Volume 18, Número 3, Jul/Set - 2014
PESQUISA
Barreiras no tratamento da infecção latente por tuberculose
(ILTB) na criança: um estudo de caso
Adriana Rodrigues da Silva
1
Ana Ines Sousa
1
Clemax Couto Sant'Anna
1
1 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
Recebido em 09/06/2013
Reapresentado em 24/02/2014
Aprovado em 18/03/2014
Autor correspondente:
Adriana Rodrigues da Silva
E-mail:
adri.rodrigues12@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Analisar as barreiras enfrentadas pelo familiar no tratamento da infecção latente
por tuberculose (ILTB) na criança.
MÉTODOS:
Estudo descritivo, em duas etapas. Na primeira, analisados prontuários de
crianças de 0 a 11 anos tratadas para ILTB em um centro municipal de saúde no
Município do Rio de Janeiro. Na segunda, entrevista com os familiares. Nas duas
etapas buscou-se identificar barreiras pessoais, familiares, econômicas, sociais e
do serviço.
RESULTADOS:
Primeira etapa; houve barreiras (47/228): no serviço - 4 (8,5%); pessoais - 4
(8,5%); familiares - 21 (44,7%); fisiológicas - 12 (25,5%). Na segunda; houve
barreiras (50/85): econômicas - 19 (38%); sociais - 13 (26%); pessoais e
familiares - 18 (36%).
CONCLUSÃO:
Fatores socioeconômicos desfavoráveis afetaram o cuidado da criança nas duas
etapas do estudo. Repensar na forma de lidar com os determinantes sociais
associados à tuberculose pode ser o caminho para evitar abandono e interrupções
deste tratamento.
Palavras-chave: Tuberculose; Tuberculose latente; Criança; Atenção Primária à Saúde; Saúde Pública.
INTRODUÇÃO
O controle de contatos é uma ferramenta importante para prevenir o adoecimento nos indivíduos infectados pelo bacilo da tuberculose (TB)1,2,3. Esforços devem ser feitos para garantir o acesso aos medicamentos, e condições para o adequado seguimento desses indivíduos, incluindo o manejo dos efeitos adversos e vigilância sobre faltosos1,3.
Tendo em vista que a TB está, principalmente, ligada à pobreza, mesmo com todos os progressos para o controle desta doença, como tratamento diretamente observado (TDO) e melhorias no acesso ao tratamento e medicamentos, a população menos favorecida, econômica e socialmente, se constitui em grupo de risco para o adoecimento e, posteriormente, abandono do tratamento4,5,6.
Inúmeras situações adversas e precárias normalmente vivenciadas por este grupo, principalmente, dentro da comunidade e no ambiente domiciliar podem influenciar negativamente na adesão. Medidas para identificação de possíveis barreiras enfrentadas por eles ainda no acolhimento podem contribuir para intervenção precoce, de modo a não comprometer todo esquema operacional previsto neste controle e, consequentemente, sua saúde.
Ainda são escassas publicações nacionais sobre barreiras ou dificuldades encontradas pelo familiar no cuidado à criança em ambiente domiciliar relacionados ao tratamento da infecção latente por tuberculose (ILTB). Estas são direcionadas ao indivíduo adulto e em tratamento de TB. Um dos obstáculos relacionados aos serviços, em muitos países, é que não há notificação de dados de início e acompanhamento da ILTB, ou estes ficam apenas arquivados nas unidades onde o indivíduo foi tratado, o que impossibilita avaliações e estudos sobre possíveis efeitos adversos, interrupções e desfecho do tratamento7.
Devido ao maior contato e dependência dos pais, principalmente, até a fase pré-escolar, o contagio da criança, geralmente, é intradomiciliar, isto é, os próprios familiares, são a fonte de transmissão8. É provável que quando existam barreiras para o adulto, à criança também as tenham e poderão influenciar na adesão ao tratamento de ambos, se não houver intervenção.
Como este estudo foi realizado com indivíduos usuários de unidade básica da rede pública, seus resultados buscam incentivar os profissionais a atentar para a identificação de possíveis barreiras ou dificuldades durante no tratamento da ILTB, especialmente pelos responsáveis do tratamento da criança.
