Volume 6, Número 2, Mai/Ago - 2002
ARTIGOS DE PESQUISA
A enfermagem e a condição feminina: figuras-tipo de mulheres no estado novo1
Nursing and feminine condition: prototypes of women during the new state
La enfermería y la condición femenina: figuras-tipo de mujeres en el estado nuevo
Luana Bezerra da RochaI; Ieda de Alencar BarreiraII
IAluna de Graduação da EEAN/UFRJ. Bolsista de Iniciação Científica CNPq-Nuphebras
IIProfessora Titular do DEF/EEAN/UFRJ. Membro do Nuphebras. Pesquisadora 1A CNPq. Coordenadora da Pesquisa, apoiada pelo CNPq, intitulada "A (re)configuração da identidade da enfermeira durante o Estado Novo (1937-1945)"
RESUMO
Trata-se de um estudo histórico-social.
OBJETIVOS: descrever a condição feminina nos anos 20; analisar figuras-tipo de mulher da sociedade brasileira durante o Estado Novo; discutir a inserção da enfermeira entre esses modelos. Fontes utilizadas foram documentos escritos e fotográficos do Centro de Documentação/EEAN e bibliografia pertinente.
RESULTADOS: no bojo do fenômeno do culto à personalidade de Vargas, figuras femininas ganharam relevo, como a da primeira dama, d. Darci, e de sua filha Alzirinha. No âmbito da enfermagem, personificações do tipo ideal de enfermeira foram Laís Netto dos Reys, diretora da EEAN, e Isaura Barbosa Lima, que chefiou as enfermeiras da Força Aérea Brasileira na 2ª Guerra Mundial. Na vida política e artística, destacaram-se figuras transgressoras como Patrícia Galvão, intelectual e militante política, e Virgínia Lane, vedete do teatro de revista. Essas figuras-tipo de mulher correspondem a uma acentuada transição histórica e à ruptura da imagem tradicional da mulher na sociedade.
Palavras-chave: História da enfermagem. Brasil. Mulher. Enfermeira. Estado Novo.
ABSTRACT
It's a social-historical study.
OBJECTIVES: Describe the woman's condition in the 20's, analyse the prototypes od Brazilian women during the New State and also discuss the insertion of the nurse among these models. The sources used were written documents and pictures from EEAN ( Anna Nery Nursing School) Documentation center and bibliography about the topic.
RESULTS: Along the worshipped Getulio Vargas, some feminine features gained importance as the first lady Darci Vargas and her daughter Alzirinha Vargas. In the scope of nursing, women like Laís Netto dos Reys, dean of Anna nery Nursing School, and Isaura Barbosa Lima, who was the head nurse of the Health Service of Brazilian Air Force in the Second World War. In politics and arts there was Patrícia Galvão, who was an intellectual and political militant, and Virginia Lane, a star of magazine theater. These women's prototypes demonstrate a transition, as well as a rupture in women's traditional image in the society.
Keywords: Women. Nurse. New State. Brazil.
RESUMEN
Se trata de un estudio histórico-social. Tiene como objetivos describir la condición femenina en los años 20; analizar figuras-tipo de mujeres de la sociedad brasilera durante el Estado Nuevo; discutir la inserción de la enfermera entre esos modelos. Las fuentes utilizadas fueron documentos escritos y fotográficos del Centro de Documentación/EEAN y la bibliografía pertinente.
RESULTADOS: en el meollo del fenómeno del culto a la personalidad de Vargas, figuras femeninas ganaron relevancia con la primera dama, Darci, y de su hija Alzirinha. En el campo de la enfermería personificaciones del tipo ideal de la enfermera, fueron Laís Netto de los Reyes, directora de la EEAN e Isaura Barbosa Lima, que dirigió las enfermeras de la Fuerza Aérea Brasilera en la 2ª Guerra Mundial. En la vida política y artística, se destacaron figuras transgresoras como Patricia Galvão, intelectual y militante política, y Virginia Lane, vedette del teatro de la revista. Esas figuras-tipo de mujer, corresponden a una acentuada transición histórica y la ruptura de la imagen tradicional de la mujer en la sociedad.
Palabras claves: Historia de la Enfermería. Brasil. Mujer. Enfermera. Estado Nuevo.
O presente estudo tem como objeto o desenvolvimento da enfermagem como profissão no processo geral de reconfiguração do perfil da mulher na sociedade brasileira no período do Estado Novo (1937-1945).
A extensão da esfera da vida privada para a vida pública, do papel da mulher como cuidadora da família, caracterizou o processo de profissionalização feminina na virada do século XIX para o século XX. Para legitimar sua presença no mundo do trabalho, essas novas categorias profissionais (entre elas a enfermeira), apoiaram-se na mística feminina e no compromisso com a pátria e a sociedade (BATALHA & BARREIRA, 1999, p.2). No entanto, persistia o entendimento de que a felicidade pessoal da mulher estava necessariamente vinculada ao casamento, através do qual ela consolidava sua posição social e garantia sua prosperidade ou estabilidade econômica (SAFFIOTI, 1976, p.33).
