Volume 18, Número 4, Out/Dez - 2014
PESQUISA
Dificuldades de inserção do homem na atenção básica a
saúde: a fala dos enfermeiros
Renata Lívia Silva Fonsêca Moreira
1
Wilma Dias de Fontes
1
Talita Maia Barboza
1
1 Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa - PB, Brasil
Recebido em 01/02/2014
Aprovado em 15/05/2014
Autor correspondente:
Renata Lívia Silva Fonsêca Moreira
E-mail:
renaliviamoreira@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Conhecer as dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros no contexto da saúde do
homem na atenção básica no Município de João Pessoa - PB.
MÉTODOS:
Trata-se de uma pesquisa exploratória-descritiva com abordagem qualitativa e a
análise de conteúdo. Foram entrevistados 28 enfermeiros que desenvolviam ações de
saúde há pelo menos um ano.
RESULTADOS:
Os achados revelam que as dificuldades vivenciadas pelos enfermeiros envolvem
principalmente: Ausência do homem; déficit de comportamento de autocuidado;
sentimentos de temor vinculado ao trabalho; déficit na capacitação dos
profissionais em saúde do homem e no conhecimento sobre a Política Nacional de
Atenção Integral à saúde do Homem (PNAISH); feminilização desses serviços e
incompatibilidade de horários.
CONCLUSÃO:
A efetividade das ações estratégicas referidas pelos enfermeiros depende de
fatores que perpassam, entre outros aspectos, pelas questões de gênero,
instrumentalização dos profissionais da saúde, readequações nos espaços cuidativos
neste nível de atenção, bem como pela adequação do processo de trabalho dos
profissionais envolvidos.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Gênero; Masculinidade; Saúde do Homem.
INTRODUÇÃO
As temáticas envolvendo "homem e saúde" vêm sendo discutidas, em proporções cada vez maiores, sobretudo, pelos profissionais da área da saúde, na tentativa de melhor intervir nas inúmeras demandas de saúde peculiares aos homens, bem como nos serviços de saúde da atenção básica e, assim, contribuir para a redução dos indicadores de morbimortalidade que traduzem o perfil da saúde dos homens brasileiros.
A atenção à saúde do homem foi por muito tempo negligenciada pelos diferentes setores da saúde, dos diversos níveis governamentais. Entretanto, contemporaneamente, com a aprovação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, verifica-se a ocorrência crescente de discussões que envolvem o processo saúde-doença da clientela masculina.
Os aspectos estabelecidos nessa política, revelam por um lado, os desafios a serem enfrentados por gestores e profissionais da saúde, especialmente, e por outro, a urgência de ser viabilizada em todo território nacional por representar uma necessidade da referida população e pelo reconhecimento dos agravos à saúde desta que se constituem em um magno problema de saúde pública.
É possível depreender que o reconhecimento e enfrentamento das necessidades de saúde da população masculina estão vinculados aos princípios básicos do SUS, em especial aos conceitos de integralidade, factibilidade, coerência e viabilidade, sendo norteadas pela humanização e a qualidade da assistência, princípios que devem permear todas essas ações1.
Há de se reconhecer que a construção da masculinidade influencia diretamente na vulnerabilidade às doenças graves e crônicas e, sobretudo, à morte mais precoce. A despeito desta vulnerabilidade e das altas taxas de morbidade, morrem mais homens do que mulheres durante o ciclo evolutivo de vida e muitas dessas mortes poderiam ser evitadas, se não fosse à resistência masculina diante da procura pelos serviços de saúde, particularmente da atenção básica2.
Destacam-se, neste sentido, os indicadores de morbidade e mortalidade que contribuíram para definir a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, em 75% dos casos, incidem em cinco grupos principais de entidades mórbidas, envolvendo: Causas Externas; Doenças do Aparelho Circulatório; Tumores; Doenças do Aparelho Digestivo e as Doenças do Aparelho Respiratório. Vale lembrar que as Causas Externas, os Acidentes de transporte, as lesões autoprovocadas voluntariamente e as agressões são responsáveis por uma grande porcentagem de óbitos na população masculina, visto que os óbitos por causas externas constituem a primeira causa de mortalidade no grupo populacional dos 25 aos 59 anos1.
