Volume 6, Número 3, Dez/Dez - 2002
ARTIGOS DE PESQUISA
Ser diabético e vivenciar a amputação: a compreensão psico-fenomenológica1
Being a diabetic and live the amputation: the psycho-phenomenological understanding
Ser diabético y vivir la amputación: la comprensión psico-fenomenológica
Maria Francilita Frota LoureiroI; Marta Maria Coelho DamascenoII; Lucia de Fatima da SilvaIII; Zuila Maria de Figueiredo CarvalhoIV
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora da UFC
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora da UFC. Pesquisadora do CNPq
IIIEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem da UFC. Professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
IVEnfermeira do Hospital de Messejana. Bolsista da Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa (FUNCAP)
RESUMO
Investigação qualitativo-descritiva, realizada com cinco diabéticos amputados, objetivando compreender suas experiências diante da perda do(s) membro(s). Os discursos foram obtidos através de entrevista semi-estruturada dos quais se apreendeu que vivenciar uma amputação significa viver um cotidiano envolto por sentimentos de descrença, inconformismo, culpa, isolamento e vontade de morrer, que algumas vezes dão lugar à conformação. A análise foi apoiada em teóricos que estudaram a perda e ainda na fenomenologia existencial de Martin Heidegger. A investigação consolida a importância destas revelações para os profissionais de saúde, em particular para a enfermeira, como caminho para o cuidado que considere a dimensão existencial do homem.
Palavras- chave: Diabetes Mellitus. Amputação. Pé Diabético.
ABSTRACT
Qualitative-descriptive investigation, accomplished with five amputated diabetics, objectifying to understand its experiences before the loss of their limbs. The speeches were obtained through semi-structured interviews from which it was apprehended that living an amputation means to live a day by day wrapped up in disbelief, contestation, accusations, isolation and will of dying, that sometimes replaces the conformation. The analysis was supported by a theoretical that studied the loss and still in Martin Heidegger's existential phenomenology. The investigation consolidates the importance of these revelations for the health professionals , in particular for the nurse, as a guide for the care that considers the man's existential dimension.
Keywords: Diabetes Mellitus. Amputation. Diabetic Foot.
RESUMEN
Investigación cualitativo-descriptiva, realizada con cinco diabéticos amputados, objetivando comprender sus experiencias frente a la pérdida los del miembro(s). Se obtuvieron los discursos a través de entrevista semi-estructurada de lo que se apreendió que vivir una amputación significa vivir un cotidiano rodeado de sentimientos de descreencia, inconformismo, culpa, aislamiento y ganas de morirse, que algunas veces resultan en la conformación. El análisis se apoyó en teóricos que estudiaron la pérdida y aún en la fenomenología existencial de Martín Heidegger. La investigación consolida la importancia de estas revelaciones para los profesionales de salud, en particular para la enfermera, como camino al cuidado que considera la dimensión existencial del hombre.
Palabras-claves: Diabetes Mellitus. Amputación. Pie Diabético.
O INÍCIO DO PERCURSO
O Diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica, caracterizada pela elevação da taxa de glicose (açúcar) no sangue. Tal fenômeno denominado hiperglicemia acontece devido à produção insuficiente de insulina pelo pâncreas ou quando há pouca sensibilidade do organismo à ação da insulina (AGURY, AGURY & VIDACCI, 1990). A prevalência desta ocorrência vem crescendo com o processo acelerado de industrialização e urbanização populacional. Mudanças no estilo de vida e de hábitos ocasionaram a redução da atividade física e o desenvolvimento da obesidade que, associada ao estresse da adaptação nos grandes centros urbanos, fomentaram a eclosão de diabetes entre as pessoas geneticamente predispostas (CREUZA, 1985).
Um estudo recente acerca da prevalência do DM no Brasil apontou que grande parte da população urbana, na faixa etária entre 30 e 69 anos, é diabética, e que metade destas pessoas sequer sabe que é portadora. Entre as capitais brasileiras estudadas, Fortaleza é apontada como a que possui o mais elevado índice de diabéticos que desconhece sua condição de portador.(BRASIL, 1992)
Por ser geralmente de evolução insidiosa, o diagnóstico médico é tardio e observado somente quando as manifestações crônicas já se encontram instaladas. No que tange às complicações crônicas decorrentes, na grande parte das vezes, do controle inadequado da doença, destacam-se a retinopatia, a nefropatia, as alterações microvasculares e a neuropatia. Esta última é associada à doença vascular periférica, deformidades, traumatismos e infecções que, freqüentemente, evoluem para lesões características dos pés de pacientes diabéticos denominadas "pé diabético" (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, s/d). Este tipo de complicação tardia do DM vem sendo responsável por metade das amputações não-traumáticas no mundo, em cuja gênese estão envolvidos fatores vasculares e neuropáticos.
Nesse aspecto, Oda et al (1999, p. 297) afirmam que as alterações nervosas que os diabéticos poderão sofrer ao longo dos anos possibilitam a perda da sensibilidade, assim como alterações vasculares que levarão a uma diminuição do fluxo sangüíneo para os membros inferiores (MMII), tornando-os mais inclinados à ocorrência de ruptura da integridade da pele, conduzindo-os à formação de ulcerações de difícil cicatrização.