MÉTODO
Estudo descritivo, exploratório, parte de uma dissertação de mestrado. Realizado em duas etapas, na Área de Planejamento (AP) 2.1 do Município do Rio de Janeiro (RJ).
Esta AP foi escolhida porque na época detinha elevada taxa de incidência de TB no Município do Rio de Janeiro, especialmente, a comunidade da Rocinha, área de abrangência do Centro Municipal de Saúde (CMS), onde o estudo foi desenvolvido. Essa comunidade, em 2002, teve uma das mais altas taxas de incidência de TB, quatro vezes maior que a média encontrada na cidade9. Em 2009, a incidência era de 380/100.000 habitantes10. Segundo dados do Censo, em 2010 abrigava 69 mil habitantes, embora segundo seus moradores haveria cerca de 180 mil pessoas aglomeradas em becos e vielas11.
A localidade apresenta características arquitetônicas, deficiência no saneamento básico e crescimento desordenado do bairro, que contribuem na disseminação da TB11,12.
A população de estudo abrangeu todos os usuários do Centro Municipal de Saúde (CMS), do setor de pediatria do controle de tuberculose. Este Centro Municipal, localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi selecionado porque trabalha com programa de controle de tuberculose, e nosso foco de estudo eram os contatos de TB.
A população de referência foram os familiares responsáveis por crianças submetidas ao tratamento de ILTB com idades entre 0 e 11 anos, contatos de casos de TB pulmonar, cujas crianças iniciaram o tratamento para ILTB de 01 de janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2009, correspondendo ao total de 258 pessoas.
Os critérios de inclusão utilizados na primeira etapa foram: crianças de 0 a 11 anos de idade registradas para tratamento de ILTB, nos anos de 2008 e 2009, e moradoras da comunidade. Os critérios de exclusão adotados foram situações, que não foi possível encontrar o prontuário; crianças que não tiveram seu endereço registrado no prontuário.
A amostra foi de conveniência, sendo realizado o inquérito domiciliar somente com os familiares das crianças que residiam na Área de Planejamento 2.1, observando-se os critérios de inclusão e exclusão. Na figura 1, tem-se uma visão da constituição da população do estudo.
Utilizou-se roteiro para coletar dados do prontuário, sobre dificuldades e barreiras encontradas pelo familiar ou relacionadas à criança, neste período, em relação ao tratamento da ILTB. Incluíram-se os motivos das interrupções, uma vez que alguns também serviram de barreiras para a adesão ao tratamento da criança. Além dessas informações, foram coletados dados sobre: sexo e idade das crianças, endereço e telefone, necessários para a segunda etapa do estudo. Foram considerados 4 faixas etárias: menores de 1 ano; 1 a 5 anos; 6 a 10 anos e 11 anos, à semelhança de David et al. (2000)8.
Na segunda etapa do estudo, foi realizado inquérito domiciliar com responsáveis das crianças que aceitaram participar do estudo. Os critérios de inclusão foram: familiar ou responsável que realizou a maior parte do tratamento na criança no período em questão e moradores da mesma comunidade. Critérios de exclusão: familiar ou responsável falecido; ou cujo contato telefônico ou presencial não pode ser realizado, familiares que não aceitaram assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O conteúdo do questionário abrangeu questões abertas, do qual foi retirada uma questão para o presente estudo. Teve alguma dificuldade pessoal, no próprio ambiente doméstico ou do serviço de saúde durante o tratamento da criança, do qual precisou interromper o tratamento por algum momento? Neste caso, foram considerados como barreiras, os familiares que tiveram algum tipo de dificuldade durante o tratamento da criança, relacionadas ao acesso do serviço de saúde, às dificuldades pessoais, familiares ou econômicas e à própria criança (que precisou ser interrompido, em algum momento o seu tratamento). Nessa etapa, só foram selecionados familiares que concluíram o tratamento da criança.
Além dessas informações, foram coletados também dados socioeconômicos dos participantes. Considerou-se baixa escolaridade, quando o responsável era alfabetizado ou havia cursado o ensino fundamental incompleto. A escolaridade satisfatória era se tivesse cursado o ensino fundamental completo ou mais anos de estudo. Baixa renda, quando os entrevistados recebiam até um salario mínimo, ajuda de outros e inscritos no programa social do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Foi considerado, como emprego informal, os familiares que tinham renda sem carteira assinada ou trabalhando por conta própria.
