ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 18, Número 3, Jul/Set - 2014



DOI: 10.5935/1414-8145.20140059

PESQUISA

Significados do cuidado-de-si-mesmas de mulheres profissionais de enfermagem em uma unidade de pronto atendimento

Elayne Arantes Elias 1
Ivis Emília de Oliveira Souza 2
Letícia Becker Vieira 3


1 Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro. Campos dos Goytacazes - RJ, Brasil
2 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
3 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sobradinho - RS, Brasil

Recebido em 22/07/2013
Reapresentado em 21/03/2014
Aprovado em 01/04/2014

Autor correspondente:
Elayne Arantes Elias
E-mail: elayneaelias@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Compreender o significado da vivência da mulher profissional de enfermagem no cuidado de si mesma no cotidiano assistencial de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
MÉTODOS: Desenvolveu-se entrevista com 14 mulheres profissionais de Enfermagem entre dezembro/2012 a fevereiro/2013. O cenário foi uma UPA localizada no Estado do Rio de Janeiro - Brasil. Investigação qualitativa de abordagem fenomenológica, segundo o método de análise compreensiva de Martin Heidegger.
RESULTADOS: O cuidado de si mesma dessas mulheres diz respeito não só ao cuidado de saúde, propriamente dito, mas também se manifesta nas dimensões intrínsecas como lazer, descanso e relações familiares.
CONCLUSÃO: As ações de cuidado foram visualizadas, mas nem sempre as profissionais conseguem colocá-las em prática, pois em decorrência das suas ocupações cotidianas sendo mulher, mãe e profissional de enfermagem de uma UPA, falta tempo para si mesma, de modo que o cuidar-se fica em segundo plano e, às vezes, é até esquecido.


Palavras-chave: Enfermagem; Saúde da mulher; Trabalho feminino.

INTRODUÇÃO

O aumento da participação feminina como força de trabalho qualificada, a redução da fertilidade e as mudanças nas estruturas familiares e no aumento do número de mulheres responsáveis pelo domicílio são fatores que influenciam na presença da mulher na esfera pública. Essa inserção tem se dado de forma gradativa e regular e ocorre, predominantemente, através do trabalho e da participação social. Também, quanto mais a mulher ocupa um lugar no mercado de trabalho, mais a atividade de cuidado dos filhos e do cônjuge deixa de ser exclusiva1.

No que diz respeito à profissão de Enfermagem, aponta-se o processo de feminização inerente a esta atividade laboral. No Brasil, dado seu aporte histórico e cultural, a mulher foi considerada nata para o exercício dessa profissão devido as suas habilidades e qualidades2. O trabalho feminino na Enfermagem é vislumbrado como uma vocação feminina, na qual cada vez mais ocorre um processo de profissionalização que distingue as enfermeiras práticas, técnicas e auxiliares de Enfermagem3.

No tocante às mulheres profissionais de Enfermagem, além de trazerem para o campo de práticas o modelo biomédico de assistência à saúde hegemônico trazem também, para o cotidiano do cuidado, as marcas da construção da sua própria identidade de gênero (individual e coletiva), entre as quais, as sobrecargas, resultantes da dupla jornada de trabalho e da demanda emocional gerada nas relações vividas em seu mundo familiar e profissional4. É nesse contexto, que ocorre a prática do Cuidado de Enfermagem e da Saúde, seja em âmbito coletivo ou individual e que são permeadas de relações entre modos de ser no mundo, onde seres que cuidam e que são cuidados, são entrelaçados numa intersubjetividade recíproca e imperceptiva5.

A enfermeira tem como essência a arte do cuidar, sendo este um cuidado integral e holístico, que se dá através da compreensão da vida humana e da troca de informações e sentimentos, que advêm do contato com o cliente no momento em que cuida. O cuidar exige preocupação, conhecimento, dedicação ao próximo e a si mesmo. As formas de cuidado de si, do outro e do nós, quando interconectadas, acontecem em circularidade, fortalecendo relações onde o ser cuidador é, e sente-se cuidado numa relação de troca mútua. Assim, o cuidador antes de exercitar o cuidado do outro, deve exercitar o cuidado de si mesmo, buscando a integração das dimensões física, mental e espiritual para, só assim, alcançar harmonia entre o cuidado de si e o cuidado do outro, cuidando e sentindo-se cuidado6.