Na década de 20, o acentuado crescimento de "associações femininas e feministas de caráter filantrópico, político, sufragista ou profissional, exprimiu um esforço coletivo de superação da condição tradicional da mulher na família", o trabalho assalariado, realizado paralelamente ao trabalho doméstico (LEITE,1984, p.ix). Já na década de 30, a urbanização e a industrialização promoveram o enfraquecimento do modelo de família patriarcal, diminuindo a dependência da mulher em relação ao marido (MARCÍLIO, 1993, p.101).
No decorrer do Estado Novo (1937-1945), período marcado por um governo ditatorial, intervencionista e centralizador, a imagem ideal de mulher era representada por algumas personagens femininas, que ganharam especial relevo à época e que correspondem a certas figuras-tipo.
Para orientar este estudo, foram traçados os seguintes objetivos: descrever a condição da mulher nos anos 20; analisar as diferentes figuras-tipo de mulher da sociedade brasileira no período do Estado Novo; e discutir a inserção da figura de enfermeira diplomada entre esses modelos femininos.
Trata-se de um estudo de cunho histórico-social, de natureza descritiva. Em sua elaboração, foram utilizadas fontes primárias pertencentes ao Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery (CD/EEAN). Os documentos escritos das séries "As Pioneiras", "Diretoras" e "Curso de Graduação". Além de cartas, ofícios, textos de aulas, fichas de inscrição e discursos, também foram selecionados documentos fotográficos, de acordo com a sua aderência ao estudo. A análise documental foi realizada a partir de sua relevância para o objeto de estudo.
As fontes secundárias consultadas incluem livros, teses e artigos de revistas encontrados no Banco de Textos e Bibliografias do Nuphebras, na Biblioteca Setorial de Pós-graduação da EEAN e na Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ). Tais fontes foram selecionadas em função das seguintes temáticas: política e sociedade no Estado Novo; a condição feminina e a profissionalização da mulher; e a enfermagem como trabalho público feminino.
ASPECTOS SOCIAIS E POLÍTICOS DO ESTADO NOVO
Após o término da primeira guerra mundial, em 1918, expandiram-se na Europa duas tendências políticas antagônicas: o nazifascismo e o marxismo. Essas forças manifestaram-se no Brasil, na década de 1930, , mediante a formação da Ação Integralista Brasileira (AIB) e da Aliança Nacional Libertadora (ANL). A AIB, "com o apoio da oligarquia tradicional, da alta hierarquia militar e do alto clero, preconizava um governo ditatorial ultranacionalista, firmado na hegemonia de um único partido a ele obediente". A ANL era "uma frente antifacista da ascensão internacional dos totalitarismos de direita, originária predominantemente do partido comunista". Esses dois novos partidos, ao contrário daqueles até então existentes no Brasil, que se colocavam em defesa de certo estado ou região, defendiam pontos de vista de determinadas classes, independentemente de área geográfica (KOSHIBA & PEREIRA, 1987, p.308-309).
O crescimento acentuado da ANL intensificou os receios das camadas dirigentes, cujo ponto de vista era o de que "em um país desarticulado como o Brasil, cabia ao Estado organizar a nação, para promover, dentro da ordem, o desenvolvimento econômico e o bem estar geral. O Estado autoritário poria fim aos conflitos sociais, às lutas partidárias e aos excessos da liberdade de expressão, que só serviam para enfraquecer o país"( FAUSTO, 1997, p.357) .
Após a revolução de 1930, a hegemonia política dos cafeicultores chegou ao fim, passando o estado de São Paulo a ser governado por um interventor militar. Não satisfeita, a oligarquia paulista formou uma frente única partidária para exigir a imediata reconstitucionalização do país, além da nomeação de um interventor civil e paulista para governar o estado. Em julho de 1932, o estado de São Paulo empenhou todas as suas forças para derrubar o governo Vargas, o que ficou conhecida como a Revolução Constitucionalista. O governo Vargas reprimiu a revolução paulista em outubro do mesmo ano, mas também nomeou um novo interventor paulista, autorizou a publicação de um novo Código Eleitoral e concedeu a convocação de eleições para a Assembléia Nacional Constituinte ( KOSHIBA & PEREIRA, 1987, p. 303-304). A Assembléia Constituinte promulgou a nova Constituição em julho de 1934 e elegeu Getúlio Vargas à presidência da república, pelo voto indireto, (FAUSTO,1997, p. 351-352).
Com a tentativa de golpe militar, em 1935 (a chamada Intentona Comunista), abriu-se o caminho para medidas repressivas do governo Vargas e para uma escalada autoritária nos anos seguintes: a decretação de estado de sítio (prorrogado até 1937, como estado de guerra), com a suspensão dos direitos civis e das liberdades individuais; a criação de uma comissão de repressão ao comunismo, de um tribunal de segurança nacional. Em 1937, a divulgação de um documento forjado contendo instruções da Internacional Comunista a seus agentes no Brasil para a tomada do poder ensejou o golpe de estado, com o fechamento do Congresso e a instauração do Estado Novo (PEIXOTO, 1995, v. II, p. 72, 82-83).
O Estado Novo marcou o fim da autonomia federativa e o início do poder central. A nova Carta Constitucional, que entrou em vigor imediatamente após o golpe, conferia ao presidente da república poderes para nomear interventores nos estados e para governar através de decretos-lei. As promessas de realização de plebiscito para a aprovação da nova Constituição, de eleições para o parlamento e de revogação do estado de emergência não foram cumpridas por Vargas (FAUSTO, 1997, p. 361-366).