Verifica-se, pois, que os homens acessam os serviços de saúde por meio da atenção terciária, quando já existe um quadro clínico de morbidade instalado, muitas vezes cronificado, demandando altos custos sociais, particularmente, para os homens, e econômicos para o estado. Neste sentido, a PNAISH destaca ainda, que 80% das internações masculinas no SUS são motivadas pelas causas externas, com preponderância na faixa etária dos 20 aos 29 anos, e reforça que em 2007, 39,8% das internações foram de homens, e dessas 48% ocorreram na faixa populacional dos 15 aos 59 anos. Sendo os acidentes de trânsito as causas de maior magnitude1.
A expressão de tais indicadores vem intensificar nos últimos anos, os fóruns de discussões sobre saúde e autocuidado da população masculina, tanto nos meios acadêmicos quanto no âmbito gestão dos serviços de saúde local e nacional. Destacam-se nestas discussões, entre outros aspectos, a investigação dos fatores que, em maior ou menor grau, distanciam os usuários do gênero masculino dos serviços de atenção básica à saúde, a necessidade de adequação desses serviços, a necessidade de instrumentalização dos profissionais da área, e as estratégias para a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem definida em 2008 pelo Ministério da Saúde1, cujos objetivos perpassam pela promoção da saúde e prevenção de doenças.
Diante do reconhecimento desse cenário que se traduz como um importante problema de saúde pública, o Ministério da Saúde do Brasil instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, a qual tem o propósito de qualificar a saúde da população masculina na perspectiva de linhas de cuidado resguardando a integralidade da atenção, o fortalecimento e qualificação da atenção primária para garantir a promoção da saúde e a prevenção de agravos evitáveis a esta população1.
Assim, incluir os homens na atenção primária à saúde é um desafio às políticas públicas, pois estes não reconhecem a importância da promoção da saúde e prevenção de doenças como questões associadas a sua saúde. O cuidar de si e a valorização do corpo no sentido da saúde, não são questões colocadas na socialização dos homens3. Como consequência, pode-se afirmar que esta construção sociocultural do ser humano tem produzido comportamentos e atitudes que influenciam negativamente nos seus determinantes do processo saúde-doença.
Portanto, diante do perfil de morbimortalidade que caracteriza o quadro de saúde do homem e das possibilidades da valorização de suas demandas de saúde, este estudo se propõe a responder aos seguintes questionamentos: Quais as dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros para a efetivação da atenção à saúde do homem na Atenção Básica?
Para responder a estes questionamentos o estudo tem como objetivo geral conhecer as dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros da atenção básica no âmbito da atenção à saúde do homem.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa exploratória-descritiva com abordagem qualitativa. Seu caráter exploratório revela-se pela possibilidade de aumentar a familiaridade com a temática do estudo - Inserção do Homem na Atenção Básica à Saúde - de modo sistemático, buscou-se, após descrição do fenômeno e relação entre suas variáveis, clarificar conceitos vinculados à temática e identificar as dificuldades para a inserção do homem neste nível de atenção à saúde.
A pesquisa foi desenvolvida nas Unidades Integradas de Saúde (UIS) dos Distritos Sanitários I, II, III, IV e V que compõem a rede de serviços de saúde do Município de João Pessoa, Estado da Paraíba no período de Maio a Agosto de 2013. Esse cenário foi selecionado por contemplar ações da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem.
A população que representa os sujeitos, dessa pesquisa, foi constituída por um quantitativo de 28 (vinte e oito) enfermeiros, cuja participação foi condicionada à sua anuência expressa no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A). A amostra ocorreu por acessibilidade, considerando como critério de inclusão enfermeiros que desenvolvem ações nas Unidades selecionadas para o estudo há pelo menos um ano.
O projeto de pesquisa foi aprovado em 23 de Abril de 2013 pelo Comitê de Ética em Pesquisa, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, com o protocolo nº 0114/13 e CAEE 13597213.0.0000.5188, e em seguida foi submetido à apreciação da Secretaria Municipal de Saúde do Município de João Pessoa - PB e dos gestores dos Distritos envolvidos na pesquisa. Assim, após a sua aprovação pelos referidos órgãos e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes do estudo, foi iniciada a pesquisa. Foram identificadas com a letra E de enfermeiro, seguida por um número.
