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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 18, Número 3, Jul/Set - 2014



DOI: 10.5935/1414-8145.20140065

PESQUISA

Vigilância à saúde reprodutiva na Estratégia Saúde da Família

Alessandra Nogueira Elias 1
Edir Nei Teixeira Mandú 1
Liliane Maia de Azara Araujo 1


1 Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá - MT, Brasil

Recebido em 26/02/2013
Reapresentado em 12/03/2014
Aprovado em 24/04/2014

Autor correspondente:
Alessandra Nogueira Elias
E-mail: le_elias@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a prática de vigilância à saúde reprodutiva na Estratégia Saúde da Família, no cenário de Cuiabá, Mato Grosso.
MÉTODOS: Estudo exploratório, qualitativo. Realizou-se observação participante das práticas em territórios de duas equipes de saúde, de janeiro a junho de 2012. No exame do empírico, utilizou-se a análise de conteúdo temática.
RESULTADOS: As ações de vigilância foram realizadas, majoritariamente, por agentes comunitários, por meio de visitas domiciliárias às gestantes e às puérperas, com a finalidade de controlar agravos reprodutivos e de promover o autocuidado. O seu traço mais avançado foi à facilitação do acesso de mulheres às ações estratégicas do serviço local. A produção de informações em saúde reprodutiva, ainda que sistemática, não foi usada pelos trabalhadores no direcionamento das ações de saúde locais.
CONCLUSÃO: A prática de vigilância analisada mostrou-se restrita, embora ampliada em relação à tradicional busca ativa para o pré-natal e à vigilância epidemiológica de agravos controlados.


Palavras-chave: Vigilância; Promoção da Saúde; Saúde Reprodutiva; Programa Saúde da Família.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a vigilância à saúde constitui um importante marco conceitual e prático no campo da saúde, relacionado à diretriz da integralidade. Seu atributo central é a aposta na reorganização das práticas de modo a contemplar, além de riscos e danos, necessidades e determinantes de saúde1.

Há várias compreensões de vigilância à saúde, elaboradas historicamente. Em sentido reformulador, aplicável à prática de saúde reprodutiva em territórios da Estratégia Saúde da Família (ESF), seus principais eixos são1: planejamento das ações a partir da identificação de riscos, agravos/danos e determinantes; ênfase em problemas que requerem acompanhamento contínuo; ações de promoção da saúde, integradas às demais; e acesso equitativo das pessoas aos recursos de cuidado à saúde.

As ações de vigilância à saúde na ESF, em todo o país, são orientadas pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Nesta2, a vigilância é explicitada de modo restrito, como meio técnico de busca de casos e de pessoas nos territórios, como identificação de agravos, de fatores e de grupos de risco e, ainda, como notificação das situações monitoradas, por meio de vigilância epidemiológica. Contudo, na PNAB, também há proposições que correspondem ao sentido abrangente da vigilância à saúde, dentre outras, a territorialização, a oferta de ações planejadas a partir da realidade de vida e saúde das famílias, a construção de laços contínuos de compromisso entre essas e os serviços locais, e ações intersetoriais e em parceria. A política inova ao propor o desafio de construir práticas pautadas na lógica territorial, isto é, no reconhecimento de como as pessoas vivem o cotidiano e em quais condições, transpondo as ações para perto dos territórios-ambientes de vida delas.

Dessa ótica, a vigilância à saúde reprodutiva exige, na ESF, o reconhecimento das necessidades coletivas e individuais nessa esfera, por referência às condições da cotidianidade e de reprodução social da vida. A partir daquelas, deve se dar o planejamento e a execução de ações integradas e humanizadas de cura, prevenção e promoção, mediadas por relações de vínculo e corresponsabilização. Além disso, a vigilância deve propiciar o acesso de mulheres e homens aos recursos dos quais necessitam, da rede de serviços de saúde e da rede social.

Essa perspectiva de vigilância considera que a saúde reprodutiva refere-se à inter-relação entre a dinâmica biológica da reprodução, as situações de vida e cultura que nela influem a organização e a efetividade das ações sociais em resposta às necessidades nessa esfera, os modos das pessoas experimentarem e atribuírem sentido à saúde, à reprodução e aos cuidados, bem como de participarem da conquista de direitos sociais que as beneficiem.

Pelo exposto, considerou-se relevante olhar para a prática de vigilância à saúde reprodutiva processada nos territórios da ESF, pelo caráter inovador que dela se espera. Em Cuiabá, a atenção à saúde reprodutiva concentra-se no interior dos serviços, como constituinte de ações programáticas, e há certa invisibilidade em torno do realizado nos territórios.

