Volume 6, Número 2, Mai/Ago - 2002
ARTIGOS DE PESQUISA
Noções básicas sobre hemoterapia: possibilidade de conteúdo curricular para a graduação em enfermagem
Basic notions in blood therapy: curricular subject for nurse graduation
Nociones básicas de hemoterapia: posibilidad de contenido curricular para la formación en enfermería
Nereida Lúcia Palko dos SantosI; Nébia Maria Almeida de FigueiredoII
IMestranda da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto / UNIRIO; Professora Substituta da Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ - DEMC / NUPENH (1999 / 2000)
IIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Fundamental da EEAP / UNIRIO, Coordenadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu, Mestrado em Enfermagem (EEAP / UNIRIO)
Trabalho qualitativo, realizado com vinte e quatro alunos do sexto período do curso de graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ, (PCI - IX, no segundo semestre de 2000). Os objetivos do trabalho foram: identificar junto aos alunos a necessidade de abordar conteúdos referentes à hemoterapia na graduação em enfermagem; analisar, com base nos dados coletados junto aos alunos, a premência de conteúdos referentes à hemoterapia serem ministrados como conteúdo da graduação, se adequando às necessidades da prática profissional. Resultados foram obtidos através de questionário e revelaram que sete (29,17%) alunos desenvolveram uma ou mais atividades referentes à hemoterapia. 24 alunos (100%) consideraram importante terem informações sobre noções básicas de hemoterapia para sua atuação no futuro profissional.
Palavras-chave: Enfermagem. Hemoterapia. Conteúdo curricular. Ensino.
ABSTRACT
This is a qualitative study, with quantitative support characterizing 24 students from the 6th period of Anna Nery Nursing School / UFRJ. The students of the PCI-IX (Interdepartmental Curricular Program - IX) applied these techniques to clients in the second semester of 2000. The aim of the study was to identify whether the subject of blood therapy was necessary for the students in the nursing graduation course; analyze data collected from the students' opinions about the priority of blood therapy in professional practice. The results were obtained through a questionnaire, and showed that 20 students (83,33%) were females; twelve students (50%) were between 22 and 23 years old. Seven students (29,17%) developed blood therapy practice in more than one area (transportation, blood components conservation, storage, and transfusion). Suggestions for classes' strategies appeared, and 100% of the students consider basic knowledge of blood therapy important for their future professional activities.
Keywords: Nurse. Blood therapy. Curricular subjects. Nurse knowledge.
RESUMEN
Trabajo cualitativo, con apoyo de datos cuantitativos caracterizando 24 alumnos del sexto período del curso de graduación en Enfermería de la Escuela de Enfermería Anna Nery/UFRJ, objeto del presente, que hicieron la disciplina: Programa Curricular Inter.-departamental, de Agosto a Octubre del 2000. Los objetivos del estudio fueron: identificar la necesidad de tratar contenidos relacionados a la hemoterapia en la formación de los alumnos de enfermería; analizar con base en los datos recolectados la prioridad de contenidos relacionados a hemoterapia a ser dictados en cursos de formación, adecuándose a las necesidades de la práctica profesional. Los resultados obtenidos mostraron 20 (83,33%) alumnos del sexo femenino. Doce (50%) tienen edad entre 22 y 23 años. Siete (29,17%) ya tenían experiencia en varias áreas de hemoterapia. Veinticuatro (100%) consideraron importante tener informaciones sobre nociones básicas de hemoterapia para su futura actuación profesional.
Palabras claves: Enfermería. Hemoterapia. Contenido curricular.
INTRODUÇÃO
A proposta para a realização deste trabalho surgiu nas discussões em sala de aula, no curso de mestrado em enfermagem, na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto / UNIRIO, mais especificamente na disciplina Seminário de Dissertação, com vistas à apresentação do projeto da dissertação de mestrado, e a referência à trajetória acadêmica / profissional da mestranda Nereida Santos em um serviço de hemoterapia privado nos três últimos anos (1997 / 2000), paralelamente à experiência como professora substituta da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) (1999 / 2000).
Considerou-se a necessidade vivenciada pela mestranda de estudar arduamente conteúdos referentes à hemoterapia, especialmente no período inicial de treinamento profissional, por nunca ter tido contato, nem recebido informações sobre o que era, nem como funcionava um serviço de hemoterapia.
