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CAPES

Volume 18, Número 3, Jul/Set - 2014



DOI: 10.5935/1414-8145.20140078

REFLEXÃO

Desafio ao uso das preparações alcoólicas para higienização das mãos nos serviços de saúde

Maria Fernanda do Prado 1
Edilaine Maran 1


1 Universidade Estadual do Paraná. Paranavaí - PR, Brasil

Recebido em 15/07/2013
Reapresentado em 15/11/2013
Aprovado em 17/03/2014

Autor correspondente:
Maria Fernanda do Prado
E-mail: mfpprado@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Propor uma reflexão teórica sobre os aspectos relacionados ao uso das preparações alcoólicas para higienização das mãos, no contexto dos serviços de saúde, na perspectiva das recomendações internacionais e nacionais, da eficácia antimicrobiana e fatores associados.
MÉTODO: Reflexão teórica acerca do uso das preparações alcoólicas para a higienização das mãos nos serviços de saúde, fundamentada nas normativas internacionais e nacionais vigentes.
RESULTADOS: A comprovação da eficácia antimicrobiana das preparações alcoólicas por métodos rigorosos que simulam condições práticas de uso é fundamental para a utilização destes produtos nos serviços de saúde. Coexistem ainda outras variáveis envolvidas na eficácia do procedimento de higienização das mãos, tais como a sua duração, o volume do produto a ser aplicado e a aceitabilidade.
CONCLUSÃO: Identificam-se lacunas nas normativas oficiais, referentes aos aspectos supracitados que podem comprometer um dos componentes mais importantes do controle de infecções e a segurança do paciente.


Palavras-chave: Lavagem de mãos; Antiinfecciosos locais; Serviços de saúde; Infecção hospitalar.

INTRODUÇÃO

As infecções relacionadas à assistência à saúde podem ser consideradas um problema de saúde pública mundial, pois causam sofrimento para o paciente e sua família. Aumentam as taxas de morbidade, mortalidade, tempo de permanência hospitalar e elevam os custos do tratamento1.

Diante da magnitude deste problema, a higienização das mãos é considerada o procedimento individual, mais simples e eficaz na prevenção e controle dessas infecções, pois estas podem ser transmitidas pelas mãos contaminadas dos profissionais da saúde, durante a sua prática assistencial1,2.

Apesar das evidências mostrarem a importância da higienização das mãos na prevenção e controle das infecções relacionadas à assistência à saúde, a adesão a esta prática permanece, inaceitavelmente, baixa. São fatores que contribuem para isso, a irritação da pele devido à frequente lavagem das mãos, a sobrecarga de trabalho, o excessivo uso de luvas, pias mal localizadas e conhecimento inadequado dos profissionais de saúde sobre as indicações para higienizá-las2.

Nos últimos anos, várias preparações alcoólicas em gel foram lançadas no mercado para estimular a adesão à higienização das mãos. As vantagens desses produtos incluem a maior eficácia na redução da contagem bacteriana das mãos, causam menos ressecamento do que o sabão comum e as soluções antissépticas detergentes apresentam maior facilidade de uso, requerem menos tempo de ação e podem estar disponíveis à beira do leito do paciente, facilitando o acesso e estimulando o uso do produto3.

Na Europa e nos Estados Unidos da América, a comercialização destes produtos está condicionada à comprovação de eficácia antimicrobiana in vivo, por testes que simulam condições práticas de uso4,5. No Brasil, para registro, entre outras exigências, o produto deve comprovar eficácia antibacteriana in vitro, pois não existe um método oficial, preconizado pelo Ministério da Saúde, para a avaliação in vivo destes produtos.

Neste contexto, o presente estudo propõe refletir sobre os aspectos relacionados ao uso das preparações alcoólicas para a higienização das mãos, especialmente na perspectiva das recomendações internacionais e nacionais, sobre a eficácia antimicrobiana e outros fatores importantes para a utilização destes produtos nos serviços de saúde.

Recomendações internacionais sobre o uso de preparações alcoólicas na higienização das mãos

As novas recomendações para a higienização das mãos ratificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)2, propõem o uso de preparações alcoólicas como procedimento padrão para a antissepsia das mãos pelos profissionais da saúde em substituição a tradicional lavagem das mãos com água e sabão, quando estas não estiverem visivelmente ou contaminadas com material orgânico.

Para isso, na Europa, o método empregado é a Norma Europeia 1500 (EN-1500), que compara a eficácia antimicrobiana in vivo do produto a ser testado contra aquela de um álcool de referência (2-propanol a 60%, v/v), na remoção de uma amostra padrão de Escherichia coli das mãos, artificialmente, contaminadas. O produto somente é liberado para o mercado desde que apresente uma atividade igual ou superior a do álcool de referência4.

