para melhor elucidar as reais necessidades de saúde do homem. Percebe-se, com as informações obtidas diante das falas dos entrevistados, que a saúde preventiva do homem, ainda encontra-se vinculada ao exame preventivo de câncer de próstata, o qual foi citado por eles, como uma das principais necessidades de saúde masculina.
Precisa de tudo, principalmente, fazer o exame de próstata, que mais necessita e muitos não tem coragem de se apresentar (E1).
É sempre porque os homens se descuidam mais né [...] sobre esse problema de próstata né que tá acontecendo assim (E5).
Nesse cenário, outra necessidade apontada pelos participantes da pesquisa foi o aumento do quantitativo de médicos, para assistirem a todos os pacientes que procuram pelos serviços, consequentemente, o número insuficiente de profissionais acaba superlotando o ambiente e dificultando a agilidade do serviço para atender ao homem que no momento da consulta se encontra ausente de suas atividades laborais.
Eu acho sabe o que? Mais médico, mais médico porque um médico só pra atender muita gente, é claro que dá problema [...] (E6).
[...] Ter médico, ter uma equipe que atendesse a noite, porque ai seria bem melhor para os homens (E8).
Os obstáculos apresentados pelos homens nos serviços de saúde
Esta categoria discute a respeito dos obstáculos encontrados nos serviços de saúde, por parte deles. Entre os obstáculos referenciados, faz-se revelia a vergonha de se expor e a impaciência enfrentada pelos homens, durante a espera por atendimento.
A expressão vergonha, utilizada como refúgio pelos sujeitos do estudo, vem justificar o comportamento masculino de não aderir às medidas de prevenção e promoção da saúde:
Acho que muitos têm vergonha, sente vergonha, fica acanhado, não querem se apresentar né (E4).
É porque o homem toda vida é vergonhoso pra essas coisas né (E3).
[...] até a vergonha né que a gente tem [...] a gente tem aquela vergonha né de ir pra certas coisas [...] (E6).
Nesse mesmo contexto, também se destaca como obstáculo a impaciência relatada pela figura masculina, no que se refere à espera por atendimento:
É porque muita gente vai e não tem paciência também né. [...] quando demorava chegar os médicos ou demorava fazer a ficha [...] e, às vezes, quando chega no posto tem já aquela limitação de fichas, ai pronto, se não for naquele dia, ai depois já não vai mais (E9).
É porque a tal da maçada não é comigo não. O homem é diferente da mulher. A mulher aguenta maçada e o homem não aguenta esperar não (E4).
[...] e outra coisa também é quando a gente chega no atendimento né, que a gente fica esperando muito tempo, numa fila, esperando pra fazer uma consulta, muita gente né, ai... Olhe eu sou uma pessoa que eu sou assim, eu gosto das minhas coisas tudo rápido, não gosto de esperar (E6).
Outro obstáculo apontado nas narrativas foi a inexistência de tempo para dedicar a sua saúde, atribuída ao regime de trabalho e a falta de resolutividade das necessidades de saúde:
Primeiro, é o problema de trabalho, que a gente se apega muito ao trabalho né, trabalhar muito e esquece da saúde [...] (E6).
É eu acho assim, a maioria dos homens passa o tempo todo trabalhando também né e não tem hora disponível né pra cuidar da saúde, mais eu acho que todos têm necessidade de procurar né (E2).
[...] a gente vai fazer um exame, uma coisa, passou três meses pra receber, e assim agente tem aquela dificuldade (E3).
[...] acaso quando a gente chega assim num posto que não tem atendimento [...] se a pessoa tiver condição pra gastar, ele é atendido, hoje em dia tem essa opção né, se não tiver, for assim como o problema do SUS ai a limitação é grande [...] (E9).
A visão masculina sobre as estratégias de enfrentamento para adesão aos serviços de atenção primária à saúde
Dentre as estratégias apresentados na referida categoria, especifica-se: acessibilidade - através da ampliação nos horários de atendimento e resolutividade das necessidades -; acolhimento - através do bom atendimento -; comunicação - através de informações -; e formação de vínculo - através da estabilidade profissional e da visita domiciliar. Nesse contexto, são evidentes que as estratégias expostas pelos homens, estão todas relacionadas com a humanização nos serviços de saúde.
É o horário do atendimento. [...] como a maioria dos homens trabalha de dia, ter opção à noite né. Ter médico, ter uma equipe que atendesse a noite, porque ai seria bem melhor para os homens né (E2).
