ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 18, Número 2, Abr/Jun - 2014



DOI: 10.5935/1414-8145.20140032

PESQUISA

Flebite associada a cateteres intravenosos periféricos em crianças: estudo de fatores predisponentes

Amanda Karina de Lima Jacinto 1
Ariane Ferreira Machado Avelar 2
Ana Maria Miranda Martins Wilson 2
Mavilde da Luz Gonçalves Pedreira 2


1 Universidade Estadual de Campinas. São Paulo - SP, Brasil
2 Universidade Federal de São Paulo. São Paulo - SP, Brasil

Recebido em 08/03/2013
Reapresentado em 28/06/2013
Aprovado em 22/08/2013

Autor correspondente:
Ana Maria Miranda Martins Wilson
E-mail: ana.maria@unifesp.br

RESUMO

Este estudo objetivou identificar fatores de risco para flebite relacionada a cateteres intravenosos periféricos (CIP) em crianças.
MÉTODOS: Coorte retrospectiva realizada em 338 crianças submetidas a punção venosa periférica. Foram investigadas variáveis relacionadas à criança e à terapia intravenosa, após aprovação do mérito ético.
RESULTADOS: Das 338 crianças, nove (2,7%) desenvolveram flebite. Nenhuma característica demográfica influenciou significativamente o desenvolvimento de flebite. Quanto às características da terapia, foram significantes: utilização do CIP por mais de cinco dias (p = 0,001); manutenção intermitente (p = 0,001) e maior tempo de permanência do CIP (p = 0,006). Representaram fatores de risco: presença de condições predisponentes para insucesso da punção (p = 0,041; OR = 4,645); antecedentes de complicações (p < 0,001, OR = 40,666); administração de drogas ou soluções de elevados pH e osmolaridade (p = 0,004, OR = 7,700).
CONCLUSÃO: A ocorrência de flebite não apresentou associação com características demográficas, e os aspectos da terapia que representaram fatores de risco foram condições predisponentes para insucesso da punção, antecedentes de complicações, administração de fármacos e soluções com extremos de pH e osmolaridade.


Palavras-chave: Flebite; Cateterismo periférico; Enfermagem pediátrica; Segurança do paciente.

INTRODUÇÃO

A terapia intravenosa (TIV) é definida como um conjunto de conhecimentos e técnicas que visam à administração de soluções ou fármacos no sistema circulatório e abrange diversos aspectos do cuidado, desde o preparo do paciente, a escolha e obtenção do acesso venoso periférico, o cálculo, o preparo e a administração de fármacos e soluções, as trocas de soluções, dispositivos e curativos, até a retirada dos cateteres1.

Em pediatria, a instalação de cateteres intravenosos representa o procedimento invasivo mais realizado durante a hospitalização de crianças, sendo utilizada para diversas finalidades e em situações variadas, como no desequilíbrio hidroeletrolítico, em casos de perda sanguínea, na disfunção de múltiplos órgãos, em processos infecciosos, queimaduras, procedimentos cirúrgicos e na impossibilidade de ingesta adequada de nutrientes, eletrólitos e fluidos1,2.

Para a realização da TIV, é necessária a obtenção de acesso venoso, periférico ou central, e, entre os diversos tipos de dispositivos, o cateter intravenoso periférico (CIP) é utilizado em aproximadamente um terço dos pacientes admitidos em hospitais3-6.

Neste contexto, a TIV realizada em crianças é considerada um procedimento complexo, e podem existir aspectos determinantes no desenvolvimento de complicações, como tipo de cateter utilizado; a técnica de inserção e estabilização do cateter; o local de inserção; as características da solução de infusão, como pH menor que 5 e maior que 9 e osmolaridade acima de 350 mOsm/L; o tempo de permanência do dispositivo, dentre outros, além de características inerentes ao paciente como cor da pele, sexo, prematuridade e determinadas condições clínicas, como infecções, traumas, desnutrição e queimaduras2,3,5,7-9.