Nos Estados Unidos, estes produtos são testados pelo método de avaliação da eficácia antimicrobiana in vivo que consiste em dez aplicações do produto a ser testado após a contaminação artificial das mãos com uma amostra bacteriana de Serratia marcescens (microrganismo teste). O produto é considerado aprovado quando reduz 2 log10 do microrganismo, teste em cada mão, dentro de cinco minutos, após a primeira aplicação ou 3 log10 após cinco minutos da décima aplicação5.

Recomendações nacionais sobre o uso de preparações alcoólicas na higienização das mãos

Em virtude da recente introdução das preparações alcoólicas em gel nos hospitais brasileiros, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em 2010, publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 42 para promover o uso das preparações alcoólicas na higienização das mãos6. Esta resolução obriga o uso desses produtos nos serviços de saúde, independente do nível de complexidade do serviço, desde que haja a comprovação da eficácia antimicrobiana por testes in vitro ou in vivo.

Entretanto, no Brasil, o teste de eficácia antimicrobiana in vivo desses produtos é dificultado, porque não existe um método oficial preconizado para a avaliação destes produtos. Para registro junto ao Ministério da Saúde, os produtos são testados pelo teste de suspensão, que consiste em um teste in vitro e quantitativo para avaliar a atividade bactericida de desinfetantes e antissépticos7.

Eficácia antimicrobiana das preparações alcoólicas: álcool em gel versus álcool líquido

Em geral, as preparações alcoólicas estão disponíveis na apresentação líquida ou em gel e a eficácia antimicrobiana in vivo destes produtos tem sido comprovada em diversos países8. Contudo, a eficácia antimicrobiana pode diferir entre as formulações, pois geralmente as formulações alcoólicas em gel são inferiores as líquidas9-11.

Nessa perspectiva, um estudo europeu avaliou a eficácia antimicrobiana de dez álcoois géis fabricados na Europa, utilizando a metodologia da EN-1500, os resultados mostraram que nenhum dos álcoois géis atingiu os critérios de eficácia antimicrobiana exigidos pela norma12.

No Brasil, um estudo similar testou doze álcoois géis fabricados e comercializados no país de acordo com a EN-1500, os resultados mostraram que a maioria 8/12 (67%) dos álcoois géis apresentou limitada eficácia antimicrobiana em 30 segundos e, em contraste, o álcool etílico em solução a 70% (p/p) teve a sua eficácia antimicrobiana comprovada13.

Isto porque, para aumentar a viscosidade, os géis, frequentemente, contêm ingredientes como o ácido poliacrílico (espessante) e poliamina (neutralizantes) que limitam em alguma extensão a quantidade de álcool que pode ser incorporada ao produto9. O espessante pode ainda dificultar a liberação do álcool, diminuindo assim a eficácia do produto11. Para compensar essa menor atividade antimicrobiana, os álcoois géis a base de etanol devem conter no mínimo 80% (v/v) de álcool na sua formulação11,12.

Diante da limitada eficácia do álcool gel em relação ao líquido, recomenda-se cautela no uso do álcool gel para antissepsia das mãos nos serviços de saúde, pois a eficácia antimicrobiana desses produtos pode ser insuficiente para prevenir a transmissão de microrganismos pelas mãos dos profissionais da saúde, durante a sua prática assistencial11. Assim, a introdução do álcool em gel em clínicas e hospitais somente deve ser recomendada se apresentar atividade pelo menos igual a do álcool etílico 70% (p/p) em solução, que possui comprovada eficácia antimicrobiana e longa tradição de uso na higienização das mãos nos serviços de saúde2.

Fatores adicionais envolvidos na eficácia da higienização das mãos com preparações alcoólicas

O fator fundamental a ser considerado para o uso destes produtos nos serviços de saúde é a sua eficácia antimicrobiana. No entanto, outros fatores podem interferir, indiretamente, na higienização das mãos, como o desempenho correto da técnica, as indicações para realizá-la e a aceitabilidade aos produtos.

Para a higienização das mãos, o Ministério da Saúde recomenda a utilização do álcool gel, preferencialmente, a 70% ou em solução a 70% com 1-3% de glicerina, na quantidade recomendada pelo fabricante e no tempo de aplicação de 20 a 30 segundos, seguindo uma sequência de passos padronizados1.

Ao considerar que vários produtos comercializados no país não trazem no rótulo a informação da quantidade aplicável, torna-se evidente que o Ministério da Saúde, em caráter regulatório, deva exigir dos fabricantes esta adequação. Com efeito, estudos internacionais enfatizam a aplicação de três ml do produto para cobrir toda a superfície das mãos e melhorar a efetividade da fricção antisséptica e destacam ainda que a eficácia antimicrobiana das preparações alcoólicas está fortemente correlacionada ao volume usado e ao tempo de execução do procedimento3.