Diante do avanço germânico e da expectativa de que a guerra se daria em escala mundial, os Estados Unidos lançaram uma ofensiva político-ideológica em torno da adesão de todos os países latino-americanos à sua estratégia de "frente única de defesa", incluindo a América do Sul e em especial a "saliência" do Nordeste brasileiro, decisiva para a defesa do Atlântico Sul (FAUSTO, 1997, p. 379-381).
A guerra foi deflagrada em 1939, no entanto, Vargas protelou ao máximo a decisão de declarar o apoio do Brasil aos Aliados (EUA, Inglaterra e União Soviética) ou aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) (CANCELLI, 1993, p.39).
Em dezembro de 1941, com a entrada dos Estados Unidos na guerra, Getúlio Vargas aderiu ao pan-americanismo, em troca do reequipamento econômico e militar do país. Com isso, viabilizava-se, em princípio, a instalação de tropas americanas no nordeste brasileiro. Mas para tanto "seriam necessárias ainda medidas de natureza psicológica visando a aceitação da presença norte-americana no Brasil" (PEIXOTO, 1995, p.415).
Quando submarinos alemães afundaram cinco navios mercantes de bandeira brasileira, sob pressão de grandes manifestações populares, o Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália (FAUSTO, 1997, p. 382), como pleiteavam os Estados Unidos. No entanto, os países americanos declararam guerra ou romperam relações com os países do eixo, pressionados pelos EUA (PEIXOTO, 1995, v.II , p. 4522).
A FABRICAÇÃO DA IMAGEM IDEAL DE GETÚLIO VARGAS
Com o Estado Novo, os meios de comunicação - imprensa, rádio, cinema e literatura passaram a ser controlados pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que tinha a missão de elaborar uma ideologia que desse sustentação ao Estado Novo. Se, por um lado, o "perigo comunista", justificava o regime de força (KOSHIBA & PEREIRA, 1987, p.312), por outro, a produção de mensagens favoráveis à formação de uma imagem ideal de Vargas, consolidava seu poder (LACERDA & KORNIS, 1997, p.3). O programa de rádio "A Hora do Brasil", criado em 1934, continuou a ser usado como o principal veículo de propaganda do governo junto às classes populares (CONHECER, 1982, p. 243).
O Ministério do Trabalho3, Indústria e Comércio, criado em 1930, deu continuidade à legislação trabalhista, regulando o trabalho das mulheres e dos menores, a concessão de férias, a jornada de trabalho de oito horas e o enquadramento dos sindicatos pelo Estado (FAUSTO, 1997, p.335, 373, 374). A instituição do salário mínimo, a implantação da Justiça do Trabalho e a ampliação das Caixas de Aposentadorias e Pensões4 ajudaram a construir a figura simbólica de Vargas como pai dos pobres e amigo dos trabalhadores do Brasil (CONHECER, 1982, p. 243).
Apesar de não ser católico praticante, Vargas foi ao encontro dos desígneos políticos da Igreja utilizando a capacidade desta de influenciar a população. Evento emblemático foi a inauguração da imagem do Cristo Redentor em outubro de 1931, quando a Igreja mobilizou o povo e Vargas reuniu seu Ministério completo para, diante de 45 bispos de todo o Brasil, receber do episcopado a lista das reivindicações católicas para a nova Constituição.
A CONDIÇÃO FEMININA NO ESTADO NOVO
Até o final do século XIX, o casamento continuava a ser para a mulher uma garantia de posição social. O homem deveria sustentar e proteger a mulher, que por sua vez tinha o dever de cuidar da casa e dos filhos, mas submissa ao chefe da família (SAFFIOTI, 1976, p.33). Era rígida a separação entre a esfera social e a doméstica, que a mulher só transporia em casos extremos (LEITE, 1993, p.193). A Igreja católica recomendava que a mulher deveria evitar uma participação integral na sociedade, dedicando-se à vida religiosa e familiar (AZZI, 1993, p. 104).
A "emancipação da mulher" vinha adquirindo um significado cada vez mais amplo, "algumas mulheres não mais queriam apenas respeito, tratamento favorável dentro da família ou direito à educação, mas sim o desenvolvimento pleno de todas as suas faculdades, dentro e fora do lar" (HAHNER, 1981, p. 81).
A década de 20 foi marcada por grandes transformações, no que se refere à condição feminina. A comunicação de massa, representada por jornais, revistas e cinema, bem como a difusão do telefone e do automóvel, expunha comportamentos diferentes, identificados como 'vida moderna', veiculada pelos filmes americanos, e a que todos aspiravam (LEITE, 1993, p.192). Em decorrência, as mulheres começaram a conquistar um espaço público, inicialmente através de profissões consideradas especializações de atividades domésticas, como parteira, enfermeira, professora e hoteleira (LEITE, 1984, p.36).
Desse modo, em fins dessa década, tornou-se aceitável no país um movimento moderado em favor dos direitos da mulher. A obtenção do voto pelas mulheres, em vários países da Europa, assim como as ligações pessoais estabelecidas entre feministas brasileiras e líderes sufragistas internacionais, incitou a formação de organizações pelos direitos femininos no Brasil. "As mulheres intelectuais constituíram boa parte da liderança deste movimento, pois possuíam a determinação e a capacidade de organização necessárias para comandar uma campanha pelo sufrágio feminino". Entre elas, a de maior destaque foi Bertha Lutz5 que se tornou líder desse movimento.