As complicações decorrentes da TIV são classificadas em sistêmicas e locais. Entre as complicações sistêmicas têm-se septicemia, sobrecarga circulatória, edema pulmonar, embolia gasosa, embolia por cateter e choque por infusão rápida. As complicações locais referem-se à infiltração, ao extravasamento, à flebite, ao hematoma, à tromboflebite, além da trombose e da celulite8.

A flebite consiste na inflamação do vaso, podendo ser classificada, segundo o fator predisponente, como flebite química, quando tem relação com a administração de medicamentos ou soluções de risco; flebite mecânica, que pode resultar do trauma ocasionado pelo cateter na parede do vaso e flebite infecciosa, relacionada à contaminação da solução, do local de inserção do cateter e do dispositivo. Como sinais e sintomas podem ser observados edema, calor local, hiperemia, cordão fibroso no trajeto do vaso, dor e saída de exsudato pelo local de punção. Para a Infusion Nursing Society (INS), a proporção de 5% de flebite é considerada como máxima aceita para a ocorrência deste tipo de complicação10.

Segundo alguns pesquisadores, a flebite é complicação frequente relacionada ao uso de CIP em adultos e crianças hospitalizadas, e pode ocasionar desconforto para o paciente, necessidade de novas punções venosas periféricas, hospitalização prolongada e consequente aumento dos custos3,5,8.

Um pesquisa que avaliou 150 CIP do tipo fora da agulha em crianças evidenciou que 55,3% dos cateteres foram removidos devido à ocorrência de infiltração e 4,7% em decorrência de flebite11.

Em outro estudo, com 654 cateteres inseridos em crianças em uma unidade de terapia intensiva pediátrica, a ocorrência de flebite foi de 13%, valor similar à taxa encontrada em relação a outros estudos com pacientes pediátricos, em torno de 10%7,12.

Neste âmbito, ressalta-se que o paciente pediátrico pode ser submetido de doze a vinte tentativas de inserção de CIP em um período de apenas quatro semanas, demonstrando o quão importante é a realização da TIV sem complicações, tanto para a efetividade da terapêutica quanto para a qualidade da assistência de enfermagem em pediatria11.

Desta forma, analisando tais evidências, verifica-se a relevância de pesquisas que norteiem a prática da TIV, a fim de evitar eventos adversos durante sua implementação. Neste cenário, a partir da hipótese de que existem fatores predisponentes para a ocorrência de flebite na faixa etária pediátrica, o estudo pretende comparar características da criança e da TIV relacionadas à ocorrência de flebite e identificar fatores que aumentam a chance de ocorrência de tal complicação, em um grupo de crianças que utilizaram CIP e desenvolveram ou não complicações da terapia intravenosa.

MÉTODO

Estudo tipo coorte retrospectivo realizado em 338 crianças e adolescentes, submetidos à TIV por meio do uso de CIP do tipo fora da agulha, internadas em uma unidade de cirurgia pediátrica com 25 leitos de um hospital universitário da cidade de São Paulo, que realiza atendimento de nível terciário e quaternário pelo Sistema Único de Saúde e que participou de um estudo prospectivo e randômico. As crianças e adolescentes alfabetizados foram esclarecidos sobre os objetivos, riscos e benefícios advindos da voluntária participação na pesquisa, conferindo a possibilidade de exercer a autonomia nesta decisão, constituindo o assentimento, que oferece a oportunidade, quando apropriado, da criança a partir de sete anos de idade, participar do processo decisório, sendo obrigatória a solicitação do assentimento para as crianças a partir dos 12 anos de idade. Nestas situações, os termos de consentimento foram assinados pelos responsáveis e pelas crianças.

Todas as crianças e adolescentes admitidos na unidade de estudo com indicação de punção venosa periférica para administração de terapia intravenosa foram incluídos no estudo, com exceção das crianças com menos de 24 horas de vida, com mais de 18 anos, se houvesse a recusa na participação na pesquisa pela criança ou pelos responsáveis, ou se necessitassem de tratamento de urgência.