Os dados foram coletados por meio de entrevista subsidiada por um roteiro semiestruturado, registrados por gravação e, posteriormente, transcritos para análise.
A análise das informações foi efetivada utilizando-se a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin4. Neste processo, foram operacionalizadas as três fases da análise de conteúdo: 1) pré-análise 2) a exploração do material e 3) tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
A fase de pré-análise constituiu-se na operacionalização e sistematização das ideias iniciais. Nela foram efetivadas leituras na busca de identificar os conceitos teóricos que subsidiaram a análise acerca das informações dos enfermeiros quanto às dificuldades de inserção dos homens na ABS.
A fase de exploração do material consistiu em operações de codificação para identificar os núcleos de sentido dos relatos, e revelar as Unidades Temáticas, subcategorias, que em decorrência das suas similaridades resultaram na construção das categorias.
No que se refere à fase de tratamento dos resultados, inferência e interpretação, buscou-se, com base no referencial que caracteriza o estado da arte frente à temática, o significado da amplitude dos relatos, proporcionando, assim, sua interpretação.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Dificuldades vivenciadas pelos enfermeiros da ABS no cuidado à saúde do homem
A análise das unidades temáticas oriundas dos relatos dos enfermeiros participantes da pesquisa revelou um campo amplo de dificuldades para a inserção do homem nas ações da atenção básica à saúde, representado por três categorias e oito subcategorias, as quais estão apresentadas no Quadro 1, e discutidas com base na literatura, envolvendo a construção da masculinidade e saúde, atenção básica e a PNAISH.
Categorias | Subcategorias |
Dificuldades de inserção na ABS vinculadas ao Homem | Ausência do homem na atenção básica de saúde |
Déficit de comportamento preventivo de autocuidado | |
Sentimentos de temor vinculados ao trabalho | |
Dificuldades de inserção do homem na ABS vinculadas aos Profissionais | Déficit em capacitação em saúde do homem |
Déficit de conhecimento sobre a PNAISH | |
Dificuldades de inserção do homem na ABS vinculadas aos serviços | Feminilização dos serviços da ABS |
Incompatibilidade de horários com a atividade laboral | |
Excesso de demandas na atenção básica |
Conforme o quadro, as dificuldades de inserção dos homens na ABS, vivenciadas pelos enfermeiros se traduzem em três aspectos: o próprio homem; aos profissionais e aos serviços deste nível de atenção.
A similaridade dos relatos vinculados aos homens possibilitou a construção da categoria dificuldades de inserção na ABS vinculadas ao Homem que teve como base para a sua identificação as subcategorias: Ausência do homem na atenção básica de saúde; Déficit de comportamento preventivo de autocuidado; e Sentimentos de temor vinculados ao trabalho.
Sabe-se que a adoção de práticas que estimulem a participação dos homens na atenção básica devem ser desenvolvidas e priorizadas já na atenção básica à saúde, nas próprias unidades básicas e/ou em ações junto à comunidade da área adstrita, e desenvolvidas por meio de estratégias que consigam inserir essa população nas demais ações de saúde. Entretanto, a ausência dos homens nesses serviços, tem dificultado estratégias para a sua inserção. Neste estudo, tal fenômeno é revelado a partir dos relatos: [...] as dificuldades são assim, porque eles não vem (E3)/[...] não comparecem a unidade (E8)/[...] entrave de não vir na unidade (E9)/[...] a ausência deles (E18), que possibilitou a identificação da subcategoria Ausência da clientela masculina na atenção básica de saúde.
Em relação à associação da ausência dos homens, ou sua invisibilidade nesses serviços, há uma característica da identidade masculina relacionada ao seu processo de socialização, percebe-se que os homens preferem utilizar outros serviços de saúde, mais de pronto-atendimento, como farmácias e prontos-socorros, que responderiam mais objetivamente às suas demandas, sendo atendidos mais rapidamente e expondo seus problemas com uma maior facilidade5.