Vale lembrar que a perda da sensibilidade nos MMII, característica da população diabética, expõe a pessoa à ausência de sensibilidade à dor, à pressão, provocando ainda alteração na temperatura. Isso a torna facilmente sujeita a infecções, posto que há dificuldade de percepção, em si, de possíveis lesões ali desencadeadas.
Vendo dessa forma, considera-se que as extremidades dos MMII do diabético devem merecer cuidados especiais. Pequenos traumatismos podem ser potencialmente perigosos pois favorecem o alojamento de germes banais que se desenvolvem facilmente nos portadores dessa patologia. Além disso, sabemos que, nas pessoas diabéticas, especialmente naquelas com grande período de cronicidade da situação ou quando da instabilidade constante da taxa glicêmica, as lesões vasculares apresentam-se com maior freqüência, favorecendo os problemas degenerativos (ANJOS, 1976).
Os sinais de falta de circulação do sangue incluem dor nas pernas ou nos pés, especialmente quando do exercício físico, acompanhada de sensação de cansaço nos MMII durante a noite. Nessas condições, o pé torna-se mais suscetível às infecções fúngicas e bacterianas, que conduzem a uma situação clínica grave, como a gangrena. Vale ressaltar, ainda, que a grande maioria dos processos ulcerativos e gangrenosos que surgem nessa população é uma conseqüência da desobediência às regras elementares de higiene dos pés e/ou traumatismos não tratados (ARDUÍNO, 1984).
Deve-se levar em consideração o fato de que, em nosso país, os problemas das pernas e dos pés em pacientes diabéticos são desconhecidos e, muitas vezes, até negligenciados tanto pelas próprias pessoas acometidas quanto pelos profissionais da saúde. Estima-se que 10 a 25% dos diabéticos desenvolverão lesões nos MMII em algum momento de suas vidas. Essas lesões podem evoluir para ulcerações, acarretando freqüentemente infecções que podem causar amputações e, às vezes, levar à morte se não forem tratadas adequadamente e em tempo hábil. Desse modo, pode ser considerado que o envolvimento dos profissionais no desenvolvimento de programas de educação em saúde e a responsabilidade dos pacientes em evitar ocorrência de lesões em suas extremidades inferiores poderiam ser atitudes que, em muito, alterariam esses índices a níveis mais baixos.
De acordo com Zavala & Braver (2000), o paciente diabético que se submete a uma amputação tem um prognóstico desanimador, sendo que a porcentagem de sobrevida é de 50% após três anos da primeira amputação e, no prazo de 10 anos, o índice de mortalidade chega à estimativa entre 39 e 68%. Vale ressaltar que estudos dos pesquisadores supracitados realizados nos Estados Unidos indicam que de 9 a 20% dos diabéticos precisam ser submetidos a uma segunda amputação.
Em se tratando de Brasil, em uma pesquisa realizada na cidade de Fortaleza por Oliveira et al. (1999), foi constatado que em 60 pacientes diabéticos atendidos em um Ambulatório Especializado, 46% apresentavam amputação primária. Já em estudos em hospitais da mesma cidade, entre os anos de 1994 e 1996, foram detectadas 639 amputações de MMII, das quais 63,35 tiveram como causa o DM (FORTI ET AL, 1999).
Das várias complicações devastadoras que afetam este grupo populacional, nenhuma é mais debilitante do que uma amputação. Ela é considerada um grande problema de saúde pública nessa população e está associada à significativa morbidade, mortalidade e, principalmente, incapacidade. Isto se deve ao fato de que, além de ser considerada uma complicação crônica, é ainda uma situação mutilante, potencialmente recorrente e onerosa, tanto para os seus portadores como para o sistema de saúde, já que requer manuseio clínico-cirúrgico complexo. Convém explicitar que enfrentar uma amputação nem sempre é uma tarefa fácil, pois a retirada de uma extremidade envolve mudanças importantes na vida da pessoa que, para se ajustar à nova situação, necessita de compreensão e apoio não só da equipe de saúde, mas também da família e da sociedade. A amputação não significa somente a perda de membros, mas freqüentemente acarreta consigo a perda do emprego, da qualidade de vida, entre outros.
Sobre o conjunto dessas colocações, as autoras membros pesquisadores do projeto "Cuidando da saúde do diabético" no seu cotidiano alocaram sua percepção para o modo de ser do diabético amputado, tanto no que diz respeito ao dito como naquilo que foi observado. A tarefa de escutar e analisar uma clientela diabética que é atendida no Serviço de Endocrinologia e Diabetes de um Hospital Universitário, na Cidade de Fortaleza, onde se concentra a práxis dessas autoras, conduziu-as a refletir sobre os seguintes aspectos: Como se mostra o cotidiano de um diabético amputando? Qual sua expectativa com relação a sua vida futura? Que limitações lhe são impostas? Como compartilhar desse mundo mediado pela dor da perda e da saudade para poder ajudar mais efetivamente essa clientela?