Ressalta-se que considerar o tempo e a frequência na prática da higienização das mãos é essencial, mais ainda considerar a qualidade na execução do procedimento, pois as falhas em relação à técnica podem ser observadas em 50% dos procedimentos realizados, o que reduz em 35% a sua eficácia3. Para isso, recomenda-se monitorar esta prática nos serviços de saúde14.

Na garantia do desempenho correto, a OMS recomenda que as campanhas educativas direcionadas aos profissionais da saúde enfatizem os elementos relacionados à técnica de higienização das mãos e as indicações para higienizá-las, ou seja, os cinco momentos em que se devem higienizar as mãos, que inclui: antes do contato com o paciente, antes da realização de procedimentos limpos e assépticos, após o contato com fluidos corporais, após o contato com o paciente e após o contato com o ambiente. Este conceito proporciona uma visão unificada das indicações para se higienizar as mãos, facilitando a educação, minimizando a variação interindividual e aumentando a adesão a esta prática2.

Um terceiro fator a ser considerado, é a aceitabilidade e a tolerância ao produto, que são influenciadas pela sua composição e adição de emolientes, em consequência, é necessário escolher o produto que possua eficácia antimicrobiana e composição adequada10. Neste aspecto, as preparações alcoólicas são mais toleradas pelos profissionais da saúde do que os demais produtos para a higienização das mãos, pois mantém a camada de gordura protetora da pele e, usualmente, contêm emolientes que previnem o seu ressecamento15.

CONCLUSÃO

São inegáveis as vantagens das preparações alcoólicas em relação aos demais produtos para a higienização das mãos. No entanto, dada à complexidade que envolve a incorporação destes produtos no contexto dos serviços de saúde, alguns desafios institucionais precisam ser superados, pois existe a superioridade do álcool líquido em relação ao gel, outras variáveis indiretas envolvidas na eficácia do procedimento, tais como a sua duração, o volume do produto a ser aplicado, as indicações para higienizá-la e a aceitabilidade. Soma-se ainda, a obrigatoriedade do uso das preparações alcoólicas nos serviços de saúde e a existência de algumas lacunas nas normativas oficiais a este respeito.

Considerando a problemática das infecções relacionadas à assistência à saúde e o reconhecimento dos efeitos da higienização das mãos na diminuição das taxas dessas infecções, avança-se sobre dois pontos centrais: os desafios impostos à prevenção e controle das infecções no âmbito governamental e no contexto de cada serviço de saúde.

Reconhece-se o esforço empreendido pelo Ministério da Saúde em promover a higienização das mãos, em conformidade com as recomendações internacionais. Entretanto, a RDC nº 42 propõe a utilização de preparações alcoólicas mediante a comprovação da eficácia antimicrobiana por testes in vitro ou in vivo. Como não existe no país um método oficial preconizado para avaliação in vivo desses produtos, a exemplo das normas europeias e americanas, que utilizam métodos rigorosos sob condições práticas de uso, sugere-se ao Ministério da Saúde a necessidade de revisão do teste de eficácia antimicrobiana usado para o registro das preparações alcoólicas comercializadas no Brasil. Outro aspecto igualmente importante, é a necessidade de exigir dos fabricantes a indicação do volume e tempo de aplicação do produto nos rótulos, para dar mais credibilidade aos álcoois géis comercializados no Brasil.

Em relação aos serviços de saúde, lança-se a preocupação sobre o seguinte cenário: número insuficiente de profissionais da saúde, estrutura física inadequada, conhecimento insuficiente dos profissionais sobre o tema e ausência de monitoramento da prática pelos responsáveis pelo controle de infecção, o que dificulta a adesão à higienização das mãos. Não basta somente atender a RDC nº 42 recorrendo ao uso das preparações alcoólicas. É imperativo que se garanta um ambiente institucional seguro. Assim, sugere-se que os serviços de saúde adotem, permanentemente, as estratégias multimodais recomendadas pela OMS que incluem a educação, monitoramento das práticas e feedback de desempenho dos profissionais da saúde, fixação de lembretes e cartazes em locais estratégicos sobre a técnica e as indicações para se higienizar as mãos.

Acredita-se que a articulação de uma política institucional, com fundamentos sólidos e uma estratégia consistente de adesão à higienização das mãos são compromissos a serem assumidos, para superar com êxito todos os desafios impostos a esta prática, com vistas a garantir a qualidade da assistência em saúde e a segurança global do paciente.

REFERÊNCIAS

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