Após a Conferência Pan-Americana de Mulheres, realizada em Baltimore (EUA), em 1922, onde Bertha Lutz estreou como delegada oficial pelo Brasil, foi fundada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), filiada à Aliança Internacional pelo Voto Feminino. Compunha a Federação uma maioria de mulheres trabalhadoras, apesar de que o movimento sufragista, em seu início, tenha sido guiado por um pequeno grupo de mulheres intelectuais de classe média e alta da sociedade (op cit, p. 105-107 e 109-110).
As mulheres envolvidas nesse movimento sofreram grandes pressões no âmbito educacional, legislativo e na imprensa, já que, no imaginário social, a presença feminina no espaço público, para trabalhar, disputar o poder ou mesmo para defender a família, rebaixava a mulher à condição de prostituta. No entanto, embora a sociedade reprovasse o trabalho feminino fora do lar e nutrisse desconfiança em relação ao voto feminino, as mulheres das classes populares sempre trabalharam, na lavoura e nas fábricas. De outro modo, para as mulheres da classe média o magistério foi a primeira profissão respeitável a que tiveram acesso. Assim, as escolas normais atraíram moças que aspiravam a um aprimoramento cultural. Contudo essas mulheres raramente tornavam-se professoras primárias, funcionárias públicas ou jornalistas, não por vontade de realização pessoal, e sim por necessidade de sobrevivência e pela crescente ausência "de figuras masculinas na família que as tutelassem" (LEITE, 1993, p.193-195).
Com a crescente urbanização e industrialização dos anos 30, o trabalho nas fábricas, nas lojas e nos escritórios rompeu o isolamento em que vivia grande parte das mulheres, modificando assim sua postura diante do mundo exterior. As novas condições de vida provocaram uma necessidade crescente de escolarização feminina, para atender a uma nova demanda. Apesar das resistências sociais à instrução da mulher, "o alargamento dos horizontes culturais da mulher urbana, a limitação da natalidade e o recurso do processo legal da separação conjugal, constituíam aspectos reveladores de que a posição social da mulher sofria uma redefinição durante esta década" (SAFFIOTI, 1976, p.179).
Em 1932, o Código Eleitoral Provisório, decretado por Vargas, previa a concessão do direito de voto apenas às mulheres desquitadas ou abandonadas e às solteiras, casadas ou viúvas, que dispusessem de economia própria. No ano seguinte, através da Liga Eleitoral Católica (LEC), a Igreja começou a unir esforços em favor da extensão do direito do voto a todas as mulheres. O engajamento do clero em defesa do voto feminino decorreu do fato de que, "na estratégia da Igreja, a mulher representava uma aliada indispensável na defesa de suas reivindicações relacionadas à família e à escola" (HORTA, 1994, p.112-113). Para garantir essa aliança e, ao mesmo tempo, justificar a intervenção da mulher na política, AMOROSO LIMA, líder intelectual católico, escreveu: que "o voto feminino, longe de afastar a mulher do seu marido, "virá dar-lhe uma noção mais grave da vida"(...).
No ano de 1934, Bertha Lutz passou a defender a causa feminista na Câmara dos Deputados do Distrito Federal. Na Assembléia Nacional Constituinte ajudou a criar a Comissão do Estatuto da Mulher, responsável pela decretação de um estatuto abrangente sobre o status legal e os direitos sociais da mulher, e propôs a criação de um Departamento Nacional da Mulher, que faria a supervisão de serviços relacionados à proteção aos filhos, ao trabalho para mulheres e ao lar (HAHNER, 1981, p.121). As conquistas sociais e políticas da mulher brasileira foram alcançadas pelo trabalho diário e intenso na Assembléia Nacional Constituinte, durante oito meses, das representantes do movimento feminista, sendo assim reconhecidos às mulheres direitos que até então eram apanágio dos homens6.
O poder do voto era o principal trunfo da mulher. Tanto assim que, antes do Estado Novo, Vargas nomeou mulheres para determinadas comissões governamentais e as colocou em consulados e delegações brasileiras no exterior. Ao contrário, após o fechamento do Congresso em 1937, elas foram excluídas do serviço diplomático brasileiro e foram fechados diversos cargos governamentais ocupados por mulheres. A FBPF nunca mais readquiriu sua força organizacional.
FIGURAS-TIPO DE MULHER NA SOCIEDADE BRASILEIRA NO PERÍODO ESTADONOVISTA
No processo de reconfiguração do perfil da mulher na sociedade, algumas figuras femininas adquiriram especial visibilidade durante o período estudado. Como parte da mitificação da figura de Getúlio Vargas, ganharam destaque as mulheres que o cercavam, como sua esposa, Darci Sarmanho Vargas (foto1), e sua filha, Alzira Vargas do Amaral Peixoto.