Estas questões aqui colocadas, e talvez nunca plenamente respondidas, aguçaram a curiosidade das estudiosas que até o presente momento vêm trabalhando temas direcionados às nuanças da fisiopatologia, da epidemiologia, da técnica e da educação para o autocuidado dos diabéticos*.
Ao procurar aclaramento para tais obscuridades, percebeu-se ser o comportamento do diabético, frente a uma mutilação, algo necessário de compreensão. Isto nos conduziu à procura das razões destes comportamentos tendo como cenário a experiência vivida na sua singularidade, a qual se situa em uma instância fundante e transcendental, só podendo ser explicitada por quem a vivencia. E é, na busca deste sentido, que o referido estudo objetiva buscar a compreensão das experiências do diabético vivenciadas frente à amputação.
O PERCURSO DA INVESTIGAÇÃO
A investigação é de natureza qualitativo-descritiva e foi realizada com a cinco pessoas diabéticas adultas, de ambos os sexos, sendo três do sexo masculino e duas do sexo feminino que vivenciaram o fenômeno da amputação. O contato com os possíveis sujeitos da pesquisa se deu através do Serviço de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Universitário Walter Cantídio da UFC. De posse dos nomes, endereços e telefones dos pacientes, foi procedido um primeiro contato no próprio Serviço ou, por telefone, em suas residências.
Na ocasião, foram explicados o objetivo e a metodologia que seria utilizada. Além disso, marcou-se data, hora e local onde ocorreriam as entrevistas, o que se deu em consonância com a disponibilidade de todos. Os sujeitos do estudo optaram para que os encontros ocorressem em suas residências, até mesmo por causa das condições físicas das instalações daquele serviço de saúde que não propiciam ambiente adequado a um encontro dessa natureza.
As entrevistas com os diabéticos foram semi-estruturadas e mediadas pela empatia. Todos os participantes aderiram, de forma espontânea, ao estudo e, antes de ser iniciada cada entrevista, foi pedida autorização para usar o gravador, fato que foi aceito por todos.
Após a tomada das falas, os discursos foram transcritos na íntegra à medida que cada entrevista ia sendo realizada. Procurou-se manter a linguagem por eles utilizada. Apenas os nomes dos participantes foram mudados com o objetivo de preservar o anonimato. Optou-se por adotar nomes fictícios cuja letra inicial fosse "D", em alusão à palavra diabetes. Vale salientar que os aspectos éticos da pesquisa com seres humanos foram considerados. Para tanto, tomou-se como esteio o que preconiza o Conselho Nacional de Saúde (GOLDIN, 1999).
Com a transcrição de todos os dados, partimos para a etapa de análise. Nesta, as pesquisadoras debruçaram-se em leituras e releituras, o que permitiu a captação dos significados que os diabéticos amputados atribuíram à questão norteadora do estudo: "O que significa para você ser amputado ?"
Estudiosos da temática sob o prisma da Psicologia e da Psicanálise respaldaram a análise, assim como o pensamento do filósofo Martin Heidegger, apresentado na obra Ser e Tempo (1993, pte.1, pte.2), mostrou-se como o fio condutor para desvelar o modo de ser dos entrevistados, tendo como base as experiências por eles vivenciadas.
REVELAÇÕES DO PERCURSO
O resultado final obtido, por meio das respostas dos entrevistados, permitiu captar que ser um diabético amputado para eles significa viver um cotidiano envolto por sentimentos de descrença, inconformismo, culpa, isolamento e vontade de morrer intercalados com a aceitação da perda.
Ao receber a notícia sobre o que vai lhe acontecer, o diabético, muitas vezes, apresenta uma reação imediata de incredulidade e negação. Chocado, apático e sentindo uma sensação de descrença, ele age visando ignorar o ocorrido. Atônito, não querendo acreditar naquela situação, ele manifesta sentimentos de dor emocional, tristeza, angústia, choro e mal-estar. É normal que passe a se questionar revelando: "...isto não pode estar acontecendo comigo...", "...não, não é possível...".
Daniela, ao saber que teria seu pé amputado, chocada, apresentou uma reação de descrença no que iria lhe acontecer: "Foi horrível, eu chorei tanto, eu não queria acreditar".
Darlene, da mesma forma, reagiu dizendo: "Ave Maria, passei o dia chorando, o dia todo... É uma coisa que eu perdi como se tivesse perdido meu pai e minha mãe".
Demétrius sentiu uma dor, uma tristeza lá no peito, uma angústia. Chorou muito após a cirurgia, por não ter tido tempo, já que seu encaminhamento se deu em caráter de emergência. Já com Diogo os acontecimentos não tiveram o percurso similar aos demais. Vítima de um descuido profissional, ele fora enviado ao centro cirúrgico sem saber que teria seu membro inferior amputado até o tronco da cocha. Na verdade, a ele, oficialmente, nada fora comunicado. Descrevendo sua vivência, ele relata que: "Eu nunca pensava que iam amputar minha perna, não. Eu pensava assim que ia perder um dedo. Já me abatia perder meu dedo, mas pelo menos meu dedo nem emendava mais, né! Era morto, morto, nem um dos dedos. E, no mínimo, com essa raspagem, eles estão me enganando, vão cortar o meu pé. Aí, quando o cara disse que ia cortar minha perna, logo assim, aqui abaixo da virilha, ai eu não agüentei. Foi quando me tiraram da mesa, e o médico disse: Não, ninguém pode fazer isso com o rapaz, não, volta, volta....".