Além do mais, a prática à saúde reprodutiva, nesse espaço, não tem sido objeto de publicações atuais. Os artigos nacionais dos últimos cinco anos tematizam a clínica e a educação em saúde reprodutiva na ESF, mas não sob o ângulo da vigilância. Algumas pesquisas enfocam a vigilância epidemiológica de agravos reprodutivos, e há apenas um estudo3 sobre a vigilância à saúde, mas na atenção básica como um todo. Feito no Município de São Paulo, esse estudo encontrou que trabalhadores a concebem de forma ampliada, como controle de enfermidades e de situações de vulnerabilidade, mas a realizam de forma tradicional, como vigilância epidemiológica, segundo o modelo biomédico.

Assim sendo, este estudo indagou: quais as características da vigilância à saúde reprodutiva em territórios da ESF, no cenário de Cuiabá, e quais finalidades sociais a norteiam? Objetivou-se analisar essa prática e reconhecer a perspectiva de vigilância nela expressa.

As ações territoriais em saúde correspondem às realizadas nos espaços de vida das pessoas, de forma próxima ao seu cotidiano. Esses espaços são socialmente configurados, compondo-se das sociabilidades cotidianas, articuladas à reprodução social da vida. Os territórios conformam a situação sanitária da população que o habita, sendo a saúde dialeticamente determinada por esses espaços4.

METODOLOGIA

Operacionalmente, o estudo teve objetivo exploratório, sendo o tema inexplorado. Adotou-se a abordagem qualitativa, dado que se buscou compreender o fenômeno de forma aprofundada, sem generalizar resultados5.

Realizou-se o estudo em duas unidades da ESF de Cuiabá. Esse município tem 63 equipes de Saúde da Família, 60 na zona urbana. Na escolha das unidades, consideram-se os critérios: localizar-se em área urbana; ter equipe de saúde completa, com inserção dos trabalhadores na unidade há pelo menos seis meses; não ter acadêmicos substituindo os trabalhadores na prática territorial. Buscou-se assegurar a participação de médicos, de enfermeiros e de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), uma vez que, no município, esses são os principais agentes das práticas territoriais.

Uma das unidades estudadas respondia pela assistência de 1.014 famílias, residentes em oito microáreas. A outra respondia por 1.274 famílias, de nove microáreas. No interior do serviço, as duas unidades ofertavam ações de pré-natal, de planejamento gestacional e de coleta de material para o exame de colpocitologia cervical oncótica (CCO).

Participaram 12 ACS, dois enfermeiros e um médico, sendo essa população definida por exaustão6. Durante a coleta de dados, em um dos territórios, o médico desligou-se da equipe, deixando de compor a população do estudo.

Fez-se a coleta de dados de janeiro a junho de 2012. A mesma foi conduzida pelo primeiro pesquisador, mediante 190 horas de observação, como observador parcial, das ações territoriais em geral e em saúde reprodutiva, das ações em saúde reprodutiva no interior do serviço, das reuniões semanais da equipe, das reuniões do enfermeiro com os ACS, e das ações de preparo e finalização das atividades territoriais rotineiras. O contato com os territórios ocorreu com a intermediação dos ACS. Gravou-se em meio digital os diálogos correspondente às ações acompanhadas; e o observado foi registrado em diário de campo. Complementou-se o observado com entrevista informal dos envolvidos.

Usou-se a técnica de análise de conteúdo temática5. Fez-se a análise inicial dos achados, por território. Conduziu-se a mesma a partir de indagações desdobradas da pergunta de pesquisa: que ações territoriais de vigilância à saúde reprodutiva foram feitas? Quem e o que eram focos dessas ações? Que agentes as realizaram? De que modo? Que finalidades elas espelharam? As categorias finais foram construídas a partir da prévia junção dos núcleos de sentido encontrados no material de ambos os territórios.

Na apresentação do empírico, usaram-se os códigos E para o enfermeiro; ACS para o Agente Comunitário de Saúde; e M para o médico; todos seguidos por números ordinais identificadores. Na especificação dos dois territórios usou-se o código T1 e T2.

O estudo respeitou as normas éticas de pesquisa envolvendo seres humanos, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller, parecer nº 089/2011, e os participantes assinaram o Termo de Consentimento exigido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os itens, a seguir, apresentam e discutem a prática de vigilância à saúde reprodutiva: ao que se volta, os seus agentes, as tecnologias usadas e as finalidades que a orientam. A nomeação dos itens sintetiza as principais características encontradas: 1) a centralidade das ações de controle, em domicílio, de riscos e de problemas de saúde de gestantes e puérperas, por ACS; 2) a parcialidade da produção e do uso de informações em saúde reprodutiva; e 3) a parcialidade da articulação do acesso da mulher e família aos recursos de saúde.

Centralidade das ações de controle de riscos e problemas de saúde de gestantes e puérperas, por ACS

Nos territórios das unidades estudadas, a vigilância à saúde reprodutiva efetivou-se, basicamente, por meio de visita domiciliária, destinada especificamente à abordagem de questões reprodutivas. Nas demais visitas, designadas a outros fins, quando havia, nos domicílios, mulheres e/ou homens em plena fase reprodutiva, ou próxima a ela, não ocorreram ações rotineiras e oportunas de vigilância na área.