Para que os dados da pesquisa anterior fossem utilizados para a consecução do presente estudo, o projeto foi submetido à análise do mérito ético pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo na forma de adendo e aprovado conforme parecer de nº 402/06.

A coleta dos dados analisados nesta pesquisa ocorreu de 28 de fevereiro de 2007 a 07 de julho de 2008, sendo realizada por oito enfermeiras do Grupo de pesquisas de enfermagem em segurança do paciente, cuidados intensivos e terapia intravenosa em pediatria (SEGTEC) ou vinculadas ao projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq-4762952004-1). As enfermeiras foram capacitadas para o preenchimento dos instrumentos de coleta de dados, implementação da TIV, utilização do CIP, realização da punção e do curativo, bem como para a prescrição da administração da TIV, considerando a padronização da diluição e do tempo de infusão dos fármacos e soluções do protocolo institucional.

A variável de desfecho, presença de flebite em crianças submetidas à TIV periférica, foi medida pelas enfermeiras a partir da avaliação clínica dos locais de inserção do CIP, quatro vezes ao dia, com a aplicação da escala de classificação de flebite proposta pela INS, que avalia a presença e intensidade de sinais e sintomas: grau 0 - sem sinais clínicos; grau 1 - presença de eritema na inserção do cateter com ou sem dor; grau 2 - dor no local de inserção do cateter com eritema e ou edema; grau 3 - dor no local de inserção do cateter com eritema e ou edema, endurecimento, cordão fibroso palpável; e grau 4 - presença de dor no local de inserção do cateter com eritema e ou edema, endurecimento e cordão fibroso palpável maior que 1 cm de comprimento, com drenagem purulenta10.

Foram selecionadas algumas características relacionadas às crianças e à TIV para estudo de sua prevalência entre o grupo de crianças que desenvolveu ou não flebite. As variáveis relacionadas às características demográficas das crianças foram sexo, cor da pele, idade, grau de nutrição e diagnóstico médico categorizado segundo o sistema orgânico acometido.

As variáveis relativas à TIV compreenderam uso prévio de TIV; presença de condições que pudessem predispor ao insucesso da punção, como prematuridade, doença crônica, tratamento cirúrgico prolongado, TIV prolongada, uso de medicamentos vesicantes, agitação psicomotora, doença vascular, infecção, edema, perfusão periférica alterada, lesão de pele, hiperatividade, espasmos musculares, recusa à TIV; antecedentes de complicações da TIV (sinais prévios de infiltração ou flebite); tempo de permanência do CIP, calculado em horas, pela diferença entre a data e hora da punção e a data e a hora da retirada do CIP; método de punção venosa, se direto ou indireto, e uso de ultrassonografia vascular (US) para guiar a punção.

Outras variáveis relacionadas à TIV analisadas foram calibre do cateter, técnica de reposicionamento e local de instalação do CIP, uso de tala para imobilização do membro, forma de manutenção do cateter, método de administração do fármaco/solução e administração de fármaco/solução com características de risco para ocorrência de complicações, segundo osmolaridade superior a 350 mOsm/L, pH menor que 5 ou maior que 9, ou descrição de risco para o desenvolvimento de complicações pelo fabricante.

Os dados foram analisados segundo frequências absolutas, relativas e mediana. Para a comparação entre os grupos utilizou-se o Teste do Qui-quadrado de Pearson, Teste Exato de Fisher e Teste t, e foi realizada análise da razão de chance (Odds Ratio: OR), com intervalo de confiança de 95%, sendo considerados estatisticamente significantes os valores de níveis descritivos iguais ou inferiores a 5% (p ≤ 0,05).

RESULTADOS

Foram estudadas 338 crianças, sendo que 247 (73,0%) não desenvolveram complicações locais da TIV, 54 (16,0%) apresentaram infiltração, 28 (8,3%) desenvolveram outras complicações e 9 (2,7%), flebite.