Emocionalmente abalado e sem acreditar na dura realidade, manifestou seus sentimentos chorando compulsivamente. Assim, foi reconduzido à sua enfermaria de origem para que o processo fosse realizado dentro dos trâmites legais adotados pela instituição .
O choque, a apatia e a descrença segundo estudiosos (STEARNS, 1991; PINCUS, 1989; VIORST, 1988) são descritos como manifestações iniciais nos processos da perda, já que parecem imobilizar a mente humana que, frente à realidade, apresenta dificuldade para compreender o sentido das palavras. Tudo o que fica é uma vaga sensação de uma imensa perda. Compreender sua verdadeira extensão nem sempre é fácil, pois, em alguns casos, serão necessários meses ou anos para que a mente e a memória removam os detalhes e aceite a dura realidade (VIORST, 1988).
Stearns (1991), atendo-se à temática considera que, quando uma pessoa perde um membro ou um órgão do corpo, todo um mundo potencial desmorona, pois frente à esta realidade ele é convocado a proceder um ritual de mudança, configurando novas definições de si mesmo. Estes ritos, muitas vezes, trazem para a pessoa mutilada, a modificação de seu próprio "eu". Dando continuidade a sua reflexão, a autora ressalta que, encarar a perda de uma parte de si, pode ser mais difícil do que enfrentar a perda de um ente querido.
No início do processo do luto, é comum o enlutado não vivenciar todo o impacto da perda. Em estado de choque, ele fica como se estivesse anestesiado (STEARNS, 1991). Foi assim que também reagiu Davi ao saber da possibilidade de amputar a perna. Enfrentando com aparente firmeza o problema, prontamente aceitou a sugestão do médico dizendo: "Seja feita a vossa vontade. Se o problema tem que amputar, seja feita a vossa vontade (...) Podemos cortar (...) mas eu senti aquela angústia, em saber que ia ser cortada uma perna. E eu até reagi. Vamos cuidar logo".
Nessa situação, fica claro que assimilar a idéia da perda é um dos fatos da vida que reconhecemos mais com a mente do que com o coração. E, geralmente, enquanto nosso intelecto reconhece a perda, o resto de nós continua tentando arduamente negar o fato.
Ultrapassada a primeira fase da dor, que é relativamente curta, os diabéticos estudados passaram para uma fase mais longa de intenso sofrimento psíquico. Nesse percurso de lamentação, eles se culpam, isolam-se do mundo e demonstram vontade de morrer.
Ao iniciar o capítulo IX do seu livro Perdas Necessárias, Viorst (1988) se diz convencida de que na vida nem tudo é possível frente às realidades do amor e do nosso corpo. É bem verdade que as nossas opções são limitadas pela anatomia e pela culpa, portanto, não se pode ser humano sem os limites impostos por ela.
Há quem diga que o sentimento de culpa é necessário, pois, segundo Viorst (1988, p. 133): "...devemos reconhecer que, embora a culpa nos prive de muitas coisas gratificantes, o mundo seria monstruoso sem este sentimento". Como um ser civilizado, o homem paga um preço muito alto, pois a liberdade que perdemos, nossas restrições e tabus são perdas necessárias em nossa trajetória.
O sentimento de culpa é adquirido quando a consciência é instalada em nossa mente. Ela é quem nos limita e restringe. Tem como base as emoções e pensamentos, sofre evoluções e mudanças com o tempo. Envolve-se com todo tipo de conflitos e preocupações. Esse superego que contém nossas restrições morais e idéias nasce, como afirma Viorst (1988, p. 134), "das primeiras lutas contra paixões sem lei da nossa submissão interior às leis humanas". E à medida que abandonamos essas idéias, violamos essas restrições morais, somos apanhados de "calças curtas", ou seja, nossa consciência observa, censura, condena.
Nas situações de perda, o sentimento de culpa é inevitável. Ele faz parte do processo de aceitação da dor. Qualquer que seja a situação, sempre nos culpamos de um jeito ou de outro (STEARNS,1991). Como já foi dito, basta violarmos nossas restrições morais para que nossa consciência nos inflija o sentimento de culpa.
Quando praticamos atos que sabemos ser moralmente errados, temos como resposta saudável o sentimento de culpa. Esta leva ao remorso e não ao ódio por si mesmo, por ser adequada em quantidade e qualidade ao ato cometido.
Os diabéticos, sentindo-se responsáveis por não terem tido a capacidade de antecipar ou prever as complicações dos pés que conduziram às amputações, lamentaram suas atitudes. Darlene, sentindo muita falta do seu dedo, disse: "se eu tivesse cuidado, eu não tinha perdido ele". O mesmo aconteceu com Diogo, ao afirmar que "se eu tivesse cuidado antes., sabe, quando eu cortei o pé na lajota, não tinha acontecido isso e eu ainda estaria com o meu pé, mas eu não cuidei, quando fui olhar pra isso já era tarde, o dedo já tava morto e tinha que tirar. Só que eu não pensei que ia perder a perna toda".