Nascida a 12 de dezembro de 1895, no Rio Grande do Sul, Darci casou-se aos 15 anos com Getúlio Dorneles Vargas, um advogado recém-formado e iniciando-se na vida política. Portanto, o seu início de vida seguia as expectativas sociais esperadas para uma mulher. Chama a atenção que a cerimônia tenha sido apenas civil. Desta união Darci teve cinco filhos7 ( LIMA,1986, p.33-39). Darci era mulher de personalidade, como afirma seu filho Manuel Antônio:
"Minha mãe de grimpa levantada, bem altaneira, topetuda. Não era submissa não... Meio agitada, prepotente, mandona. Gostava de se vestir bem, de ser bonita...era faceira, sociável e comunicativa, gostava das pessoas. Não era populista, era até mais para aristocrata" (VARGAS In LIMA , 1986, p.36-37).
Sua filha Alzira declarou que Darci possuia "uma inteligência fabulosa e uma imaginação criadora". Até os seus filhos se encaminharem nos estudos, realizava apenas atividades caseiras; após esse período, começou a trabalhar como secretária de Vargas, passando a ter atividade social.
Durante sua vida política, dedicou-se a muitos empreendimentos de assistência social. Ainda em Porto Alegre, fundou a Legião da Caridade, com a finalidade de proporcionar assistência às famílias dos combatentes revolucionários de 1930. Depois de 14 anos de casada, em 11 de dezembro de 1934, sendo Vargas presidente do governo constitucional, com forte apoio da Igreja, realizou-se uma cerimônia íntima de casamento, no ritual católico.
Já na capital federal e na vigência do Estado Novo, Darci fundou várias instituições assistenciais (foto 2), como a Casa do Pequeno Jornaleiro (1938), a Casa do Pequeno Trabalhador (1940) e a Cidade das Meninas (1941), todas vinculadas à Fundação Darci Vargas.
Promoveu ainda a construção de vilas operárias, instituiu centros médicos volantes e chefiou campanhas populares de auxílio ao esforço de guerra. Organizava eventos beneficentes freqüentados pela alta sociedade do Rio de Janeiro, acompanhava o marido em solenidades e prestigiava manifestações culturais, comparecendo a exposições e visitando museus. Ao cumprir exemplarmente o papel de primeira dama do país, prestou relevante contribuição para a construção do mito Vargas (PEIXOTO, 1995, p.36-343-613-614).
Ao mesmo tempo, no restrito mundo da enfermagem, também destacavam-se certas personalidades aqui exemplificadas por duas enfermeiras da mesma geração de Darci Vargas, ou seja, nascidas na última década do século XIX, no decorrer da república. Diplomadas em 1925, na primeira turma da Escola Anna Nery: a personalidade carismática de Laís Netto dos Reys( foto 3), que se manteve na direção da EAN por um longo período (1938-1950), e a figura austera de Isaura Barbosa Lima, no campo da Saúde Pública.
A 22 de setembro de 1893, na cidade de Rezende, no Rio de Janeiro, nasceu Laís Moura filha de Alexandre Bernardino de Moura e de Maria de Miranda Moura, de uma tradicional família fluminense. Casou-se em 1911, aos 18 anos, com o advogado Gastão Netto dos Reys, que faleceu em 1921, deixando-a viúva e sem filhos (OLIVEIRA, TEIXEIRA & BARREIRA,1999). Este fato possibilitou seu ingresso na turma pioneira da Escola de Enfermeiras Anna Nery. Ela alegou como motivo de tal decisão o de procurar no sofrimento alheio o conforto para o seu próprio espírito:
"A obra da enfermeira na sua dupla função moral e física é, uma das mais nobres missões da mulher(...) sanear e prevenir os males do corpo, cuidando em elevar, reanimar e fortalecer o espírito.(...) me trouxe às portas do serviço de enfermeira(...) senão, o desejo de, exercendo uma profissão digna, ter, como nesta, ensejo de ser real e diretamente útil aos que sofrem".
Formada em 1925, seguiu no mesmo ano para os Estados Unidos, onde realizou estudos de pós-graduação no Hospital Geral de Filadélfia, no serviço de doenças contagiosas e no serviço de saúde pública. Em 1928, realizou curso de psicologia e pedagogia na Sorbonne e na Universidade Católica de Paris. Ocupou o cargo de chefe do serviço de enfermagem do hospital de isolamento São Sebastião, do Departamento Nacional de Saúde Pública, e, ao mesmo tempo, o de instrutora da Escola Anna Nery, em 1929. Em função de um entrevero com Bertha Pullen, então diretora da EAN, decidiu entrar de férias e, em seguida, de licença para tratamento médico, sendo então chamada para organizar o serviço de enfermagem de saúde pública do estado de São Paulo, em 1931. Em 1933, foi convidada a organizar a Escola de Enfermagem Carlos Chagas, em Belo Horizonte, na qual permaneceu como diretora até 1938, quando foi nomeada para o cargo de diretora da Escola Anna Nery, em substituição a Bertha Pullen, última diretora americana da EAN, estando já a Escola integrada à Universidade do Brasil, como uma unidade complementar (COELHO, 1997, p.52-53).
Sua gestão se desenvolveu no contexto do Estado Novo, período no qual se firmaram como profissões femininas aquelas que correspondiam a extensões das atividades desempenhadas no recesso doméstico. No entanto, essa "segregação virtual" significava também que as mulheres poderiam conseguir altas colocações nesses campos, sem a confrontação ou mesmo a competição com os homens (HAHNER, 1981, p. 124), como foi o caso de d. Laís.