Nas Tabelas 1 e 2 têm-se a comparação das características demográficas das crianças e da TIV, respectivamente, entre as nove crianças que apresentaram flebite e as 247 que não apresentaram qualquer tipo de complicação da TIV.

Tabela 1. Características demográficas das crianças, segundo ocorrência ou não de flebite. São Paulo, 2008
Variáveis Flebite
Sim (n = 9) f (%) Não (n = 247) f (%) p
Idade (anos)
Mediana 8,775 7,983 0,341a
Mínimo-Máximo 3,975-14,613 0,033-17,805
Gênero
Masculino 4 (44,4) 140 (56,7) 0,510b
Feminino 5 (55,6) 107 (43,3)
Cor da pele
Branca 4 (44,4) 118 (47,8)
Parda 5 (55,6) 87 (35,2) 0,466c
Preta - 40 (16,2)
Vermelha - 2 (0,8)
Amarela - -
Grau de nutrição
Eutrofia 8 (88,9) 206 (83,4) 1b
Desnutrição e Obesidade 1 (11,1) 41 (16,6)
Diagnóstico médico por sistemas orgânicos
Cardiovascular - 9 (3,6)
Gastrointestinal 2 (22,2) 27 (10,9)
Genitourinario 5 (55,6) 30 (12,2)
Músculo esquelético 2 (22,2) 26 (10,6) -
Respiratório - 89 (36,0)
Neurológico - 5 (2,0)
Sensorial - 46 (18,6)
Tegumentar - 14 (5,7)
Outros - 1 (0,4)

a teste t;

b teste exato de Fisher;

c teste qui-quadrado de Pearson.

Tabela 1. Características demográficas das crianças, segundo ocorrência ou não de flebite. São Paulo, 2008
Tabela 2. Características da terapia intravenosa de crianças que apresentaram ou não flebite. São Paulo, 2008
Variáveis Flebite
Sim (n = 9) f (%) Não (n = 247) f (%) p ORd
Uso prévio de TIV
≤ 5 dias 2 (22,2) 136 (55,1) 0,001a 0,105
> 5 dias 7 (77,8) 50 (20,2) 0,010-0,583
Não - 61 (24,7)
Condições predisponentes para insucesso da PVP
Sim 7 (77,8) 103 (41,7) 0,041b 4,645
Não 2 (22,2) 144 (58,3) 0,983-21,936
Antecedentes de complicações da TIV
Flebite 2 (22,2) - < 0,001a 40,666
Infiltração 1 (11,1) 3 (1,2) 4,255-350,042
Não 6 (66,7) 244 (98,8)
Método punção
Direto 5 (55,6) 89 (36,0) 0,295b -
Indireto 4 (44,4) 158 (64,0)
Uso de US
Sim 2 (22,2) 115 (46,6) 0,186b -
Não 7 (77,8) 132 (53,4)
Calibre do cateter
22G - 51 (20,7) 0,211b -
24G 9 (100,0) 196 (79,3)
Técnica de reposicionamento do cateter
Sim - 64 (25,9) 0,117b -
Não 9 (100,0) 183 (74,1)
Local de instalação do CIP
MMII - 2 (0,8) 1b -
Demais locais 9 (100,0) 245 (99,2)
Uso de Tala
Sim 5 (55,6) 155 (62,7) 0,731b -
Não 4 (44,4) 92 (37,3)
Administração de fármaco ou solução com características de risco
Sim 7 (77,8) 73 (29,6) 0,004b 7,700
Não 2 (22,2) 174 (70,4) 1,635-36,259
Tempo de permanência do CIP (horas)
Mediana 116,8 22,83 0,006c -
Mínimo e máximo 31,75-216,42 1-188,25

a Teste do qui-quadrado de Pearson;

b teste exato de Fisher;

c teste t;

d Odds Ratio e intervalo de confiança; TIV: Terapia intravenosa; PVP: Punção venosa periférica; US: Ultrassonografia; CIP: Cateter intravenoso periférico.

