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CAPES

Volume 6, Número 1, Jan/Abr - 2002

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Linhas de pesquisa e prioridades de enfermagem-proposta com distinção gnoseológica para o agrupamento da produção científica de pós-graduação em enfermagem1

 

Research lines and priorities ofnursing - proposal with gnoseological distinction for the grouping of the graduate scientific production in nursing

 

Lineas de investigación y prioridades de enfermeria - propuesta con distinción gnoseológica para el agrupamiento de la producción científica de postgrado en enfermería

 

 

Vilma de Carvalho

Professor Titular e Docente Livre/Doutor do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ

 

 


RESUMO

Apresenta-se e discute-se, neste trabalho, uma proposta com distinção gnoseológica para o agrupamento da produção científica de pós-graduação em enfermagem. A base explicativa da discussão e da análise discursivo-filosófica é a teoria geral do conhecimento e a relação "sujeito-objeto", no plano do conhecer e no interesse da enfermagem. O foco central é um esquema categorial fruto de sugestões dos Cursos de Pós-Graduação em Enfermagem existentes no Brasil, o qual foi "ajustado" em pequeno grupo e "aprovado" em assembléia (Oficina de Pós-Graduação, 1999 - CAPES/CNPq). Na idéia da autora, a proposta favorece a abordagem às linhas de pesquisa e prioridades de enfermagem frente aos órgãos de fomento à pesquisa. Mas adverte que o esquema deve ser submetido à experiência, posto que o propósito não é o alcance da verdade, apenas os resultados confiáveis, e até que se disponha de respostas oriundas do cultivo das linhas de pesquisa.

Palavras-chave: Categoria-esquema. Enfermagem-Pós-graduação. Teoria do conhecimento. Publicação científica-Agrupamento.


ABSTRACT

In this paper, a proposal with gnoseological distinction for the grouping of the graduate scientific production in nursing is presented and discussed. The general theory of knowledge and the relation "subject-object" is used as the explanatory basis to support all the discussion and also the philosophical-discursive analysis, in the plan of knowing and regarding the nursing interests. The central focus is a categorizedl scheme resulted as the suggestions of the existing Graduate Programs in Nursing in Brazil, such as "justified" in a small group discussion and "approved" in the general assembly (GRADUATE SEMINARY, 1999 - CAPES/CNPq). In the author's idea, the proposal favors the encompassing of the research lines and priorities of Nursing in regarding to the research and evaluation agencies requisites. But she pointed out, that the scheme must be applied and subjected to the experience, since the intention is not to reach the truth, but to obtain the reliable results; after that, only the researches in the proper scientific investigation-lines can give the answers.

Keywords: Categorized scheme. Graduate Programs in Nursing. Knowledge theory. Scientific production-grouping.


RESUMEN

En este trabajo, se presenta y discute una propuesta con distinción gnoseológica para el agrupamiento de la producción científica de postgrado en enfermería. La base explicativa de la discusion y del análisis discursivo-filosófico es la teoría general del conocimiento y la relación "sujeto-objeto", el plan del conocer y para el interés de la enfermería. El foco central es un esquema categorial fruto de sugerencias de los Programas de Postgrado en Enfermería existentes en el Brasil, el qual fue "ajustado" en un pequeño grupo y "aprobado" en una asamblea (TALLER DE POSTGRADO, 1999 - CAPES/CNPq). En la idea de la autora, la propuesta favorece el abordaje en las lineas de investigación y prioridades de enfermería frente a los órganos de fomento de la investigación. Sin enbargo, advierte que el esquema debe ser sometido a la experiencia, puesto que el propósito no es el alcance de la verdad, sino de resultados confiables, y hasta que se disponga de respuestas oriundas del cultivo de las lineas de investigación.

Palabras claves: Categoria-esquema. Enfermería. Postgrado. Teoria del conocimiento. Publicación científica-Agrupamiento.