Nesta etapa, contou-se com a colaboração da equipe da Clinica da Família local e de um agente comunitário de saúde para adentrarmos na comunidade. No Brasil, a estratégia da saúde da família é considerada como eixo norteador para a organização da atenção básica de saúde, desempenhadas para a promoção da saúde e a prevenção dos agravos da população que o busca13.
A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a julho de 2011. Para as duas etapas, foi criado um banco de dados em planilha Excel. Empregou-se o programa Openepi versão 3.0.1. Na primeira etapa, os resultados foram distribuídos em tabelas, calculadas frequências absolutas (n) e relativas (%), e, posteriormente, analisadas com os achados da segunda etapa.
Na segunda etapa do estudo, foi feita tabela para análise do perfil dos entrevistados, que obtiveram barreiras durante o tratamento da criança, no período em questão. As variáveis analisadas foram: idade, escolaridade, renda, adoecimento por TB e ocupação. Os resultados foram distribuídos em tabelas, calculadas frequências absolutas (n) e relativas (%), e, posteriormente, analisadas.
O projeto da pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC/RJ), sob o protocolo 222/10 (CAAE nº 0254.0.314.314-10) e aprovado em 31/01/2011. Além disso, foi solicitada autorização à Coordenação de Área de Planejamento 2.1.
Antes da assinatura do Termo de Conhecimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos familiares elegíveis para participar do estudo, foi realizada a leitura do Termo que garantia o anonimato e a confidencialidade das informações.
RESULTADOS
Inicialmente foram identificadas 258 crianças às quais foi indicado o tratamento da ILTB. Dentre estas, 9 não tiveram seus prontuários localizados. Dos 249 prontuários localizados, foram identificadas 228 crianças que moravam na comunidade. Nessa etapa, a casuística foi constituída por 125 (54,8%) meninas e 103 (45,2%) meninos. A faixa etária: menores de um ano; 5 (2,2%); 1 a 5 anos 85 (37,3%); 6 a 10 anos 109 (47,8%); 11 anos 29 (12,7%).
Do total de prontuários analisados, identificamos 47/228 (20,6%) casos de barreiras referidos pelos familiares das crianças. Os principais motivos foram: 10/47 (21,3%) interromperam o tratamento de ILTB porque a criança teve algum quadro sugestivo de efeitos adversos e depois retomaram o tratamento; 2/47 (0,4%) por quadro sugestivo de efeitos adversos seguido de abandono; 8/47 (17%) faltaram à consulta e não receberam medicações; 6/47 (12,8%) por esquecimento do familiar ou da criança, 5/47 (10,6%) por problemas familiares; 3/47 (6,4%) por falta de medicamentos na farmácia; 4/47 (8,5%) por recusa da criança em aceitar a medicação e posterior abandono.
Na Tabela 1 está descrita a distribuição das principais barreiras enfrentadas pelos familiares das crianças, identificadas, na primeira etapa do estudo, por meio do registro no prontuário médico.
Motivos | Barreiras (n = 47) | n | % |
Fisiológicas | Reações colaterais | 12 | (25,5%) |
Total (n = 21) | |||
Familiares | - Falta á consulta e não recebeu medicações | 8 | (17%) |
- Esquecimento do familiar ou da criança | 6 | (12,8%) | |
- Problemas familiares | 6 | (12,8%) | |
- Perda dos medicamentos | 1 | (0,2%) | |
Relacionados ao serviço de saúde | Falta de medicamentos na farmácia | 4 | (8,5%) |
Pessoais | Recusa da criança | 4 | (8,5%) |
Sociais | Não foi a consulta devido tiroteio na comunidade | 1 | (0,2%) |
Motivos não registrados | Motivos não registrados | 5 | (10,6%) |
Na segunda etapa, do total de crianças inscritas para tratamento da ILTB (n = 228), só foi possível contatar 96 familiares devido o tempo previsto pelo cronograma; foram entrevistados 85/228 (37%) que aceitaram participar. Houve 11 perdas em relação aos contatados, devido à incompatibilidade de horário do entrevistado com o do entrevistador.