A visita domiciliária é um importante instrumento de vigilância à saúde na ESF. Ela pode imprimir avanço na prática restrita à busca ativa e à vigilância epidemiológica de agravos. A visita permite conhecer o contexto sociocultural e intersubjetivo das famílias, as suas experiências e percepções da saúde, da doença e do cuidado, a especificidade dos seus problemas, além de distinguir necessidades de diferentes ordens e de atuar sobre elas.

Essa modalidade assistencial tem proporcionado avanços na continuidade do cuidado e na materialização da integralidade. Por meio dela, são propiciados novos modos de intervir, tanto na ESF como em diferentes pontos da rede de atenção à saúde, que contribuem à superação do modelo de atenção hegemônico7.

No contexto familiar, homens e mulheres, em diferentes fases da vida, portam necessidades reprodutivas peculiares e, por vezes, enfrentam situações sociais adversas à sua saúde. Desse modo, a visita pode ser um meio à abordagem de questões médicas, de forma contextualizada, e, ainda, de enfrentamento de problemas não médicos.

Na prática analisada, no entanto, as visitas serviram à busca de grávidas para o pré-natal, e de mulheres e parceiros para vigilância da sífilis, do HIV e da hepatite B. Além disso, as ações incidiram, basicamente, sobre o processo gestacional e puerperal. Foram objetos fortuitos de ação as necessidades das mulheres anteriores à concepção e as relacionadas ao exercício da maternidade, à finalização da fase reprodutiva e à esfera sexual, dentre outras.

O homem e a família também não se constituíram em unidades da ação assistencial, a não ser o primeiro, eventualmente. A família foi desconsiderada em sua participação no cuidado à mulher e à criança. O homem do mesmo modo e, ainda, como portador de necessidades próprias na esfera reprodutiva e frente ao exercício da paternidade.

A abordagem da saúde sexual, quando feita, resumiu-se a orientações. Nesse sentido, para as mulheres, elas focaram a realização da mamografia e do CCO, e o uso de meios contraceptivos. Para os homens, as orientações voltaram-se à prevenção do câncer de próstata e das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). A fala, a seguir, sintetiza os objetos recortados na prática de vigilância e as ações nela priorizadas:

A nossa obrigação é orientação, é levar informações sobre saúde para quem quer que seja. A primeira coisa que eu pergunto é se fez a mamografia, se já fez CCO, se já tem relação, porque em 13 anos de profissão eu já tenho mais intimidade. Pergunto se tem intenção de engravidar, explico sobre os métodos contraceptivos, sobre o risco de não fazer o CCO. A gente leva orientação no geral. Na saúde do homem é a mesma coisa. A gente pergunta: - Quantos anos você tem? Oh, tá na hora de fazer o exame da próstata! Você fez alguma vez? A gente fala do atendimento na policlínica. Você sabe que homem não gosta de médico. Principalmente, quando vai fazer o exame da próstata. Eu explico a importância. A gente fala também da sífilis, do cancro mole, das DSTs (ACS5, T2).

A primazia dada ao processo reprodutivo da mulher guarda relação com a construção cultural que o toma como um evento feminino, em um contexto social de desigualdades e de hierarquias de gênero entre homens e mulheres. Essa construção, reproduzida nas ações dos serviços, influiu não só na desatenção ao homem como sujeito das ações em questão, mas também na ênfase dada ao processo reprodutivo em si.

Estudo8 sobre a relação entre homens e a assistência à saúde, feito em quatro estados brasileiros, aponta que os serviços primários estudados não priorizavam o homem em suas ações, cuja invisibilidade relacionou-se ao imaginário social de gênero, que associa o feminino à assistência à saúde e o masculino ao não cuidado profissional.

Ao se concentrar no processo reprodutivo das mulheres, a prática de vigilância desconsidera outras questões relevantes, pertinentes tanto à saúde reprodutiva dos homens, como à fase anterior e posterior ao ciclo da gestação-puerpério e relativas aos nexos entre a saúde reprodutiva e os processos sociais e intersubjetivos.

As diretrizes nacionais para o pré-natal e o puerpério9, preconizam para a vigilância à saúde reprodutiva: 1) a captação de gestantes para a consulta pré-natal até 120 dias de gestação e a sua vinculação ao serviço para seguimento sistemático; 2) a busca das faltosas nas ações rotineiras; 3) a prevenção da transmissão vertical da sífilis, da hepatite B e do HIV; 4) a imunização preventiva do tétano neonatal e na mulher e da hepatite B; 5) a avaliação nutricional da gestante e o seu monitoramento por meio do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional; e 6) a efetivação de consultas até 10 dias e até 42 dias após o parto. Na recente Política de Atenção Integral à Saúde do Homem10, apesar de não se elencar ações específicas de vigilância, ressalva-se o direito desse à cuidados em saúde reprodutiva e ao apoio ao exercício da paternidade.