 

 

COLOCAÇÃO DO ASSUNTO

Na Oficina de Pós-Graduação, sucedida em 01 e 02 de outubro de 1999, dias que antecederam aos eventos do 51º Congresso Brasileiro de Enfermagem e o 10º Congreso Panamericano de Enfermería, realizados em Florianópolis SC, foram discutidas "As Propostas de Agrupamento da Produção Científica em Enfermagem", um assunto que já mobilizava os interesses e os esforços dos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem há mais de dois anos. Das discussões participaram coordenadores e representantes dos Programas de Pós-Graduação existentes no país (cerca de 50 - professores doutores e alguns doutorandos). As atividades desenvolvidas em reuniões de grupos e as assembléias foram coordenadas pela Dra. Maria Gaby Rivero de Gutierrez, Representante da Área de Enfermagem (CAPES), com auxílio da Dra. Joséte Luzia Leite, Representante da Área de Enfermagem (CNPq).

Três documentos serviram de ponto de partida para a discussão, como segue:

1.Considerações Gerais sobre Linhas de Pesquisa em Enfermagem (da autoria de Maria Gaby Rivero de Gutierrez e Tokiko Murakawa Moriya);

2.Considerações acerca do estabelecimento de Prioridades de Pesquisa em Enfermagem (da autoria de Joséte Luzia Leite, Maria Gaby Rivero de Gutierrez e Isabel Amélia Costa Mendes);

3.Propostas para Agrupamento da Produção Científica dos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem (espécie de documento consolidado e originado em reuniões de 1998 e 1999).

Além desses documentos principais, os participantes tiveram em mãos cópia de "Critérios para Definição de Prioridades em Pesquisa na Área de Enfermagem" e, ainda, outros documentos propostos pelos Programas de Pós-Graduação, com sugestões para a ordenação e para o agrupamento da produção científica, e que tinham por mira orientar aos participantes sobre o desenvolvimento dos trabalhos e o alcance de resultados da Oficina. Ou seja, todos se empenhariam em retomar a discussão do assunto e com base nos documentos disponíveis.

 

OBJETIVOS E ATIVIDADES

A primeira assembléia foi realizada para que todos tomassem conhecimento dos referidos documentos, da idéia geral da Oficina, dos trabalhos já desenvolvidos em discussões anteriores, e do que se pretendia alcançar com a atual discussão. Assim, o que se esperava, de fato, era que todos se esforçariam para que se obtivesse uma única proposta para a área de enfermagem.

Os participantes foram se organizando, de modo espontâneo, em quatro grupos (Grupos I, II, II, e IV), para proceder à discussão do documento consolidado, o qual compreendia as propostas resultantes de: a) um primeiro agrupamento de linhas de pesquisa e prioridades da pós-graduação em enfermagem, tal como obtido em reunião de fevereiro de 1998, realizada no Rio de Janeiro RJ (EEAP/UNIRIO); b) as sugestões sobre esse mesmo assunto obtidas em reunião de maio de 1999, realizada em Gramado RS (10º SENPE/ABEn) e c) outras contribuições posteriores encaminhadas à CAPES por alguns dos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem, com sugestões a serem discutidos na atual Oficina.

Cada grupo tratou, desde logo, de analisar e discutir, em separado, o documento consolidado com as "Propostas sobre o Agrupamento da Produção Científica de Pós-Graduação em Enfermagem". Pois, mais tarde, novamente em assembléia, todos reunir-se-iam para a apreciação das sugestões dos grupos e a aprovação de uma proposta única que pudesse valer para toda a pós-graduação. Proposta que pudesse contemplar, ou traduzir, a perspectiva geral do que se pretendia, de fato, por "agrupamento da produção científica de enfermagem". Os outros documentos serviram de recurso para consulta in situ e/ou apoio à discussão do assunto nos grupos.

Com efeito, todos se empenharam nas discussões. Na assembléia da tarde do primeiro dia, os quatro grupos apresentaram suas propostas e/ou sugestões com os tópicos ou assuntos temáticos alinhados sob algumas categorias, das quais três - "profissional", "assistencial" e "organização dos serviços" - eram as categorias contempladas no referido documento e já conhecidas de todos, porque muito utilizadas desde que surgiram na literatura de enfermagem a partir do 2º Seminário Nacional sobre Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa em Enfermagem (CNPq/ABEn, 1982). Porém, alguns relatórios incluíram mais uma categoria relativa a "políticas e práticas de educação em enfermagem".