Em discussões com alguns colegas do curso de mestrado, especialmente os docentes, foram expostas suas experiências nas Instituições de Ensino Superior, onde o conteúdo sobre hemoterapia não é abordado, principalmente por não ser considerado como pertinente à formação de conhecimento geral do enfermeiro, além de poder acarretar mais anos de formação se todos os conteúdos considerados "específicos" e importantes pudessem ser ministrados na graduação.
No Programa Curricular Interdepartamental IX: Assistência a Clientes Hospitalizados III, que prioriza a assistência a clientes hospitalizados de maior complexidade, ministrada no 6º período da graduação, integrante da terceira etapa curricular da EEAN / UFRJ, vinculada ao Departamento de Enfermagem Médico-cirúrgica (DEMC) e ao NUPENH - Núcleo de Pesquisa em Enfermagem Hospitalar, contava o conteúdo referente à hemoterapia inserido no curso de graduação, devido às características do currículo da instituição, visando atender, com a teoria, uma necessidade emergente da prática dos acadêmicos.
Considerando necessário detalhar de que forma o conteúdo de hemoterapia, "Cuidado do cliente submetido a procedimentos hemoterápicos", foi inserido no PCI-IX, optou-se por um breve resgate da trajetória curricular da EEAN, com base na tese de doutorado de Porto (1997): "História da Experiência de Mudança Curricular na Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery".
O PCI (Programa Curricular Interdepartamental) recebeu essa denominação após um processo de revisão do currículo de graduação, iniciado no segundo semestre de 1976, onde houve a experiência de integração de disciplinas, pautando-se nas idéias de Irene Beland, sobre o método de resolução de problemas, tendo originado-se em Faye G. Abdellah; método desenvolvido nos EEUU na década de 50, na tentativa de um caminho mais científico para uma enfermagem centrada nos procedimentos técnicos (PORTO, 1997, p. 99, 100 e 126).
A adaptação desse método de resolução de problemas no currículo da EEAN possibilitou se pensar a enfermagem assistencial como um processo científico, ainda que pautada no conhecimento médico (ALMEIDA e ROCHA, 1989 in PORTO, 1997, p. 126).
Após a implantação do Projeto Novas Metodologias na EEAN, com a primeira grade curricular dividida em cinco etapas curriculares, e Unidades Curriculares (UC), surgiu no período de 1980 a 1984, de acordo com os Departamentos e a DRE (Divisão de Registro de Estudantes), a denominação de Programa Curricular Interdepartamental (PCI) (PORTO, 1997, p. 160).
Os "PCIs" constituíam-se em 13, sendo consignados em 15 programas. A modificação da nomenclatura de UC para PCI surgiu no esquema tripartite, sendo composta a grade curricular por PCI, ESE (Estágio Supervisionado em Enfermagem) e DSS (Diagnóstico Simplificado de Saúde) (PORTO, 1997, p. 160).
O ESE-IX, e o DSS - IX, somados ao PCI-IX como requisitos curriculares suplementares (RCS), compõem juntamente com a mesma estrutura no PCI-VIII, o sexto período letivo do curso de graduação da EEAN, 3ª etapa curricular: Enfermagem em Situações Hospitalares (PORTO, 1997, p. 161).
Na estrutura curricular, o PCI congrega a carga horária total do ensino teórico, do ensino teórico-prático e do ensino prático do esquema tripartite. O ESE perfazendo um terço (1/3) da carga horária total do PCI-IX (90 horas), o DSS com uma carga horária variável, em torno de 60 horas, e 75 horas para conteúdos teóricos (45 horas), e teórico - práticos (30 horas), fazendo um total de 225 horas para o PCI-IX, durante um trimestre (PORTO, 1997, p. 164).
O conteúdo referente à hemoterapia, inserido no PCI-IX a partir de 1996, foi ministrado como conteúdo teórico-prático pela Doutoranda em Enfermagem Margarethe Rêgo, autora do livro: "Princípios de Hematologia e Hemoterapia" (1996) e dada continuidade pela mestranda a partir do primeiro semestre de 1999.
Inserido nas atividades teórico-práticas do PCI-IX, devido à flexibilidade do currículo da EEAN, onde habitualmente diz-se que a teoria surge a reboque da prática, e o conteúdo referente à hemoterapia ter-se feito necessário pelas características dos cenários de prática dos alunos da graduação, que são respectivamente: clínica de cirurgia geral e gástrica, enfermaria de cuidados intermediários (ECI), e centro cirúrgico, todos situados no Hospital Universitário.