O cuidado de si que, por ele mesmo, produz condutas efetivas para o cuidar com os outros, de modo que anterior ao cuidar do outro, tem o cuidado de si7. Nesse sentido, o cuidado do eu-ser humano e do eu-profissional estão interligados e são inseparáveis, pois fazem parte do mesmo ser humano, que é único e indivisível. Ressaltam também, que a manutenção da máquina humana/do eu só é lembrada, quando algum problema é manifestado, evidenciando assim, a importância de pensar em si para prevenir problemas ou promover a saúde6.

O cuidado do nós nos leva ao cuidado de si, pois o que se constrói junto e proporciona conhecimento e instrumentos, possibilitará o desenvolvimento da autonomia nas atitudes e comportamentos para assumir o cuidado de si8. Salienta-se a importância de unir o pensar e o fazer no cuidado de enfermagem, pois trará as enfermeiras mais satisfação com o trabalho e visibilidade, contribuindo para um cuidado integral desejado pelos usuários dos serviços de saúde e pelos profissionais9.

Além de um Cuidado de Enfermagem pautado num processo cuidado do outro cuidado de si, busca-se a compreensão subjetiva do cuidar. A Enfermagem vem desenvolvendo um método de investigação que abarque seu modo de ser, enquanto ciência e arte, pois o sentido da vida e seus significados merecem o olhar cuidadoso de um referencial de aspectos, que não são quantificados. Sendo assim, a abordagem fenomenológica tem sido escolhida pelos pesquisadores em Enfermagem com esse fim10.

Aproximando o Cuidado de Enfermagem à abordagem fenomenológica, aponta-se que o ato de cuidar doa significados, no que se refere às atitudes de zelo, atenção, diálogo e outras. Estudo sinaliza a compreensão de profissionais de Enfermagem ao cuidar do ser doente tendem ao estar-no-mundo inautenticamente, pois o cotidiano apresenta-se já decidido em relação a não tomar iniciativas; e que esses profissionais precisam assumir o cuidado de forma autêntica, com intenção terapêutica, de zelo e ajuda, proclamando a percepção de seres que cuidam e que proporcionam liberdade e condições para que o ser cuidado vivencie suas próprias possibilidades11. No entanto, o cuidado de si, do profissional da Enfermagem por si só, não deve ser esquecido e quando se trata de quem cuida do outro, essa forma de cuidar também precisa ser pensada e compreendida.

Assim, considerando estas profissionais como sendo responsáveis também pelo seu próprio cuidado de saúde não só na dimensão biológica, mas também humana e social, busca-se compreender o significado da vivência da mulher profissional de enfermagem no cuidado de si, no cotidiano assistencial de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Tal cenário assistencial é campo de trabalho da pesquisadora, enfermeira, militar e mulher. Fenomenologicamente, podemos dizer que a vivência do ser mulher-profissional-de-enfermagem em uma UPA, tem a possibilidade de doar significados, sobre o cuidado de si mesmas.

As UPA's são organizadas por políticas importantes como A Política Nacional de Humanização - HUMANIZASUS e portarias acerca da assistência de caráter emergencial como a Portaria MS nº 2.048, de 03 de setembro de 200912, que estabelece entre outras, as diretrizes para as atividades do Atendimento Pré-Hospitalar Fixo (APHF), no qual está inserida a UPA. Os usuários em situação de urgência ou emergência são levados até a unidade de saúde.

Dessa maneira, a inquietação do estudo surge, a partir de como o cuidado de si da mulher, profissional de enfermagem, se relaciona com o cuidado que esta presta numa UPA e o que emerge da sua vivência conjugada ao trabalho feminino neste cenário que tem suas peculiaridades. Assim, a presente investigação teve como objetivo: compreender o significado da vivência da mulher profissional de enfermagem, no cuidado de si mesma no cotidiano assistencial de uma UPA. Trata-se de um recorte da dissertação de mestrado intitulada: "O vivido das mulheres profissionais de enfermagem em Unidade de Pronto Atendimento: uma compreensão do cuidado de si". Portanto, para responder à questão: "Como a mulher, profissional da equipe de enfermagem, significa o cuidado de si mesma no seu dia a dia assistencial na UPA?" este artigo concentrou-se na categoria emergida da unidade de significação "cuidado de si mesmas de mulheres profissionais de enfermagem em uma UPA".