De acordo com os discursos aludidos pelos sujeitos da pesquisa, o acolhimento e a comunicação são duas estratégias que deveriam ser adotadas pelas equipes de saúde para que os usuários sintam-se motivados a procurar os serviços:
Se a pessoa, se tiver algum bom atendimento né. Às vezes encontra, às vezes não encontra não [...] se a pessoa chegar e não ser bem acolhido, tem muita gente que não gosta né, seja no posto, no hospital [...] (E9).
Mais informação, [...] as informações, por exemplo, em termo de sistema de saúde para o homem ainda é pouco não é? Eu acho que é pouco em termo de informação pra o homem (E8).
Foi mencionado, ainda, que o vínculo é outra estratégia importante para adesão dos mesmos aos serviços de saúde. Para tanto, apresenta-se os seguintes discursos:
[...] Chega lá encontra outras pessoas, que os anos vão passando e [...] vão mudando de empregado, essas coisas assim (E9).
[...] visitas nas casas, alguém que trabalha na saúde que possa visitar as casas. Num tem... prevenção pras mulheres, então deveria ter para os homens também, por exemplo, todo ano não tem pra mulher fazer exame disso, exame daquilo, então deveria ter do mesmo jeito para os homens. (E8).
DISCUSSÃO
É visto que a maioria da amostragem está inserida no mercado de trabalho, situação que dificulta a ida destes aos serviços de atenção à saúde, devido à incompatibilidade entre os horários de funcionamento dos serviços com os da disponibilidade após suas atividades laborais.
Nessa premissa, estima-se que grande parte dos entrevistados é provedora do lar e que na ótica deles não podem se afastar do trabalho para cuidar da saúde. O que não percebem é que, quando a sua saúde encontra-se fragilizada, repercutirá na continuidade de seu papel enquanto provedor. Diante dos achados, faz-se necessário a realização de uma estratégia que solucione a indisponibilidade de horário entre a jornada de trabalho e a abertura dos serviços de saúde.
Corroborando com o exposto, o estudo refere que os serviços prestados na atenção básica estão dispostos em horários quase sempre inconvenientes com o exercício de uma atividade laboral pelos homens. A necessidade de cumprir a jornada de trabalho, bem como os compromissos, justifica a não procura masculina pelos serviços de saúde12.
Nessa pesquisa, os entrevistados afirmaram que a população masculina tem necessidades de saúde a serem atendidas e são expressas nos discursos em unanimidade. Esta ocorrência é considerada um marco de grande relevância no que se refere à saúde do homem, pois neste momento admitem que precisam se cuidar, o que não é comum entre a população masculina, devido o estigma vinculado à cultura machista predominante na sociedade.
Assim, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) declara que os homens têm dificuldade em reconhecer suas necessidades, a maioria deles mascaram sua fragilidade, por considerar que o cuidado não é uma prática masculina3,8.
Conforme os discursos analisados, estes acreditam que a saúde do homem está relacionada, principalmente, ao exame de prevenção do câncer de próstata, dificultando a procura por serviços de saúde, quando se trata de outras enfermidades ou promoção da saúde. Constata-se que um dos vários fatores que interferem na adesão masculina aos serviços, é esta vinculação que eles fazem em relação à realização do exame preventivo do câncer de próstata, o que ocasiona constrangimento, medo e preconceito.
Devido ao modelo hegemônico da masculinidade, o exame preventivo do câncer de próstata pode estar associado à violação do ser masculino, impossibilitando esses homens de cuidar da sua própria saúde13.
Nessa perspectiva, observou-se também que os homens visualizam apenas a figura do médico e a procura de serviços curativos, desconhecendo a saúde preventiva e o papel da enfermagem na atenção básica. O modelo assistencial curativo, centrado na figura do médico ainda permanece nos dias atuais, principalmente, sob a visão da população masculina.
Para tanto, é necessário educar e sensibilizar os homens para a importância das medidas de prevenção de doenças e manutenção da saúde, para que possam transformar-se em seus próprios cuidadores14.
Na cultura masculina hegemônica, ser homem está associado à invulnerabilidade, dessa forma, sentem-se envergonhados em procurar por serviços de saúde, uma vez que na percepção dos mesmos, seria uma demonstração de fraqueza perante os profissionais3,8.
Percebe-se que as manifestações culturais masculinas, tornam-se um obstáculo a ser vencido. Deste modo, fica evidente que a vergonha de procurar por serviços de saúde, assim como a impaciência referente ao atraso que os homens expressam para serem atendidos, estão relacionados aos entraves culturais.
