Volume 10, Número 2, Abr/Jun - 2006
REVISÃO CRÍTICA
Implante de valva mitral mecânica: reflexões para cuidar e os cuidados de clientes após a alta hospitalar
Implantation of mechanical mitral valve: reflections to the take care and the care of customers after the hospital discharge
Implantación de la válvula mitral mecánica: reflexiones para la atención y los cuidados de clientes después del alta hospitalaria
Cristina Maria Pereira DutraI; Maria José CoelhoII
IEnfermeira Médico-Cirúrgica do Hospital do Servidores do Estado. Atuação em Cirurgia Cardíaca e Cardiologia. Mestre em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DEMC/EEAN/UFRJ). Membro do Grupo de Pesquisa "Cuidar/Cuidados de Enfermagem"/UFRJ
IIDoutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúgica da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DEMC/EEAN/UFRJ). Membro do Núcleo de Pesquisa em Enfermagem Hospitalar do DEMC. Coordenadora do Grupo de Pesquisa "Cuidar/Cuidados de Enfermagem". Pesquisadora/CNPq
RESUMO
O artigo enfoca o conhecimento dos clientes submetidos ao implante de valva mitral acerca do próprio cuidar e dos cuidados que devem desenvolver após a alta hospitalar e de sua participação na construção de uma Agenda de Cuidados Diários como instrumento educativo impresso, baseado na prática individual cotidiana e nas instruções recebidas da equipe de saúde durante a hospitalização. As autoras fazem um breve resgate da história da cirurgia cardíaca, das transformações ocorridas neste campo nos últimos 50 anos, dos aspectos que possibilitaram delinear novas abordagens relacionadas ao cuidar/cuidados diários destes clientes e da participação da enfermagem neste processo.
Palavras-chave: Enfermagem. Valva Mitral. Cirurgia Cardíaca. Alta do Cliente.
ABSTRACT
The article focus the knowledge of clients submitted to mitral valve implant concerning their own care, cares that should develop after hospital discharge and their participation in the construction of Agenda of Diary Cares as printed educative instrument, based on quotidian individual practice and instructions received by health staff during hospitalization. The authors do a brief rescue cardiac surgery history, of transformation happened in this field in late 50 years, of aspects that make possible detail new approaches related to care/ diary cares of this clients and nursing participation in this process.
Keywords: Nursing. Mitral Valve. Thoracic Surgery. Customer Discharge.
RESUMEN
El artículo enfoca el conocimiento de los clientes sometidos al implante de valvula mitral en relación al propio cuidar de los cuidados que deben desarollar despúes de la alta hospitalar y de su participación en la construcción de una Agenda de Cuidados Diarios como instrumento educativo impreso, basado en la práctica individual cotidiana y en las instrucciones recebidas del equipo de salud durante la hospitalización. Las autoras hacen un breve rescate de la historia de la cirugía cardíaca, de las transformaciones ocoridos en este campo en los ultimos 50 años, de los aspectos que posibilitaran delinear nuevos abordajes relacionados al cuidar / cuidados diários de estes clientes y de la participación de la enfermería en este proceso.
Palabras clave: Enfermería. Válvula Mitral. Cirugía Torácica. Alta del Cliente.
INTRODUÇÃO
O processo informação-educação como estratégia do cuidar/cuidados trata da especificidade de cada cliente na própria realidade do dia-a-dia, ratificando o pensamento de Tanji e Novakoski1 no sentido de que o cuidado é imprescindível em diferentes situações de vida do ser humano, podendo ser adaptado e ajustado conforme a necessidade.
Ao correlacionar a temática cuidar/cuidado com o cotidiano profissional, percebe-se que a cada alta hospitalar, o frágil "obrigado" dito pelo cliente é acompanhado de expressões de dúvidas e receios a respeito dos cuidados que ele deve desenvolver sozinho ao deixar o hospital, em especial quanto à rigorosa observação das dosagens do anticoagulante oral. São manifestações que se repetem e encontram respaldo em Faria2, segundo a qual os clientes dos serviços de saúde nada perguntam, mesmo quando não entendem qualquer explicação, e temem expressar suas dúvidas e temores. Esta afirmação tem acentuado o nosso interesse em cuidar e orientar os clientes em relação aos cuidados que contribuirão para melhor adaptá-los à vida cotidiana pós-implante de valva mitral mecânica.