Nenhuma outra emoção humana é tão aflitiva e dolorosa quanto o arrependimento. Às vezes, pode se tornar um sentimento aterrorizante porque somos diretamente responsáveis por uma perda que sofremos, mesmo que isso seja uma coisa necessária. Quando ocorre um perda genuína (real), o sentimento de remorso, muitas vezes, é violento e persistente.
Nesse sentido, o filósofo Martin Buber diz que: "O homem é o ser capaz de se sentir culpado e capaz de iluminar sua culpa". É bem verdade que o humano não pode ser um ente completo, sem adquirir a capacidade de sentir culpa (VIORST, 1988, p. 143).
Na vivência do processo de lamentação pela perda, o diabético enlutado procura o isolamento como refúgio. A sua vida cotidiana desarticulou-se, partiu-se. Parece que o elo dele com o mundo rompeu-se. Instala-se, nesse momento, o sentimento de quarentena do mundo (VIORST, 1988). Para o diabético, a amputação é vista como devastadora, aniquilante, incapacitadora, conduzindo a reações frenéticas que revelam o caos e a angústia desse momento. Perder um membro ou parte dele realmente não é só a perda da estética, mas também a perda da liberdade de ir e vir sozinho. Perda por ter que começar tudo novamente, por afastá-lo das atividades corriqueiras, dos divertimentos e dos amigos.
Diogo, passando por um processo traumático de perda, contou que a vida após a cirurgia é dura "... porque eu gostava de sair, dançar, jogar bola com os amigos e agora? (silêncio). Não faço mais isso. Não posso. Fico em casa direto. Nem sair para ver o jogo da seleção, eu saio. E meus amigos têm pena de mim e nem vêm me ver. É até melhor. (silêncio)...".
A tendência a essa retração é vista como um mecanismo de defesa que as pessoas enlutadas lançam mão para se protegerem. Stearns (1991, p. 199) ao tratar do isolamento na perda, diz que isso ocorre porque eles "se sentem machucados e têm medo de sofrer mais ainda, porque estão desiludidos ou com raiva da vida, porque não têm energia ou motivação para se ligar aos outros e porque se encontram tão absorvidos com a perda, que têm receio de ser 'uma carga' para os outros".
Após a segunda amputação (do outro membro inferior), David confessa que o pior é depender dos outros incondicionalmente. "Se vou ao banheiro, tenho que chamar pro banho é muito ruim (...) Mas o pior de tudo é essa falta, essa impossibilidade de locomoção. Ai você fica afobado, com os nervos à flor da pele, fica de saco cheio com qualquer coisa (...) E, se você foi mutilado, se você foi interditado num desejo que você queria resolver, que queria agir, de realizar aquela ação; impedido de fazer tal coisa, isso reflete no sistema nervoso (...) Você fica com seu ego, com sua personalidade ofendida porque não conseguiu realizar o que queria".
Nesse emaranhado de sentimentos, existe também a incerteza do futuro aflorando o medo do desconhecido. Como vou andar? Como enfrentar as tarefas mais simples do cotidiano sem a perna? É um medo paralizante e aterrorizante. É uma dor que corrói a alma de maneira que massacra e penetra, fazendo com que a pessoa perca seu referencial e fique à deriva, em meio a gigantescas ondas.
Demétrius, depois da cirurgia, foi envolto por esse mar de sentimentos. Externando sua dor pela perda, ele disse: "É muito ruim pensar que tem duas pernas e perder uma. Ficar andando por aí igual a um saci. Eu não sabia como ia ser depois da cirurgia. Como eu ia andar?". Amargurados e, sem enxergar uma luz no final do túnel, alimentam o desejo de morrer.
O conceito de morte para a maioria dos pacientes está ligado ao grau de dor. Quanto maior a dor, mais próxima está a fase final. O medo da morte é provavelmente um dos maiores "medos" sentidos pelo homem. A maioria apresenta resistência diante da perspectiva da morte, pois é uma experiência única, solitária e alienante (LAGO, SILVEIRA e LAGO, 1994).
A morte voluntária torna o homem totalmente indiferente em face da morte compulsória - por acidente, doença ou velhice. E pensar nisso, crer nisso, nada resolve, tal como afirma Rohdem (1999). Mas para alguns diabéticos, estar amputado e ser dependente das outras pessoas (parentes e/ou amigos) em seu cotidiano, faz pensar que morrer seria a solução. A falta de liberdade para ir e vir, o aprisionamento a quatro rodas ou a um par de muletas faz do homem um ser incapacitado e aniquilado. Depender do outro para sobreviver é aterrorizante, conduzindo o diabético pós-mutilado a preferir a morte. Desse modo, o sentido do sofrimento do paciente diabético, ocasionado pela mutilação, é tão acentuado que ele se contradiz sobre o medo de morrer, conforme descrito por Stearns (1991). O diabético demonstra, então, desejar a própria morte.