Ao analisar as relações entre masculinidade e cuidados de saúde, observa-se que a percepção dos homens sobre a saúde recai sobre a necessidade e dificuldade em procurar os serviços, fazendo com que estes retardem ao máximo a busca por assistência e só procuram quando não conseguem lidar sozinhos com seus sintomas6.
Inserir o homem em ações de saúde no nível da atenção básica e implementar intervenções que visem atender suas demandas específicas, é um enorme desafio. Entretanto, é um passo fundamental para que esses usuários sejam vistos pelos profissionais da saúde como seres dotados de necessidades, que precisam ser incluídos nessas ações, seja para a promoção da saúde e/ou prevenção de agravos.
Na subcategoria déficit de comportamento preventivo de autocuidado, a fala dos enfermeiros revelou que os homens não reconhecem suas necessidades de saúde no âmbito preventivo. Deste modo, pode-se afirmar que os mesmos cultivam a ideia que não adoecem e só procuram a atenção básica quando a doença já se encontra instalada, como pode ser identificados a partir dos relatos: [...] eles vêm quando tem algum problema de saúde [...] para a prevenção não vêm de jeito nenhum (E5, E22)/[...] ele já chega com a doença instalada (E10, E12, E13, E14, E18, E22)/[...] dizem que não precisam, não estão sentindo nada (E13)/[...] eles vêm quando estão no último grau de necessidade (E16, E25, E27)/[...] não vem com prevenção (E14).
Os profissionais de saúde reconhecem as dificuldades dos homens usuários da atenção básica de buscarem cuidados preventivos em saúde, revelando que a construção do modelo hegemônico de masculinidade dificulta a procura por serviços de saúde, perpetuando a visão curativa do processo saúde-doença e ignorando as medidas de prevenção e promoção da saúde, disponíveis no âmbito da atenção básica. A sociedade impõe ao homem uma postura de invulnerabilidade, não lhe dando o direito de transparecer suas fragilidades. Não é permitido ao homem chorar, emocionar-se, evidenciar o medo ou a ansiedade. Sendo assim, procurar um serviço de saúde para tratamento ou prevenção de riscos é um ato de fragilidade que se choca com as concepções desta sociedade androcêntrica7.
Tais relatos revelam o reflexo da ausência dos homens no âmbito da atenção básica e reafirmam que eles acessam os serviços especializados de saúde com quadros de morbidade já instalados e, muitas vezes cronificados, gerando sobrecargas nos custos vinculados à saúde, sem que tenha deixado evidências do fluxo de atendimento sem seguir o fluxo de atenção das redes de cuidado preconizado pelo Sistema Único de Saúde.
Na discussão das dificuldades de inserção dos homens na ABS, outro conceito importante que emerge, refere-se ao medo de perder o trabalho. Este também é mencionado como um problema, haja vista que o mundo do trabalho desvaloriza a ausência masculina motivada por saúde/doença, assim os homens evitam assumir essa busca pelo receio de revelarem fragilidades no seu contexto social8.
Assim, na subcategoria Sentimentos de temor vinculados ao trabalho, a fala dos enfermeiros reforçou que o medo do homem se prejudicar no trabalho é um dos principais motivos que favorece o desinteresse por parte desta população na procura pelos serviços de saúde, conforme os relatos: [...] o trabalho, ele se prejudica nesse aspecto [...] (E9)/[...] medo de perder o trabalho [...] (E18, E26)/[...] medo de levar atestado [...] (E26).
Contribuindo ainda com a reflexão frente à relação trabalho e cuidado de saúde, pode-se afirmar que a exigência de cumprir uma jornada laboral diária e a obrigatoriedade de executar as tarefas no tempo prescrito, o que normalmente coincide com o horário de funcionamento dos serviços de saúde, impede a procura dos mesmos pela assistência3.