Tabela 2. Características da terapia intravenosa de crianças que apresentaram ou não flebite. São Paulo, 2008

As crianças com flebite eram predominantemente eutróficas, da faixa etária escolar, do sexo feminino, com cor da pele parda. Ao analisar o diagnóstico médico por sistemas, verificou-se predominância de doenças do sistema genitourinário, todavia não foi possível aplicação de teste estatístico para avaliação desta característica devido a ampla variação (Tabela 1).

Na Tabela 2 pode-se constatar que crianças que utilizaram TIV por mais de cinco dias tinham condições predisponentes para insucesso na PVP, já haviam apresentado complicações relacionada à TIV, apresentavam cateteres mantidos de forma intermitente para a administração de fármacos ou soluções com características de risco e permaneceram com o cateter por mais tempo, apresentaram significantemente mais flebite do que as crianças que não tinham tais características.

As crianças que já haviam desenvolvido flebite e infiltração, apresentaram 40 vezes mais risco para o desenvolvimento de flebite, e as que receberam fármacos ou soluções de risco tiveram sete vezes (OR = 7,700) mais chance de desenvolver tal complicação. Apresentar condições predisponentes para insucesso da PVP representou cerca de cinco vezes (OR = 4,645) mais risco para o desenvolvimento desta complicação (Tabela 2).

Crianças que tiveram seus cateteres mantidos de forma intermitente apresentaram maior ocorrência de flebite, quando comparadas com as crianças submetidas à infusão contínua (p = 0,001 - teste do qui-quadrado de Pearson). O método de infusão dos fármacos e soluções, se gravitacional, em bomba de infusão ou em bolus, não apresentou influência significativa na ocorrência de flebite (p = 0,254 - teste do qui-quadrado de Pearson).

O método de punção, o uso do US, o calibre do cateter, a técnica de reposicionamento do CIP, seu local de instalação e o uso de tala não apresentaram diferença estatisticamente significante entre os grupos (p > 0,05).

DISCUSSÃO

Existem diversos fatores, relacionados à TIV ou às características do paciente, que dificultam a obtenção do acesso venoso periférico e influenciam a ocorrência de complicações, interferindo na qualidade da assistência de enfermagem durante sua implementação2,3,5-8.

Estudos epidemiológicos das complicações locais da TIV, com enfoque em flebite, evidenciam heterogeneidade de resultados e ainda são escassos em nosso meio.

Na literatura, a incidência de flebite mostra-se variável, bem como as amostras analisadas. A frequência observada desta complicação foi de 4,7% em estudo com crianças, e, em outro com adultos, identificou-se que 43% da TIV foi interrompida devido ocorrência de flebite5,11. Em nosso estudo foi observado o desenvolvimento de flebite em 2,7% das crianças, sendo o nível máximo de 5% considerado aceitável pela INS, tanto para adultos como para crianças10.

No grupo de crianças que desenvolveu flebite, as variáveis idade, gênero, cor da pele e grau de nutrição não demonstraram distribuição diferente entre os grupos, como evidenciado em pesquisas que abordam a temática4,12,13.

Em relação às variáveis relacionadas à TIV, a maioria das crianças que desenvolveu flebite usou TIV previamente por período maior que cinco dias; apresentou condições predisponentes para insucesso da PVP; já havia desenvolvido flebite como antecedente de complicação da TIV; foi submetida ao método direto de punção; os cateteres foram mantidos de forma intermitente, com administração de fármaco ou solução com características de risco para a ocorrência de complicações, e permaneceram por mais tempo.

Ao considerar o uso prévio da TIV, variável que demonstrou diferença estatisticamente significante entre os grupos, verifica-se que pacientes que recebem fármacos apresentam maior chance de complicação, sendo que 60,8% dos pacientes adultos de uma unidade de cirurgia geral que receberam a infusão de fármacos desenvolveram flebite. Desta forma, infere-se que uma criança que já havia sido submetida previamente a TIV possa estar com algum grau de lesão da rede venosa, relacionadas às propriedades do fármaco ou solução administrados anteriormente13.