MÉTODO

Esta é uma investigação de natureza qualitativa, com abordagem fenomenológica e referencial teórico-metodológico fundado no método de Martin Heidegger13. Tal abordagem tem como ponto de partida as vivências de mulheres profissionais de Enfermagem no cuidado de si no cotidiano assistencial de uma UPA. O cenário da pesquisa foi uma UPA do interior do Estado do Rio de Janeiro - Brasil. O quantitativo de profissionais de Enfermagem, nessa unidade, é de 55 auxiliares e técnicos de enfermagem e 49 enfermeiros/as. Contabiliza-se 59 mulheres profissionais, sendo 33 enfermeiras e 26 auxiliares e técnicas de Enfermagem. As participantes do estudo foram mulheres que fazem parte da equipe de Enfermagem nas categorias profissionais: enfermeiras e técnicas em enfermagem. Podendo ser da classe civil - contratadas, temporariamente, ou da classe militar - servidoras públicas do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro. Os critérios de inclusão foram: ser profissional de Enfermagem; do sexo feminino; estar sob regime de trabalho civil ou militar e ser plantonista.

Após a aprovação do Projeto de Pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/Hospital Escola São Francisco de Assis (nº parecer 108.464 e CAAE nº 05998512.9.0000.5238), desenvolveu-se a etapa de campo, que se cumpriu com a proteção dos participantes quanto aos princípios de: voluntariedade, consentimento livre e esclarecido, anonimato (identificadas por pseudônimos de flores, conforme concordância das participantes), confidencialidade das informações da pesquisa, justiça, equidade, diminuição dos riscos e potencialização dos benefícios, resguardando sua integridade física-mental-social de danos temporários e permanentes.

A produção de dados ocorreu no período de dezembro de 2012 a fevereiro de 2013. O modo de acesso às depoentes foi a entrevista fenomenológica. Foram convidadas a participar da pesquisa após ou durante as atividades laborais no cenário assistencial. O encontro foi mediado pela empatia e intersubjetividade14 a partir da questão norteadora: "Como é para você mulher, membro da equipe de enfermagem vivenciar o dia a dia na UPA?" "Para você o que significa cuidar de si mesma trabalhando nesse cenário assistencial?".

O número de depoentes foram 14 mulheres, sendo que não foi determinado previamente, visto que a etapa de campo mostrou a suficiência de significados expressos nas entrevistas, que possibilitaram responder ao objetivo da pesquisa, sendo que os depoimentos contemplaram as estruturas essenciais do fenômeno de investigação15.

Os depoimentos foram gravados, mediante consentimento, e transcritos conforme fala original. Durante o encontro da entrevista, foram observados os silêncios e expressões corporais das mulheres, os quais foram apontados entre parênteses na transcrição das entrevistas.

A análise proposta por Martin Heidegger compõe-se de dois momentos metódicos descritos no seu livro Ser e Tempo13. Nesse estudo, apresenta-se o primeiro momento: a análise compreensiva13. Primeiramente, desenvolveu-se a escuta e leitura atentiva das entrevistas, mediante a suspensão de pressupostos da pesquisadora, a fim de compreender os significados expressos pelas mulheres, sem impor categorias predeterminadas pelo conhecimento teórico/prática. Seguiu-se o exercício de destacar (sublinhar) as estruturas essenciais (significados) expressas nas transcrições das entrevistas. Posteriormente, foi composto o quadro analítico do material empírico, com os significados de ser mulher profissional de Enfermagem em uma UPA e os respectivos depoimentos.

Assim, foram constituídas as unidades de significação (US), sendo que o caput (enunciado) é composto pelas próprias expressões dos depoimentos das mulheres. Cada US está apresentada nos resultados com algumas ilustrações de depoimentos, seguido do discurso fenomenológico da compreensão das próprias mulheres. Por fim, as US's expressam os significados do conceito, do vivido do cuidado-de-si-mesmas, de mulheres profissionais de Enfermagem em uma UPA.

RESULTADOS

Foram entrevistadas 14 mulheres, destas seis foram técnicas de enfermagem e oito enfermeiras. Optou-se por não separar as duas categorias profissionais, pois a proposta foi de compreender o vivido do cuidado de si de mulheres atuantes na Enfermagem, sendo assim, como mostram os depoimentos, não foi evidenciada essa diferença na vivência do cuidado em ser técnica em enfermagem ou enfermeira. A idade das depoentes variou de 24 e 60 anos; quatro depoentes não possuem filhos, e do total de entrevistas cinco não possuem companheiro e/ou marido. O tempo de atuação na Enfermagem variou de dois a 16 anos; somente três das depoentes têm apenas um vínculo empregatício. Vale destacar que o total de entrevistadas está desempenhando suas atividades na UPA há mais de um ano e seis meses.