Pode-se afirmar que a influência da socialização na construção de identidade masculina no contexto laboral e sua influência no processo saúde-doença têm representado um desafio no âmbito da atenção básica de saúde, uma vez que, as UBS estão organizadas para o funcionamento em horários incompatíveis com a jornada laboral do homem, sendo assim, é necessário estruturar os serviços de saúde em termos de organização e processo de trabalho, a fim de atender à especificidade dessa população, oferecendo fácil acesso aos serviços, readequando os horários de funcionamento para favorecer uma assistência de qualidade e inclusiva. Nesta direção, podem-se destacar ideias de estudos com profissionais e usuários da ABS, que apontam o trabalho como um dos principais aspectos arrolados para justificar a ausência ou dificuldade dos usuários acessarem os serviços9.
As dificuldades de inserção, como já referidas, envolvem também aspectos voltados para os profissionais da saúde e, segundo os enfermeiros, vinculam-se a Déficit em capacitação em saúde do homem e Déficit de conhecimento sobre a PNAISH, subcategorias aqui identificadas que levam a construção da categoria Dificuldades de Inserção do homem na ABS vinculadas aos profissionais.
Na subcategoria déficit em capacitação em saúde do homem, observou-se, que as práticas de educação em saúde no âmbito da saúde do homem são restritas, ao relatarem que não há capacitação/instrumentalização voltada para essa área, dificultando, assim, a assistência prestada a essa clientela, conforme os relatos a seguir: [...] não tem uma capacitação [...] se a gente fosse capacitado seria muito melhor [...] (E17, E22) [...] fica a desejar os treinamentos [...] a gente não teve treinamento para a saúde do homem [...] (E23).
A capacitação contínua dos profissionais da Enfermagem atuantes na Atenção Básica é responsabilidade das instituições de saúde, com o objetivo de promover a atualização de conceitos, para lidarem com as questões sociais e técnicas inerentes a essa nova dinâmica do trabalho10.
O cenário de falta de qualificação profissional na atenção à saúde do homem poderá estar contribuindo para a baixa inserção do homem nas ações da ABS e, ao mesmo tempo, reafirma a necessidade de instrumentalização desses profissionais.
Contribuindo ainda com essa reflexão, destaca-se a necessidade de atentar para o perfil e as necessidades do trabalhador a ser capacitado11. Dessa forma, qualificar os enfermeiros, neste aspecto, é um desafio, cujas raízes têm sua origem ainda na formação acadêmica, bem como na educação continuada, sendo, pois, a educação permanente um instrumento para minimizar/resolver essas lacunas contribuindo para elevar o quadro de visibilidade do homem na atenção básica.
De acordo com o Ministério da Saúde e da Educação (2007), o distanciamento entre o mundo acadêmico e o da prestação real dos serviços de saúde vem sendo apontado em todo mundo como um dos responsáveis pela crise do setor da saúde, principalmente, na saúde do homem, onde se evidencia altas taxas de morbimortalidade e a presença de doenças crônicas12.
O Déficit de conhecimento sobre a PNAISH, enquanto subcategoria vinculada às dificuldades dos profissionais foi identificado através dos relatos: [...] a gente tem que ter material, que a gente não tem para trabalhar a saúde do homem [...] (E23) [...] não tem nada voltado à saúde do homem [...] (E27) [...] os serviços não oferecem um atendimento [...] falta de serviços para eles [...] (E24).
É oportuno destacar que o referido déficit dos enfermeiros frente à PNAISH volta-se diretamente para sua proposição inclusiva, ou seja, a política foi gestada e divulgada para que as ações de promoção da saúde e prevenção de agravos à população masculina na ABS ocorressem a partir das ações ali instituídas. Uma das diretrizes da PNAISH é reorganizar as ações de saúde, por meio de uma proposta inclusiva, na qual os homens considerem os serviços de saúde também como espaços masculinos e, por sua vez, os serviços de saúde reconheçam os homens como sujeitos que necessitem de cuidados, buscando implementar as estratégias de inclusão da população masculina, e o atendimento de suas necessidades2.
Assim, observa-se uma lacuna entre o conhecimento dos enfermeiros acerca dos serviços e das ações destinados à clientela masculina nas UBS. Talvez, este fato deva-se ao déficit de conhecimento desses profissionais e dos gestores da área acerca da referida política e de seu plano de ação.
