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CAPES

Volume 7, Número 2, Mai/Ago - 2003

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Condições de saúde de crianças de creche comunitária e a enfermagem

 

Nursing and the health situation of children from a community day care center

 

Condiciones de salud de niños de una guardería comunitaria y la enfermería

 

 

Tatiana Jussara da Silva XavierI; Fabrício Fernandes PintoI; Maria Helena do Nascimento SouzaII; Regina Célia Gollner ZeitouneII

IAcadêmicos do 8º período do Curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia da EEAN/UFRJ
IIDocentes do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da EEAN / UFRJ

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta os resultados de estudo que objetivou: descrever o perfil socioeconômico das crianças que freqüentavam uma creche comunitária; identificar os problemas de saúde e nutrição das crianças e discutir a possibilidade de atuação do enfermeiro no contexto das creches, visando melhorar a qualidade de vida de tais crianças, nesses ambientes. O estudo foi do tipo avaliação longitudinal prospectiva, tendo como população 38 crianças. Os dados foram coletados mediante entrevista com as mães/responsáveis e realização de exame físico das crianças. Teve-se como resultados que a maioria das crianças habitava com os pais, sendo que estes possuíam o ensino fundamental e renda familiar superior a 2,5 salários mínimos. A pediculose, a varicela e a desnutrição foram os problemas de saúde mais freqüentes entre as crianças. Concluiu-se que é de suma importância a atuação do enfermeiro nas creches desenvolvendo ações de prevenção de doenças, promoção e manutenção da saúde das crianças, bem como um trabalho educativo junto aos familiares e funcionários que realizam o cuidado.

Palavras-chave: Enfermagem. Creche. Nutrição.


ABSTRACT

This article present the results of study had the objective of: describing the socio-economic profile of children that attended a community day care center; identifying the children's nutrition and health problems; discussing the possible work of the nurse at the day care center aimed at improving the life quality of such children in this environment. The study was a longitudinal evaluation research and it had 38 children as sample. The data was collected through children physical examination and by interviews with their mothers or people responsible. The results were: most children lived with their parents. The parents just studied until high school and they had family income higher than 2,5 minimum wage salaries. Varicella, pediculosis and nutritional deficit were the most frequent health problems among the children. We could understand the great importance of the nurse's actuation at the day care centers developing diseases prevention initiatives, promotion and maintenance of children health, as well as educational work directed at the employees and the family members that take care of these children.

Keywords: Day Care Centers. Nutrition. Nursing.


RESUMEN

Ese artículo presenta los resultados de estudio que tuvo por objetivos: describir el perfil socioeconómico de los niños que frecuentaban un jardine infantile comunitario; identificar los problemas de salud y nutrición de esos niños; y discutir la posibilidad de la actuación del enfermero en el contexto de los jardines infantiles, con vistas a mejorar la calidad de vida de tales niños; en esos ambientes. El estudio fue del tipo evaluación longitudinal prospectiva, teniendo como muestra 38 niños. Los datos fueron colectados mediante entrevista con las madres/responsables y realización de examen físico de los niños. Se obtuvo como resultados: la mayoría de los niños habitaba con los padres, estos poseían educación fundamental e ingresos familiares superiores a 2,5 salarios mínimos; el pediculosis, la varicela y la desnutricón fueron los problemas de salud más frecuentes entre los niños. Se concluyó que es de suma importancia la actuación del enfermero en los jardines infantiles desarrollando acciones de prevención de enfermedades, promoción y manutención de la salud de los niños, así como un trabajo educativo con los familiares y los funcionarios que realizan el cuidado.

Palabras clave: Enfermería. Guardería. Nutrición


 

 

INTRODUÇÃO

Sabe-se que, com o crescente número de mulheres inseridas no mercado de trabalho, há cada vez mais a necessidade da utilização de creches em nosso meio.

Neste sentido, segundo Rizzo (2000), a creche é um ambiente especial criado para oferecer condições ótimas que propiciem e estimulem o desenvolvimento integral e harmonioso da criança sadia nos seus primeiros três anos de vida. Dessa forma, nesse ambiente, profissionais respondem pelos cuidados integrais à criança na ausência da família.