A prática profissional na clínica cirúrgica permite constatar que a alta hospitalar causa nos clientes uma sensação de incompletude em relação ao cuidado, cabendo ao enfermeiro transmitir-lhes segurança neste processo de recuperação.3 Há questões sobre a prática de cuidar que precisam ser detalhadamente explicadas a cada um, para ajudá-los a compreender o porquê da necessidade de desenvolverem um cuidar que lhes permita melhor recuperação, prevenindo riscos à sua saúde.
A importância do conhecimento científico da Enfermagem mesclado com outros, provenientes das ciências humanas, sociais e biológicas, tem como objetivo desenvolver uma visão holística (holismo, do grego holos - totalidade) do cliente(Coelho et al3).
A partir de múltiplas fontes de informações, o cliente pode adquirir novos conhecimentos, desenvolvê-los competentemente e ser capaz de validá-los em situações similares (Cianciarrulo et al4). Assim sendo, esclarecer, informar e orientar aqueles que retornam às suas atividades cotidianas inequivocamente contribuem para fazê-los enfrentar e/ou superar corajosamente as eventuais dificuldades resultantes de suas limitações físicas temporárias, decorrentes da cirurgia realizada.
DESENVOLVIMENTO
Evolução histórica da cirurgia cardíaca
O desenvolvimento das práticas de saúde e, conseqüentemente da cirurgia cardíaca, está intimamente associado às estruturas sociais das diferentes nações e épocas, visto que cada período da história é determinado por uma formação social específica, com características próprias que englobam bases filosóficas, políticas, econômicas, legais e ideológicas.(Figueiredo5)
Braille6 descreve a visão do médico Theodor Billroth (1882), segundo a qual a realização de quaisquer tipos de cirurgia no coração, a exemplo da pericardiectomia (excisão do pericárdio) ou da sutura da ferida no coração, era considerado um ato devasso e irresponsável, fazendo com que até o fim do século XIX a cirurgia cardíaca fosse praticamente inexistente.
Todavia, o êxito de uma sutura no ventrículo, realizada por Ludwig Rehn em 1896, despertou a atenção mundial merecendo, inclusive, destaque no Journal of American Medical Association por Sherman (1902), que comentou o seguinte: a distância para atingir o coração não é maior que uma polegada, mas foram precisos 2.400 anos para que a cirurgia cardíaca pudesse percorrer esse caminho (End et al7).
Na Europa, e principalmente no Brasil ocorriam procedimentos cirúrgicos simples, realizados na grande maioria por pessoas leigas, incultas e de modesta classe social, dentre elas o cirurgião-barbeiro, o barbeiro-sangrador ou, simplesmente, o barbeiro. Todos realizavam curativos, sangrias, excisões, perfurações de abscessos, tratamento de mordedura de cobras e extração de dentes (Santolho8). A cirurgia cardíaca delineou-se melhor frente ao avanço científico do século XX, que desmistificou o coração como sede da alma, colocando-o em um patamar hierárquico não muito distante dos demais órgãos do corpo (Braile6).
As cirurgias cardíacas começaram com o coração fechado; eram denominadas operações cardíacas a céu fechado. Historicamente, dentre as valvopatias passíveis de tratamento cirúrgico a céu fechado, merece destaque a estenose valvar mitral, face ao grande número clientes operados e de pesquisadores que se envolveram na técnica. Assim, em 1913, ocorre a correção de estenose valvar aórtica, pelo médico Tuffier, que dilatou digitalmente a valva aórtica por meio de invaginação da parede da aorta na França. E, em 1923, ocorre a correção da estenose valvar mitral e da estenose valvar mitral reumática pelos médicos Carr e Levine, que realizaram a comissurotomia mitral, nos Estados Unidos(Margutti et al9). Dentre as cirurgias realizadas a céu fechado, hoje consideradas ultrapassadas, destacavam-se as que visavam corrigir cardiopatias congênitas, dentre elas a persistência do canal arterial, a tetralogia de Fallot, a coarctação da aorta, a estenose de valva pulmonar, as valvopatias mitral e aórtica do tipo estenose e as insuficiências coronarianas (Cohn10).