 

UM IMPASSE TEMÁTICO INESPERADO

O debate, então, irrompeu, com certa intensidade. Haja vista ao fato do Grupo IV2 ter apresentado uma proposta que levava em consideração apenas as três principais categorias assinaladas, mas sugerindo que a terceira categoria fosse entendida como "organizacional", além de que alguns dos tópicos/assuntos temáticos alinhados, sob cada uma delas, apareciam reformulados ou dispostos de uma forma um tanto diferente (ou diferenciada) daquela constante do documento consolidado. A discussão (pode-se dizer) foi, de fato, "candente". Mas o Grupo IV argumentou em favor do avanço e da distinção gnoseológica de sua proposta, salvaguardando-se (no todo e nas partes) a coerência entre a enfermagem (saber e interesses substantivos) e o esquema categorial tangível ao pretendido agrupamento da produção científica da pós-graduação.

A pergunta que se colocou de imediato foi a seguinte: "Qual a razão do Grupo IV para resolver modificar as coisas (a forma), ou as sugestões, do documento consolidado e apresentar uma proposta diferente ?".

Tornou-se muito difícil a situação naquela assembléia. Primeiro, porque não se dispunha de tempo suficiente para respostas mais claras ou mais simples. Depois, houve muita polêmica, com posições favoráveis e outras contra a proposta do Grupo IV, o qual só admitiu que sua proposta não era propriamente "nova", mas apenas reformulada e com uma feição (parecia) que a tornava "diferenciada" daquela do documento consolidado. Na perspectiva dos proponentes, as questões do saber da enfermagem, em essência, e os interesses da profissão haviam sido devidamente considerados, discutidos com seriedade, e estavam preservados. Logo, a proposta era coerente com a enfermagem. Além de que, o esquema proposto parecia mais consistente para traduzir as trilhas que a enfermagem estava percorrendo para ajustar-se às prioridades e linhas de pesquisa. Tal como o Grupo IV conseguia entender, aquela proposta diferente bem poderia valer como um instrumento de "pertinência" para a devida apreciação dos projetos de interesse da enfermagem.

 

UMA DISTINÇÃO CONCEITUAL NECESSÁRIA

Cabe esclarecer (a bem da verdade) que, no próprio Grupo IV, a discussão foi intensa, aprofundada, e que as sugestões do documento consolidado foram devidamente apreciadas. Mas o equilíbrio só foi alcançado, quando se chegou ao ponto de aceitar, em grupo, que as três categorias bem poderiam conformar-se à "representação geral" do que sucede na estrutura e fenômeno do conhecimento (HESSEN, 1999). E assim sucedeu, uma vez que os integrantes concluíram, por meio de meticulosa análise e consenso, que as três categorias devidamente consideradas "em abstração", bem poderiam corresponder às esferas que interessam à relação entre o sujeito e o objeto, tal como se dá no plano do conhecer (fenômeno do conhecimento). No âmbito da relação, admite-se uma estrutura gnoseológica com duas esferas principais, a do sujeito e a do objeto, mas intermediadas por uma outra esfera, a da imagem, posto que nem o sujeito cognoscente pode invadir a esfera do objeto, nem este se deixa arrastar para a esfera daquele. Neste sentido, (pode-se pensar) na "esfera da imagem" é que se dá a produção/construção de "algo" que resulta do e no conhecimento do objeto - o qual sendo, ele mesmo, "transcendente", ainda assim é objeto da experiência (KANT, 1965).

Com boa vontade e muita ponderação acerca das possibilidades e limites das três categorias, e toda sorte de argumentos e justificativas tangíveis à idéia gnoseológica da relação "sujeito-['imagem']-objeto" frente à situação da enfermagem, no plano da pesquisa e dos objetos que (por suposto) lhe interessam, não foi difícil atingir à compreensão dos termos e conceitos na ordem do pensamento e do conhecimento. Assim, as duas esferas principais foram compreendidas como equivalendo às categorias "profissional" (a do sujeito epistêmico/consciência cognoscente) e "assistencial" (a do objeto cognoscível/realidade objetiva - como possa ser percebida, pensada, representada).