Considerando que uma das áreas de atuação do enfermeiro é a atenção básica que visa a promoção e a proteção da saúde dos indivíduos, família e comunidade, a creche representa mais um campo de trabalho para esse profissional. Nesse ambiente, o enfermeiro pode realizar importantes ações de saúde junto às crianças e funcionários, bem como às famílias, mediante programas educativos que podem ser extensivos, também, à comunidade (AUGUSTO, 1985; PAIM, 1985; SANTANA, 1995; TAVARES e ZEITOUNE, 2001; SOUZA, 2002).

É importante ressaltar que as crianças que freqüentam creches possuem uma vulnerabilidade a contrair infecções e outros agravos que é característica desta faixa etária, principalmente entre as populações carentes, onde se encontram altos índices de morbimortalidade infantil. Neste sentido, nota-se muitas vezes que, apesar de a creche ser destinada a crianças sadias, esta recebe também aquelas que apresentam problemas com anemia ferropriva, desnutrição energético protéica, parasitoses e outros (BRASIL, 1989).

Torres et al. (1991), realizando estudos sobre contaminação ambiental em favelas do município de São Paulo, verificaram que nesses locais as crianças estão constantemente expostas ao risco de infecções entéricas de repetição, o que geralmente favorece a instalação e manutenção do binômio desnutrição/diarréia.

A desnutrição infantil é considerada um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil, sendo resultante de diversos fatores interrelacionados. Entre tais fatores encontram-se: baixo poder de compra (baixa renda), dificuldade de acesso aos serviços, baixa escolaridade, precárias condições de saneamento básico, famílias numerosas, processos infecciosos e baixa ingestão alimentar (BRASIL, 1996; FERRARI, 1997), o que compromete o crescimento celular e o desenvolvimento das funções orgânicas e mentais das crianças (SANTANA, 1995).

Dessa forma, é fundamental o estabelecimento de medidas que visem contribuir para a redução dos índices de morbimortalidade infantil, a partir de atividades preventivas, objetivando a melhoria da qualidade da assistência prestada às crianças, contribuindo para a promoção da saúde ou a prevenção de agravos entre as mesmas.

Considerando o contexto das creches comunitárias, onde as crianças apresentam uma maior vulnerabilidade a adquirir agravos à sua saúde, o presente estudo teve como objetivos:

- Descrever o perfil socioeconômico e familiar das crianças da creche em estudo;

- Identificar os problemas de saúde das crianças usuárias da creche;

- Avaliar o estado nutricional das crianças;

- Discutir a possibilidade de atuação do enfermeiro no contexto de creches comunitárias.

 

METODOLOGIA

O estudo foi constituído por uma avaliação do tipo longitudinal prospectiva, em que foi efetuado o acompanhamento das condições de saúde das crianças de uma creche comunitária situada na Ilha do Fundão, no município do Rio de Janeiro, no período compreendido entre janeiro a dezembro de 2001.

Essa creche comunitária freqüentada pelas crianças estudadas, utilizava espaço físico dentro da própria comunidade, tendo sido adaptado para o funcionamento da mesma, recebendo do município o apoio de recurso material didático, alimentação e remuneração dos funcionários.

A população do estudo foi composta por 38 crianças na faixa etária entre 0 a 4 anos, que freqüentavam a referida creche no período da coleta de dados.

O trabalho foi realizado por alunos do curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia da Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ, orientados e supervisionados por docentes responsáveis da referida Instituição de Ensino.

Inicialmente, o projeto foi apresentado à direção da creche, e posteriormente aos funcionários e aos pais e/ou responsáveis pelas crianças. Com estes últimos foi obtida a autorização para realização e participação no estudo baseado na Resolução 196/96 do CNS. A partir desse momento, realizou-se a avaliação e o acompanhamento das condições de saúde e nutrição das crianças, mediante: a) levantamento de dados socioeconômicos; b) realização de exame físico e; c) mensuração das medidas antropométricas.

Os dados foram coletados através de entrevista com as mães/responsáveis, para a obtenção das informações referentes aos indicadores do perfil socioeconômico e familiar e mediante a realização do exame físico das crianças, nas dependências da própria creche.

Frente ao diagnóstico de enfermagem, os alunos puderam: realizar a prescrição de enfermagem, promover o tratamento, fornecer orientações aos funcionários e aos familiares ou realizar o encaminhamento para outros profissionais. O registro das informações, bem como das orientações fornecidas, foi realizado em formulários específicos, contendo dados socioeconômicos, de saúde e nutrição de cada criança.