Em 1925, o médico Henry Souttar realizou comissurotomia da valva mitral através do apêndice atrial esquerdo, no London Hospital. Em meados da década de 1940, foi dada pelos médicos Dwight Harken e Charles Bailey continuidade ao desenvolvimento da cirurgia de valva mitral estenótica e à prática da valvuloplastia, o que acabou por favorecer a realização de pesquisas para aprimorar as técnicas cirúrgicas e os materiais utilizados naqueles atos médicos(Cohn10).
As dificuldades técnicas e médicas prosseguiram com erros e acertos na idealização e construção de materiais específicos para as cirurgias, mas, no início do século XX, precisamente em 1928, a médica novaiorquina Nina Starr Braunwald tornou-se a primeira mulher a realizar uma cirurgia a céu aberto. Ao final da década de 1950, ela ainda desenvolveu uma prótese de poliuretano flexível, com cordas tendíneas de teflon, implantando-a em cães(Waldhause11). Com o desenvolvimento das bombas de circulação extracorpórea e dos oxigenadores, em 1945, os cirurgiões puderam abrir o coração, iniciando a fase das operações cardíacas a céu aberto (Braile12).
Em 1945, o médico Clarence Dennis conseguiu desenvolver o aparelho coração-pulmão artificial, permitindo, então, a realização de cirurgias a céu aberto. Em 1946, o médico Gibbon construiu uma nova máquina com controle de temperatura e nível e fluxo. Durante os anos seguintes, os oxigenadores foram modificados e os trabalhos experimentais continuaram sendo realizados in vivo, em cães e seres humanos(Braile6). Na medicina dos anos de 1950 também ocorreram grandes avanços, cabendo destacar a implantação de prótese mecânica valvar em seres humanos(Stolf et al13) e a correção de comunicação interatrial, feitas pelo médico F. John Lewis em 1952, no Hospital da Universidade de Minesota (EUA) que, desde então, passou a ser considerado o berço da cirurgia cardíaca(Lillehei14).
Em 1960, Braunwald liderou uma equipe que, pela primeira vez, utilizou essa prótese para substituição valvar mitral em clientes(Waldhause11).
Os pioneiros da cirurgia cardíaca no Brasil iniciaram sua atuação neste campo da medicina sob orientação do médico W. Lilhehei, dos Estados Unidos. Merece destaque o médico Euclides de Jesus Zerbini, o primeiro a realizar um transplante cardíaco na América Latina, em 26 de maio de 1968, no Hospital das Clínicas em São Paulo. Outros cirurgiões brasileiros, como Adib Jatene, Valdir Jasbik e Hugo Felipozzi dedicaram-se ao desenvolvimento de oxigenadores e sistemas da circulação extracorpórea, difundiram seus conhecimentos, formaram escolas e fizeram da cirurgia cardíaca um marco de viabilidade no país (Braile12).
A substituição valvar por prótese começou a ser feita nos anos de 1960, época em que a valvoplastia, ou a reparação valvar, não se constituía em uma alternativa viável, como ocorre quando o ânulo ou os folhetos da valva estão imóveis por calcificações, obrigando a substituição da valva. Os procedimentos, em geral, são realizados mediante esternotomia mediana com incisão através do esterno, embora a valva mitral possa ser alcançada por meio de uma incisão de toracotomia direita(Brunner et al15).
As valvopatias e a saúde do cliente
Na saúde, as doenças do aparelho circulatório destacam-se pelos elevados índices de morbimortalidade. No contexto mundial, prevalecem a doença isquêmica do coração, as doenças cerebrovasculares e a insuficiência cardíaca. São também encontradas valvopatias, principalmente as de origem reumática (Gus et al16).
Em relação às valva mitral, pode ser anormal desde o nascimento por doença congênita; pode ter sua função deteriorada pelo avanço da idade, uma doença degenerativa também chamada de prolapso de valva mitral; pode ser acometida por febre reumática derivada de doença reumática por infecção devido a endocardite infecciosa ou por obstrução das artérias coronarianas pela doença isquêmica do coração(Stolff et al13).
Na doença reumática, as lesões no coração aparecem no período de quatro ou mais semanas, após a infecção de orofaringe e na ausência da bactéria no local da lesão. O desencadeamento da doença reumática aguda ocorre em aproximadamente 3-4% das crianças (de 3 a 16 anos) acometidas por infecção de garganta pelo etreptococo beta-hemolítico do grupo A. Destas, até 30% desenvolveram a forma grave da doença, a cardite reumática (Timerman et al17).