Todavia, a compreensão da esfera da "imagem" resultou em um complicado exercício de reflexão e argumentação. Principalmente tomando-se a mesma como equivalendo à categoria "organizacional". Também porque o domínio teórico quanto aos problemas do conhecimento quase que se esfacelava diante da riqueza da experiência viva com a prática do ensino e da assistência de enfermagem. As generalidades e as simplificações pareciam não caber, no plano da discussão. Não obstante isso, conseguiu-se avançar e a proposta foi tomando uma feição diferente, graças ao esforço geral e a alguns deslocamentos de tópicos entre as categorias, e mediante a reformulação ou proposta de outras nomenclaturas para alguns assuntos.

No mais, a discussão foi deveras proveitosa. Valeu sobretudo o detido exercício intelectual sobre a potencial aplicação, na prática, do novo "esquema categorial" aos interesses da área de enfermagem (incluídos os principais setores de atividades teórico-práticas - ensino, assistência e pesquisa e, ainda, aqueles relativos às diversas operações substantivas do mundo dos cuidados aos clientes). Uma estratégia (razão suficiente ?) que tornou possível, para o Grupo IV, o consenso diante do assunto.

 

UMA DIFICULDADE SÉRIA NA ORDEM DAS CATEGORIAS

Cabe reiterar, a propósito de estabelecer a distinção gnoseológica da proposta em causa, que o consenso não foi uma conquista simples. De fato, o assunto demandou reflexão e muita discussão em que pese a compreensão das possibilidades de aplicação de conteúdos teóricos a partir da experiência prática dos integrantes do Grupo IV. Mas o esforço e as contribuições foram inestimáveis para construir e aperfeiçoar o esquema da proposta, pois o que se colocava em relevância era o interesse não apenas da área, mas da pesquisa em enfermagem. Vejamos, então, como foi possível avançar na discussão.

Antes de tudo, foi necessário compreender que tornar o novo esquema explícito não era uma tarefa fácil, para o Grupo, e menos ainda seria a explicação em assembléia. Todos tomaram consciência deste aspecto do assunto. Afinal, os exemplos mais imediatos, ou urgentes, não se aplicavam e não se aplicam, inteiramente, ao plano da teoria do conhecimento (pelo menos dado o estado da enfermagem-ciência). Assim, a palavra "organizacional", embora relativa ao termo "organização", e mesmo tendo "mais a ver", ou mais pertinência, com o que se concebe como "categoria (...) predicamento ou forma lógica de se afirmar/enunciar algo do ser ou daquilo que é a coisa" (ARISTÓTELES in Caturelli, 1966), parecia não se ajustar à idéia e implicações relativas à esfera da "imagem", e de tudo o que se refere ao "saber-fazer", na área da enfermagem como profissão e em relação à citada categoria.

Com efeito, a compreensão não foi imediata. Levando-se em conta só a idéia mesma da "imagem", na relação gnoseológica, - seja ela entendida como "uma certa maneira de a consciência se dar um objeto" (SARTRE, 1965); seja concebida como um elemento figurativo-objetivo, uma espécie de construção entre o sujeito e o objeto (sem ser qualquer um dos dois); ou seja, ainda, compreendida como aquele "algo mais" que se possa considerar "instrumental", na relação "sujeito-objeto" (HESSEN, op. cit.); o entendimento da específica noção (de imagem) deixava muito a desejar, no plano da discussão, principalmente quando relacionada à necessidade de compreensão da relação do conhecer e do possível significado das "coisas" no plano do conhecimento de enfermagem.

Mesmo quando se colocava, para a reflexão, que a categoria "organizacional", entendida como campo da experiência, e em que os atributos da esfera da "imagem" poderiam ser considerados como tudo aquilo que, de certa forma, enseja/favorece as aproximações entre o sujeito cognoscente (o profissional da área da enfermagem enquanto pesquisador) e a realidade objetiva (esfera da assistência), o assunto permanecia um tanto obscuro ou, ainda, sem uma explicação convincente. No entanto, tudo que se reporta à esfera da "imagem", possa ser ela entendida como "organizacional" ou como "instrumental", funciona como "as condições da experiência ou os termos de possibilidade para a consciência unificar e sintetizar a diversidade do mundo" (KANT, op. cit.).