Os campos de estágio são escolhidos por atenderem ao preconizado pela ementa e a matriz programática do PCI, com a finalidade de orientar a equipe docente para o que é pertinente ao desenvolvimento do PCI, sendo: "situações de enfermagem de maior complexidade; essencialidade para o cliente crítico; evolução de enfermagem; cuidados intermediários; situações vida - morte; ajuda a família e orientação sobre problemas de reabilitação. "(Ementa do PCI-IX, constante do caderno de atividades dos alunos, 1999 - DEMC / EEAN; PORTO, 1997, p. 162).
Os cenários de estágio supervisionado permitem ao graduando adquirir uma visão global do "ciclo cirúrgico", onde são prestados cuidados à clientela nos períodos de internação referentes ao pré, trans e pós-operatório, onde o cliente pode apresentar complicações, das mais diversas, sendo necessário seu encaminhamento à ECI, setor onde o graduando também desenvolve sua prática.
Nesses cenários de prática, além de terem contato visual com os componentes hemoterápicos, os alunos administram e acompanham todo o processo transfusional dos clientes, fazendo-se necessário maior detalhamento sobre as questões que envolvem a hemoterapia, inclusive quando interagem com os clientes, e seus familiares, e necessitam sanar as dúvidas e mitos existentes a respeito do processo transfusional.
A abordagem das aulas envolve as questões éticas e legais da doação e transfusão de sangue e hemocomponentes, todo o fluxo de captação, triagem clínica, coleta, fracionamento, preparo, sendo enfatizada a conservação/armazenamento dos componentes, transfusão, assistência ao cliente submetido a transfusão e registro de enfermagem, antes, durante e após a transfusão, além de abordar condutas de enfermagem frente às reações transfusionais mais freqüentes.
A estratégia didática para ministrar o conteúdo desenvolveu-se com a leitura de textos, discussões em grupo, e os alunos passaram a fazer questionamentos e solucionar os aspectos abordados a respeito da hemoterapia e da assistência de enfermagem ao cliente (doador/receptor), mais especificamente às necessidades emergentes dos setores de estágio, e aos aspectos transfusionais, de registro e condutas nesse momento, visando atender a proposta do currículo, frente à resolução de problemas e criação de sugestões, planejamento de intervenções, execução e avaliação da ajuda prestada (Matriz Programática do PCI-IX - Caderno de Atividades dos Alunos,1999 - DEMC / EEAN).
Durante o período de um ano e meio que esse conteúdo foi ministrado pela mestranda, foram observadas diversas reações por parte dos graduandos, surgindo avaliações divergentes por diferentes motivos, independentemente das alterações realizadas na abordagem às aulas teórico-práticas.
As divergências quanto à abordagem metodológica do ensino apareceram freqüentemente, embora os alunos ressaltem a importância do conteúdo ser abordado frente às situações vivenciadas nos campos de prática, fazendo com que surgissem os objetivos a seguir.
· Identificar junto aos alunos a necessidade de abordar conteúdos referente à hemoterapia na graduação em enfermagem;
· Analisar, com base nos dados coletados junto aos alunos, a premência de conteúdos referentes à hemoterapia serem ministrados como conteúdo da graduação, se adequando às necessidades da prática profissional.
Este estudo contou com a participação de 24 alunos regularmente inscritos no PCI-IX, que participaram das atividades desenvolvidas em laboratório, cursando a disciplina no período de agosto a outubro de 2000.
Os dados foram coletados através de um questionário com sete perguntas abertas e fechadas, entregue individualmente aos graduandos onde houve um espaço para críticas e sugestões. A coleta de dados ocorreu nos dois últimos dias de estágio, dando oportunidade a que tivessem contato com quase todos os campos de prática e experiências referentes ao conteúdo abordado.
Caracteriza-se como um estudo qualitativo, abordando o setor de atuação prática no momento da coleta de dados, atividades desenvolvidas pelos alunos e suas opiniões sobre o conteúdo abordado.
RESPOSTAS DOS ALUNOS
Há uma homogeneidade na faixa etária dos alunos respondentes, inscritos no PCI-IX, não havendo nenhum aluno com mais de 25 anos e nenhum com menos de 20 anos. Outra questão, não rara na enfermagem, é a predominância de mulheres (vinte dos vinte e quatro respondentes) trilhando os caminhos da profissão, caracterizando a tradicionalidade da enfermagem como profissão eminentemente feminina.