Na América Latina, nos locais em que há registros de febre reumática aguda, a incidência está na faixa etária dos 5 aos 15 anos, valor de 3 a 4 vezes maior em relação ao encontrado nos Estados Unidos e em outros países. Apesar das medidas profiláticas, a doença reumática é ainda considerada problema de saúde em vários países, sendo que no Brasil ocupa o 12º lugar em incidência. É uma das doenças de maior custo para o Sistema Previdenciário, em decorrência das múltiplas internações hospitalares e intervenções cardíacas: 10.000 correções anuais ou 30% das cirurgias cardíacas realizadas no país, causando o impedimento de muitos jovens para o trabalho(Timerman et al17).
Nas últimas décadas, os cirurgiões e a enfermagem defrontaram-se com novos desafios decorrentes da mudança de perfil dos clientes: foram aceitos idosos em maior número, com graus de doença mais avançada ou portadores de doenças crônicas associadas; e a forte pressão junto às instituições de saúde, exercida pelo sistema de saúde vigente, visando à redução do período de internação hospitalar; dos custos dos procedimentos e da utilização de técnicas menos invasivas.
Estas exigências implicaram a necessidade de avaliações cada vez mais aprimoradas por parte da equipe de saúde nos períodos pré, trans e pós-operatório, considerando, inclusive, o índice de mortalidade operatória em cirurgia valvar, que varia de 1 a 15%, dependendo de variáveis como posição, troca valvar múltipla, reoperações associadas, dentre outras(Pomerantzeff et al18).
Sem dúvida, há uma busca incessante no sentido de alcançar melhor qualidade de vida para os clientes, quer em pesquisas de materiais resistentes e definitivos das valvas, em tecnologias avançadas e no cuidar/cuidados de enfermagem voltados para o tratamento clínico-cirúrgico desses clientes.
Revisitando a História da Enfermagem no Brasil
Durante muitos anos, o trabalho de Florence Nightingale nesta área era quase único, graças ao seu hábito de registrar suas experiências e os dados observados em seu cotidiano junto aos clientes(Cruz19). Todavia, a evolução do conhecimento científico contribuiu para a consolidação definitiva da qualidade do cuidado em enfermagem, e, a partir da segunda metade do século XIX, os progressos obtidos vêm sendo divulgados, ocupando um espaço expressivo e relevante na literatura científica.
Enquanto profissão, a Enfermagem Moderna, organizou-se e estruturou-se hierarquicamente na segunda metade do século XIX. Surgiram as nurses (mulheres de classe social menos favorecida) e as ladies (mulheres de classe social elevada), cujas atuações assistenciais eram diferenciadas de acordo com os respectivos saberes e poderes(Figueiredo5).
No final do século XIX, a enfermagem inglesa constituiu-se em arte e em um ramo da ciências de saúde, dedicada à prevenção e cura das doenças. Entre 1870 e ?1880, o modelo nigthingaleano expandiu-se para outros países, sendo readaptado para os Estados Unidos da América (1873), Austrália e Canadá (Silva et al20).
Cabe assinalar que nos Estados Unidos, em 1889, a enfermagem de sala de operação foi considerada uma área específica de atuação, tornando-se a primeira especialidade profissional para a Enfermagem21
No Brasil, o ensino da Enfermagem nos moldes do sistema nigthingaleano iniciou-se em 1894 com a contratação de cinco enfermeiras inglesas pelo Hospital Evangélico de São Paulo. Entre 1921 e 1931, este modelo foi reproduzido na Escola de Enfermagem, no Departamento Nacional de Saúde Pública, atual Escola de Enfermagem Anna Nery (Cruz19).
A partir da década de 1950, a documentação, a prática e a publicação das pesquisas de enfermagem evoluíram e passaram a ser divulgadas nos Anais de Enfermagem, primeiro periódico da categoria, criado em 1932 e transformado em Revista Brasileira de enfermagem em 1955, tornando-se o órgão oficial de publicações científicas da classe (Cruz19).