Os depoimentos revelaram que as profissionais de enfermagem significam que "Fazer esportes, comer saudável, tomar remédios, cuidar da autoestima e ter higiene, é cuidar de si mesma, além da ginecologia (US 1)".

[...] Cuidar de mim mesma, neste cenário, eu diria assim uma questão mais pessoal da mulher [...] não é só uma questão de ginecologia [...] o cuidado de si também pode voltar para a estética, para o corpo. (Tulipa)

[...] Esse cuidar na parte mesmo da saúde mesmo da mulher, da parte de higiene, no banheiro lavar a mão. (Rosa)

[...] Usando um batonzinho, passando um creme, penteando o cabelo, até mesmo com os cuidados de higiene básicos. (Begônia)

[...] Cuidar de mim é dos dois lados, em relação a aparência, que a gente é mulher não é? Procuro tomar, eu sou hipertensa né, tomar meus remédios. (Camélia)

[...] É tentar fazer uma atividade física, e ter isso como rotina, melhorar a qualidade dos meus alimentos, comer mais saudável. (Lírio)

Mesmo que o cuidado tenha sido significativo, essas mulheres apontam que "Nem sempre dá tempo de se cuidar, de ir ao médico, aí o cuidado é esquecido, fica para trás (US 2)":

[...] Você acaba não tendo tempo pra cuidar de si mesma não é! (Orquídea)

[...] Eu então levo anos pra ir ao médico, só vou mesmo quando eu to sentindo alguma coisa. (Girassol)

[...] É que eu esqueço um pouco de mim! (Macela)

[...] Assim, a gente tenta! Às vezes fazer as coisas, mas nem sempre dá tempo, às vezes, a gente deixa muita coisa pra trás, o cuidado com a gente mesmo! (Flor do campo)

[...] Não tem tanto tempo! A gente gostaria de se cuidar, mas sempre tenta cuidar um pouquinho da saúde. (Dália)

Com as tarefas em ser mulher, trabalhadora, cuidadora, por vezes surgem questionamentos "Cuida muito do próximo e quem vai cuidar da mulher trabalhadora? (US 3)":

[...] Às vezes, você começa a tentar se dedicar mais à assistência do paciente e acaba deixando a nossa um pouco de lado. (Orquídea)

[...] Termina absorvendo muitas das vezes os problemas que não são nossos não é?! Por questões até mesmo da própria equipe e dos próprios pacientes. (Tulipa)

[...] Eu tenho que cuidar do próximo! Mas infelizmente, dependendo do momento, dependendo da gravidade, a gente acaba esquecendo um pouco da gente. (Begônia)

[...] Às vezes, a gente quer cuidar mais de quem tá perto da gente do que da gente mesmo! E às vezes a gente mesma fica pra trás. (Flor do campo)

[...] Eu cuido mais dos outros do que de mim! Não adianta cuidar de todo mundo e não cuidar de mim! Daqui a pouco e eu, quem vai cuidar de mim? (Azaléia)

[...] Você cuida dos outros, mas de você, você esquece um pouco, você acaba cuidando demais dos outros e esquece um pouco de você! É o que eu percebo no gera. Acaba absorvendo muitos problemas dos próprios pacientes, das equipes! (Hortência)

Percebe-se a cultura de que as mulheres eram "o sexo frágil", pois a sensibilidade sempre foi vista dessa forma pela população masculina, porém essa denominação faz diferença. A US 4 descreve a "Mulher é sensível, emocional e vaidosa".

[...] Eu como mulher eu sou muito sensível aos pacientes, principalmente, as crianças que eu lido muito com as crianças. Porque eu associo logo e eu me vejo naquela situação daquela mãe! Então assim eu como mulher, essa sensibilidade entendeu?! (Rosa)

[...] Às vezes, a gente consegue observar certos detalhes que, às vezes, passam até despercebidos aos olhos dos homens! (Macela)

[...] Em termos de ser mulher e coisa, eu acho que a mulher, na verdade tem uma característica mesmo da, de ser mulher, a gente é mais sensível ao externo! A mulher já é um ser mais sensível, geralmente se envolve emocionalmente mais do que o sexo masculino. (Lírio)

[...] Aquela questão do ser mulher, que acaba se abrindo mais às emoções uma da outra, às vezes, não é apenas o profissionalismo, envolve realmente questões afetivas. (Dália)