Assim sendo, e no âmbito da discussão do Grupo IV, tomou-se por assentado que a categoria "organizacional", nos termos das "linhas de pesquisa e prioridades de enfermagem", poderia ser entendida no sentido de "categoria do conhecer" e de forma a ser aplicada ao plano das atividades (cognoscitivas), como relativas também ao "saber-fazer" na prática profissional. O Grupo alcançou o consenso em vista da compreensão da riqueza e do valor instrumental da esfera da "imagem", principalmente se tomada enquanto sentido de condições/representações e possibilidades de "atribuição de causalidade" para aquilo que é dado à consciência. Assim, no plano das linhas de pesquisa, "organizacional" (e tudo que se refere à esfera da imagem) é ou o que permite a construção objetiva ou o que possibilita ao sujeito valer-se de "condições ou concepções 'instrumentais' para a explicação das causas geradoras dos fenômenos que os afetam" (DELA COLETA, 1982). Desta forma e em tal sentido, as explicações teóricas são partícipes da esfera da imagem e enquanto aplicáveis ao tratamento (abordagem) dos fenômenos, no plano da pesquisa (tem por mira não o alcance da verdade, mas o alcance de resultados confiáveis).

 

O ESQUEMA CATEGORIAL

Cumpre enfatizar que a proposta do Grupo IV, evidentemente, é um assunto que interessa primordialmente à pesquisa na área da enfermagem. A aceitação dos significados e implicações do esquema categorial e sua adoção, relativamente a interesses teóricos e práticos, dependia (por suposto) de aprovação geral. Porém, dadas as circunstâncias específicas dos vários Programas de Pós-Graduação e, portanto, os interesses particulares de muitos dos participantes, o que se podia mesmo esperar era que a polêmica se instalasse na assembléia. As explicações possíveis, naquela ocasião, pareciam precárias. Mesmo porque admitir "outro sentido" ou "distinção gnoseológica" à "proposta de agrupamento da produção científica de enfermagem" de modo algum seria uma questão fácil de resolver.

Contudo, as duas esferas principais - a do sujeito e a do objeto - sofreram menos resistência. Mais difícil foi tentar explicar a categoria "organizacional" (esfera da imagem), posto que o novo sentido não se refere, propriamente, apenas à questão de organizar-se, ou por em ordem, os serviços e trabalhos de enfermagem, como a palavra "organização" normalmente designa. Na assembléia, e como já referido, o Grupo IV só admitia que sua proposta parecia aplicável e era (talvez) mais consistente frente ao estado atual da pesquisa em enfermagem. E admitia, também, que as dificuldades foram diminuindo e o esquema categorial foi alcançando feição diferente a medida que os tópicos (ou assuntos temáticos) foram sendo alinhados sob uma forma "diferenciada". Não obstante isso, a discussão foi demorada no Grupo IV, e alongou-se ainda mais, em assembléia, na manhã do dia 02/10/99, e só foi concluída (parece) porque todo o assunto foi amplamente debatido.

Apesar de toda polêmica, a questão foi resolvida como "aprovada por unanimidade", graças à aquiescência dos demais grupos que, aceitando as argumentações e justificativas apresentadas, retiraram suas sugestões. E o consenso foi definido em torno da proposta do Grupo IV, a qual foi apresentada na forma3 a seguir:

 


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Certamente resta muito a explicar quanto aos termos da proposta. Na concepção do Grupo IV e na perspectiva do esquema categorial, os tópicos da categoria "profissional" (esfera do sujeito epistêmico) referem-se às principais disciplinas/conteúdos teóricos e experiências que se ajustam ou compõem a parte mais substantiva do saber (profissional) ou área do conhecimento de enfermagem. Já os tópicos/conteúdos teóricos e experiências da categoria "assistencial" (esfera do objeto cognoscível/realidade objetiva) referem-se ao que se cogita (pensar/saber), ou que se possa cogitar, sobre aquilo que a consciência profissional se dá, a si mesma, como real objetivado, e também como tudo aquilo que se possa predicar sobre o "saber-fazer" do profissional, desde que entendidas, evidentemente, as possíveis dimensões do fenômeno do conhecer, tal como relativo ao contexto dos assistidos. E os tópicos da categoria "organizacional" (esfera da imagem ou "instrumental") referem-se às disciplinas/conteúdos teóricos e experiências de ciências afins/correlatas/domínio conexo e que servem às aproximações da realidade no âmbito das atividades do conhecimento, tal como interessa à enfermagem.