Assim, os homens só procuram por serviços de saúde, quando acometidos por alguma enfermidade, tornando-se desmotivador a busca por serviços de prevenção de doenças, quando precisam conviver com a longa espera por atendimento, dessa forma gerando a evasão dos mesmos nesses serviços, bem como, a ausência de retorno dos homens após atendimento, dificultando cada vez mais a inserção da população masculina nos serviços de saúde primária.
Ratificando o exposto, alguns autores reconhecem que é comum o homem não enxergar a necessidade pela procura das unidades de saúde para ações de prevenção, assim como, não suportam a espera por atendimento8,15.
Compreendem-se, perante o posicionamento assumido pelos participantes, que as atividades laborais sempre estão citadas como prioridade para a população masculina, deixando a saúde sempre para resolutividades posteriores. Estas considerações apresentadas nos relatos são reflexos da ideologia que vem alicerçada na identidade masculina, que se encontra vinculada ao papel de provedor e implicando na ausência dos homens na atenção básica para cuidar da sua própria saúde, através das ações de promoção e prevenção de doenças1.
O homem traz consigo a responsabilidade de provedor, papel esse atribuído a eles historicamente, tornando-se prioridade para os mesmos, por possibilitar o cumprimento de suas obrigações. Dessa maneira, demonstram inconveniência em procurar pelo cuidado da sua saúde, mencionando a falta de tempo relacionado ao trabalho14.
Os depoimentos analisados também assinalam como obstáculo a falta de resolutividade na assistência, sob o enfoque de dificuldades de acesso a exames e a demora no atendimento, ambos pautados na morosidade do SUS. Nessa perspectiva, a opinião do usuário é a melhor ferramenta para avaliar a qualidade da atenção na saúde pública, o que poderá contribuir para a reorganização deste sistema, que muito ainda precisa ser feito para que as demandas e necessidades dos usuários sejam atendidas16.
A resolutividade na assistência à saúde envolve diferentes enfoques, tais como: a satisfação do cliente, as tecnologias dos serviços, a acessibilidade, os recursos humanos e os aspectos culturais13. Para tanto, são essas dificuldades com funcionamento em rede de saúde, de forma pouco resolutiva, que contribuem para a evasão dos usuários no sistema. Os homens justificam sua ausência nas unidades de saúde, relatando que os serviços prestados na atenção básica estão dispostos em horários quase sempre inconvenientes com aqueles que exercem uma atividade laboral12.
Estudos vão ao encontro do que fora identificado nesta pesquisa ao afirmarem que, além de questões de gênero, medo de detectarem doença grave, número insuficiente de fichas e falta de especialistas como obstáculos para a procura por serviços de saúde8,13.
Após a visualização de tantos obstáculos, emerge a necessidade de identificar e refletir sobre estratégias de enfrentamento às barreiras referenciadas, através da efetividade dos homens nos serviços de saúde primária. Por conseguinte, os sujeitos pesquisados referiram à ampliação do atendimento, fazendo com que tenham mais acesso aos serviços oferecidos, bem como, maior resolutividade de suas necessidades, que foram citadas anteriormente como sendo obstáculos a serem superados.
Nesse sentido, ficou explícito que a falta de um atendimento acolhedor, assim como a comunicação ineficaz, dificulta a adesão dos homens nos serviços de atenção primária. Para corroborar o descrito acima, autores ressaltam que a falta de comunicação nos serviços de saúde, prejudica as relações entre profissionais e usuários, interferindo na dinâmica do serviço. Pois, é através da comunicação, que será possível compreender a singularidade de cada sujeito, identificando suas fragilidades e facilitando a resolutividade de suas necessidades17.
O acolhimento e a comunicação em serviços de saúde implicam na transformação do modo como a população vem tendo acesso à saúde. Esta comunicação deve informar e orientar sobre as ações e os serviços destinados a saúde de maneira integral, uma vez que é proposto como um dos princípios norteadores da PNAISH18.
Para atender às peculiaridades da população masculina, é necessário que os profissionais de saúde se capacitem, problematizem a realidade de cada Unidade Básica de Saúde da Família e, juntamente com os gestores, vislumbrem e operacionalizem estratégias inclusivas de atendimento8,13.
A capacidade dos profissionais e dos serviços de acolherem, traduzirem e construírem um cuidado contínuo e adequado para as necessidades de saúde desse público é fundamental, para que o valor de uso do trabalho em saúde seja reconhecido e para que os homens se reconheçam como sujeitos do seu cuidado e de suas necessidades6.