Davi, que enfrentou duas amputações, afirmou que, por ocasião da primeira, sentiu uma vontade enorme de morrer, de desaparecer. Já, da segunda, ele nos disse: "Ai eu tive vontade de morrer. (Referindo-se à notícia da mídia.) Foi na época daquele enfermeiro, o Adriano, no Rio, que tava matando o pessoal. Aí eu disse: se aquele macho estivesse aqui, era a minha vez, com cianeto de potássio, injeção de potássio. Aí pronto eu fechava os olhos...". Da mesma forma, Daniela e Diogo expressaram esse desejo, pois não conseguiam enxergar um futuro, já que, para viver, dependiam de outras pessoas.
E assim, encurralados pela dor da perda, vêem-se envolvidos num maremoto de sentimentos, que não cede espaço sequer para pensamentos positivos que elevem a vontade de viver e de superar as dificuldades impostas pela doença.
Entretanto, todo o sofrimento tem um fim. Deve-se admitir que perder é difícil e doloroso. Mas como já diz o psicanalista italiano Albisetti (1997) que, ao vivermos uma condição existencial de desequilíbrio, temos a sensação de termos perdido tudo. Mas são esses momentos que se associam à morte e, realmente, isso acontece um pouco para em seguida, continuarmos vivendo; pois não há crescimento sem sofrimento.
O tempo, a dedicação, o amor, o afeto dos familiares e a confiança em Deus formam o elixir perfeito para ajudar o diabético a superar sua perda. Daniela, que teve uma perna amputada, hoje, independente para viver suas atividades cotidianas, se diz conformada. Mas, deve tudo isso "aos meus filhos e meu marido, se não fosse eles, eu não tinha superado. É porque todos eles me amam". Mas, continua reafirmando que "ainda hoje eu sinto falta da perna".
Demétrius diz que "é duro o que a gente passa, mas Deus dá a conformação (...) Era uma coisa que eu tinha que passar ". Diogo, sem fugir à regra, ressalta que o médico tinha lhe falado que não havia escolha, pois ou amputava "ou então vinha subindo aí para os órgãos e não ia ter mais jeito. Aí eu me conformei".
A aceitação da realidade da amputação significa que os diabéticos conseguem apontar para uma recuperação. É o momento em que tomam consciência de si e começam a elaborar a conformação da perda. Esse processo envolve a procura de mecanismo de recuperação (STEARNS, 1991).
Apreendeu-se que os diabéticos lidam com a amputação como uma fatalidade da vida. O que parece é que para a aceitação, a rotina diária e o trabalho têm valor terapêutico. Eles se sentem gente novamente, reacendendo a chama interior existente em cada um.
Stearns (1991, p. 163) cita uma sabedoria relatada por Lynn Caine que cabe para qualquer pessoa ferida: "... a aceitação finalmente chega. E com ela a paz. Hoje tenho cicatrizes do meu amargo sofrimento. De certa maneira, olho para elas como se fossem condecorações de guerra...".
São as cicatrizes que fortalecem e nutrem a recuperação do diabético amputado, levando-o a repensar suas crenças e valores, reaprendendo a conviver com sua limitação. Esse é o caminho para uma aceitação de si mesmo.
Conviver com a dor da perda é, sem dúvida, massacrante e estarrecedor. Ela tem a capacidade de transtornar a vida do diabético enlutado que, para se recuperar, perfaz um longo percurso de sofrimento. Nesse caminhar tortuoso e íngreme, ele se vê obrigado a lidar com as mais variadas formas de emoções humanas. Inconformado com o prognóstico sombrio e devastador, conhece e exterioriza o sentimento de revolta. Em face de uma mudança na sua identidade corporal, o diabético passa a viver uma condição existencial de desequilíbrio que lhe traz a sensação de ter perdido tudo. É o fim. Quer desaparecer para sempre. É o desejo da morte. Mas como tudo na vida, o sofrimento também é finito. E depois de muito sofrimento e ajuda, ele enxerga a "luz no final do túnel". Desabrocha para a recuperação. Mas nada será como antes. As cicatrizes são reais e permanecerão para sempre.
A análise dos discursos dos diabéticos em estudo foi conduzida até então sob o prisma da Psicologia a da Psicanálise. Porém, queremos agora consubstanciá-la pelo olhar da filosofia existencial fenomenológica de Martin Heidegger (1993, pte.1, pte.2). O motivo de tal escolha recai na premência de que nos apropriando da ontologia heideggeriana podemos ultrapassar o que foi verbalizado pelos sujeitos pesquisados para chegar ao verdadeiro sentido dessa vivência.
Na sua analítica existencial, o pensador coloca o discurso da vivência, que é o modo de acontecer do humano em sua cotidianidade, onde ele vive o seu dia-a-dia, mostrando o seu modo de ser, o que lhe é possibilitado pela potencialidade de revelar-se pelo dito.
Heidegger chama a existência cotidiana de inautêntica, que significa o modo de ser no impessoal, ou seja, a maneira de viver na qual como um presente no mundo ele pode "escolher-se, ganhar-se ou perder-se ou ainda jamais ganhar-se ou só ganhar-se aparentemente" (HEIDEGGER, 1993, pte.1, p. 78).