Dos 24 alunos respondentes ao questionário, 20 (83,33%) já haviam passado pela Enfermaria de Cuidados Intermediários, sendo 10 (71,43%) dos 14 alunos da Clínica Cirúrgica e 10 (100%) alunos do Centro Cirúrgico. Os quatro alunos que ainda não haviam atuado na ECI eram integrantes do grupo de 14 alunos da Clínica Cirúrgica (28,57%), que não haviam atuado no setor, justamente por estarem escalados para atuarem nessa unidade no último dia de atividades.
Com referência ao terceiro questionamento, sobre a atuação em alguma atividade relacionada à hemoterapia, 17 alunos (70,83%), negaram terem tido a oportunidade de contato com qualquer atividade abordada no conteúdo teórico-prático, desenvolvida na hemoterapia, durante o estágio no PCI-IX; e sete alunos (29,17%) atuaram em uma ou mais atividades desenvolvidas na hemoterapia, listadas no quadro a seguir.
Quadro 1 - Clique para ampliar
De acordo com o quadro anterior, observa-se que as atividades desenvolvidas no período de estágio no PCI-IX foram as de transporte, armazenamento / conservação e transfusão. As três atividades foram desenvolvidas por alunos atuantes no Centro Cirúrgico, na Clínica Cirúrgica apenas a transfusão. Essa distinção ocorre pela característica das atividades do serviço de hemoterapia da instituição, e rotina nos respectivos setores.
No Centro Cirúrgico, há uma geladeira central, onde os componentes solicitados para as cirurgias ficam armazenados, de acordo com a programação cirúrgica do dia, e de acordo com a entrada do cliente em sala, tempo cirúrgico, e avaliação do hematócrito, e hemodinâmica do cliente; quando a equipe cirúrgica e os anestesistas optam pela reposição de sangue e componentes, faz-se necessário o transporte dos componentes solicitados para a Sala de Operações (SO), devendo o mesmo ser armazenado / conservado, ou aquecido adequadamente para o momento de sua transfusão. Nesse caso, o ato transfusional normalmente é realizado pelo anestesista.
Na Clínica Cirúrgica e na Enfermaria de Cuidados Intermediários, a rotina é diferenciada. De acordo com a avaliação laboratorial, de parâmetros hemodinâmicos, e muitas vezes a avaliação de complicações pós-operatórias, é solicitada pela equipe médica, diretamente ao serviço de hemoterapia, a quantidade de componentes necessários para o cliente.
O funcionário do serviço de hemoterapia colhe a amostra de sangue, ou utiliza amostra colhida nos exames de rotina do dia, realiza as testagens de compatibilização e sobe para o andar da clínica cirúrgica com o material a ser transfundido.
O funcionário da hemoterapia inicia a transfusão retornando ao seu término, sendo necessário o acompanhamento dessa atividade pelos funcionários do setor.
Em dias de estágio, quando essa transfusão ocorre no período da manhã, o que não é comum devido à demanda de atendimento solicitada ao serviço de hemoterapia, os alunos, sob supervisão, assumem a atividade transfusional.
Dos sete alunos que tiveram contato com essas atividades, quatro responderam afirmativamente ao item referente às atividades relacionadas à hemoterapia, e dúvidas na atuação frente às situações vividas.
"Procedimento (Transfusão de concentrado de hemácias) propriamente dito, como transfundir, etc."(a. 26)
"Não sabia em qual temperatura devia ser conservado o sangue, ou se tinha algum conservante dentro do frasco."(a. 11)
"Por quanto tempo uma bolsa de concentrado (hemácias) pode ficar fora da geladeira."(a. 13)
As três respostas dos alunos foram abordadas na atividade teórico-prática, onde serviu de base a Portaria 1376 / 95 e as Normas Técnicas e Rotinas para Bancos de Sangue do Ministério da Saúde (1994), além de material bibliográfico dos Cadernos da Fundação HEMOMINAS: Assistência de enfermagem na coleta de sangue do doador e na hemotransfusão (1999), e de bibliografias de referência como: Harmening (1992), Verrastro (1996), e o livro Princípios de hematologia e hemoterapia (1996) da professora Margarete Rêgo.