A maior parte dos entrevistados era de mães das crianças (n = 49), com idades entre 18 e 61 anos. Mais da metade com idade acima de 36 anos. Quanto à renda, 29/85 entrevistaras não quiseram informar; 26/56 recebiam até um salário mínimo; 13/56 relataram receber auxílio financeiro do governo por meio do Programa Bolsa Família, além de ajuda de outras pessoas (Tabela 2); 71/85 (83,5%) entrevistadas informaram ter tido TB, dos quais 7 (9,9%) admitiram ter abandonado o tratamento pelo menos uma vez.
Variável | Barreiras encontradas (n = 50) | |
Sim (%) | Não (%) | |
Parentesco com a criança (n = 85) | ||
Mãe (n = 49) | 37 (74) | 12 (24) |
Outros (n = 36) | 13 (26) | 23 (46) |
Idade dos entrevistados | ||
18 a 35 (35/85) | 23 (46) | 12 (24) |
36 a 61 (50/85) | 27 (54) | 23 (46) |
Escolaridade | ||
Baixa escolaridade (71/85) | 39 (78) | 32 (64) |
Escolaridade satisfatória (14/85) | 11 (22) | 3 (0,6) |
*Renda dos familiares entrevistados (56/85) | ||
Até 1 salario + Bolsa família + ajuda de familiares (n = 39) | 22 (39,3) | 21 (37,5) |
2 a 3 salario (n = 17) | 12 (21,4) | 5 (0,9) |
Adoecimento por TB (n = 71) | 50 (100) | 21 (42) |
Ocupação | ||
Desempregado/a (20) | 14 (28) | 6 (12) |
Empregado c/carteira (29) | 8 (16) | 21 (42) |
Emprego informal s/carteira (24) | 21 (42) | 3 (6) |
Do lar (6) | 6 (12) | 0 (0) |
Aposentado/a (5) | 0 (0) | 5 (10) |
Pensionista (1) | 1 (2) | 0 (0) |
* Como houve familiares que recusaram informar renda, estes não foram contabilizados na tabela.
As barreiras encontradas pelos familiares foram referidas em 50/85 (58,8%) deles, a saber: 13/50 (26%) mencionaram falta de dinheiro para o transporte; 7/50 (14%) a distância de sua residência (moravam no local mais alto da comunidade); 6/50 (12%) deficiência de transporte público (só havia mototáxi); e 24/50 (48%) alguma dificuldade pessoal, econômica ou no próprio ambiente doméstico. Precisaram interromper o tratamento na criança por algum momento, por não ter dinheiro para dar boa alimentação junto com o remédio para a criança (segundo orientação médica); precisava trabalhar e o irmão esquecia-se de dar; quando ficava na casa do pai ele não dava; devido a brigas com o marido precisava sair de casa, às vezes; saía para trabalhar e esquecia-se de dar; a criança ficava sozinha e não tomava; faltava tempo para ir buscar o remédio, porque trabalhava (embora o agente comunitário de saúde (ACS), às vezes, trouxesse a medicação). Houve 16/50 (32%) familiares que citaram mais de uma barreira durante o tratamento da criança.
Na tabela 2, encontra-se o perfil dos familiares entrevistados e principais barreiras encontradas na segunda etapa do estudo.
DISCUSSÃO
Neste estudo, seja pelo registro dos prontuários ou durante as entrevistas, os familiares relataram enfrentar barreiras durante o tratamento da criança com ILTB, semelhantes às de indivíduos doentes em tratamento para TB ativa. Dentre estas, encontramos falta às consultas médicas, devido problemas familiares, reações colaterais à medicação, uso irregular da medicação por doses extras e esquecimento, recusa em ingerir os medicamentos, falta de fornecimento na farmácia da unidade, dificuldade de acessibilidade ao transporte pelas condições econômicas desfavoráveis e violência urbana. Por outro lado, neste grupo, o tratamento da ILTB não foi suspenso em definitivo, em nenhum caso.