A avaliação antropométrica foi realizada mediante aferição do peso e estatura das crianças; para a classificação do estado nutricional, foi utilizado o critério de Gomez (GOMEZ et al., 1956) que, baseado no indicador peso para a idade (P/I), considera três níveis de gravidade para desnutrição, a saber.

 

 

Para os cálculos da porcentagem de adequação do peso para a idade, foi utilizado o subprograma Epinut do Programa Epi-info 6.0, que compara os dados obtidos com um padrão de referência (NCHS - National Center for Health Statistics), recomendado pela Organização Mundial de Saúde (NCHS, 1977).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com o presente trabalho foi possível conhecer as condições socioeconômicas, familiares, de saúde e nutricionais das crianças que freqüentavam a creche.

Observando o Quadro I, na página a seguir (p. 207) verifica-se ainda que cerca de um terço dos pais eram separados. É importante ressaltar que se torna crescente o número de crianças criadas por pais separados e esse fato pode vir a interferir no crescimento, no desenvolvimento e principalmente na educação delas, uma vez que a presença dos pais é fundamental na construção do seu caráter e da sua personalidade da criança bem como no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da mesma (ASBRAC,1997).


Quadro 1 - Clique para ampliar

 

Segundo Rizzo (2000), o carinho e a atenção do pai e da mãe não são apenas importantes, mas essenciais para o desenvolvimento afetivo, social e intelectual da criança.

Naquilo que se refere à atuação do enfermeiro, este pode criar estratégias do tipo visita domiciliar para estar em contato com o responsável pela criança, seja ele o pai ou a mãe, para realizar educação para a saúde voltada para o cuidado com as crianças de acordo com a faixa etária e necessidades específicas (SOUZA, 2002).

Quanto à renda familiar, observou-se que cerca de 78% das famílias apresentavam renda superior a 2,5 salários mínimos. Tal dado não é tão surpreendente, quando levado em consideração que a renda familiar baseia-se no somatório das rendas de todos os integrantes do domicílio, portanto não se limita ao trinômio pai - mãe - filho.

Contudo, cabe refletir que essa renda não se apresenta como suficiente para atender às necessidades de seus familiares uma vez que existem os encargos públicos (água, luz e aluguel) que consomem parte dos recursos, reduzindo aquele reservado para atender às necessidades com alimentação e educação. Assim, pode-se inferir que haverá prejuízos nos suportes básicos necessários para o crescimento das crianças, podendo ficar afetado seu estado nutricional. Com relação ao nível de instrução, verificou-se que atualmente ainda se encontra um percentual significativo de adultos (6,7% das mães e 4,0% dos pais) sem instrução educacional. Além disso, observou-se que 66,7% das mães e 84,0% dos pais não alcançaram o nível médio.

Baseando-se no baixo nível de instrução dos responsáveis, o enfermeiro no seu papel de educador deve preocupar-se em fornecer orientações de forma clara e elucidativa de modo que os pais compreendam e possam sanar as dúvidas relacionadas à saúde do seu filho.

Ao analisar o Quadro II, verifica-se que entre os problemas apresentados pelas crianças a varicela e a pediculose foram os de maior incidência. Nota-se que tais problemas são comuns entre as crianças, de 0 - 4 anos, e que os pais devem ser orientados quanto aos cuidados durante o período de contágio, bem como quanto às formas de prevenção destes e de outros agravos (ASBRAC, 1997).

 

Após a observação das condições de saúde das crianças, foi realizada uma reunião com as educadoras da creche e estabelecido contatos individuais com os responsáveis, a fim de fornecer orientações com relação aos cuidados frente às intercorrências mais comuns na infância.

No contexto das creches, o enfermeiro pode planejar atividades educativas, que abordem a importância da higienização pessoal, ambiental, bem como dos alimentos, visando a redução de problemas de saúde. Dessa forma, o profissional poderá orientar e supervisionar à higiene pessoal das crianças que engloba os cuidados com: mãos, pele, cabelos, orelhas, nariz e boca. E em relação à higiene ambiental, deve instruir quanto à limpeza e desinfecção de ambientes, de roupas, utensílios e materiais utilizados pela criança. Além disso, deve fornecer informações em relação à definição, prevenção e formas de disseminação das doenças que mais acometem esse grupo etário (MATOS, 2000; TAVARES e ZEITOUNE, 2001; SOUZA, 2002).