Além disso, no que tange principalmente à categoria "organizacional", convém acrescentar que aí mesmo, possivelmente, nas dimensões e âmbito desta esfera cognoscitiva, interessam tanto os conteúdos do saber como as experiências que, de resto, transcendem a realidade objetiva em si, mas que possibilitam à consciência cognoscente as abordagens formais e as atribuições de causalidade relativas aos fenômenos do interesse da pesquisa em enfermagem. Neste sentido (pode-se dizer), nesta categoria "organizacional" sucedem condições - de possibilidades e limites - que permitem a construção das abordagens objetivas à realidade do cuidar/cuidados no mundo da enfermagem (olhando-se a relação do conhecer pelo lado do sujeito/profissional), ou que ensejam a objetivação da subjetividade (olhando-se a relação pelo lado do objeto ou real objetivado).

Mas esta não é toda a história. Com o pouco que se sabe ou que se pensa saber, o que se pode supor, ou esperar, culminará (quem sabe?) nos termos e resultados de um futuro condicional. Dada a evolutiva histórica e o avanço da pesquisa na área da enfermagem, até mesmo o que se possa apostar esbarra no desafio do conjetural. Razão porque o que damos por assentado, aqui, não se refere a uma questão resolvida. E, no que possa valer a proposta do Grupo IV, pensamos que a mesma deve ser considerada apenas como uma contribuição aos esforços de todos os que lutam pelo desenvolvimento dos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem, tal como sucedem por este Brasil afora - a custa de muito esforço e vontade de acertar, e tenha-se em consideração os investimentos concernentes à pesquisa e à produção científica.

 

UMA ÚLTIMA PALAVRA

Não nos parece recomendável colocar um ponto final no assunto, sem assentar uma palavra sequer sobre aquela quarta categoria constante do documento consolidado - "políticas e práticas da educação em enfermagem". Pois é certo que temos investido tanta preocupação, tanto esforço e tantas lutas em favor da dimensão educacional da enfermagem e, por isso mesmo, no Grupo IV, foi difícil argumentar e aceitar que essa categoria não se constituía em marco conceitual ou fronteira/limite inequívocamente essencial da área da enfermagem. Porém, como os temas/tópicos estão fincados em áreas de domínio conexo, que integram (pode-se dizer) por adição o perfil e os modelos da profissão, e justamente em vista do que se colocou quanto à idéia de aplicar-se "a teoria do conhecimento" (HESSEN, op. cit.) a um esquema categorial válido para o agrupamento da produção científica de interesse da enfermagem, o recurso estratégico foi transpor a pretendida categoria para a esfera "organizacional". Tentou-se até mesmo transpor o assunto para a esfera "profissional", mas chegou-se à conclusão de que "a educação", em si, não constitui "o que há de mais essencial" (inerência ou propriedade essencial daquilo que existe) a demarcar o conceito de enfermagem como esfera substantiva do sujeito/profissional.

Desde que não dispomos de certezas, isto apenas quer dizer que as disciplinas/conteúdos e experiências relativas a essa quarta categoria, por suposto e antes de tudo, referem-se à necessidade lógica, aos valores e aos juízos condizentes com estratégias e operações típicas do "saber-fazer" profissional, tais como possibilidades/limites das aproximações entre as esferas do sujeito e do objeto. Levando em conta as políticas, as práticas pedagógicas específicas, o gerenciamento e a comunicação pertinentes às relações do mundo do trabalho em saúde e em enfermagem, não foi difícil (para o Grupo IV) compreender e aceitar que a tal pretendida categoria expressava, de fato, as condições "sine qua non" que possibilitam aproximar as duas principais esferas do conhecer, tal como colocadas aqui para a enfermagem.