Compreende-se que a implementação dessa política é de extrema importância para que sejam minimizados os déficits na atenção à saúde do homem e o SUS possa cumprir os seus princípios. Desse modo, a sua compreensão adequada é fundamental para que as ações dos profissionais se tornem efetivas e com resultados que revelem eficácia.
As dificuldades de inserção na ABS vinculadas aos serviços tiveram como base para a sua identificação as subcategorias: Feminilização dos serviços da ABS; Incompatibilidade de horários; e Excesso de demandas na atenção básica, as quais se encontram discutidas a seguir.
A predominância de profissionais do gênero feminino e de ações voltadas para a mulher e/ou crianças, identificada nas falas dos enfermeiros, possibilitou a construção da subcategoria Feminilização dos serviços da ABS, apresentada nos relatos: [...] na maioria das vezes os serviços tem muitas mulheres [...] (E20) [...] por eu ser mulher [...] (E21).
Sabe-se que os homens, particularmente, aqueles na faixa etária priorizada na PNAISH (20-59 anos), têm receio de frequentar os serviços de saúde, refletindo a sua pouca frequência na ABS, por não se sentirem parte dele, uma vez que a maioria das ações é destinada para mulheres, crianças e idosos, o que termina por reforçar o modelo hegemônico de masculinidade construído socialmente e arraigado por séculos.
A perspectiva de gênero característica dos cenários das UBSs precisa ser repensada, uma vez que a feminilização desses espaços representa um impedimento para a atenção à saúde do homem. Vários estudos, a exemplo de Gomes (2009), reafirmam que a percepção do homem acerca do contexto da Atenção Básica, como um ambiente feminilizado, acaba por dificultar a sua inserção nos serviços ofertados3,8.
A presença de profissionais da saúde do gênero masculino, incluindo-se os enfermeiros, poderá contribuir para uma melhor inserção dos homens nas ações da ABS. Porém, este cenário é preciso ter características de masculinidade para que os homens possam se sentir acolhidos efetivem vínculos e, desse modo, tornem-se participes da construção do processo saúde-doença. Tais aspectos são pontos fundamentais e estruturantes que, certamente, auxiliarão os profissionais na adoção de novas atitudes para acolher as demandas de saúde apresentadas pelos homens no cotidiano dos serviços.
No entanto, para que o acolhimento e o vínculo aconteçam verdadeiramente e se tornem uma marca de valor das práticas de saúde da Atenção Primária à Saúde (APS) para os sujeitos, não depende apenas dos profissionais de saúde se mostrarem disponíveis e ouvir as demandas dos homens. É preciso que as práticas de saúde sejam construídas visando ampliar os produtos de atenção à saúde para esse público13.
Ainda na perspectiva da identificação das dificuldades vivenciadas pelos enfermeiros para a inserção dos homens nas ações da ABS, a fala desses profissionais expressa o horário de funcionamento como um aspecto importante vinculado aos serviços, que dificulta o acesso e permanência dos usuários do gênero masculino neste nível de atenção. Desse modo, foi identificada a subcategoria Incompatibilidade de horários com a atividade laboral, conforme se verifica nos relatos: [...] horário de trabalho [...] (E10, E12, E13, E16, E20, E22, E25)/[...] homens que trabalham o dia todo, é difícil vir à unidade [...] (E11, E19) [...] não vem porque está trabalhando [...] o trabalho deles geralmente é no horário que a gente está atendendo [...] (E16, E25) [...] não tem mais atendimento na unidade nesse horário (noturno) [...] (E19) [...] a grande parte dos homens está em ambiente de trabalho, em horário de trabalho [...] (E20).
Percebe-se nessas falas que o horário de funcionamento dos serviços de ABS, por coincidir com o turno das atividades laborais da clientela masculina, dificulta a busca desses usuários por ações de promoção da saúde e prevenção de agravos, repercutindo de maneira significativa nos indicadores de morbimortalidade já referidos na PNAISH. Desse modo, verifica-se que o trabalho vem em primeiro plano nas prioridades masculinas, ficando os cuidados com a saúde relegados a um plano inferior.