Inda que essas proposições sejam relevantes, a vigilância à saúde reprodutiva, de uma perspectiva reformuladora, também requer o reconhecimento e o enfrentamento das vulnerabilidades de mulheres e homens com implicações para a saúde na esfera em questão. Isso implica em considerar, de forma mais ampla que as estabelecidas, as iniquidades sociais, a desestruturação e os conflitos familiares, os padrões de gênero frente à questões reprodutivas e sexuais, bem como os potenciais dos quais homens e mulheres dispõem, dentre outros processos.

Nesse sentido, merecem atenção problemas historicamente considerados (gestação indesejada, dificuldades de controle da própria fertilidade, DSTs) e outros como a violência entre companheiros, a dependência química, a prostituição, a falta de apoio social às famílias pobres, dentre vários, cujos efeitos negativos demandam ações de promoção da saúde.

A organização dos cuidados básicos em saúde, em Cuiabá, articula-se em torno das ações estratégicas, cuja execução se estende aos territórios e mantém o recorte assistencial individualizado. À prioridade dada a este, segue-se a desvalorização de ações coletivas, reconhecida na ausência de projetos e de ações sistemáticas de promoção da saúde, como enfrentamento das vulnerabilidades, em interação com outros setores, serviços e os próprios territórios.

A promoção da saúde busca melhorar as condições e os modos de vida de pessoas/grupos e reduzir as suas vulnerabilidades, relacionados aos modos de viver, de pensar e agir; às condições de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer; ao apoio social às famílias, incluindo o acesso aos bens e serviços essenciais, como os de saúde, dentre outros aspectos.

No contexto estudado, as ações até aqui evidenciadas constituíram-se em responsabilidade, sobretudo dos ACS, como partes de sua rotina de visitação, nas microáreas. Aos enfermeiros cabiam visitas às gestantes de maior risco, às puérperas de até 10 dias pós-parto e às impossibilitadas de irem ao serviço local. No T2, isso ocorreu com certa regularidade. Já no T1, o enfermeiro deu prioridade às atividades do interior da unidade. O mesmo ocorreu com o médico do T2.

A PNAB atribui aos ACS a responsabilidade primeira pelas ações nos territórios, a despeito da complexidade delas. Apesar de também imputá-las a outros membros da equipe, como médicos e enfermeiros, na ESF em Cuiabá, esses têm responsabilidade exclusiva por ações priorizadas para o interior da unidade, controladas por meio da produtividade alcançada. Assim, as consultas ocuparam grande parte da agenda desses trabalhadores, restringindo o seu tempo para as ações externas, limitado a um período por semana.

Essa mesma característica foi assinalada em outro estudo, sobre os fatores que impedem, limitam e facilitam a intersetorialidade nos territórios de unidades da Saúde da Família de João Pessoa, Paraíba. Nele, destacou-se que demandas assistenciais no interior da unidade consumiam o tempo dos profissionais e restringiam a sua atuação nos territórios11.

Cabe considerar que, no cenário estudado, a despeito das orientações políticas dadas à assistência na ESF e dos controles exercidos pela gestão municipal, os trabalhadores participaram da definição dos contornos da prática em questão. Assim é que, em função do modo como o enfermeiro se posicionou, no T1 ele se manteve distanciado das ações territoriais, enquanto no T2 ele se mostrou atuante.

Em relação às tecnologias usadas nas visitas nos dois territórios, encontrou-se indagações sobre as condições de bem estar da mulher e a respeito da presença, ou não, de sinais, sintomas ou problemas indicativos de intercorrências, como edema, sangramento vaginal, diabetes, hipertensão, dentre outros.

ACS: - A primeira consulta que você fez com a M. foi dia 03/04, e a mais próxima é dia 02/05. Fatores de risco... [Olha para o roteiro de visita à gestante elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde]. Daí pergunta: - Você teve três gestações, nenhum aborto. Agora, nessa sua terceira gestação, você está com 36 anos, né? Sangramento nesse período, nenhum? Gestante: - Nenhum.

ACS: - E inchaço, você tem sentido que está inchada? Gestante: - De vez em quando é que incha meu pé.

ACS: - Aí você já conversa sobre isso com o médico, tá? Isso aí é importante. Pergunta: - Diabetes? Pressão alta? Gestante: - Nada.

[...] (ACS1, T2 - gestante de 36 anos, casada, 3ª gravidez).

O enfermeiro do T2 também empregou a avaliação física, focada em um dado aspecto, como a aferição da Pressão Arterial (PA), o exame de glicemia, a palpação das mamas puerperais, dentre outros.

