Volume 18, Número 2, Abr/Jun - 2014
PESQUISA
Divergências em relação aos cuidados com o recém-nascido no
centro obstétrico
Elizete Besen Müller
1
Maria de Fátima Mota Zampieri
1
1 Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis - SC, Brasil
Recebido em 30/04/2013
Reapresentado em 22/10/2013
Aprovado em 27/11/2013
Autor correspondente:
Maria de Fátima Mota Zampieri
E-mail:
fatimazampieri@gmail.com
RESUMO
O objetivo deste estudo foi conhecer as divergências relacionadas aos cuidados
prestados ao recém-nascido no Centro Obstétrico de um hospital público, na ótica de
enfermeiras.
MÉTODOS:
Pesquisa qualitativa desenvolvida com enfermeiras no Centro Obstétrico de um
hospital público. A coleta de dados ocorreu entre setembro/2011 e abril/2012,
englobou depoimentos de entrevistas e oficinas. A análise seguiu as etapas de
apreensão, síntese, teorização e transferência.
RESULTADOS:
Originaram-se quatro categorias: compreensão dos cuidados com o recém-nascido;
cuidado centrado no ser humano ou na técnica; ausência de rotina única para
cuidar; estratégias para adequar o cuidado ao recém-nascido. As principais
divergências referem-se à priorização dos cuidados, ora centrando-se na pessoa ora
na técnica, e discordâncias relativas aos horários, materiais e técnicas adotadas
na prática e na literatura, situações que podem interferir no cuidado e vínculo
pais/recém-nascido. Para superar essas divergências sugeriu-se:
capacitação/integração dos profissionais e construção coletiva de proposta de
cuidados fundamentada nas boas práticas.
CONCLUSÃO:
O estudo ampliou conhecimento e gerou mudanças no cotidiano do cuidado.
Palavras-chave: Recém-nascido; Cuidados de enfermagem; Enfermeiras; Enfermagem neonatal.
INTRODUÇÃO
O cuidado ao recém-nascido (RN), imediatamente após seu nascimento e nas primeiras horas de vida, tem importância prioritária para a sua sobrevivência e para o seu desenvolvimento saudável e harmonioso.
Aproximadamente três milhões de crianças nascem, por ano, no Brasil; a maioria nasce com boa vitalidade1. No entanto, muitas morrem antes de completarem um ano de idade. A mortalidade neonatal representa quase 70% das mortes no primeiro ano de vida1; e, dessas mortes, mais de 45% ocorrem durante as primeiras 24 horas após o nascimento2. O cuidado adequado ao RN tem sido apontado como um dos desafios a serem superados para que os índices de mortalidade infantil em nosso país sejam reduzidos1.
Ao longo dos anos, houve melhoria no cuidado neonatal gerada pelos progressos técnico-científicos, pela adequação e pelo aperfeiçoamento dos cuidados, os quais contribuíram para a redução das taxas de morbimortalidade neonatal no Brasil. Entretanto, observou-se um afastamento entre a mãe e seu filho, prejudicando a interação precoce e o aleitamento.
No período neonatal, tendo em vista a vulnerabilidade na vida do RN, há riscos biológicos, ambientais, psíquicos, socioeconômicos e culturais. Em função disso, faz-se necessário o estabelecimento de cuidados especiais, atuação oportuna, integral e qualificada e proteção social e de saúde a essa parcela da população1. Ao nascer, o RN dá os primeiros passos para uma vida independente e precisa se adaptar, definitivamente, ao meio extrauterino3. Esse processo transicional normalmente é fisiológico4; entretanto, ao nascer, pela fragilidade do RN, além da preocupação com a redução de riscos, é fundamental recepcioná-lo dignamente, reconhecê-lo como um ser dependente, que necessita de proteção, cuidados, segurança para promover a sua saúde.
As atitudes dos profissionais que prestam cuidados ao RN no Centro Obstétrico (CO) são extremamente importantes, uma vez que podem interferir facilitando ou dificultando a aproximação precoce e o vínculo mãe-bebê. É fundamental prestar ao RN cuidados individuais e personalizados para que esse possa transitar tranquilamente da vida intrauterina a nova vida, interagir precocemente com sua mãe e com seu pai, desenvolver-se física e psiquicamente, e também para a diminuição da morbimortalidade neonatal3.
O RN que nasce em boas condições de vitalidade e a termo, ou seja, com idade gestacional acima de 37 semanas, rosado e ativo, sem sinais de sofrimento respiratório ou alterações clínicas importantes5, deve ser estimulado, nos primeiros minutos de vida, a interagir com a mãe. A equipe de saúde deve promover o contato pele a pele entre mãe e filho, bem como, a amamentação precoce, prática que deve sobrepujar qualquer rotina de atendimento2,3,6. Nessa perspectiva, é imperativo que o profissional seja capacitado para atender o RN com base em fundamentos científicos e que reveja sua prática. Devem ser abolidas as práticas que se mostram prejudiciais ou que não são benéficas à saúde da mãe ou do RN2.
Assim, neste estudo, com base em literaturas científicas1-4, foram consideradas como boas práticas de cuidado ao RN realizadas no CO as que privilegiavam as formas de cuidar seguras, integrais e qualificadas, centradas e direcionadas ao RN e às suas necessidades, e aos seus pais, e fundamentadas em conhecimentos científicos, com vistas à adaptação desse novo ser ao mundo, à prevenção e promoção de sua saúde e ao seu pleno desenvolvimento físico, psíquico e social. Essas ações visam recepcionar o RN de forma digna, reconhecendo-o como ser com potencialidades, evitar a realização de intervenções desnecessárias e garantir a interação e o vínculo precoce entre o RN e seus pais.