Além dessas, poderiam ser consideradas barreiras a localização inacessível das unidades de saúde e prestação dos serviços em horários não coincidentes com as necessidades dos usuários14.
Houve predominância de entrevistados do sexo feminino, provavelmente, pelos diferentes perfis de trabalho fora do lar da população masculina e feminina. Além disso, como a entrevista foi realizada apenas em dias úteis da semana, pode ter selecionado maior número de mulheres do que homens.
Na segunda etapa deste estudo, foi identificado que mais da metade dos entrevistados relataram algumas barreiras enfrentadas durante o tratamento da criança. Quanto ao perfil dos entrevistados, não houve diferenças significativas em relação a idade, pois pessoas de meia idade em diante, encontraram alguma dificuldade.
A maior parte dos entrevistados tinha baixa escolaridade e também baixa renda.
Mesmo que um terço dos entrevistados (29/85) tenham se sentido desconfortável, para informar sobre seus rendimentos mensais, levando-se em consideração o perfil da maioria dos entrevistados, e da incidência da TB ser maior em áreas pobres, a baixa renda deve ser considerada4,5,6,15.
Verificou-se que os que possuíam emprego informal, juntamente com os desempregados, somaram 70% do total. Quanto ao emprego informal, notou-se que muitos extraiam renda através de algum tipo de comércio em sua própria residência, através de espaços aproveitados, como garagens, quintal e terraços para promoções de festas infantis, vendas de produtos em revistas, ou no próprio ambiente doméstico, como cuidador de crianças e salão de beleza improvisado.
Em concordância aos nossos achados, Lopes12, acentua que apesar dessa comunidade ser caracterizada por ausências e carências, a intensa densidade populacional levou à proliferação de uma economia estável e dinâmica, na qual são encontradas micro e pequenas empresas gerando trabalhos. Esta é uma das estratégias de sobrevivência de muitos indivíduos.
As barreiras que mais ganharam destaque, nas duas etapas do estudo, foram as de ordem familiar e econômica. Crianças ficavam sozinhas ou eram cuidados pelo irmão, primos menores de idade; mulheres fazendo o papel de pai e mãe; conflitos familiares; desestruturação e desorganização na estrutura familiar. Em locais onde vivem pessoas de baixa renda, é muito comum crianças permanecerem grande parte do dia em casa de vizinhos, enquanto seus familiares estão trabalhando. Além disso, a falta de condições financeiras satisfatórias, para fornecer alimentação adequada e moradia em local inacessível foram as principais queixas.
Segundo Michaelis16, adesão significa ato ou efeito de aderir; acordo; consentimento. Neste caso, se refere ao familiar e até mesmo a própria criança concordar em realizar o tratamento da ILTB sob recomendação médica, pois esta se encontrava infectada pelo bacilo, devido ao contato prévio com adulto transmissor da TB. Entretanto, neste grupo, a adesão foi comprometida por diversos tipos de vulnerabilidades. Autores apontam como situações de vulnerabilidade social para adesão ao tratamento da TB, a baixa escolaridade, o desemprego, situações de moradia, falta de união familiar e doenças associadas17.
A compreensão dos fatores de como a família entende a doença, somadas ao enfrentamento dos problemas sociais e econômicos, devem ser consideradas e precisam ir além do preenchimento de formulários nas unidades de saúde17. A estratégia para alterar o cenário de ocupação desses indivíduos e determinantes sociais que podem interferir na adesão plena ao tratamento, pode contribuir para o alcance das metas do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT).
A estratégia de saúde da família trabalha, a partir das necessidades colocadas da população em caráter individual ou coletivo e tem ações resolutivas para cuidados muito além da assistência à saúde13. Quanto à saúde da criança, estabelece mecanismos de educação continuada à equipe, de forma a atuar no cuidado da criança inserida no contexto familiar13.
A estratégia, neste caso, é identificar possíveis barreiras impostas ao longo deste tratamento, para o encaminhamento dos problemas solucionáveis, a fim de que não se tornem motivos para abandono nem de interrupções do tratamento. Ou seja, conhecer as características dos problemas individuais, coletivos, e regionais para realizar distribuição correta do orçamento e dos serviços de tratamento, pode ser o primeiro passo.