Referente à questão do conservante, foi mostrada a solução de Citrato - fosfato - dexstrase (CPD), utilizada dentro da bolsa de coleta, manuseada pelos alunos, como os demais tipos comumente encontrados no mercado, e o prazo de validade de cada uma.
Com relação a instalar a bolsa de qualquer componente hemoterápico para o início do processo transfusional, essa atividade foi demonstrada, com uso da bolsa e do equipo apropriado com filtro de 170 a 260 micra, baseado nas Normas Técnicas e Rotinas para Banco de Sangue (MS, 1994) que determina como proceder no período pré - transfusional e transfusional, além de ter sido informada a bibliografia a ser consultada sobre tal procedimento.
As orientações são contempladas no capítulo IX: Da transfusão de sangue e seus componentes (p.46), do manual do MS, onde os itens 2 - observações sobre a técnica e cuidados pré-transfusionais; 3 - na vigência da transfusão; e 4 - considerações específicas sobre os produtos hemoterápicos, contemplam a dúvida na atuação mencionada pelos alunos.
Essas questões trouxeram preocupação com o que teria acontecido, e informalmente os alunos foram procurados para saná-las. Alguns informaram não terem tido tempo de rever o conteúdo teórico abordado em sala de aula, outros não terem conseguido apreender a informação, por esta ter sido abordada antes da atividade prática, o que dificultou a associação da teoria com a prática.
Com referência ao quarto item do questionário, se o conteúdo abordado deu-lhes subsídios para atuação frente às necessidades dos clientes que necessitassem de qualquer intervenção quanto à hemoterapia, dos sete alunos que tiveram a oportunidade do contato/atuação em atividades referentes à hemoterapia, quatro responderam que sim, de acordo com os registros a seguir:
"Quando a bolsa de sangue chegou na S.O., o nome e o número do prontuário do cliente estavam comprometidos, portanto, comuniquei a equipe e ratifiquei o problema."(a. 06)
"Em poder avaliar as condições do cliente que está recebendo transfusão." (a. 13)
Três alunos responderam que não, de acordo com os registros:
"Apenas o conteúdo abordado, não. Foi necessário buscar o aprofundamento de conhecimentos em outros materiais didáticos."(a. 38)
"A aula serviu de base, mas foi necessário ler um livro somente sobre hemoterapia, hematologia...."(a. 26)
Alguns alunos, no sexto período da graduação, ainda esperam que as aulas ministradas pelos professores sejam estanques para sua aprendizagem, sem procurar outros referenciais que as complemente, acrescente, ou até contradiga, ficando clara essa questão quando respondem que o conteúdo abordado não deu-lhes subsídios por terem tido que fazer aprofundamento nas bibliografias referenciadas, específicas sobre o assunto.
Dos 17 alunos que não tiveram oportunidade de atuar em atividades relacionadas à hemoterapia, seis responderam que o conteúdo abordado em sala de aula é suficiente para a atuação junto a clientes que necessitem de intervenção quanto à hemoterapia, dois responderam negativamente e nove não responderam.
As duas respostas negativas foram:
"O conteúdo abordado em sala foi insuficiente, acredito que deveria haver laboratório, como forma de ampliar os conhecimentos, treinar os procedimentos, e fixar melhor o conteúdo." (a. 01)
"Foi necessário me aprofundar um pouco mais no assunto." (a. 34)
Das seis respostas afirmativas, são ressaltadas as três a seguir, por abordarem de forma geral o conteúdo comum.
"A teoria, como proceder na transfusão, como proceder na abordagem de pessoal que serão doadores, foi suficiente." (a. 22)
"Tive informação suficiente para proceder bem em uma situação que envolva hemoterapia." (a. 36)
Surge uma questão interessante nos relatos. Os alunos contrários ao aproveitamento do conteúdo abordado em sala de aula sugerem a necessidade de um aprofundamento das questões abordadas, como os alunos que tiveram a vivência, e referiram a necessidade de aprofundamento teórico, de interesse individual em se aprimorar, na auto-aprendizagem. Os alunos que responderam afirmativamente, mesmo não tendo vivido a situação, consideram-se aptos a atuarem em qualquer situação referente à hemoterapia, especialmente transfusão e doação.