Nessa concepção, pode-se considerar que, ao ser lançado no mundo, o diabético, na sua facticidade, tem a possibilidade de ficar mutilado, uma vez que o descontrole do seu nível glicêmico pode levá-lo às lesões nos pés e estas podem requerer as temidas amputações. Assim, exposto à impessoalidade que domina o mundo humano na cotidianidade, o ser diabético, "decaído" de si mesmo, mostra-se como inautêntico na medida em que desvia a responsabilidade de assumir-se no seu ser mais próprio. Imerso na banalidade desse plano inautêntico, demonstra-se inconformado com o ocorrido, encobrindo para si a dor da cruel realidade.
Daniela, ao recordar sobre a amputação, diz com vigor que: "Eu senti morrer, foi horrível, eu chorei tanto, eu não queria acreditar (...) Quando eu voltei da cirurgia eu dizia: Cadê meu pé? Cadê meu pé? Minha irmã disse: - Daniela cortaram quase o teu pé todo (...) Aí eu chorei, ah! eu chorei (...) Ainda hoje eu sinto falta do meu pé, até hoje eu sinto falta. Eu não nasci assim, eu nasci com tudo direitinho (...)É uma falta grande, uma tristeza...".
Demétrius, seguindo o mesmo raciocínio também repetiu com ênfase: "Eu senti uma dor, uma tristeza lá no peito, sabe, mas não podia dar jeito, não quis me conformar (...) Foi dolorido, quando tiraram a minha perna (...) É muito ruim pensar que tem duas pernas e perder uma (...) Não é nada bom perder assim uma perna".
Ao analisar esse modo de ser do ser humano, Heidegger (1993, pte.1, p. 180-182) deixa claro que "O impessoal encontra-se em toda a parte, mas no modo de sempre ter escapulido quando a pre-sença exige uma decisão (...) O impessoal sempre "foi" quem é, no entanto, pode-se dizer que não foi "ninguém". Na cotidianidade da pre-sença, a maioria das coisas é feita por alguém de quem se deve dizer que não é ninguém".
É ancorado na instância do existir cotidiano que o ser diabético, temendo encarar a mutilação, culpa-se pelo ocorrido, isola-se do mundo e deseja a morte por se achar um indivíduo com limitação física, portanto, sem meios para existir, o que pode ser compreendido como uma forma de fuga de suas próprias possibilidades de ser.
Enquanto ser-aí no mundo cotidiano, o diabético foi lançado no mundo que o faz se encontrar diante de um complexo de possibilidades. Estas são escolhidas por ele, um meio em que ele caiu ou já nasceu e cresceu. Entre essas possibilidades, aconteceu de ele ser requerido a arcar com as conseqüências da ocorrência de uma doença que ele não escolheu. Ao relembrar seu passado, Darlene, que teve seu dedo amputado, diz que sentiu muita falta do dedo, porém lamenta não ter tido o cuidado necessário para impedir a perda. Diogo, aquele que lamenta a perda, pois gostava de sair, jogar bola e se divertir com os amigos e que hoje não lhe são possibilitadas estas atividades, diz; "meus amigos têm pena de mim e não vêm mais me ver, é até melhor". A Daniela, cujo discurso também já é familiar, versa sobre a vontade de morrer "pra que viver se eu tinha que depender das outras pessoas?".
O filósofo, ao tecer considerações sobre o temor, nos diz "O que se teme, o 'temível', é sempre um ente que vem ao encontro dentro do mundo e que possui o modo de ser do manual, ou do ser simplesmente dado, ou ainda da co-pre-sença (...) O que vem ao encontro possui o modo conjuntural de dano (...) O danoso enquanto ameaça não se acha ainda numa proximidade dominável, ele se aproxima... "(HEIDEGGER, 1993, pte. 1, p. 195). Nesta direção, os diabéticos temem buscar novas possibilidades de existir, mesmo diante dos condicionamentos provocados pela amputação, buscando na morte, sua possibilidade mais própria (HEIDEGGER, 1993, pte. 2), o recurso para tudo consertar.
No entanto, perseguindo o sentido do seu existir no luto pela perda do seu membro, o ser diabético mutilado é conduzido à aceitação da realidade. Esta fase é alcançada quando, aos poucos, ele vai se libertando da inautenticidade para aderir à angústia, que é a dimensão existencial do viver autêntico.
É na abertura da angústia que os diabéticos amputados assumem a conformação como modo de "ser-no-mundo". Demétrius, Daniela e Diogo, conscientes da realidade, assumem o seu existir autêntico ao externarem a sua conformação com a amputação. Com coragem e responsabilidade, retomam as tarefas cotidianas aceitando as suas limitações e vivendo com autenticidade novos modos de ser.
Angustiar-se é dizer que seu ser está vivo, assumindo-se na sua autenticidade, sem apoio, sem anteparos. É assumir da absoluta responsabilidade e liberdade (HEIDEGGER, 1993, pte. 1: 50).