[...] A gente tenta compensar, por um lado usando um batonzinho, passando um creme, penteando o cabelo. (Begônia)

[...] É passar um batonzinho, uma coisinha pra dar uma melhoradinha! (Flor do campo)

[...] Eu gostaria de ser mais magra, bonita! Eu gostaria de ser uma mulher bonita, morena, nada que eu sou! (Camélia)

Os diversos papéis sociais da mulher também são fatores revelados e relevantes na vivência das profissionais. "A mulher é sobrecarregada, faz o que dá tempo, pois é tudo: mulher, enfermeira, mãe, filha (US 5)":

[...] A gente arruma um tempo, mas tem que dividir com filhos, com marido, com casa, então a gente acaba deixando a gente um pouco de lado! (Orquídea)

[...] É difícil pra mulher largar os compromissos de casa, com relação a filho. (Margarida)

[...] A gente já é sobrecarregada demais! A gente tem uma vida aqui, mas que continua lá fora entendeu?! Eu vou chegar em casa eu tenho minha filha pra cuidar, tem que ver esposo, tenho minha casa pra cuidar! (Rosa)

[...] Acaba acumulando, é você é filha, você é mulher, você é enfermeira. (Macela)

[...] Tem as crianças, aí chega em casa e não dá tempo de fazer as coisas. (Flor do campo)

[...] A gente, mulher, principalmente, já vem com toda responsabilidade de uma casa, e quando é casada então, quando têm filhos, é aquela correria pra deixar uma casa organizada. (Azaléia)

DISCUSSÃO

A compreensão vaga e mediana do Cuidado-de-si-mesmas de mulheres profissionais de Enfermagem de em UPA

A compreensão vaga e mediana de ser é um fato, pois quando perguntamos o que é "ser", mantemos-nos numa compreensão do "é", sem poder fixarmos conceitos do que significa esse "é". Nós não conhecemos o horizonte em poder apreender e fixar-lhe o sentido, mesmo que esse sentido de ser esteja de alguma maneira à nossa disposição. Essa compreensão pode estar impregnada de teorias tradicionais e opiniões sobre o ser, que constituem fontes da compreensão dominante. O que se busca no ser não é algo inteiramente desconhecido, mesmo que numa primeira aproximação seja inapreensível13.

O cuidado de si é revelado em algumas facetas no cotidiano da mulher profissional de enfermagem. A saúde da mulher não é tratada somente em relação às questões da saúde reprodutiva, e sim com questões que vão além do biológico. A vivência de ter uma alimentação saudável, de praticar exercícios físicos, de tomar as medicações de rotina caracterizam o cuidado com elas mesmas.

O tempo da mulher acaba sendo insuficiente para o cuidado com elas, por mais que se tenha vontade de cuidar da saúde, os afazeres, o dia a dia não permite que elas façam um acompanhamento médico de rotina e aí quando adoecem, é que recorrem ao atendimento. Por mais que tentem se cuidar como gostariam, por vezes as profissionais esquecem de si mesmas.

O papel de cuidadora explicitado por elas seja esse cuidado com os familiares, amigos, pessoas próximas, os próprios pacientes e até mesmo o colegas da equipe de enfermagem, pode deixar o cuidado com elas mesmas numa espécie de "anonimato". Elas estão sempre cuidando dos outros e no final, não são cuidadas pelos outros e nem por elas mesmas.

A mulher é vista com uma sensibilidade própria da feminilidade, colocada defronte aos homens, que, por vezes, não têm a mesma percepção que a mulher. As questões afetivas são mais observadas também numa atitude de empatia frente a algumas situações, um exemplo é quando essas mulheres são mães e cuidam num contexto que as remetem ao seu cotidiano pessoal. A vaidade e a autoestima têm papel fundamental, a maquiagem tem destaque importante no cotidiano delas, estão sempre querendo melhorar a aparência.

O ser mulher, profissional, filha, esposa, mãe podem interferir no cuidado delas. As referências das tarefas peculiares, culturalmente, das mulheres - como cuidar dos filhos, da casa, da família - são explicitadas como situações de sobrecarga. As mulheres estão sempre se desdobrando para deixar esses "compromissos" organizados.