A conta do exposto, que a contribuição do Grupo IV - "uma proposta com distinção gnoseológica para o agrupamento da produção científica de pós-graduação em enfermagem" - mereça valer não somente pelo esforço intelectual efetivado a curto prazo, no plano da discussão em grupo e em assembléia, mas pelo alcance dos possíveis resultados que, no futuro, poderão ajudar a conferir, mais adequadamente, os pleitos da profissão em relação ao conhecimento de enfermagem. Pois, somente o cultivo das linhas de pesquisa, poderá dar outro testemunho (inequívoco) de que a profissão de enfermagem, por direito, está a merecer a consideração de um domínio do conhecimento consagrado nos termos da atividade científica, da imaginação criadora e da construção epistemológica.

Neste sentido, e até que possamos chegar a um futuro mais promissor, o esquema categorial como referido, neste texto, merece um exame crítico sim, mas também merece a oportunidade de ser submetido à aplicação e ao desempenho expressivo de um instrumento de avaliação de projetos no interesse das "linhas de pesquisa e prioridades de enfermagem".

Todavia, que fique assentado, aqui, que os argumentos em favor de "uma proposta com distinção gnoseológica para o agrupamento da produção científica de pós-graduação em enfermagem" não têm a intenção de serem definitivos e tampouco uma completa "novidade". Eles são comuns nas discussões de interesse da filosofia e da teoria do conhecimento. Portanto, merecem crédito. Mas o esquema categorial apresentado pelo Grupo IV foi seguramente permeado com exercícios de reflexão e de justificação como só pode acontecer no plano da consciência crítica. Isto merece realmente consideração.

Assim sendo, diante de todo o assunto e principalmente das implicações para a enfermagem, que fique colocada em pauta a nossa convicção de este esquema parece bem mais afinado com nossos anseios e mais consistente com a situação da enfermagem. Poderemos então (quem sabe?), defender melhor o que pensamos que nos cabe quanto à produção científica. Mas tal convicção poderá vir a modificar-se em face de melhores argumentos e justificativas ou diante dos resultados da pesquisa. E aí, então, vale reiterar, acreditamos que na dependência exclusiva, cada vez mais expressiva, de resultados da pesquisa, é que se poderá, em futuro próximo, falar melhor em defesa das "linhas de pesquisa e prioridades de enfermagem".

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVALIAÇÃO & Perspectivas. In: SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ENFERMAGEM, 2, 1982. Anais... Brasília: CNPq/ABEn, 1982.

CATURELLI, Alberto. La filosofia. Madrid: Ed. Gredos, 1966.

DELA COLETA, José Augusto. Atribuição de causalidade: teoria & pesquisa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1982.

HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

KANT, Emmanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Brasil Ed. AS, 1965.

SARTRE, Jean-Paul. Esboço de uma teoria das emoções. Rio de Janeiro: Zahar, 1965.

 

NOTAS

1Trabalho discutido em Oficina de Coordenadores de Cursos (ou Programas) de Pós-Graduação Stricto Sensu - CAPES/CNPq, realizada em Salvador - Bahia - junho de 2000.

2Professoras Doutoras Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues (EERP/USP), Antonia Regina F. Furegato (EERP/USP), Emiko Yoshikawa Egry (EE/USP), Paulina Kurcgant (EE/USP), Tamara Iwanow Cianciarullo (DE/UFSC), Nébia Figueiredo (EEAP/UNIRIO), Maria Antonieta Rubio Tyrrell (EEAN/UFRJ), Vilma de Carvalho (EEAN/UFRJ), e as Doutorandas Josefa Aida Delgado e Mara Regina S. da Silva (UFSC).

3A forma do Esquema Categorial foi alterada na mesma Oficina realizada em Salvador - Bahia junho de 2000 para atender a sugestões da EERP/USP e do DE/UFSC. A autora deste trabalho sugere que "o esquema modificado" seja solicitado à Representante de Área da Enfermagem - CAPES, caso os interessados assim desejem.

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