O cuidado ao RN que nasce a termo e em boas condições de vitalidade reduz-se a secá-lo, aquecê-lo, avaliar sua vitalidade e bem-estar e entregá-lo à mãe para um contato íntimo e precoce1,2. Todos os procedimentos habituais devem ser realizados após o contato da mãe com seu filho2. Compreende-se como cuidado ao RN no CO o prestado logo após o nascimento e no decorrer da primeira hora que se segue ao parto6, ou nas duas primeiras horas7. Os principais objetivos desses cuidados são: proporcionar a todos os RNs as condições que favoreçam sua adaptação à vida extrauterina e garantir seu bem-estar7.
Os cuidados ao RN podem ser executados de diferentes formas, de acordo com o modelo adotado pela instituição de saúde3. Ao observar as práticas realizadas em uma hospital público, campo de atuação de uma das pesquisadoras do estudo, e ao investigar o tema na literatura, percebe-se que a determinação do período imediato ao parto, dos cuidados a serem realizados e da forma como devem ser executados divergem entre os autores da área e nas práticas realizadas no CO. As divergências referem-se à valorização do ser humano ou da técnica ao cuidar; aos procedimentos (quais, como e quando realizá-los) e a sua interferência ou não na relação entre o RN e seus pais; às técnicas e instrumentos utilizados; à pessoa que deve realizar os procedimentos e se os cuidados devem ou não ser feitos no CO.
Essas divergências não são explicitadas, refletidas e discutidas no âmbito do trabalho e continuam sendo realizadas rotineiramente, sem fundamento científico, o que gerou inquietação. Tal inquietude, a relevância desta temática, as divergências na literatura e na prática em relação aos cuidados desenvolvidos ao RN no CO, o número expressivo de nascimentos no Brasil, bem como a lacuna existente na produção de conhecimentos que fundamentem e que definam boas práticas do ponto de vista científico e humanístico, constituem-se os fatores que motivaram este estudo, tendo como pergunta de pesquisa: quais são as divergências relacionadas ao cuidado prestado ao RN, na ótica das enfermeiras do Centro Obstétrico de um hospital público?
Para responder a essa questão, traçou-se o seguinte objetivo: conhecer as divergências relacionadas aos cuidados prestados ao recém-nascido, na ótica das enfermeiras do Centro Obstétrico de um hospital público.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória desenvolvida no CO da maternidade de um hospital público do sul do país, local de trabalho de uma das enfermeiras pesquisadoras. Os sujeitos envolvidos foram oito enfermeiras integrantes da equipe de saúde desse setor, que prestam cuidado integral ao RN, atendimento aos pais e coordenam as ações da equipe de enfermagem. Todas trabalham na instituição há mais de nove anos e têm especialização, sendo cinco mestras e duas doutoras. Foram excluídas as enfermeiras em licença de saúde.
A coleta de dados iniciou em setembro de 2011 e foi concluída em abril de 2012, e aconteceu em dois momentos. No primeiro, foram realizadas entrevistas individuais, contendo perguntas abertas e fechadas. No segundo momento, as informações oriundas das entrevistas, após uma análise preliminar, e estudos sobre as boas práticas ao cuidar do RN subsidiaram as reflexões nas seis oficinas desenvolvidas. Portanto, a coleta de dados englobou os depoimentos, as reflexões e os consensos, oriundos das entrevistas e das oficinas. Esses foram coletados até a sua saturação, ou seja, quando as informações passaram a se repetir e os objetivos foram alcançados.
As oficinas foram organizadas em sete etapas: 1. Acolher: preparação do ambiente e acolhimento das participantes; 2. Interagir e sensibilizar: realização de uma dinâmica grupal; 3. Planejar, validar e definir caminhos: ocasião em que era exposta a proposta de trabalho, feita uma síntese da oficina anterior, e validados os consensos; 4. Problematizar o tema: momento em que se trabalhava a temática central em subgrupos; 5. Integrar: lanche integrativo; 6. Compartilhar e definir consensos: apresentação dos subgrupos e discussão no grupo, buscando o consenso em relação aos temas discutidos; e 7. Rever e redirecionar condutas: momento em que era avaliado o encontro, eram dadas sugestões e definidas algumas estratégias.
Foram utilizadas, como referencial teórico para guiar o estudo, ideias de Paulo Freire, em função de sua abordagem coletiva, humanística, reflexiva e dialógica e as boas práticas direcionadas ao RN. Os depoimentos oriundos das entrevistas e dos encontros de discussão foram gravados e posteriormente transcritos e organizados.
A análise e a interpretação dos dados envolveram quatro processos analíticos propostos na pesquisa convergente-assistencial8, que são: apreensão, síntese, teorização e transferência. Na apreensão, após leitura aprofundada, as informações das entrevistas foram sistematicamente organizadas, acrescidas dos depoimentos das oficinas e codificadas. A seguir, foram realizadas as leituras vertical e transversal, buscando-se expressões com características semelhantes, dando origem às categorias. Por meio da síntese, procurou-se interpretar, sintetizar e rememorar o que emergiu das entrevistas e oficinas, descrevendo-se essas informações. Na teorização, procurou-se analisar, interpretar e associar as informações coletadas ao referencial teórico. Os resultados obtidos podem ser contextualizados em situações semelhantes, desde que adaptados às novas realidades, caracterizando-se a transferência.
A pesquisa seguiu as diretrizes éticas e as normas preconizadas na Resolução 196/96, sendo autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição à qual o hospital está vinculado, e aprovada sob o parecer número: 2194 FR: 454946/2011. As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, com vistas a preservar o seu anonimato, foram identificadas através da letra "E", que se refere a enfermeira, seguida de um número correspondente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise aprofundada do conteúdo das entrevistas e das oficinas realizadas deu origem a quatro categorias: 1. Compreensão dos cuidados com o recém-nascido; 2. Cuidado centrado no ser humano ou na técnica; 3. Ausência de rotina única para cuidar; e 4. Estratégias para adequar o cuidado ao recém-nascido.
Categoria 1: Compreensão dos cuidados com o recém-nascido
As participantes descrevem os cuidados ao RN sem intercorrências clínicas, com boa vitalidade e a termo como sendo a recepção, o atendimento e a realização de cuidados de rotina ao RN no CO. Segundo elas, são cuidados indispensáveis que devem ser realizados imediatamente após o parto, pela equipe de saúde, de forma sensível, harmônica e carinhosa, em um ambiente calmo e acolhedor, respeitando-se as condições do RN e a singularidade que envolve o momento do nascimento.