Ao abordar o fenômeno da angústia, o pensador articula que, como disposição fundamental, ela delineia uma abertura, já que "retira da pre-sença a possibilidade de, na de-cadência, compreender a si-mesma a partir do 'mundo' e na interpretação pública". Pois é ela que "remete a pre-sença para aquilo pelo que a angústia se angustia, para o seu próprio poder-ser-no-mundo". Dessa forma, atribui à pre-sença singularidade que, na compreensão, se lança para o seu poder-ser mais próprio, ou seja, "ser livre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo (...) para a possibilidade de seu ser enquanto possibilidade de ser aquilo que já sempre é" (HEIDEGGER, 1993, pte. 1, p. 251-2). Assim, foi possibilitado compreender que o ser diabético demostrou transcender para a autenticidade, na medida em que aceita a nova condição de ser diabético amputado, buscando possibilidades de viver bem.
A compreensão buscada com este estudo representou um ensaio para desvelar os modos de ser do diabético mutilado e, assim, desvelar o seu existir - autêntico e inautêntico. No entanto, ficou claro que nunca será possível abarcá-los em sua plenitude, pois o homem é Da-sein (um ser-aí-no-mundo), e como tal nunca se fecha como algo, é sempre suas próprias possibilidades. Segundo o filósofo, a análise da pre-sença (do ser humano) será sempre não somente incompleta, como também provisória, na sua temporalidade e historicidade.
REFLEXÕES A CERCA DO ESTUDO
Refletir sobre o significado da perda advinda da amputação de um membro para o diabético foi a mola mestra deste estudo. Compreender essas pessoas e suas vivências tão sofridas e tão doloridas perfaz uma necessidade urgente dos profissionais da saúde, aqui, especificamente, da Enfermagem. Como a própria fenomenologia preconiza, tem-se a consciência de que, com esta investigação, nada se conclui ou se fecha; ao contrário, as respostas que deste estudo emergiram levam a questionamentos sobre alguns aspectos do nosso comportamento profissional e pessoal no lidar com o desequilíbrio das emoções humanas. Somente através da compreensão desses pacientes é possível cuidar de ajudá-los a enfrentar tais situações.
Entretanto, Stearns (1991) ensina que pouco fazemos para entender estes indivíduos em suas singularidades. A autora prossegue lembrando que a dificuldade acontece porque, para nós, o sofrimento ainda é um enigma. Cuidar das nossas emoções humanas mal resolvidas seria um despontar para tentarmos compreender as outras pessoas quando do desequilíbrio destas manifestações.
Um outro aspecto a ser considerado é o fato de que devemos sempre ter em mente a necessidade de o homem ser livre para viver plenamente seus sentimentos de raiva. O enlutado necessita vivenciar o processo do luto em sua totalidade. Chorar, negar, isolar-se, culpar-se, ficar apático e depressivo é por demais necessário para uma possível recuperação satisfatória da saúde física e mental. Não podemos negar que sofrer é difícil, é penoso, porém necessário. O doloroso processo do luto é como um pântano escuro e desconhecido. Por isso, temos medo e resistimos em enfrentá-lo.
Os nossos sentimentos de perda necessitam ser reunidos, pois com eles não podemos "dar um jeitinho", tal como fazemos com uma peça de roupa rasgada que requer um conserto. Não podemos nos desviar dos sentimentos que estamos experimentando, assim como não precisamos de palavras de consolo ou mesmo de estímulo durante o período de sofrimento. Em vez disso, o que o enlutado necessita é de amigos que possam ficar ao seu lado com paciência, enquanto sentimentos de pesar andam com suas rédeas curtas.
A trilha percorrida permite considerar que de há muito é preciso reconstruir, na Enfermagem, um cuidado centrado no humano, com arte, estética, ética e ciência. Como expressão artística da enfermagem, o cuidado evoca a espiritualidade, a intuição, a imaginação, a criatividade e a dedicação . A estética no cuidado prioriza os sentidos e valores na ação entre cuidador e ser cuidado, contribuindo para que haja coerência e harmonia entre o sentir, o pensar e o fazer. Sabemos que isto é possível, pois, na realidade, as verdadeiras dificuldades não estão na vida, mas dentro de nós, na maneira como as enfrentamos.
Por último, sem que seja o fim desta reflexão, gostaríamos de nos fazer compreender, pelas palavras de Albiseltti (1997,p. 41), ao dizer que "a vida é mais ou menos igual para todos. Cabe a cada um abrir seu próprio espaço, uma dimensão pessoal, uma existência própria na extensão infinita e na intensidade da energia vital".
Com esperança e confiança no ato de amar, uma vez que quem ama cuida, afirma-se que para cuidar é preciso conhecer, saber e querer. Portanto, o desafio está lançado.
REFERÊNCIAS
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NOTAS
1Estudo desenvolvido no Projeto Integrado de Pesquisa/CNPq: "Cuidado de Enfermagem: caminho para prevenir e reabilitar", do Departamento de Enfermagem (DENF), da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem (FFOE), da Universidade Federal do Ceará (UFC).
*DAMASCENO, M. M. C; SILVA, A. G. G.; MARQUES, R. L. L. Quem são os diabéticos atendidos no Serviço de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará? IN: DAMASCENO, M. M. C; ARAÚJO, T. L; FERNANDES, A. F. C. Transtornos vitais no fim do século XX: diabetes mellitus, distúrbios vasculares, câncer, AIDS, tuberculose e hanseníase. Fortaleza: FCPC, 1999.
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Data de Recebimento: 17/08/2002
Data de Aprovação:17/12/2002