Em ambos os territórios, os ACS controlaram, a partir dos registros no Cartão da Gestante, alterações no peso e na PA e a realização dos exames pré-natais de rotina. No T2, os ACS também verificaram riscos gravídicos registrados no Cartão e, conforme afirmaram, consultaram esse instrumento para, a partir dele, se certificarem de que as gestantes estavam indo ao pré-natal e cumprindo o recomendado. Nas visitas, os responsáveis indagaram as mulheres sobre o seguimento de cuidados recomendados ou considerados importantes, o que, frequentemente, somou-se à indicação do que necessariamente "deveriam" realizar.

Enfermeiro: - E a dieta? Está fazendo? Porque esse café... Gestante: - Papai, de manhã, dá sorvete para ela [filha] e eu falo: - Papai, eu já sou diabética... [riso].

Enfermeiro: - Pois é! Agora está querendo deixar ela também [apontando para a menina]? Gestante: - É o que eu digo para o papai, ele fala que ela quer [o sorvete] e eu digo que ele vai dar é diabete pra ela.

Enfermeiro: - Então, tem que ir mudando esses hábitos desde a infância. Mas você sabe que a criança segue a gente? Você mantenha a sua dieta! Gestante: - Eu como bastante fruta e verdura e ela também. Mas é só ir pra casa de mamãe e papai! [...] (E2, T2 - 29 anos, casada, diabética, 20 semanas gestacionais).

Na prática de vigilância dos ACS do T1, a ação mais comum foi o controle da imunização pela gestante e o controle da contracepção pela puérpera, via indagação e/ou indicação do que deveriam fazer. No T2, os ACS controlaram, em especial, a execução dos exames pré-natais e o uso de medicamentos prescritos. No fazer do enfermeiro, foi corriqueiro o controle do aleitamento e a certificação do cumprimento do esquema vacinal e da realização do "teste do pezinho" do recém-nascido, através dos mesmos recursos.

Quando a ação foi direcionada à gestante, a principal preocupação dos ACS e enfermeiros foi com manifestações indicativas de problemas médicos e com os seus comportamentos de autocuidado. Quando direcionada à puérpera, a ação centrou-se, especialmente, nos comportamentos da mulher com o recém-nascido e frente à amamentação.

De forma complementar as indagações, os dois agentes ofertaram informações e orientações assistemáticas às mulheres, em especial, sobre o uso de anticoncepcional, o aleitamento, os cuidados com o recém-nascido, a alimentação e a busca do serviço e de outros recursos médicos. Aspectos relacionados às experiências, aos pontos de vista, aos interesses e às condições das mulheres assistidas não tiveram espaço nas visitas.

Enquanto examinava a recém-nascida, a puérpera manifesta suas inquietações em relação ao retorno à atividade sexual:

Puérpera: - M., meu marido já tá querendo ter relação comigo, mas eu to meio com medo. Enfermeiro: - O que você está passando nesse coto? [perguntou mostrando o coto umbilical da recém-nascida].

Puérpera: - Só álcool. Sabe, quando o meu menino nasceu não foi assim. Agora, com ela [a filha], tá dando tanto trabalho, to tão cansada, não tenho vontade de ter relação. Mas eu não quero perder meu marido. Enfermeiro: - Me mostra como você está fazendo a limpeza do coto. É que pelo tempo, já era para ele ter caído.

A puérpera pegou o cotonete, umedeceu no álcool a 70% e mostrou como fazia a limpeza. Enquanto a realizava, o enfermeiro indagou: - Quantas vezes por dia você está fazendo? Puérpera: - Uma, depois do banho dela. Enfermeiro: - Ah, então é isso. Você deve fazer três vezes por dia, para ele secar mais rápido e cair. Após essa fala, a puérpera parou de manifestar suas preocupações quanto ao retorno à atividade sexual (E2, T2 - puérpera, 22 anos, dois filhos, casada).

A relação educativa estabelecida fundou-se no repasse linear de informações, em torno de recursos do serviço disponíveis e de "verdades médicas", atrelado à cobrança de alguns comportamentos esperados, tal como ocorre, historicamente, nos serviços de saúde.

Das características apresentadas, apreendeu-se que a principal finalidade das ações nos dois territórios era, no caso das gestantes, a prevenção e o controle médico de problemas gravídicos e, no caso das puérperas, o controle da fertilidade e da saúde do recém-nato.

Os achados evidenciam uma prática de vigilância ligada ao monitoramento de riscos e de agravos à saúde da população, aplicado à esfera reprodutiva. Essa perspectiva assistencial, de natureza histórica, tem contribuído à necessidade social de prevenção da morbimortalidade materna, fetal e neonatal, que constitui um objetivo destacado para o pré-natal no país.

O controle de riscos e de agravos reprodutivos privilegia tanto a prevenção como o atendimento às intercorrências médicas, o mais precocemente possível. Daí as práticas territoriais, como as analisadas, efetivarem-se, basicamente, por meio da investigação de riscos e problemas médicos e da indicação de comportamentos preventivos.