Em virtude de sua personalidade cordial, a residência das alunas e professoras da Escola Anna Nery era tida como um ambiente acolhedor e hospitaleiro. Ela também era conhecida como uma pessoa profundamente católica, que manteve uma forte aliança política com a Igreja, favorecida pelas conexões sociais de família. Como católica fervorosa, associava aos ensinamentos profissionais da enfermeira a visão religiosa, por atribuir à enfermagem uma função social, religiosa e patriótica.
Para valorizar a profissão de enfermeira, D. Laís lançava mão de várias estratégias, como a prestação de cuidados a pessoas influentes no meio social, a realização das Semanas de Enfermagem e a criação do primeiro curso de pós-graduação para enfermeiras. No âmbito da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED8), exerceu o cargo de vice-presidente da Divisão de Educação (COELHO, 1997, p.34-53 e 57).
Suas habilidades políticas foram reconhecidas quando um colunista do "Jornal do Brasil", em 1948, publicou:
"Entre todas as escolas da Universidade do Brasil, só uma conseguiu a honra de reunir, de uma só vez, em uma de suas festividades, o Presidente da República, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro e o magnífico Reitor da Universidade, isto é, oficialmente o Estado, a Igreja e a Cultura. A escola que obteve esta alta e única distinção foi a Escola Anna Nery, graças ao prestígio pessoal da sua Diretora, d. Laís Netto dos Reys".
Sua destacada atuação como educadora no campo da enfermagem explica-se por sua influência nos meios militar, religioso e político.
De outro modo sobressaiu-se Izaura Barbosa Lima ( foto 4), nascida na cidade do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1897. Morava no bairro de Campo Grande, onde estudou na Escola Pública do 13º Distrito, recebendo também aulas particulares. Em setembro de 1921, foi admitida no Hospital D. Pedro II, em Santa Cruz, zona rural do estado, onde trabalhou como enfermeira. Após casar-se com Ovídio Barbosa Lima, teve maior acesso aos estudos, como a própria Isaura revela:
"Sou da época em que as famílias de certa tradição,presas por preconceitos sociais, não permitiam que suas filhas se afastassem dos lares, nem mesmo na busca de instrução.Só depois de emancipada pelo casamento, pude entregar-me com afinco aos estudos"(FRANCO, 1958, p.76).
Izaura Barbosa Lima também ingressou na primeira turma da Escola Ana Néri, em 1923, para "preencher plenamente o grande vácuo que existia em sua vida em busca de um ideal", graduando-se em 1925 (op cit, 1985, p.77). Em 1926, integrou como tesoureira a primeira Diretoria Provisória da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras (ABED), onde mais tarde, a partir de 1946, participou ativamente desta Associação, ocupando vários cargos em diferentes gestões (TEIXEIRA & BARREIRA, 1999).
Trabalhou ainda, a partir de 1925, como enfermeira de saúde pública federal, chefiando um grupo de enfermeiras que se deslocavam pelo país para socorrer populações flageladas por calamidades: a epidemia de varíola em 1925, a epidemia de febre amarela em 1928 e as epidemias de febre tifóide de 1928 e de 1933. Durante a Revolução de São Paulo, em 1932, integrou o Corpo de Saúde do Exército, servindo no Hospital de Emergência de Sangue em Faxina. Organizou e fez funcionar o serviço de enfermagem de saúde pública do estado do Rio Grande do Sul, de 1938 a 1943, fundando 33 lactários e oito associações de assistência à maternidade e à infância, na capital e em outros municípios. Em 1944, foi designada Chefe de Seção de Enfermagem na Divisão de Organização Sanitária (DOS) do Departamento Nacional de Saúde do Ministério da Educação e Saúde. Meses após foi convocada pelo Ministério da Aeronáutica para chefiar a equipe de enfermeiras do Serviço de Saúde do 1º Grupo de Caça da Força Aérea Brasileira (FAB) no "front" da Itália, durante a 2ª Guerra Mundial. Com o fim do conflito bélico, foi reconduzida à chefia da Seção de Enfermagem da DOS. Também merecem especial relevo as inspeções que realizou em mais de vinte escolas de enfermagem e de auxiliares de enfermagem com a finalidade de reconhecimento ou autorização de funcionamento, assim como sua produção científica, publicada na Revista Brasileira de Enfermagem e sob a forma de folhetos pelo DOS.
Na geração seguinte, surgiram novas figuras-tipo de mulheres. No presente trabalho, contrastamos a figura modelar de Alzira Vargas (foto 5) do Amaral Peixoto às figuras transgressoras de Patrícia Galvão e de Virgínia Lane, ligadas de diferentes modos ao mito de Vargas.