Constituiu-se fator de risco para ocorrência de flebite a presença de condições predisponentes para insucesso da PVP, como evidenciado em alguns estudos3,14,15. Em adultos, um estudo concluiu que indivíduos com imunodeficiência ou doença crônica têm maior risco para desenvolver flebite15. Pacientes adultos e pediátricos com doenças infecciosas, queimaduras ou diabetes mellitus apresentam até sete vezes mais risco de desenvolver flebite, valor maior do que o observado em nosso estudo (OR = 4,645). Outra pesquisa com crianças e adultos também revelou que a doença de base constitui um fator de risco para a flebite3,15.

Considerando os antecedentes de complicações da TIV, 22,2% das crianças com flebite já havia apresentado tal evento adverso anteriormente. Um pesquisa revela que o histórico de flebite, bem como o uso prévio de cateteres, aumenta a chance da ocorrência desta complicação2. Neste contexto, a literatura demonstra que cateterizações intravenosas periféricas frequentes também constituem fator de risco para a ocorrência de flebite, corroborando os resultados encontrados neste estudo, no qual crianças com antecedentes de complicações da TIV apresentaram 40 vezes mais risco de desenvolver flebite15,16.

Quanto à forma de manutenção do CIP, os dispositivos que foram mantidos de forma intermitente apresentaram maior relação com a ocorrência de flebite quando comparado a não ocorrência. Na prática clínica, a manutenção do cateter de forma intermitente propicia sua maior manipulação, com aumento da chance de ocorrência de complicações relacionadas13.

A administração de fármacos ou soluções com características de risco para complicações também foi uma variável que demonstrou distribuição estatisticamente significante entre as crianças que apresentaram flebite, e vários estudos revelam que fármacos com extremos de pH e osmolaridade trazem maiores riscos para o desenvolvimento da flebite. Segundo alguns autores, o uso de antibióticos constitui fator de risco para tal complicação, além de outros estudos afirmarem que vários fármacos podem ser considerados de risco para ocorrência de flebite6,16.

Em contrapartida, com pacientes adultos em uma unidade de cirurgia geral, não foi observada relevância quanto ao tipo de fármaco administrado para a ocorrência da flebite, entretanto, 60,8% dos indivíduos que receberam fármacos desenvolveram tal complicação13. Assim, muitos medicamentos utilizados durante a implementação da TIV não poderiam ser administrados por CIP, devido a osmolaridade e ao pH, predispondo à ocorrência de flebite de origem química.

Com relação ao tempo de permanência do cateter, identificou-se maior tempo de permanência do dispositivo nas crianças que apresentaram flebite quando comparadas às que não apresentaram qualquer tipo de complicação. Pesquisa desenvolvida com crianças evidenciou frequência de flebite em 8,4% dos cateteres que permaneceram por até 72 horas, enquanto as crianças que permaneceram com os cateteres por maior tempo desenvolveram flebite em 16,2% dos casos, frequências maiores dos que as identificadas no presente estudo12.

Em pacientes adultos, a permanência do cateter por mais de 72 horas aumenta em até quatro vezes a chance do desenvolvimento de flebite, quando comparada à permanência dos cateteres por menos tempo5.

Entretanto, outros autores evidenciaram que a partir do terceiro dia de permanência do cateter, ocorre decréscimo na ocorrência de flebite de 11,7% no terceiro dia para 4,8% a partir do quarto dia de permanência do cateter em adultos14. Desta forma, devido à redução do risco de desenvolvimento de flebite após o terceiro dia, deve-se priorizar no atendimento à criança com TIV a permanência do CIP até o término da terapia, a menos que alguma complicação da TIV ocorra, conforme a recomendação do Centers for Disease Control and Prevention e de estudos que vêm apresentando resultados positivos quanto à retirada do cateter periférico apenas na vigência de indicação clínica9,17,18.

Assim, ressalta-se a importância da identificação dos fatores de risco relacionados à criança e à TIV para a ocorrência de complicações, para que o enfermeiro possa instituir a terapêutica prescrita com maior segurança e qualidade.