Nos anos de 1960, a Enfermagem buscou firmar-se como profissão científica. Constitui-se em um marco importante a criação do periódico Nursing Research, nos Estados Unidos, que permitiu a aproximação de saberes com a divulgação de princípios científicos por meio de suas publicações (Cruz19).
A Enfermagem e a cirurgia cardíaca
A evolução da enfermagem brasileira relativaà cirurgia cardíaca ocorreu basicamente nas décadas de 50 e 60, aproximando-a de outras ciências, embora só nos anos de 1970 a pesquisa científica tenha reforçado e aprimorado os conhecimentos profissionais adquiridos. A propósito dessa evolução:
Um determinante na caracterização do conhecimento empírico, na década de 80, foi o modelo de Wanda Horta (1977), que preconiza a sistematização da assistência de Enfermagem pautada no modelo biomédico, utilizando os princípios do método científico (Cruz19).
Portanto, a enfermagem busca desenvolver seus próprios e específicos conhecimentos, sem deixar de manter uma articulação importante com as demais áreas de conhecimento (Cianciarrulo et al4).
Nos anos de 1990, os diagnósticos e as prescrições de enfermagem consolidaram-se objetivando ajudar o cliente a recuperar e manter a saúde em sua vida diária. Entretanto, o produto deste conhecimento ainda é pouco utilizado pela equipe de enfermagem na prática hospitalar (Cianciarrulo et al4). O século XX teve como um dos principais marcadores do avanço científico para o cuidar de Enfermagem a descoberta das sulfas. Houve também um significativo progresso nas técnicas de anti-sepsias cirúrgicas de grande porte e de maior complexidade, como as cirurgias: cardíaca, torácica, renal, abdominal, de pâncreas e crânio. O período ficou conhecido como "a era dos quimioterápicos e antibióticos", que se tornaram importantes para o controle das infecções e a redução da morbidade, além da mortalidade (Ruella22).
Da mesma forma como a medicina se especializava, a enfermagem no mundo se modernizava com técnicas e conhecimentos específicos para o cuidar de enfermos (Silva et al20).
À medida que crescia o número de profissionais com formação superior, passaram a ocorrer mudanças no padrão dos funcionários nas instituições de saúde, tanto que surgiram os estudos que enfatizavam o suprimento e a demanda de enfermeiros, assim como a quantidade de tempo necessária para a realização das atividades de enfermagem (Cruz19).
O profissional de Enfermagem, como membro da equipe cirúrgica, diante do desenvolvimento das cirurgias e das mudanças técnico-científicas, teve a necessidade de aprofundar seus conhecimentos de modo a atuar efetivamente na assistência ao cliente cirúrgico, o cliente cardiológico inclusive (Teixeira23).
A educação do cliente como estratégia de cuidar/cuidado
A ampliação do conhecimento do cliente submetido ao implante de valva mitral acerca dos cuidados de enfermagem após sua alta é uma atividade educativa por meio de informações e esclarecimentos que integram um processo de reflexões e perspectivas quanto às possibilidades de cada um em relação à sua adaptação a uma nova realidade concreta.
Desde a metade do século XIX, a educação do cliente é uma tradição na Enfermagem; ela tem sido utilizada como instrumento para proporcionar segurança e qualidade de cuidados de saúde (Zago24).
A propósito desta atividade, a literatura específica em cirurgia informa que na década de 40, as enfermeiras percebiam que as complicações pós-operatórias poderiam ser minimizadas ou evitadas pelo processo educativo do cliente. Estas constatações se fazem presentes atualmente, sendo creditado ao ensino do cliente a minimização da ansiedade e das complicações pós-operatórias (Fox25).
Nesta perspectiva, o processo de informação-educação realizada para o cliente pode ocorrer sob diferentes formas: oralmente, esclarecendo com detalhes as dúvidas do cliente; por escrito, como forma de garantir que ele não esqueça as instruções recebidas; e graficamente, por meio de caricaturas, desenhos, diagramas, representações gráficas ou instrumentos educativos impressos cuja visão permitirá que o cliente identifique melhor os cuidados que deve desenvolver no seu cotidiano.