Ressaltam, ainda, a importância de os cuidados serem realizados, preferencialmente junto da mãe, e de se estimular o envolvimento do pai ou acompanhante desde a hora do nascimento, orientando-o e envolvendo-o na realização dos cuidados. Apontam, no entanto, que tal compreensão nem sempre se apresenta e se efetiva na prática, emergindo uma divergência entre o idealizado e o realizado no cotidiano do cuidar.
[...] aqueles cuidados que são indispensáveis não tem como deixar de ser feitos de imediato. [...] o aquecimento do RN é importantíssimo, contato pele a pele é um cuidado fundamental. [...] O envolvimento e participação dos familiares nesse cuidado [...] Que o RN fique muito mais tempo com a mãe nessa primeira hora e que os cuidados possam ser feitos junto da mãe, o credê, o kanakion, pode fazer a antropometria também, não tirar o bebê das vistas da mãe. Isso dá uma tranquilidade pra ela [...] (E-2).
É consenso para as participantes que os cuidados ao RN a termo e sem intercorrências clínicas no CO incluem: secar, aquecer, avaliar a vitalidade e identificar o RN, promover o contato pele a pele entre mãe e bebê, clampear o cordão umbilical, estimular a amamentação, administrar o credê e o kanakion, verificar os sinais vitais e os dados antropométricos e realizar cuidados com o coto.
Para algumas enfermeiras, o primeiro banho do RN também é considerado cuidado imediato, ponto divergente entre as participantes, bem como na literatura. Consideram, também, que, em RN sem intercorrências clínicas e a termo, a aspiração das vias aéreas e a lavagem gástrica não devam ser utilizados rotineiramente.
Em relação aos procedimentos de secar e aquecer e aos cuidados com a perda de calor do RN, a maioria reforça que devam ser feitos, prioritariamente, sobre a mãe, registrando, assim, a preocupação de mantê-lo aquecido, usando cobertor e touca e retirando os panos umedecidos.
[...] se o bebê está bem, já colocar direto em cima da mãe pra ter aquele contato. [...] deve ser secado em cima da mãe [...]. Secar, ter a preocupação de secar bem o bebê, ver se o bebê está respirando bem, [...] deixar o pai cortar o cordão umbilical, acho bem importante, já faz parte envolver o pai ali na hora do parto [...] (E-5).
As participantes reforçam o expresso na literatura, ou seja, se o RN nasce em boas condições de vitalidade e a termo, nada mais deve ser feito além de secá-lo, aquecê-lo, avaliar sua vitalidade, seu bem-estar e colocá-lo junto da mãe para um contato íntimo e precoce2. Assim, é recomendado, para minimizar a perda de calor, evitar o desconforto respiratório e facilitar a adaptação do RN ao ambiente externo, ao recepcioná-lo, secar, imediatamente, toda a sua pele e o couro cabeludo com toalha pré-aquecida, proteger sua cabeça com uma touca e colocar um cobertor ou lençol aquecido sobre ele e a mãe1,2,4,9.
Os primeiros laços de aproximação entre mãe e filho são preponderantes para propiciar a formação do vínculo e o reconhecimento mútuo10 e para facilitar a boa adaptação do RN, portanto, devem ser vivenciados em ambiente agradável, favorecendo-se a troca de olhares e o toque entre os pais e seu bebê, a amamentação e o envolvimento e a participação do pai6. Todos os procedimentos habituais devem ser postergados para não interferir na interação precoce e no aleitamento na primeira hora de vida1-4,6.
Nesse sentido, considera-se como boas práticas, evitar separações desnecessárias entre o binômio mãe e filho e adotar comportamentos que favoreçam o vínculo do RN com seus pais. Intervenções desnecessárias devem ser evitadas. Assim, conforme estudos, a aspiração das vias aéreas superiores após o nascimento bem como a aspiração gástrica não devem ser realizadas no atendimento de rotina, pois podem ser prejudiciais e não trazem benefícios aos RN4.
Categoria 2: Cuidado centrado no ser humano ou na técnica
Apesar de haver consenso nas falas das participantes de que o cuidado deva ser e estar, primordialmente, centrado no RN, nas suas necessidades de saúde e de afetividade, no seu bem-estar e no de seus pais, na prática, não raramente, alguns profissionais priorizam a doença, o procedimento e a intervenção, desvalorizando o ser humano e a atenção a sua saúde.
As participantes foram unânimes, em suas colocações, ao indicarem que o contato pele a pele e o respeito à formação de vínculo entre os pais e o RN devam prevalecer em relação aos demais cuidados, considerando-os prioritários.
[...] Os cuidados com o RN deveriam ser priorizados e não feitos todos de uma vez só. A prioridade devia ser o contato pele a pele com a mãe, a permanência no colo da mãe, para depois a gente fazer outros cuidados. Evitar tudo que é cuidado desnecessário para este momento [...] (E-6).
Destacam, também, a importância desse primeiro contato para a manutenção do aquecimento do RN, para a promoção da amamentação e para a formação do apego entre mãe e bebê, devendo ser proporcionado antes mesmo de se clampear o cordão umbilical, ainda com o RN sendo seco e aquecido sobre a mãe. Em relação ao pai, essa primeira interação e contato acontece quando ele tem a oportunidade de conhecer o bebê, de cortar o cordão umbilical, de ajudar a secar o RN e de ficar ao lado da sua companheira, auxiliando-a e dando apoio emocional.
Segundo as percepções das enfermeiras, o RN fica mais calmo e parece sentir prazer quando está com a mãe, e os pais, por sua vez, ficam mais envolvidos e felizes. Contribuem para a formação desse vínculo e bem-estar do RN um ambiente tranquilo, com baixa luminosidade, e o manuseio delicado do bebê. Como forma de favorecer esse contato, as entrevistadas sugerem que, na medida do possível, os outros cuidados (identificação, credê, kanakion, etc) sejam realizados junto da mãe e do pai, reforçando a ideia de que é fundamental envolvê-los nesse processo.