Do ponto de vista biomédico, os modos de vida das pessoas são julgados como causa dos problemas, assim, entende-se que eles precisam modificar-se, com base no que se ajuíza comportamento "correto". Essa possibilidade ancora-se na aceitação social da prática médica como fonte legítima de verdades, sendo ela instituição de controle social12.

A visão de saúde que se depreende dessa perspectiva a torna largamente dependente de comportamentos considerados "adequados". Em consequência disso, são valorizadas as perguntas sobre o feito, somadas a medidas educativas informacionais. Desse modo, os trabalhadores controlam os comportamentos na esfera reprodutiva e sexual, e indicam recursos disponíveis que os possibilitam, como os meios anticonceptivos, a camisinha, a imunização, a busca do serviço, os exames, dentre outros.

No modelo em curso, a atenção à saúde reprodutiva como um todo se orienta à finalidade de preservação da biologia reprodutiva feminina, ao controle biopolítico da reprodução, e ao reforço do papel social da mulher frente à maternidade. Há, nesse modelo, um conjunto de orientações a serem dadas, de controle de riscos e agravos implicados na fertilidade e na morbimortalidade perinatal e materna, e de controle de ideias, valores e atitudes relacionados à concepção e contracepção, à maternidade e paternidade, e ao autocuidado com a saúde reprodutiva e sexual.

A vigilância dos riscos e agravos reprodutivos, como parte das ações preventivas, é prática reconhecida em seus efeitos benéficos, feita tanto nos territórios como no interior dos serviços locais. Entretanto, elas se mostram limitadas da perspectiva reformuladora de vigilância à saúde reprodutiva.

Nessa última perspectiva, o respeito ao protagonismo das pessoas e a politização da reprodução são elementos importantes. Assim, o sentido educativo das ações deve comprometer-se com o governo, de mulheres e homens, de suas vidas e saúde. Para isso, é fundamental a participação ativa delas em todo o atendimento e, através de estratégias variadas, os trabalhadores devem levá-las a se manifestar, informar, refletir, decidir.

Além disso, a ação territorial deve se comprometer com a participação dos coletivos na conquista de melhores condições de vida e saúde nos territórios. Isso requer fortalecer a ação comunitária, por meio do incremento do poder técnico e político das pessoas e dos grupos. O compromisso com o fortalecimento das capacidades individuais e coletivas desses é um elemento implicado no enfrentamento de determinantes e condicionantes da saúde13.

Parcialidade da produção e do uso de informações que aproximam as ações profissionais da realidade de vida e saúde reprodutiva local

Os ACS detinham várias informações sobre as condições e os modos de vida e saúde das gestantes e puérperas, pelo contato cotidiano que possuíam com as famílias, por partilharem da mesma realidade de vida delas e pelas visitas de monitoramento realizadas.

Algumas dessas informações foram levadas para as unidades. No T1, isso ocorreu através do contato direto dos ACS com o médico ou enfermeiro, a juízo do primeiro.

A gente sempre leva para o médico as pessoas que precisam de visita na semana, geralmente os idosos, com a receita atrasada, os acamados, os que falam que não estão se sentindo muito bem. Para o enfermeiro, a gente também passa as gestantes com algum problema e as que acabaram de ganhar neném (ACS3, T1).

Sabe-se que a proximidade dos trabalhadores das famílias e a circulação de informações entre ambos, com a especial intermediação dos ACS, tal como encontrado, propicia o reconhecimento da realidade local de saúde reprodutiva e a integração das ações com esse fim.

Nesse sentido, também foram produzidos dados/informações nas visitas, registrados nos prontuários correspondentes. Mas apenas no T2 isso foi sistemático e reuniu dados sobre queixas, condições físicas e condutas gerais. As informações registradas concentraram-se em aspectos clínicos. Os registros não seguiram uma metodologia, mostraram-se simplificados e incompletos, sendo desvalorizados como meio de articulação de ações.

O repasse de informações dos territórios também ocorreu nas reuniões semanais de equipe. Na ocasião, os ACS colocaram em debate questões como: a recusa de cadastramento, a mudança de domicílio, e a dificuldade de estabelecer elo com determinadas famílias. Apesar disso, as reuniões constituíram-se, principalmente, em espaço de repasse, aos trabalhadores, de informações da Secretaria Municipal de Saúde.

As reuniões de equipe são consideradas espaços propícios à socialização de informações e ao planejamento coletivo das ações assistenciais. Desse modo, elas devem ser usadas para a tomada coletiva de decisão, a partir da discussão das situações encontradas nos territórios e de uma perspectiva interdisciplinar14. Para isso, são essenciais a produção e o acesso da equipe às informações sistematizadas da realidade local, a partir de indicadores estabelecidos, pois eles permitem o melhor planejamento e execução das ações nos territórios.

Nesse sentido, os ACS levantaram, sistematicamente, dados para o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), sobre condições de vida e saúde das famílias, captados por meio de ações de cadastramento, atualizadas continuamente, conforme instrumento padronizado nacionalmente (Ficha A).