O quinto item do questionário, referente a atuação em campo de prática e o conteúdo teórico - prático abordado, quanto a primeiro vivenciar a prática antes da teoria, como preconiza o currículo da EEAN, 21 alunos responderam não ser necessário ter contato com a prática antes da teoria, refletindo a própria ansiedade e insegurança característica dos alunos, onde muitas vezes relatam querer que toda a teoria fosse ministrada antes das atividades práticas, de assistência de enfermagem à clientela, conferindo-lhes "domínio" de conhecimento e segurança para atuarem em campo de prática.
"Acho que vendo antes o conteúdo, dá pelo menos para se ter noções sobre como proceder, caso haja necessidade. Mesmo que a sensação de não saber muito sobre aquilo, apareça, pelo menos os termos e alguns cuidados já teremos noção." (a. 10)
"Na prática podemos nos deparar com situações como citada acima (troca de componentes, enviados errados para ser transfundido no cliente na SO). O conteúdo teórico deu suporte quanto ao transporte, armazenamento, colocar bolsa em banho-maria, e registros de enfermagem."(a. 06)
Esse discurso é comum durante a graduação, e observado no diálogo informal com os alunos que vivenciaram a experiência prática referente à hemoterapia; esses relatam maior facilidade de compreender, visualizar, ter e retirar dúvidas sobre o conteúdo anteriormente vivido e visto, especialmente quando se tratam de atividades práticas, trazendo uma ambivalência entre o que seria melhor: "a teoria a reboque da prática" ou "a teoria antes da prática"?
A questão número seis do questionário surge como forma de validar a avaliação surgida oralmente em sala de aula, ao término do conteúdo teórico - prático e as dificuldades e expectativas apresentadas pelos alunos no momento de prática no estágio. Procurou-se que se sentissem com total liberdade de se expressarem e sugerirem alterações para o conteúdo às próximas turmas.
Surgiram algumas sugestões viáveis, para o curto período de tempo disponível para ministrar a aula (duas horas), e outras que deverão ser analisadas junto à equipe docente do PCI-IX, além de depender de agendamento prévio com o serviço de hemoterapia da instituição para uma visita.
"O conteúdo ministrado poderia ser dado, a base teórica. E logo após ver a prática para ter uma maior associação do conteúdo e não acontecer a fragmentação da síntese do conhecimento." (a. 33)
"Acho que poderia ter uma visita programada ao banco de sangue, ou a alguma unidade hematológica, para que se possa ter contato com uma bolsa de sangue, para que não cause nenhuma surpresa e aquela sensação "do que fazer?", quando se depara pela primeira vez com uma desta no campo de prática."(a. 36)
Algumas sugestões viáveis foram referentes à leitura de material levado para a sala de aula, e sugerido como leitura prévia para que seja compreendido todo o ciclo do sangue, embora o objetivo principal da aula seja a assistência de enfermagem aos clientes submetidos a procedimentos relacionados à hemoterapia, de acordo com as atividades desenvolvidas em campo de prática: centro cirúrgico, clínica cirúrgica + ECI (transfusão, armazenamento / conservação, e transporte).
"Os textos que foram discutidos em sua de aula, poderiam ter sido entregues previamente aos grupos. Pois desta forma, poderíamos ter lido os textos antes, facilitaria o debate sobre o assunto."(a. 28)
"Essa aula além de teoria, deve ter conteúdos práticos. Os textos analisados durante a aula, devem ser entregues com antecedência para serem lidos previamente."(a. 22)
Outras sugestões foram a de dividir a aula em dois dias, o que, para o propósito das noções básicas sobre hemoterapia, estaria além, e ainda aumentaria um dia de aulas ministradas no cronograma de atividades, alterando a carga horária prevista para o sexto período, ou até fazendo com que fosse necessário suprimir outro conteúdo.
"Uma aula é pouco para assimilar todo o conteúdo de hemoterapia; desta forma, deveria haver pelo menos duas aulas."(a. 21)
Independentemente das colocações referidas sobre a aula ministrada, as estratégias utilizadas ou a aplicabilidade do conteúdo frente à referida abordagem, 100%, ou seja, 24 alunos consideram que o conteúdo sobre o cuidado de enfermagem aos clientes submetidos a procedimentos referentes à hemoterapia é importante para seu futuro profissional.
Surgiram várias justificativas, das quais ressaltamos a possibilidade de atuação nessa área, como especialista (embora ainda não haja essa formação, mas um mercado de trabalho que absorve e treina essa mão-de-obra), que determinamos ter influência da relação surgida com os alunos, e os relatos de experiência sobre a prática vivida pela mestranda.