Por ser uma doença de caráter social, é oferecido incentivo pelas instâncias governamentais aos pacientes com TB ativa, inscritos no PNCT, visando fortalecer a adesão ao tratamento, como lanches, vales transportes e apoio do departamento social1. Entretanto, autores apontam que na prática para receber esses benefícios necessitam cumprir certos requisitos; realizar o tratamento diretamente observado (TDO) (o paciente é observado na tomada da medicação, no serviço ou o serviço vai até sua residência), não ter faltas, estar no terceiro mês de tratamento17.
Para o tratamento de ILTB não existe TDO. Este normalmente fica a cargo dos familiares que, muitas vezes, também está em tratamento para TB ativa e têm dificuldades no enfrentamento da própria doença e que precisa ser observado. Se existem barreiras para o paciente com TB ativa, certamente, ocorrerão barreiras para as crianças em tratamento para ILTB. Percebe-se, portanto, a necessidade de reorganização operacional para pacientes em tratamento de ILTB.
Uma das barreiras mencionadas que levaram à falta do familiar pela criança na unidade de saúde foi o "tiroteio na comunidade", o que nos faz refletir sobre as peculiaridades encontradas no contexto socioeconômico dessa comunidade. A violência expressa através das imposições e regras do tráfico de drogas, em comunidades, são barreiras encontradas pelos pacientes e pelos profissionais do serviço18.
A interrupção do tratamento devido aos efeitos colaterais da medicação por parte do familiar ou da criança também foi encontrado. A literatura coloca que na infância são poucas as restrições à prevenção, porque a isoniazida (INH) é bem tolerada7. As reações como prurido, exantema, anemia hemolítica, são raros, no entanto, todos os indivíduos em tratamento para ILTB devem ser monitorados regularmente3,7.
Não são poucos os estudos que apontam que problemática da TB, está intimamente associada às desigualdades sociais. Tais determinantes sociais requerem a efetivação de políticas para atender as necessidades desses indivíduos para o controle da doença. Ações que facilitem o paciente, como acolhimento humanizado, facilidade no atendimento, conhecimento de suas necessidades, encaminhamento a assistência social, se necessário, podem ser medidas positivas, para adesão ao tratamento.
Uma das limitações deste estudo foram as perdas, principalmente, na segunda etapa do estudo. No trabalho de campo, encontrou-se dificuldade em saber qual a microárea geográfica da criança ou adolescente com ILTB. Além disso, a ausência de numeração nas residências, endereços repetidos, e mudanças de endereço dificultaram a busca dos familiares. Além disso, muitos casos de ILTB já não moravam mais no mesmo lugar do registro que dispunhamos. Também pode ter havido viés de memória por parte dos entrevistados, devido o tempo decorrido entre o tratamento da ILTB e a entrevista.
CONCLUSÃO
Neste estudo não houve diferenças substanciais entre os resultados da primeira com a segunda etapa. Os achados se complementaram.
A principal barreira encontrada foi a condição socioeconômica desfavorável (evidenciada pela baixas renda e escolaridade), que dificultou a adesão ao tratamento da criança, e como coadjuvantes a este fator, os conflitos, desorganização e desestruturação no contexto familiar.
A estratégia de cuidado na atenção básica, pela saúde da família, devido seu maior contato com a comunidade poderá ser usado como tática para abordagem deste familiar, tendo como foco o cuidado da criança em âmbito domiciliar.
Orientações e escuta qualificada, a fim de desvendar barreiras que poderão influenciar a terapêutica proposta, seriam medidas aplicáveis para o adequado encaminhamento dos problemas referidos, visto que há incentivo financeiro do Governo. Além disso, esta interação poderá estabelecer vínculo de confiança entre o usuário e o profissional, evitando que barreiras não venham a se tornar motivos de abandono ou interrupções do tratamento da ILTB. Repensar na forma de lidar com os determinantes sociais em saúde associados à TB da população mais vulnerável, torna-se oportuno tanto para academia quanto para os profissionais que já trabalham com esta clientela. É preciso rever a estratégia operacional de tratamento de crianças com ILTB.
REFERÊNCIAS