Os serviços de saúde podem ser considerados pouco aptos para absorver a demanda apresentada pelos homens, pois sua organização não estimula o acesso para este segmento14. Nessa perspectiva, percebe-se que poucas são as unidades de saúde que disponibilizam atendimento ampliado, em turnos de 24 horas, aos fins de semana ou em um terceiro turno, à noite15. Sendo assim, as pessoas que estão trabalhando no mercado formal, com horários rígidos de expediente, não podem se ausentar com a frequência exigida, pois isso comprometeria a sua estabilidade no emprego.
É necessário, pois, adequar a oferta dos serviços de saúde da ABS com um horário de funcionamento que priorize as especificidades dos homens, a fim de inseri-los em ações de promoção da saúde e prevenção de agravos neste nível de atenção. A organização do trabalho precisa ser flexível, ou seja, dispor de mais possibilidades de ações, e não fragmentada, procurando concentrar o máximo de cuidados em mesmos horários e lugares, a fim de favorecer uma assistência de qualidade e includente16.
A subcategoria Excesso de demandas na atenção básica, verbalizada pelos enfermeiros como uma das dificuldades de inserção dos homens na atenção básica foi construída a partir dos relatos: [...] aqui a demanda é muito grande [...] impossível realizar atividade [...] (E22) [...] a grande demanda de consultas [...] tudo vem para a unidade [...] muito caso agudo e deixando de atender a prevenção [...] (E28).
A organização dos serviços na ABS, coloca os enfermeiros, bem como os demais profissionais, diante do desafio de cumprir as metas de produtividade, que resulta em dificuldades para planejamento e implementação de ações pertinentes à saúde da clientela masculina, e, desse modo, não adotam aspectos importantes preconizados pela Política Nacional de Atenção Básica17.
O excesso de demandas na atenção básica à saúde é um aspecto que tem sido valorizado em vários estudos pelos reflexos dos mesmos na dinâmica do trabalho cotidiano neste nível de atenção. A ESF foi concebida para expandir o acesso à atenção primária e coordenar a integração com as redes de atenção à saúde18. No entanto, na prática, a dimensão acesso continua baixa em virtude do excesso de demandas por serviços de saúde.
CONCLUSÃO
As dificuldades de inserção dos homens na ABS, vivenciadas pelos enfermeiros se traduzem em três contextos: o próprio homem; os profissionais e os serviços deste nível de atenção. No contexto do homem, revelam-se: ausência do homem na ABS, déficit de comportamento preventivo de autocuidado e sentimentos de temor. Em relação aos profissionais, identificou-se: déficit na capacitação em saúde do homem e de conhecimento sobre a PNAISH. Já no âmbito dos serviços de saúde, destacam-se: feminilização da ABS, incompatibilidade de horários e excesso de demandas como fatores que interferem de modo negativo na atenção à saúde do homem.
O desvelar dessas dificuldades permitem compreender que a saúde do homem no contexto da atenção básica é um desafio que comporta muitas e diferentes facetas. Entretanto, espera-se que as contribuições advindas com este estudo perpassem no contexto do ensino, da pesquisa e do processo cuidar-cuidado que, certamente, produzirão reflexos para minimizar a problemática apresentada.
No âmbito do ensino e pesquisa, espera-se que os aspectos aqui revelados sejam incorporados no planejamento das disciplinas que abordam a temática, dentre elas, gênero e saúde do homem e, assim, seus reflexos subsidiarão ações assistenciais mais focadas na realidade vivenciada pelos enfermeiros frente à assistência a clientela masculina nos serviços de saúde.
No âmbito do cuidado à cliente masculina na ABS, espera-se que a contribuição deste estudo seja de grande relevância, favorecendo uma maior aproximação dessa clientela com os profissionais e os serviços de saúde, gerando novas possibilidades de ação nesse contexto e um novo cenário para a saúde masculina. Ademais, as contribuições emergem para a pesquisadora na medida em que possibilitará a ampliação do seu conhecimento e definição de novas práticas neste campo do saber.
Pode-se afirmar que as dificuldades reveladas pelos enfermeiros da ABS no atendimento à saúde do homem expressam fragilidades que precisam ser superadas para que o SUS se torne uma realidade para esse grupo populacional.
REFERÊNCIAS