O levantamento de dados específicos das gestantes ocorreu por meio do preenchimento da Ficha de Acompanhamento da Gestante (Ficha B-Ges), que contém: a data da última menstruação; a data provável de parto; a data da imunização antitetânica; o estado nutricional da gestante; a data da consulta pré-natal; os fatores de risco gestacional; o número de nascidos vivos, natimorto e aborto na última gestação; e a data da consulta de puerpério. Outras informações, em saúde reprodutiva, foram sistematizadas no Relatório da Situação de Saúde e Acompanhamento das Famílias (Relatório SSA2), que contempla: número de gestantes cadastradas e acompanhadas pelo serviço; número de gestantes com esquema vacinal de antitetânica atualizado; número de gestantes que realizaram a consulta de pré-natal no mês; número de gestantes que iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre de gravidez; número das com idade inferior a 20 anos e cadastradas no SISPRENATAL.

A prática abrangente de vigilância à saúde entende o território como lócus onde ocorrem as relações sociais de produção e de reprodução social. As práticas profissionais devem estar imersas nesse contexto. Isso pressupõe o esquadrinhamento dos territórios, segundo a lógica das relações entre condições de vida, saúde e acesso aos serviços de saúde4.

As várias necessidades de saúde são experimentadas individualmente, mas são configuradas socialmente. Assim, elas precisam ser reconhecidas nos territórios, como necessidades da coletividade, para, a partir delas, se estabelecer as prioridades assistenciais e os meios para atendê-las4.

Embora tenham essa importância, nas práticas territoriais analisadas, os indicadores de saúde coletiva possíveis de serem produzidos a partir do SIAB, conforme estabelecido pelo Ministério da Saúde, não foram usados no reconhecimento de características sócioepidemiológicas locais, inclusive as relacionadas à saúde reprodutiva.

É preciso considerar ainda que, as informações possíveis de serem geradas nesse sistema são insuficientes à apreensão das situações de exclusão social enfrentadas por mulheres e homens, assim como à identificação das suas vulnerabilidades, derivadas da inter-relação entre condições socioculturais familiares, acesso aos serviços sociais e conhecimentos e práticas em saúde reprodutiva e sexual.

Na vigilância à saúde reprodutiva, é imprescindível a produção de informações gerais e específicas relativas aos territórios, por meio de variadas fontes e recursos, e a elas devem corresponder à definição das ações. Essa tarefa é chave para o alcance da leitura da especificidade das situações e das expressões de saúde-doença reprodutiva dos territórios.

Parcialidade da articulação do acesso da mulher e família a recursos promotores da saúde reprodutiva

A vigilância à saúde reprodutiva analisada também cumpriu a finalidade de facilitar o contato, sobretudo das mulheres, com os recursos em saúde dos quais necessitavam, embora isso tenha ocorrido parcialmente.

Encontrou-se a ação de facilitação do acesso de mulheres ao serviço local, para a investigação de uma possível gravidez, para o pré-natal, para a consulta puerperal e do recém-nascido, para o exame CCO e de mama, e ao alcance de tecnologias como preservativos, vacinas, medicamentos, dentre outras. Para tal, os ACS agendaram consultas; as articularam junto à enfermeira ou ao médico; ofertaram informações para a procura do atendimento ou para o acesso aos recursos disponíveis; além de acompanhar mulheres ao serviço.

No T2, coube ao enfermeiro facilitar o acesso da mulher aos serviços de referência, do nível secundário e terciário (policlínica, laboratório de referência, maternidade), por meio da oferta de informação e de encaminhamentos.

Essas características apontadas são coerentes com um dos eixos da vigilância à saúde reprodutiva, uma vez que esta busca ampliar o acesso às ações de saúde. Beneficiar o contato da mulher com o serviço local e com os serviços de referência e os seus recursos propiciam que ela seja mais bem acompanhada em sua condição de saúde reprodutiva, assim como a continuidade do cuidado.

Estudo15 que visou compreender o significado da rede de relações e interações de ACS, de uma unidade de saúde de Florianópolis, apontou que, esses agentes, ao facilitarem o acesso e ao valorizarem os serviços disponíveis estimularam a formação do vínculo.

Esse elemento é imprescindível à adesão das mulheres e dos homens aos serviços, para o cuidado de sua saúde reprodutiva. A promoção do vínculo propicia a busca da ESF não só no momento gestacional e puerperal, mas permanentemente, desencadeando o que se nomina como vínculo longitudinal16.

Além da facilitação do acesso aos serviços de saúde, no T2, o enfermeiro também articulou o contato da mulher com um serviço social existente na comunidade, o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), por meio da oferta de informações.

Enfermeiro na visita a uma gestante: - Você já tem o Bolsa Família? Gestante: - Ainda não.

Enfermeiro: - Por que não? Você já vai pro segundo filho. Gestante: - Eu não sei como fazer, pra conseguir o "bolsa".