[...] um cuidado que é importante é, se o bebê está bem, já colocar direto em cima da mãe para ter aquele contato da mãe com o bebê, e o pai cortar o cordão umbilical, [...] ele tá participando ali do nascimento. O pai também vai se sentir importante naquela hora [...] (E-5).
[...] essa necessidade é muito clara, basta observar o comportamento dos RN, quando eles ficam em contato com suas mães. [...] parecem sentir um prazer muito grande, se acalmam, param de chorar, se aninham [...] (E-4).
[...] um cuidado que a gente sempre lutou e sempre fez muita questão que fosse respeitado [...] todos os RNs ficam pelo menos 20 minutos com a mãe, as pessoas interiorizaram esse cuidado. Todo mundo respeita [...] (E-3).
Os dados acima convergem com a literatura. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o contato pele a pele deva ser iniciado imediatamente após o nascimento, ser contínuo, prolongado e estabelecido entre toda a mãe e filho a termo, em boas condições de vitalidade, e estabelece uma hora como tempo mínimo desse contato1,4. O contato pele a pele é um método seguro, sem custos e traz benefícios a curto e longo prazo tanto para a mãe quanto para o RN, como o aumento do sucesso e da duração da amamentação, o controle da temperatura do RN e o estabelecimento do vínculo mãe-filho. Portanto, os profissionais de saúde devem ser facilitadores da aproximação entre mãe-RN-pai2,4. Em relação ao tempo de contato preconizado pela instituição, percebe-se divergência, pois algumas entrevistadas indicaram como tempo ideal 20 minutos e outras mencionaram 30 minutos. De modo diferente, várias literaturas que seguem o preconizado pela OMS recomendam que o tempo de contato pele a pele seja de, no mínimo, uma hora1,4.
Os profissionais devem estimular o pai do RN a participar dos cuidados realizados com o bebê. O vínculo pai-bebê nos primeiros meses de vida, é importante e deve ser, cada vez mais, valorizado na sociedade atual1.
Mesmo cientes da importância da necessidade de valorização do contato pele a pele precoce e da formação do vínculo entre o RN e seus pais, as participantes apontam que, na prática, alguns integrantes da equipe de saúde priorizam mais o lado técnico, o procedimento, do que a necessidade primeira do RN de interagir com seus pais. Contribuem para tal situação, segundo os depoimentos, aspectos relacionados à gestão, como a falta de recursos humanos, de estrutura física e de educação permanente em saúde, e postura dos profissionais. Nesse sentido, referem-se à sobrecarga de trabalho de alguns profissionais como um dos fatores que podem interferir, afastando o RN precocemente da mãe para a realização de exame físico e procedimentos rotineiros, já que precisam assumir outras atividades.
A existência de burocracia no que concerne ao registro contribui para agravar o problema, já que, segundo as participantes, são registradas várias vezes as mesmas informações em documentos diferentes, perdendo-se muito tempo, o que demonstra a necessidade de avaliar e rever essa questão.
[...] Eu acho muito preenchimento de papel, tinha que rever, teria que otimizar, se repetem muitos dados, [...] vai no nosso histórico de enfermagem, vai no livro, na folha de observações complementares, no exame físico do pediatra, na carteirinha, não precisaria. [...] (E-1).
Em concordância, a literatura aponta que, no processo de trabalho da enfermagem, encontram-se enraizadas normas, rotinas e burocracia. Em muitas situações, o excesso de formalismo de documentação pode tornar o trabalho moroso e levar a baixa eficiência, ocasionando prejuízos aos clientes que necessitam de assistência. O preenchimento de diversos papéis pode ocupar mais tempo do enfermeiro do que o cuidado direto e as necessidades assistenciais de seus clientes11. Assim, esses devem analisar os benefícios das suas condutas e adotar estratégias para organizar os serviços, considerando os anseios daqueles que cuidam2.
A estrutura física não permite que todos os cuidados à mãe e ao RN sejam realizados no mesmo local, no momento do nascimento e pós-parto imediato, dificultando, assim, o vínculo e afastando o RN de sua mãe.
Observa-se, implicitamente, o poder dos profissionais de saúde, sobretudo o do médico. Não raramente, alguns profissionais intervêm em um processo natural, restringindo o tempo de contato mãe-filho para realizarem procedimentos que poderiam ser feitos posteriormente, o que demonstra valorização da doença e da técnica em detrimento das necessidades do ser humano, revelando-se uma postura hospitalocêntrica e tecnicista. Há, também, profissionais que colocam seus interesses e comodidade em primeiro lugar. Igualmente, emergiram as diferentes condutas dos profissionais: uns estimulando precocemente o contato precoce entre mãe e filho e outros não; uns envolvendo o pai e facilitando a interação, outros não.
Percebe-se nos depoimentos a falta de empenho, de capacitação e de informação de alguns profissionais e estagiários da área da saúde sobre as boas práticas no atendimento ao RN, o que pode gerar, como consequência, a rotinização e inflexibilidade em algumas situações.
[...] Dificulta o vínculo, porque se afasta o bebê rápido da mãe [...] a gente altera o estado de reatividade neonatal do RN, ele vai perder a referência do cheiro materno, da voz materna [...] Todos os cuidados que a gente faz hoje interferem nesse processo. [...] quebra-se o vínculo da primeira hora de vida, por coisas absolutamente desnecessárias [...] as pessoas estão muito técnicas em relação aos cuidados, não tem sensibilidade. [...] (E-6).
[...] Há interesses pessoais, arrogância de se acharem mais importantes do que o nascimento [...] Infelizmente um profissional acaba transmitindo sua descrença entre os outros e a coisa vira uma bola de neve. [...] (E-4).