Alzira Vargas, filha de Darci e Getúlio Vargas, também nasceu no Rio Grande do Sul, em 22 de novembro de 1914, ano em que foi deflagrada a 1ª Guerra Mundial. Já no Rio de Janeiro, ainda jovem, iniciou-se na vida política como auxiliar direta de Getúlio, primeiro como bibliotecária, depois como sua arquivista particular. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, em 3 de dezembro de 1937, aos 27 anos. Ao contrário de sua mãe, casou-se tarde para os padrões da época, com 29 anos. Seu casamento com Ernâni do Amaral Peixoto, militar da Marinha e interventor do estado do Rio de Janeiro durante todo o Estado Novo, foi realizado no dia 26 de julho de 1939, na capela do Colégio Santo Inácio (PEIXOTO, 1995, p.90,242,586). Desde menina, Alzira sempre foi reconhecida pelos familiares como destoante das mulheres de sua condição social. Sua mãe tentou influenciá-la para desenvolver atividades assistenciais, mas esta não gostava desse tipo de atividade:
"(...)ela quis me arrastar um pouco para a vida social, mas eu não tinha a menor vocação. Não me conformava de ficar tomando chazinho,batendo papo vazio.(..) Minha tia e madrinha dizia que eu havia nascido feito homem....meu avô dizia: a bacharela é quem ajuda o Getúlio"(PEIXOTO, 1986, p.36).
Alzira permaneceu como auxiliar do Gabinete Civil da Presidência da República, de 7 de janeiro de 1937 a 29 de outubro de 1945, período durante o qual acompanhou a vida política de seu pai. Era também chamada de oficial-de-gabinete, já que costumava despachar o expediente com o presidente e realizava viagens para cumprir compromissos políticos (COTRIM, 1985, p. 152). Participou ativamente de sua vida política, como no dia 11 de maio de 1938, quando, através de um telefonema secreto, pediu socorro policial, pois os integralistas pretendiam invadir o Palácio Guanabara para sequestrar Vargas. Em outra oportunidade, durante a 2ª Guerra, foi enviada, por Getúlio, no dia 3 de abril de 1941, aos Estados Unidos, com seu marido, para levar uma mensagem extra-oficial ao presidente americano Franklin Roosevelt, confirmando a solidariedade do governo do Brasil à causa dos aliados.
Alzira também foi responsável por obras culturais como a Fundação Anchieta, para meninas desamparadas apelidadas de "Filhas de Alzira," e do Museu Antonio Parreiras9 , em Niterói (PEIXOTO, 1995, p.388 e 423).
Apesar de seu pai ter tido três filhos homens, nenhum deles se envolveu na vida política e apoiou tanto o pai como "Alzirinha", sua filha preferida, que não desenvolveu um perfil tradicional feminino; ao contrário, destacou-se na sociedade brasileira desempenhando papéis inesperados para uma mulher, manifestando uma postura diferente do tipo-ideal de mulher da época.
Na geração de Alzira Vargas do Amaral Peixoto, em um contexto de violências políticas e repressão sexual, não poderiam deixar de surgir na sociedade personagens transgressoras do padrão moral vigente, como a intelectual e militante política Patrícia Galvão ( foto 6), perseguida pelo regime Vargas, e a vedete do teatro de revista Virgínia Lane, sua protegida.
Patrícia Rehder Galvão nasceu em 9 de junho de 1910, na cidade de São João da Boa Vista, São Paulo, terceira filha de Adécia Rehder Galvão e Thier Galvão França, descendentes de imigrantes alemães. Aos 12 anos de idade, durante a Semana de Arte Moderna de 1922, realizada em São Paulo, em protesto contra o domínio cultural e artístico estrangeiro no Brasil, tornou-se admiradora do movimento modernista. Deu início à sua carreira de escritora com apenas 15 anos, sob o pseudônimo de Pathy. O poeta Raul Bopp apelidou-a de Pagu, nome que a marcou para sempre.
O grupo de modernistas10 comandado por Oswald de Andrade, casado com a pintora Tarsila do Amaral. Pagu, "jovem de 18 anos, corajosa, cheia de idéias vanguardistas e de beleza intrigante", envolveu-se em um romance que teve como desfecho a separação do casal (MEIRELES, 1998).
Pagu começou a escrever para a Revista Antropofágica, editada pelos modernistas, e a produzir obras com Oswald de Andrade, como o "Diário a quatro mãos". Em 1930, Pagu casou-se com Oswald, numa cerimônia estranha, no cemitério da Consolação, em São Paulo. Em 1931, o novo casal, como militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), passam a editar o jornal "O homem do povo". Pagu assinava a coluna feminista "A mulher do povo", que trazia ilustrações e histórias em quadrinhos com o objetivo de impulsionar a mulher brasileira à luta, ao trabalho e ao mundo. Seus textos satirizavam o feminismo burguês e estimulavam as mulheres operárias a não impedirem a participação dos maridos nas manifestações sindicais (MEIRELES, 2000).
Ainda em 1931, Pagu foi presa e exilada. Viajou então como correspondente internacional dos jornais "Correio da Manhã", "Diário de Notícias" e "A Noite", percorrendo os Estados Unidos, o Japão, a China, a Alemanha e a França. Em 1935, foi estudar na Sorbonne, em Paris, e se alistou na Jeunesse do Partido Comunista Francês. Foi presa e ameaçada de deportação para a Alemanha ou a Itália, mas o diplomata brasileiro Souza Dantas conseguiu embarcá-la para o Brasil (RISÉRIO, 2000). Ela permaneceu no cárcere até 1940( foto7). Decepcionada, rompeu com o PCB, mas mergulhou em uma crise existencial. Ainda nos anos 40, ela retomou suas críticas sobre a condição feminina, alegando que "a crescente intelectualização das mulheres conduziria a um questionamento cada vez maior da instituição do casamento", como descreve em uma de suas obras:
"A mulher de todos os séculos civilizados só conheceu uma finalidade - o casamento. O seu lugar ao sol, agasalhada pela sombra viril e protetora de um homem que se encarregasse de todas as iniciativas. Todos os anseios e necessidades paravam neste ponto com o conseqüente sofrimento incluído no contrato"(RISÉRIO, 2000)."