Enfermeiro: - Pra você conseguir, você tem que ir lá no CRAS. Lá eles vão fazer sua inscrição no "bolsa". Você leva a certidão da sua filha e do bebê, se ele já tiver nascido, o seu CPF ou título de eleitor, conta de luz ou de água pra comprovar a residência e o cartão de vacina das crianças. Se sua menina tivesse na escola, teria que levar também uma declaração da escola de que ela está estudando. Gestante: - É só isso que eu preciso.

Enfermeiro: - É. Só que demora pra sair o "bolsa". Você tem que ter paciência (E2, T2 - 29 anos, casada, diabética, 20 semanas de gestação).

Contudo, não se identificou a articulação formal com esse serviço ou a articulação de outros recursos da rede de apoio social, apesar dos trabalhadores a apontarem como parte de sua prática, em função de condições sociais das famílias interpretadas como desfavoráveis.

Uma vez, cheguei na casa da puérpera para ver como estava. Ela tinha ganhado bebê fazia uma semana. A fralda tinha acabado e o bebê mal tinha o que vestir. O marido bebia e estava desempregado. A família não tinha condições de ajudar. Quando voltei para o posto, contei para o pessoal de lá e nós organizamos uma rifa. Com o dinheiro da rifa deu pra comprar roupinhas e fraldas (ACS2, T1).

Os movimentos de conexão encontrados corresponderam, sobretudo, à ênfase dada ao controle de problemas orgânicos da reprodução e dos comportamentos de gestantes e puérperas, através do saber-fazer biomédico. Como decorrência, priorizou-se a articulação com o serviço local e com serviços de saúde de referência.

É histórico o distanciamento dos serviços de saúde de outros recursos sociais importantes na produção da saúde, e os seus trabalhadores, comumente, desconhecem o que existe nesse sentido e o seu potencial. Até mesmo as famílias não são reconhecidas como parte da rede social de apoio, embora sejam atuantes no cuidado à saúde17. Isso se estende à esfera da saúde reprodutiva.

Para que a vigilância à saúde reprodutiva de pessoas/famílias efetive-se, os trabalhadores locais de saúde devem exercer papel articulador frente aos vários recursos existentes, em movimentos de conexão entre famílias/seus membros - serviços locais - outros serviços de saúde - outros recursos de apoio da rede social.

As redes sociais são um sistema composto por pessoas, funções e situações que oferecem apoio material ou financeiro e emocional às pessoas, em suas diferentes necessidades18. Ao conectar esses recursos, os trabalhadores possibilitam espaços de cuidado capazes de suprir necessidades que o serviço local e os serviços de referência sozinhos não dão conta. Não há como realizar vigilância abrangente sem valorar a promoção da saúde; e não há como efetivar esta sem lançar mão da rede de apoio social à saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática de vigilância à saúde reprodutiva encontrada configurou-se com traços tradicionais, sendo efetivada majoritariamente pelos ACS, por meio de visitas direcionadas à gestantes e puérperas, com a finalidade de controlar agravos reprodutivos e promover comportamentos de autocuidado considerados adequados. Seu traço mais avançado correspondeu à ação de facilitação do acesso, principalmente das mulheres, ao serviço local, para acompanhamento pré-natal e consulta puerperal e do recém-nascido.

A mudança de tal prática deve ser pensada e concretizada no bojo dos esforços de construção do SUS no país e, especificamente, de reconstrução dos processos de trabalho em saúde, em especial na ESF. Nesse sentido, é relevante todo empenho prático técnico-científico, ético e político que mexa com as formas sociais consolidadas de produzir saúde através das práticas profissionais.

Para modificar a perspectiva predominante da vigilância à saúde reprodutiva, é importante que os trabalhadores de saúde conheçam o que molda as suas concepções e práticas - a racionalidade hegemônica operante no setor, entre outras - e como aquelas reforçam a racionalidade instituída, obstaculizando transformações significativas.

Para valorizar as possibilidades dialéticas de transformação que a prática cotidiana encerra, é importante investir na superação da compreensão da saúde reprodutiva como algo relativo apenas à esfera orgânica feminina, e dependente de práticas individuais orientadas à prevenção e cura. Deve-se investir na construção de uma nova subjetividade dos trabalhadores, através de novos modelos de formação e de educação das equipes de saúde, para que as práticas também assumam a responsabilidade sanitária.

Embora os resultados desta pesquisa não sejam generalizáveis, como em toda pesquisa qualitativa, eles servem à compreensão de processos sociais similares. Esta pesquisa permite reafirmar que a tradução teórico-prática do que fazer para promover a saúde reprodutiva, dada a sua relação com condições e modos de vida, com a participação e o empoderamento de mulheres e homens, é um importante caminho a perseguir, nas práticas de ensino, de assistência, de gestão e na própria produção de conhecimento. Nesse último sentido, são essenciais novas pesquisas que resultem em tecnologias aplicáveis à vigilância reformuladora.

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