[...] Às vezes é aspirado sem necessidade, fica em baixo de um berço aquecido, com uma luz super forte, num local que não é o colo da mãe, ouvindo vozes que não são as conhecidas dele. O pai até fica do lado, mas ele fica tão acuado, que ele nem conversa com a bebê. Somos muito tecnicistas, quer fazer logo as rotinas, os cuidados, tanto a enfermagem quanto a medicina, [...] no sentido de apressar todo o processo, para a mulher ir logo para o Alojamento Conjunto [...] (E-6).
Autores consideram que intervenções desnecessárias após o nascimento, como clampear o cordão precocemente, aspirar vias aéreas, realizar cuidados sem secar o corpo molhado e/ou de forma rotinizada, manipular excessivamente o RN, administrar medicamentos, realizar o banho e a antropometria precocemente, podem ser prejudiciais, afetando negativamente mãe e o RN, podendo configurar-se como uma violência institucional2. Esses abusos devem-se à omissão e à falta de preparo dos profissionais. São situações que podem e devem ser evitadas ou amenizadas. A viabilização disso depende da mudança de postura dos profissionais de saúde envolvidos no cuidado. A prática dos profissionais de saúde que, ao assistirem à mulher no momento do parto, separam mãe e RN de baixo risco, usando medidas intervencionistas, deve ser repensada, e tal conduta deve ser modificada3. Essas práticas inapropriadas devem ser substituídas por boas práticas para o bom desenvolvimento fisiológico, psicológico e sociocultural da mãe e RN12.
A transformação do modelo de cuidado tecnocrático vigente, centrado apenas na técnica, intervencionista e hegemônico em uma perspectiva humanística, não se consolida rapidamente; tendo em vista que pressupõe mudança de paradigmas, de crenças, de atitudes e de práticas das mulheres e dos profissionais de saúde3.
Práticas de atenção adequadas, integrais e fundamentadas cientificamente devem ser adotadas como modelo na atenção ao parto e nos cuidados ao RN. As práticas que têm se mostrado prejudiciais ou que em nada beneficiam à saúde da mãe ou do RN devem ser proscritas2. A revisão das evidências a respeito das práticas de atendimento ao RN revela que, na maioria dos casos, quanto menos intervenções, melhor para o RN, recomendando-se um atendimento centrado na família4.
Embora o conhecimento das práticas baseadas em evidências científicas seja necessário, nem sempre é suficiente para assegurar sua aplicação sob a forma de intervenções apropriadas, sendo fundamental entender as razões e as barreiras dessa resistência à mudança e propor estratégias para superá-las2. Fica evidente a divergência entre o falado e o exercido por parte de alguns profissionais, bem como as divergências em relação aos fundamentos científicos nos quais se preconiza que intervenções sem indicações são barreiras importantes que dificultam a interação precoce e a formação do vínculo.
O intervencionismo está presente em muitas situações do dia a dia do serviço, mas para as entrevistadas dever-se-ia valorizar mais a interação e o bem-estar do RN e de seus pais.
[...] somos muito intervencionistas com relação mãe-bebê. A gente vai lá e interfere demais por conta de rotinas. Devemos evitar tudo que é cuidado desnecessário para este momento [...] A prioridade do cuidado deveria ser o contato pele a pele com a mãe, a permanência no colo da mãe [...] esperar primeiro a mãe e o bebê ter esse contato de olhar, de mamar, [...] (E-6).
Convergente com as informações, os autores reforçam a importância de evitar-se intervenções desnecessárias no processo de parir e nascer. Afirmam que a separação do RN de seus pais deve ser evitada na primeira hora após o nascimento. O cuidado ao RN deve considerar todas as dimensões físicas, psicológicas e sociais. Os demais cuidados de rotina devem ser postergados para não interferirem na interação precoce e no aleitamento na primeira hora de vida; porém, deve-se manter a observação frequentemente, a fim de detectar qualquer complicação1,4.
Categoria 3: Ausência de rotina única para cuidar
As colocações das participantes apontam que não existe uma conduta unificada para conduzir o cuidado, observando-se divergências em vários pontos: em relação à forma de desenvolver-se os cuidados e aos materiais utilizados, à definição dos cuidados prioritários, do momento e do local mais apropriados para a realizá-los, muitas vezes, dependendo do profissional e do plantão, como neste depoimento:
[...] a gente trabalha muito com essa questão de quem é o médico de plantão e qual é a equipe, de como se vai proceder. [...] percebo que existem divergências entre os cuidadores. Dependendo do plantão que tu trabalhas, tu percebes que não tem uma rotina que é básica pra todos eles. As pessoas seguem as rotinas, mas o procedimento não é um consenso para todos [...] parece que a prática vai se perdendo através do tempo [...] (E-3).
Devido à extensão do tema, destacamos as divergências consideradas prioritárias pelas participantes e as que mais se repetiram ao longo do estudo. Uma delas diz respeito ao clampeamento do cordão umbilical. Houve consenso, entre as enfermeiras, de que a prioridade seria esperar o cordão parar de pulsar antes de clampeá-lo, porém, no cotidiano do cuidado, essa conduta não é respeitada, principalmente, pela equipe médica. Na maioria das vezes, o clampeamento do cordão é realizado precocemente.
[...] uma coisa que tem que ser alterada, e urgente, é a questão do corte do cordão umbilical, que está sendo extremamente precoce. É um absurdo, anticientífico, cortar o cordão, não esperar nem parar de pulsar. Quando ele é cortado antes de seu tempo, é como se fosse cortar esse fluxo de energia, de sangue, pode provocar um trauma, uma anemia futura. Precisaria daquela reserva de sangue não vai ter, e às vezes vai ter que tomar complemento. A gente tem que pensar nas consequências de interferir tanto na natureza [...] (E-6).