Muito diferente foi a trajetória de vida de Virgínia Lane ( foto 8), a primeira vedete do teatro de revista no Brasil. Virgínia Giacone, filha da francesa Ruth Giacone e do italiano Luís Orestes Giacone, nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1920. Com a separação de seus pais, por volta de 1923, sua mãe tornou-se artista do teatro popular de variedades. Aos seis anos de idade, Virgínia foi internada no Colégio Regina Coeli, onde permaneceu até os 14 anos, quando foi concluir seus estudos no Instituto Lafayette. Freqüentou a escola de bailado do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e, em 1943, iniciou sua carreira como corista do Cassino da Urca, onde se apresentavam os melhores artistas da época.
Pouco depois recebeu um convite do maestro Vicente Paiva para integrar a orquestra do Cassino, como cantora. Em seguida, estreou na Rádio Mayrink Veiga, onde recebeu o título de "A garota bibelô". De 1945 a 1948, trabalhou em Buenos Aires, no rádio e em uma boate. De volta ao Rio de Janeiro, foi convidada para apresentar-se na revista Um milhão de mulheres, apresentada no Teatro Carlos Gomes. A partir de então sua carreira de vedete deslanchou, terminando por receber do presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete, em 1950, o título de "a vedete do Brasil"(SCHUMAHER, 2000, p.523-524).
Consta que o presidente Vargas a visitava nos camarins dos teatros e que ela era recebida no Palácio do Catete. No entanto, há interpretações de que este comportamento corresponderia apenas à faceta da imagem pública do ditador, demarcada pelo populismo, de protetor da classe artística.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início do século 20, a imagem da mulher na sociedade brasileira sofre transformações aceleradas. Nesse contexto, insere-se o desenvolvimento das profissões femininas e, em particular, da enfermagem, que constituiu um fator decisivo no processo de emancipação política e social da mulher, sem no entanto entrar em conflito com a ordem vigente. A diversidade de figuras-tipo de mulher que compunham a representação feminina na época corresponde à acentuada transição histórica e social do período. A reconfiguração da imagem da mulher que passa a conquistar espaços na vida pública apresenta tanto figuras exemplares, que atuaram nos limites aceitáveis pelos detentores do poder, quanto figuras transgressoras da ordem social em vigor.
A análise dos caminhos trilhados por figuras femininas públicas relacionadas ao Estado Novo, como Darci Vargas, Alzira Vargas, Laís Netto dos Reys, Isaura Barbosa Lima, Patrícia Galvão e Virgínia Lane, evidencia rupturas da imagem feminina tradicional. Não obstante, vale lembrar que, por meios e modos distintos, figuras de ambos os tipos conseguiram, de algum modo, exercitar o poder e dar visibilidade aos seus nomes e ao espaço onde atuaram, modificando os tradicionais paradigmas inerentes à condição feminina, trazidos das antigas sociedades patriarcais.
REFERÊNCIAS
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NOTAS
1 1º lugar Prêmio Anna Nery, oferecido pelo Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras) ao melhor trabalho de conclusão de curso sobre História da Enfermagem-2000/II
2 Nota de rodapé do livro Getúlio Vargas: Diário, de Celina Vargas do Amaral Peixoto; 1ed. v. II. p.452; 1995.
3 A partir de 1942, o novo ministro do trabalho, Alexandre Marcondes Filho, utilizou sistematicamente o rádio para realizar palestras, durante as quais contava histórias das leis sociais. Às vezes dirigia-se a audiências determinadas, como os aposentados, as mulheres, os pais de menores operários e os imigrantes, para conseguir a aproximação entre estes e o governo.
4 Medidas tomadas na gestão de Valdemar Falcão, Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio (1937-1941).
5 Bióloga, filha de um médico suíço-brasileiro e de uma enfermeira inglesa, recém chegada ao Brasil após sete anos de estudos na Europa, onde acompanhou de perto a campanha sufragista inglesa.
6 Jornal não identificado. Localização: CD/EEAN, Série "As Pioneiras", doc.01, cx.67, 1938.
7 Lutero Sarmanho Vargas (1912-1989), Jandira Sarmanho Vargas (1913-1980), Alzira Vargas do Amaral Peixoto (1914-1992), Manuel Antônio Sarmanho Vargas (1917) e Getúlio Vargas Filho (1918-1943).
8 atual Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn).
9 Pintor fluminense (1860-1937), professor da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Foi professor da Escola Nacional de Belas Artes, tornando-se um mestre da pintura histórica. Sua residência e ateliê foi transformada em 1941 no Museu Antonio Parreiras, no qual se encontra a maior parte de sua obra (Pontual, R. Dicionário das Artes Plásticas no Brasil. Ed. Civilização Brasileira, 1969, p. 406-407).
10 Do qual faziam parte Mário de Andrade, Anita Malfatti, Benjamim Brecheret, Tarsila do Amaral, entre outros.