Nessa direção, tem-se que o conceito do vivido de mulheres profissionais de enfermagem de em Unidade de Pronto Atendimento no cuidado de si: relatam que fazer esportes, comer de forma saudável, tomar remédios, cuidar da autoestima e ter higiene é cuidar de si mesma, para além da ginecologia, referem que nem sempre dá tempo de se cuidar, de ir ao médico, aí o cuidado é esquecido, fica para trás, e acabam se questionando, cuido muito do próximo e quem vai cuidar de mim? Entendem e se veem como mulher é sensível, emocional e vaidosa, e se mostram sobrecarregada, faz o que dá tempo, pois é tudo: mulher, enfermeira, mãe, filha.

Compreendeu-se que as mulheres mostram-se como um ser de múltiplas possibilidades, assumindo o papel e a responsabilidade de cuidadoras de enfermagem e cuidadoras do lar, da família, de si mesmas. O cuidado de si é compreendido por elas através de ações consideradas saudáveis como uma boa alimentação, a prática de exercícios físicos, a terapêutica medicamentosa, quando se trata uma patologia e o acompanhamento rotineiro de saúde.

As ações de cuidado foram visualizadas, mas nem sempre as profissionais conseguem colocá-las em prática, pois diante dos papéis que elas desenvolvem em seu dia a dia, acaba faltando tempo para o cuidado pleno, de modo que o cuidar-se fica em segundo plano e, às vezes, é até esquecido.

Revelou-se que cuidar da família, dos filhos, dos usuários do serviço de saúde e dos próprios colegas da equipe de saúde também pode velar o próprio cuidado dessas mulheres, pois ao cuidar do outro, por vezes não é cuidada por ninguém, nem por elas mesmas.

Diante da dificuldade em cuidar-se plenamente, essa profissional se mostrou empenhada em manter a vaidade e a autoestima, pois valorizam a beleza física, desejam ficar mais bonitas no cotidiano, recorrem às maquiagens, aos cosméticos, aos cuidados com os cabelos, dentre outros. Ao destacar sua feminilidade, a mulher se revelou mais sensível ao assumir atitudes empáticas no momento em que cuidam tanto dos usuários do serviço, como dos colegas da equipe de saúde.

O estudo permitiu aproximações e compreensões sobre o Cuidado de Enfermagem, pois extrapola as relações com o ser cuidado e ocasiona uma olhar para o ser que necessita de cuidados, mas que ao priorizar o ser doente e assumir as obrigações do cuidado maternal por vezes anula seu próprio cuidado. Revela assim a importância de repensarmos a prática profissional da Enfermagem e se perceber como um ser de possibilidades de cuidar do outro, mas também cuidar de si, de forma conjunta, ao invés de uma descuidar da outra.

CONCLUSÃO

O estudou proporcionou compreender o vivido das mulheres no cuidado de si mesmas e revelou significados doados pelas profissionais de enfermagem, que cuidam em uma UPA. Foi possível desvelar que o cuidado de si mesmas das mulheres diz respeito não só ao cuidado de saúde, propriamente dito, mas também nas dimensões intrínsecas como lazer, descanso e relações familiares. Além disso, permitiu captar suas significações de como se sentem e vivenciam o ser mulher cuidadora, pois as mulheres estão em maior número, neste espaço laboral da UPA, e além de cuidadoras no trabalho, ainda estão presentes nos cuidados das tarefas sociais, de maneira cultural.

A investigação oferece subsídios ao ensino de Enfermagem, no que tange os aspectos concernentes à feminilização da profissão, por meio do qual a academia tem a possibilidade de conhecer a realidade das profissionais no cuidado de enfermagem e no cuidado delas mesmas na dimensão do ser mulher.

Contribui para que pesquisadores em saúde lancem um olhar atentivo à saúde dessas mulheres protagonistas do cuidado, com enfoque na dimensão existencial e que necessitam de um cuidado. De modo que sob o olhar da fenomenologia, cabe aos profissionais da saúde compreender as suas próprias vivências, os sentimentos e as necessidades, sem pressupostos e preconceitos. Vislumbram-se caminhos para o cuidado à saúde dessas mulheres que ultrapassem os saberes técnicos e biológicos; e que contemplem a dimensão existencial como possibilidade de compartilhar as experiências e vivências do outro em uma relação de cuidado empático e processual.

A investigação em tela fornece importantes informações da vivência dessas profissionais de enfermagem no cotidiano assistencial aos órgãos que organizam os serviços dessa profissão, como o COFEN (Conselho Federal de Enfermagem) e os COREN's (Conselhos Regionais de Enfermagem), além de contribuir para a revisão e o acompanhamento das políticas públicas voltadas para o cuidado de saúde e para a saúde das mulheres.

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