Várias evidências recentes advindas de ensaios controlados e randomizados sugerem que o clampeamento em tempo oportuno do cordão umbilical é benéfico em comparação ao clampeamento imediato e protege a criança contra anemia1,2,4,9. O momento ideal para pinçar o cordão umbilical dos RNs é quando a circulação do cordão cessou e ele está achatado e sem pulso, em torno de três minutos ou mais após o nascimento, devendo o RN ser colocado sobre o abdome materno ou mantido abaixo do nível do períneo até a transfusão placentária completa1,2,4. No entanto, as informações sugerem que o clampeamento imediato do cordão é mais frequente, mesmo existindo protocolos recomendando o clampeamento tardio. Não existem informações disponíveis a respeito do cumprimento dessa recomendação2. Assim, é necessário capacitar e sensibilizar os profissionais para que a recomendação se concretize na prática.
Além dessas divergências, foram evidenciadas as relacionadas ao local de aplicação do kanakion, à administração do credê e ao local e horário do primeiro banho do RN.
Em relação à administração do kanakion, a região intramuscular (IM) definida para sua aplicação dividiu as opiniões. Algumas enfermeiras consideraram que a região ventroglútea (VG), também chamada de hochstetter (H), seria o local mais propício para aplicação da medicação. Outras demonstram dúvidas em relação à aplicação no H, sugerindo uma revisão. Algumas se posicionaram favoráveis à aplicação no músculo vasto lateral (VL), mas relataram seguir a rotina de aplicar no H por ser uma conduta estabelecida no CO da instituição, mesmo sem terem a informação científica atualizada sobre a forma de se realizar o procedimento. Também foi levantada a possibilidade de administração do kanakion via oral (VO), como é realizado em alguns países; no entanto, como exige a aplicação de múltiplas doses, o consenso, após a oficina, foi descartar essa possibilidade, em função do risco de o esquema ficar incompleto.
[...] acho que ele deve ser feito de forma menos traumática, pode ser feito enquanto está no colo da mãe, mamando. [...] pelo volume que o kanakion é administrado, eu imagino assim, de ser feito no H. No H não deve ser feita medicação na criança, por ele não ser um músculo bem desenvolvido. Mesmo assim, suporta essa quantidade e eu acho que tem muito menor probabilidade de atingir o nervo ciático [...] essa região é muito menos dolorosa, a gente estaria agredindo menos o bebê, então eu sou a favor de ser feito no H. [...] (E-6).
[...] eu faço no H porque foi estipulado como uma rotina do setor. Eu lembro que quando eu estudei o H era contraindicado até o segundo mês de vida por dificuldade de delimitação certa do local. É um dos melhores locais, mas até o segundo mês é contraindicado por isso. Acho que a gente delimita certo [...] (E-4).
Na literatura essas divergências também são encontradas. Muitos autores recomendam o músculo vasto lateral5,9. Em contrapartida outros citam que a região do hochstetter pode ser usada13-15. O músculo VL é o local recomendado, mas a área do H é um local alternativo para IM em crianças, inclusive para menores de 12 meses de idade; no entanto, quem vai administrar deve ter habilidade e estar familiarizado com os pontos de referência utilizados para identificar o local15. por meio desses referenciais, pode-se concluir que os dois locais podem ser usados no RN, desde que a equipe tenha conhecimento técnico e domínio da técnica de aplicação.
A questão da credeização também gerou pontos divergentes em relação à técnica e ao produto utilizado no procedimento. Atualmente, na instituição, o produto utilizado na credeização é a solução de povidona iodada a 2,5% (PVPI a 2,5%), usada há alguns anos e sem intercorrências, e considerada o produto adequado pela maioria das entrevistadas. Entretanto, algumas apresentam dúvidas em relação ao produto que seria o mais indicado, como o nitrato de prata, o PVPI e a eritromicina, citados por uma das participantes como produto eficiente, mas sem ter certeza disso.
[...] a gente chegou ao PVPI como o melhor produto. É um produto que tem a mesma efetividade e atua muito bem na prevenção das gonococcias oftálmicas. [...] (E-2).
[...] Tenho dúvida quanto a eficácia do PVPI [...]. O que eu sei é que o colírio de eritromicina seria mais eficiente [...] (E-4).
A prática da profilaxia ocular é heterogênea, pois parece não haver uma prática comum adotada pela comunidade internacional para a profilaxia da conjuntivite neonatal16, já que o produto utilizado varia em relação ao país e às maternidades. Os produtos mais utilizados são: solução de nitrato de prata a 1%; pomada de eritromicina a 0,5%; tetraciclina a 1% e PVPI a 2,5%9,16. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária descreve a conveniência do uso do PVPI para profilaxia da conjuntivite neonatal, e reforça que o nitrato de prata a 1% não atua sobre a clamídia16.
Estudos realizados sobre o uso do PVPI descrevem-no como sendo de espectro mais amplo, ativo contra todos os possíveis agentes da conjuntivite neonatal, e tendo vantagens sobre os demais produtos utilizados até o momento. Além disso, não induz resistência microbiana, tem baixa toxidade, autoesterilidade e baixo custo16. Evidências científicas apontam o benefício da profilaxia com nitrato de prata, pomada de eritromicina ou tetraciclina, sendo essa prática estabelecida em grande parte dos países desenvolvidos. Apesar dos dados escassos, em países em desenvolvimento, aponta-se que o PVPI a 2,5% é eficaz, sendo esse agente reconhecido e indicado pela American Academy of Pediatrics como profilático de primeira linha9. Esses autores complementam dizendo que a escolha do agente pode ser menos importante do que a preocupação em implementar esse cuidado.
Já em relação à técnica de aplicação do PVPI, algumas participantes expressam a necessidade de rever a técnica, apontando dúvidas ou diferentes formas de realizar o procedimento. Divergem quanto às seguintes questões: se a higiene ocular deve ser realizada antes de aplicar o produto ou não; se o produto deveria ser aplicado no canto do olho ou no saco conjuntival; se é necessário esperar o produto agir; se o procedimento deve ser realizado no caso de parto cesáreo, já que o RN não atravessa o canal de parto, dificultando sua contaminação. Essas dúvidas reforçam a necessidade de capacitação e de revisão de condutas.