É importante que o cliente compreenda que suas ações diárias serão de longo prazo. Mas é preciso ficar claro para que a concretização de tais ações depende não só do entendimento, da aceitação e da responsabilidade dele em se cuidar, mas também do trabalho que realiza, das suas condições financeiras para adquirir medicamentos, alimentos, vestuário adequado e arcar com as despesas de transporte (ida e volta) ao hospital para as avaliações de saúde. Sob esta ótica, o princípio da autonomia do cliente passa do plano ideal para o real, demandando do enfermeiro adequar seus procedimentos de acordo com o caso (Grimberg26).
Portanto, há necessidade de se transmitir orientações sobre cuidados com a incisão cirúrgica, dieta, atividades laborais e lazer, medicações, além de educação sobre a terapia de anticoagulação em longo prazo, antibioticoterapia para os procedimentos dentários e intervenções cirúrgicas (Grimberg26).
As atividades de enfermagem determinam a qualidade da cirurgia, alicerçando e concretizando seu êxito por meio dos cuidados desenvolvidos (Geovanni27). Nesta realidade, foi suscitado o interesse de construir um instrumento para expressar textual e graficamente o cuidado diário, despertando e estimulando o interesse do cliente para o próprio cuidado com qualidade. O instrumento permite a inclusão de experiências, necessidades e expectativas, inclusive as que têm em relação à vida, para ajudá-lo a manter-se equilibrado.
Os cuidados diários após a alta hospitalar são indispensáveis para que os clientes alcancem sua recuperação e percebam melhor suas expectativas e necessidades quanto à adaptação a um novo estilo de viver que lhes permitam manter qualidade de vida possível. Poder ajudá-los nesta fase de adaptação a um novo estilo de viver faz com que, na arte de cuidar, as ações promovidas para o cliente sejam permeadas por emoção, respeito, confiança, segurança e afeto. Trata-se de uma prática-ação voltada, principalmente, para garantir respeito ao educando/cliente, à sua autonomia, dignidade e identidade (Freire28).
Na alta hospitalar, o cliente precisa assumir a responsabilidade de fazer com que o uso da medicação anticoagulante oral seja eficaz para mantê-lo livre de complicações e de eventos hemorrágicos. Sendo assim, esse cliente caminha em busca pela qualidade de vida, atingindo o principal objetivo da educação, tornando-se capaz e responsável pelos seus próprios cuidados de saúde (Meeker29).
Na prática de Enfermagem, a orientação gráfica por meio de instrumento educacional reforça a visualização de diversas atividades e/ou situações em que os clientes se envolvem no dia-a-dia. Sendo assim, na medida em que essas orientações são incorporadas às rotinas dos clientes, o exercício gradativo do cuidado torna-se também uma rotina de vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos que os avanços do conhecimento sobre o cuidado na perspectiva do cliente acerca do instrumento educativo impresso são fatos que estão constituindo-se dia-a-dia. A construção desse instrumento é um novo delineamento na sistematização da assistência representado por um cuidar/cuidado que leva os clientes com implante de valva mitral mecânica que estão em um processo saúde-doença, a serem os principal foco no cuidar e nos ciudados.
Não existe uma ordem de prioridade para que o cliente siga os cuidados. Cada um é realizado em suas realidades díspares e situações de vida, fortalecendo a informação, a orientação e a educação.
A orientação sobre os cuidados para os clientes após a alta hospitalar têm sido de fundamental importância em relação a uma maior expectativa de vida em decorrência da divulgação de uma qualidade de vida. De um lado, os clientes com suas múltiplas fontes de informações, e, de outro, uma busca na literatura científica à procura de uma metodologia que inclua participação efetiva e a viabilização desse instrumento. Freire enfatiza que a politicidade da educação exige do educador, de um lado, que eleja a serviço de quem estiver, de outro, que diminua a distância entre expressão verbal de sua opção e sua prática (Freire28).
A construção de um instrumento educativo, como um indicativo para uma ação educativa, é como um projeto que visa a alcançar resultados internos e externos por meio de um processo participativo dos educandos (Milet et al30). que tende a aproximar diferentes áreas do campo da Cirurgia Cardíaca, na intervenção da prática de cuidados dos clientes. A sistematização do cuidado constitui-se num retorno social com metas de curto prazo e uma redução de custos financeiros e sociais quanto às complicações pós-cirúrgicas.
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Recebido em 23/05/2005
Reapresentado em 23/03/2006
Aprovado em 06/04/2006