O homem precisa de incentivo para se sentir mais motivado a comparecer nas Unidades de Saúde da Família (USF). Nesse sentido, é importante o desenvolvimento de ações específicas voltadas à saúde do homem, sejam individuais ou em grupo; estabelecendo horários específicos ao atendimento deste público, de tal forma que facilite e viabilize o acesso aos serviços de saúde. Entende-se que a partir do momento que o profissional busca o usuário, está promovendo uma aproximação entre ambos, e isso faz parte da criação do vínculo, sendo uma forma de valorizar mais a figura masculina.
É sabido, que a formação de vínculo não é construída com facilidade, é preciso adquirir a confiança da comunidade através do respeito e compromisso com a mesma, dessa forma, a rotatividade de profissionais dificulta esta vinculação e, consequentemente, a procura pelo serviço.
A formação de vínculo entre usuários e equipe, propicia a construção de novas relações e, consequentemente, o acesso aos serviços de saúde, sendo a visita domiciliar um artifício excepcional permitindo uma aproximação entre usuários e a USF. É importante ressaltar que os profissionais que compõe a USF devem buscar estratégias para melhorar a relação entre a equipe e os usuários17,18.
Destarte, a falta de humanização nos serviços de saúde é caracterizada pela falta de acesso, de acolhimento, de comunicação e de vínculo, estando explícita nas falas dos entrevistados, e encontrando-se como estratégias de enfrentamento para a efetividade dos homens nos serviços de saúde primária.
É inegável que a humanização em saúde predomina como estratégia de enfrentamento, através do acesso, do acolhimento, da comunicação e do vínculo. A humanização através dos recursos supracitados favorece a relação entre profissionais e usuários, facilitando a ampliação da adesão aos serviços de saúde. E, portanto, fundamental para que as ações sejam mais ágeis e resolutivas13,15.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa propiciou a oportunidade de ouvir os homens durante as entrevistas e compreender um pouco do universo masculino, a partir do olhar dos mesmos sobre a saúde através das suas necessidades, dos obstáculos encontrados nos serviços de saúde, e as estratégias de enfrentamento as barreiras elencadas.
O pressuposto que norteou este estudo foi ratificado com destaque para as necessidades de prevenção de doenças e promoção da saúde do homem, o que representa um avanço diante da superioridade masculina, característica, geralmente, machista que associa o homem a um ser invulnerável.
Todavia, identificou-se que a criação da PNAISH não foi suficiente para inserir o homem no contexto de saúde, visto que a mesma teve uma previsão para estar implantada efetivamente até dezembro de 2011, indo de encontro ao que demonstra a realidade.
Os resultados obtidos enfatizam que a equipe que compõe a ESF detém forte influência, a fim de fazer essa política acontecer no cotidiano de práticas, sobretudo o profissional enfermeiro, que detém autonomia quando atuante na USF. Porém, diversos fatores se configuram como entraves para que os profissionais, mesmo conscientes das mudanças necessárias, possam sensibilizar o homem a respeito do seu autocuidado.
Nesse contexto, faz-se necessária a intensificação de transformações, uma vez que as estratégias expostas pelos sujeitos pesquisados fazem parte dos eixos da PNAISH, que apesar de recente, está alinhada as políticas mais antigas, como a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e a Política Nacional de Humanização (PNH). Nesse sentido, demonstrando que a ESF não avançou como deveria, que a mesma ainda não atingiu a eficiência para com os princípios norteadores do SUS, da PNH e da PNAB, dificultando a qualidade dos serviços prestados por nem sempre conseguir oferecer um atendimento humanizado e integral, para a captação e adesão da população masculina aos serviços de atenção primária à saúde.
Acredita-se que a capacitação profissional e o aumento do quantitativo de profissionais possam determinar essa mudança, ao conseguir a melhoria do acolhimento a esse público tão singular, através de um atendimento humanizado, bem como a solução dos seus problemas de saúde. Buscando, assim, a resolutividade na assistência, o que, certamente, trará resultados positivos, ocasionando maior inserção da população masculina aos serviços de saúde primária.
Diante da ausência, segundo os autores, de alguma limitação deste estudo, espera-se que os resultados desta investigação possam somar subsídios à organização dos serviços e ao planejamento das ações de saúde direcionadas ao homem, para que de fato a política seja implantada, que o mesmo faça parte do contexto da atenção primária e, assim, haja modificações no perfil de morbimortalidade masculina encontrado no país.
REFERÊNCIAS