[...] O método de aplicação não está dentro dos padrões que são estabelecidos. [...] O uso correto do PVPI na hora de pingar o colírio. Tem gente que não faz a higiene, não espera o tempo necessário, são coisas que têm que ser vistas. [...] Por que colocar? Por que fazer, se não teve infecção por via vaginal? [...] (E-3).
A administração do credê é indicada a todos os RN, inclusive para os nascidos de parto cesáreo, pois devemos considerar os riscos de aquisição por via ascendente, que podem passar despercebidos1,16.
Não se deve irrigar os olhos do RN com água ou solução salina, apenas passar gaze macia ou chumaço de algodão em seu rosto para secar e evitar o deslizamento da mão5. Esse autor descreve, também, a importância de realizar o procedimento com delicadeza e de manter a esterilidade da ponta do frasco.
A falta de qualificação profissional para empregar as novas práticas ou técnicas já existentes é uma realidade2. A conscientização dos profissionais para a importância do cuidado adequado, bem como a experiência, a prática e a educação continuada dos profissionais de saúde que participam dos cuidados ao RN são primordiais nesse período crítico de transição para o ambiente extrauterino1.
Outra questão alvo de divergências entre as participantes diz respeito ao banho, no que se refere, principalmente, ao horário. Algumas demonstram preocupação com a contaminação pela possibilidade de contato com sangue e secreções maternas, sendo favoráveis ao banho precoce, durante a primeira hora de vida, como é feito atualmente na instituição onde a pesquisa foi realizada. Contudo, outras se mostraram favoráveis em retardar o banho, recomendando que seja dado, preferencialmente, no Alojamento Conjunto ou, pelo menos, após a primeira hora de vida do RN para permitir o vínculo entre pais e RN, maior absorção do vérnix e evitar perda de calor.
[...] tem estudos que falam que se espere mais para dar o banho no bebê. Aqui, a gente já dá logo que nasce. [...] pela questão de não manter o bebê muito tempo com as secreções. Porque o pai e a mãe tocam, nós tocamos no bebê, claro que tocamos com luva, mas tem um risco. Mas para o bebê, eu sei que seria bom esperar, seria menos agressivo (E-5).
Eu penso que o banho do RN poderia ser deixado para dar no Alojamento Conjunto. No banho precoce o RN não tem o benefício da absorção do vérnix logo após o nascimento. Vai contra a própria fisiologia [...] (E-2).
Existe quebra do vínculo da primeira hora de vida [...] deve ser dado depois do contato com a mãe, [...] deveria ser feito pelo menos depois da primeira hora de vida (E-6).
A divergência quanto ao horário mais apropriado para o primeiro banho também é encontrada na literatura. Atualmente, o banho tem sido dado mais cedo para reduzir a possibilidade de transmissão de patógenos do sangue e líquidos corporais maternos e contaminação do RN, dos profissionais de saúde e familiares5. No entanto, a OMS recomenda que o primeiro banho seja dado seis horas após o parto, devido ao risco de hipotermia e estresse durante esse período de grande transição fisiológica do RN9.
Categoria 4: Estratégias para adequar o cuidado ao recém-nascido
As participantes apontam como estratégias: adequação dos cuidados, mudanças na estrutura física, redimensionamento dos recursos humanos e elaboração coletiva de uma proposta para conduzir o cuidado.
A adequação dos cuidados com base nos fundamentos científicos requer, na opinião das participantes, atualização, melhor preparo dos profissionais, comunicação e integração da equipe. Apontam, ainda, que a ausência de capacitação permanente a respeito das boas práticas em obstetrícia e neonatologia são importantes barreiras para uma convergência de ações embasadas cientificamente. Os alunos da área da saúde, comuns em instituição de formação, em função da rotatividade, às vezes não são informados a respeito de como devem desenvolver os cuidados e, por insegurança, medo e ansiedade, acabam intervindo inadequadamente.
[...] parece que a prática vai se perdendo através do tempo. Percebo que existem diferenças, e há necessidade de disponibilização disto, para que todos trabalhassem do mesmo jeito. [...] a gente nunca teve aqui uma atualização quanto aos cuidados com o RN. [...] (E-3).
A capacitação e a competência técnico-científica e sensível da equipe de saúde são necessárias para a manutenção de todas as atividades vitais do RN e conservação de sua integridade orgânica, pessoal, familiar e social, ou seja, para uma assistência à saúde de qualidade6. Para a segurança e bem-estar do RN, precisamos produzir um corpo de conhecimento fundamentado em boas práticas, evitando-se intervenções desnecessárias4.
Em relação a mudanças na estrutura física, algumas participantes sugerem que os cuidados com o RN sejam realizados no mesmo ambiente em que a mãe se encontra. O ideal seria a mulher permanecer durante o trabalho de parto, parto e nascimento em um único ambiente, instituindo-se o sistema PPP (Pré-parto, Parto e Pós-parto imediato), em que o binômio mãe-filho poderia ser atendido de forma segura.
O redimensionamento de pessoal, com a contratação de mais integrantes para a equipe de saúde, foi destacado como um dos fatores que favorecem o vínculo, pois os profissionais poderiam ter mais tempo para atender o binômio.
[...] Se tivesse quarto PPP, estaríamos promovendo grande parte dos contatos entre mãe e RN muito mais facilmente. Resolveria toda a questão da rotina. Assim, todos os cuidados seriam prestados ali, a mãe vendo o que está acontecendo com o RN, tudo acontecendo no mesmo ambiente. [...] (E-6).
[...] não ter um neonatologista em tempo integral dentro do CO dificulta muito, porque eles têm que estar em dois lugares ao mesmo tempo. Por esse motivo se tira o bebê da mãe, para ele poder avaliar, para poder ir tranquilo e fazer o outro trabalho dele. [...] não se teria essa necessidade de fazer tanta intervenção ao RN. [...] (E-6).
Para assistência segura, são necessários infraestrutura material e recursos humanos adequados, e que se desenvolva trabalho integrado, em equipe interdisciplinar, com profissionais treinados para atender a situações rotineiras e emergenciais17.