"Será bastante importante, pois este conteúdo me deu, pelo menos uma base para que eu saiba desempenhar o meu papel futuramente, caso eu precise atuar na hemoterapia."(a. 32)
"Este tipo de conteúdo é importante no PCI-IX, pois a maior parte dos alunos não tem muita noção sobre hemoterapia quando chegam nesse PCI.
Tendo esse conteúdo durante a graduação, ajuda na escolha de uma especialidade no futuro."(a. 21)
Outros alunos levantaram a questão de estarem aptos à atuação na imprevisível vida profissional, tendo a noção de que os procedimentos referentes à hemoterapia e os cuidados da clientela a eles submetida, encontram-se em qualquer área de atuação.
"Na vida profissional, poderemos nos deparar com clientes que necessitem de intervenções em hemoterapia. E diante dessa situação algumas noções básicas são necessárias, que se não forem relevantes, poderá definir não só a vida deste cliente, como também a qualidade desta."(a. 06)
"Será de suma importância, visto que nos ensinou a lidar melhor com pacientes transfundidos e os principais cuidados de pré e pós - transfusão e hemoterapia."(a. 24)
"Pois quando nos formarmos, entraremos no mercado de trabalho, e dependendo da instituição que formos trabalhar, devemos estar preparados para todas as situações."(a. 28)
CONCLUSÃO
O presente trabalho apresenta dados significantes para a prática docente em enfermagem, porém não tem a pretensão de ser finito sobre o tema abordado. Espera-se que este seja um início de futuras discussões sobre a inclusão de conteúdos referentes à hemoterapia no curso de graduação em enfermagem, além da reflexão dos docentes sobre a forma como que se ministram conteúdos e como esses são assimilados e usados pelos alunos nas atividades práticas desenvolvidas na profissão.
De acordo com os objetivos propostos, considera-se tê-los atingido, pois, independentemente da atuação dos alunos em atividades que envolvem a hemoterapia e o cuidado de seus clientes na prática profissional, os graduandos identificaram a possibilidade de sua utilização na vida profissional, independentemente da área em que venham a atuar.
Ressalta-se que nessa etapa de atuação acadêmica sete (19,17%) dos alunos tiveram a oportunidade desse contato com atividades desenvolvidas na hemoterapia, e 24 (100%) dos alunos responderam ser necessário para o desenvolvimento da atuação profissional futura, noções sobre hemoterapia poder ser abordada e necessária em qualquer campo de atuação, donde surgiu a preocupação em fornecer-lhes informações tanto sobre a transfusão, e suas conseqüências, como sobre o "ciclo do sangue", desde a captação dos doadores até as reações transfusionais tardias, enfocando a ação da enfermagem nessas situações.
Gil (1994, p. 16) descreve perfeitamente os empecilhos dessa forma de coletar dados, pois impede o auxílio ao informante quando este não entende corretamente as perguntas; impede o conhecimento das circunstâncias em que foi respondido, o que pode ser importante na avaliação da qualidade das respostas, e proporciona resultados bastante críticos em relação à objetividade, pois os itens podem ter significado diferente para cada sujeito pesquisado, o que fez com que os alunos fossem procurados informalmente, várias vezes, para procurar solucionar essas dúvidas, interferindo na análise inicial dos dados.
Embora tenham ocorrido tais situações, acredita-se que o estudo foi validado, servindo de experiência e de base para um aprofundamento maior nessa questão. Aprofundamento que se pretende não partir apenas dos autores deste trabalho, mas de todos os interessados na formação de futuros enfermeiros.
REFERÊNCIAS
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HARMENING, Denise; CALHOUN, Loni; POLESKY, Herbert. Técnicas modernas em banco de sangue e transfusão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revinter, 1992
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POLIT, D.F.; HUNGLER, B.P. Fundamentos da pesquisa em enfermagem. 3ª ed. - Porto Alegre, Artes Médicas, 1995
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SOUZA, MHL & RÊGO, MMS. Princípios de hematologia e hemoterapia. Rio de Janeiro: Alfa Rio, 1996
VERRASTRO, T; et alli. Hematologia e hemoterapia: fundamentos de morfologia, fisiologia, patologia e clínica. São Paulo: Atheneu, 1996