Na Tabela1, observa-se que 15,8% das crianças examinadas apresentaram um quadro de desnutrição de 1º grau e 2,6% quadro de desnutrição de 2º grau. Tais valores apresentados são significativos considerando que o universo de crianças é composto por 38. Segundo Ferrari (1997), a desnutrição infantil está inter-relacionada com diversos fatores, entre eles: baixa renda, dificuldade de acesso aos serviços de saúde, baixa escolaridade, famílias numerosas e baixa ingestão alimentar; o que corrobora a situação apresentada pelas crianças em estudo.

 

Sabe-se que a alimentação fornecida nas creches tende a suprir grande parte das necessidades energéticas, protéicas, de vitaminas e sais minerais da criança. No entanto, é necessário uma atenção especial com as crianças que apresentam déficit nutricional, pois outros fatores como hábito alimentar, dificuldade para mastigação, problema familiar, infecções e outros podem estar interferindo no estado nutricional delas.

O enfermeiro atuando em creches, também pode supervisionar o processo de alimentação das crianças, a fim de assegurar uma nutrição adequada as mesmas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente estudo, verificou-se que os pais possuíam uma baixa escolaridade e a renda familiar encontrava-se acima de 2,5 salários mínimos.

A observação das condições de saúde das crianças, realizada durante o exame físico, permitiu, além do tratamento precoce das intercorrências, o estabelecimento de medidas preventivas e implementação do trabalho educativo junto aos funcionários, colaborando para a melhoria das condições de saúde e nutrição das crianças atendidas pela creche.

Foram realizadas palestras com vistas à educação continuada das educadoras, abordando o tema: intercorrências comuns na infância. Aos pais/responsáveis também foram fornecidas orientações sobre cuidados de saúde e alimentação, mediante contato individual.

Ressalta-se, ainda, que a presença ou a supervisão de um enfermeiro nas creches é de extrema importância, pois esse profissional encontra nesse ambiente um excelente espaço para atuar na prevenção de doenças, promoção e manutenção da saúde das crianças, bem como, na orientação dos familiares, treinamento e reciclagem dos funcionários que prestam o cuidado.

 

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRECHES (ASBRAC) A creche saudável. Rio de Janeiro. Cecip,1997.

AUGUSTO, M. Comunidade infantil: creches. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 1985.

BRASIL, Ministério da Saúde. Normas para a construção e instalação de creches. Brasília, 1989.

______ - Pesquisa nacional sobre demografia e saúde. Brasília. Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição - INAN, 1996.

FERRARI, A.A. Fatores de risco para a desnutrição energético protéica como base para programas de prevenção na comunidade. In: SAWAYA, A.L.(org.) - Desnutrição urbana no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997.

GOMEZ, F; at. al. Mortality in second and third degree malnutrition, J. Trop. Pediatr, n.2, p. 77-83, 1956.

MATOS, M.AB.; FERNANDES, B.S.; FERNANDES, I.OB. Cuidados de saúde de crianças em creches. Belo Horizonte: CDM, 2000.

NATIONAL CENTER FOR HEALTH STATISTICS (NCHS). Growth curves for children birth - 18 years. United States Department of Health, Education and Welfare. Publication n.7, 1977.

PAIM, T.R.C. Enfermagem em creches, atuação e perspectivas. Revista Baiana de Enfermagem. v.1, n.2, p. 25 - 45, 1985.

SANTANA, J.S.S. O significado da experiência de creche expresso pela criança. Salvador, 1995, 153p. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)-Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1995.

SOUZA, M.H.N.; BISMARCK-NASR, E. M.; OLLERTZ, M.I.S. - Saúde e nutrição em creches e centros de educação infantil. São Paulo: Salus Paulista, 2002 (Coleção Vencendo a Desnutrição).

TAVARES, M.R. ; ZEITOUNE, R. C. G. Cuidando de crianças em creches públicas: perspectivas de inserção do enfermeiro. Rio de Janeiro: Paulino. 2001. p.102.

TORRES, A L. et al. - Observações sobre a favela da cidade Leonor, São Paulo. Contaminação ambiental e prática do aleitamento natural. Rev. Paul. Med. São Paulo, v.109, n. 6, 1991.

RIZZO, G. Creche: organização, currículo, montagem e funcionamento. São Paulo: Bertrand Brasil. 2000.

 

 

Recebido em 02/08/2002
Reapresentado em 30/05/2003
Aprovado em 15/07/2003

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