Além dessas questões, a maioria das participantes destaca a falta de uma rotina escrita atualizada que estabeleça os cuidados fundamentados cientificamente, bem como a necessidade de sensibilizar as pessoas, refletir com o grupo, problematizar a situação com os profissionais envolvidos, rever rotinas e elaborar coletivamente uma proposta atualizada de cuidados ao RN dentro do CO. Além disso, há que se propiciar um espaço de diálogo em que se possa problematizar esses cuidados a partir de informações atualizadas e científicas.
[...] as enfermeiras tinham que se reunir, teria que ver quais são os cuidados que tem prioridade e tentar trabalhar e trazer isso em forma de reuniões com os plantões, ou trazer em forma de curso de atualização. Vamos fazer padrão, pra todo mundo fazer igual. [...] (E-3).
[...] Teria que elaborar um manual. Precisa ter algo padronizado, aí um faz de um jeito, outros fazem de outro, a gente faz porque ouve falar, não tem uma rotina padronizada com o RN. [...] (E-1).
A reflexão, a problematização e a mudança da realidade podem se dar no coletivo. O conhecimento é produto das relações dos seres humanos entre si e com o mundo. Nessas relações, homens e mulheres são desafiados a encontrarem soluções para situações no seu cotidiano18. Para isso, precisam reconhecer a situação, compreendê-la, refletir sobre ela e imaginar formas alternativas de responder e de selecionar a resposta mais adequada, construindo algo e transformando essa realidade.
A direção apontada para a adequação dos cuidados é a capacitação, a conscientização e a melhoria da comunicação entre os integrantes da equipe de saúde, bem como a organização coletiva de uma proposta para conduzir o cuidado ao RN com base nas boas práticas e com vistas à atenção humanizada. Nessa perspectiva, o mais importante não é seguir rotinas rígidas, mas considerar a experiência e a prática da equipe de saúde que participa dos cuidados, conscientizá-los da importância de prestar um cuidado adequado e propiciar espaços de educação em saúde1.
É necessário transpor as barreiras que impedem a adoção de práticas de cuidados perinatais baseadas em fundamentos científicos. Através da revisão de manuais e normas, da avaliação das práticas atuais e da capacitação da equipe de saúde, poderemos alcançar o cuidado almejado2.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo confirmou a existência de divergências nos cuidados prestados ao RN pelos enfermeiros e equipe de saúde em suas práticas e, também, na literatura, que podem afetar o desenvolvimento de ações apropriadas e centradas no RN e em seus pais. Ficou evidente a divergência entre o falado e o exercido por parte de alguns profissionais, mesmo existindo fundamentos científicos que recomendam a forma adequada e menos intervencionista de se desenvolver os cuidados. Os resultados apontam como divergências: as diferentes formas de conduzir o cuidado, ora centrado no RN e estimulando a interação, ora centrado no procedimento; discordâncias no desenvolvimento da técnica propriamente dita pelos profissionais no que se refere aos passos, locais, medicamentos e materiais usados; e prática de intervenções desnecessárias ou inapropriadas, contrapondo-se aos fundamentos científicos e às necessidades do trinômio mãe-filho-pai.
A pesquisa aponta para a necessidade de buscar caminhos de superação das dificuldades, indo além das divergências, podendo essas mudanças começarem pela enfermagem. Para tanto, propõem-se a capacitação dos profissionais e o desenvolvimento de uma proposta coletiva, elaborada pela enfermagem, que defina o cuidados com base nas boas práticas e na integração e comunicação entre os membros da equipe de saúde. Entende-se que essa integração inclui: oportunizar espaços de discussão, de problematização, de busca de soluções e de construção coletiva de conhecimentos sobre esse tema com toda a equipe interdisciplinar; estabelecer pactos entre os profissionais com vistas a transformar a realidade e concretizá-los no cotidiano da atenção ao RN, com base nos fundamentos científicos encontrados na literatura nacional e internacional. Assim, sugere-se que sejam proporcionados momentos de diálogos com os outros profissionais e com outras unidades de internação que se articulam ao serviço e trabalham com esse fenômeno para discussão dessas questões e implantação do que for consenso.
Ressalta-se que, apesar de as participantes terem como consenso a valorização do contato pele a pele, a formação do vínculo entre o RN e seus pais sem que haja intervenção nesse processo, assim como a realização dos cuidados ao RN, preferencialmente junto da mãe, envolvendo os pais, orientando-os durante a realização dos cuidados, há, ainda, por parte de alguns integrantes da equipe de saúde, a priorização da técnica, do procedimento, seguindo a lógica e o modelo de atenção tecnocrático. A sobrecarga de trabalho em função do reduzido número de profissionais, a influência de determinados profissionais, as relações de poder e a falta de informações, atualizações e debates sobre o cotidiano do cuidado contribuem para a determinação e manutenção dessa situação.
A proposta de levantar as divergências relacionadas aos cuidados com o RN na ótica das enfermeiras que trabalham no CO configurou-se como algo relevante para o planejamento do cuidado.
O conhecimento sobre os cuidados pela equipe, a reflexão e a problematização da prática diária dos profissionais são essenciais para aprofundar essa temática, subsidiar e transformar condutas arraigadas e construídas culturalmente ainda vigentes dentro de um modelo tecnocrático, que se centram no procedimento e na dimensão fisiológica e biológica e que não valorizam o lado humano, ou seja, o RN e seus pais, suas necessidades e sua multidimensionalidade.
Conclui-se que esta pesquisa contribuiu para a reflexão, debate e avaliação dos cuidados prestados ao RN e para a produção de conhecimento, podendo gerar mudanças e inovações na atenção à saúde do RN e aos seus pais na instituição, cenário do estudo e, quiçá, em situações similares a essa. Recomendamos desenvolver este estudo em outras instituições, com os demais profissionais da equipe de saúde e também com pais e mães, ampliando o estado da arte dessa temática e melhorando o cuidado prestado ao RN e a seus pais.
REFERÊNCIAS