CONCLUSÕES

Diante dos resultados do estudo, identificou-se, relativamente a outras pesquisas, baixa ocorrência de flebite na amostra estudada.

Representaram fatores de risco para flebite relacionada ao uso de CIP em crianças a presença de condições predisponentes para insucesso de punção, antecedentes de complicações da terapia, administração de fármacos e soluções com extremos de pH e osmolaridade.

Desta forma, ao identificarmos fatores que apresentaram relações diretas com a ocorrência de complicações, podemos melhorar a prática clínica de enfermagem, bem como o planejamento, a prescrição e implementação da TIV, proporcionando uma menor taxa de eventos adversos desta terapia em crianças hospitalizadas.

Limitação do estudo

Considera-se a realização do estudo em único local como possível limitação do estudo, ressaltando-se a importância do desenvolvimento de novas pesquisas sobre a temática, de desenho multicêntrico, em crianças e adolescentes com diferentes características demográficas e da terapêutica empregada.

REFERÊNCIAS

Pedreira MLG. Uso de bombas de infusão na terapia intravenosa em crianças assistidas em unidades de cuidados intensivos pediátricos: contribuições para estudos clínicos e técnicos [tese]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo; 1999.
Negri DC, Avelar AFM, Andreoni S, Pedreira MLG. Predisposing factors for peripheral intravenous puncture failure in children. Rev. latino-am. Enfermagem. 2012 nov/dez;20(6):1072-80. Link DOI
Nassaji-Zafareh M, Ghorbani R. Peripheral intravenous catheter-related phlebitis and related risk factors. Singapore Méd J. 2007;48(8):733-6.
Yinnon AM, Rudensky B, Raveh D, Broide E, Malach T, Jerassy Z, Schlesinger Y, Olsha O. Prospective surveillance of phlebits associated with peripheral intravenous catheters. AJIC. 2006;34(5):308-12.
Furtado LCR. Maintenance of peripheral venous access and its impact on the development of phlebitis. J Infus Nurs 2011;34(6):382-90. Link DOI
Fang L, Fang SH, Chung YH. Factors affecting the unplanned peripheral reinsertion in pediatric patiernts from a teaching hospital in Taiwan. J Infus Nurs 2011;34(6):366-72. Link DOILink PubMed
Garland JS, Wincek J, Dunne MW, Hintermeyer M, Bozzette MA, Seavers M, Havens P, Bromberger T. Peripheral intravenous catheter complications in critically ill children: a prospective study. Pediatrics. 1992;89(6):1145-50. Link PubMed
Phillips LD. Manual of I.V. Therapeutics Evidence-Based Practice for Infusion Therapy. 5th ed. Philadelphia (USA): F. A. Davis Company; 2010.
Ho KHM, Cheung DSK. Guidelines on timing in replacing peripheral intravenous catheters. J Clin Nurs 2012;21(11-12):1499-1506. Link DOILink PubMed
Alexander M. Infusion Nursing: Standards of Practice-Infusion. J Infus Nurs. 2011;34(1S):S65-S72.
Machado AF, Pedreira MLG, Chaud MN. Adverse events related to the use of peripheral intravenous catheters in children according to dressing regimens. Rev. latino-am. Enfermagem. 2008 maio/jun;16(3):362-7. Link DOI
Nelson DB, Garland JS. The natural history of Teflon catheter associated phlebitis in children. AJDC. 1987 oct;141(10):1090-2.
Uslusoy E, Mete S. Predisposing factors to phlebits in patients with peripheral intravenous catheters: a descriptive study. J Am Acad Nurse Pract. 2008 apr;20(4):172-80. Link DOILink PubMed
Powell J, Tarnow KG, Perucca R. The relationship between peripheral intravenous catheter indwell time and the incidence of phlebitis. J Infus Nurs. 2008 jan/feb;31(1):39-45. Link DOILink PubMed
Tagalakis V, Kahn S, Libman M & Bloinstein M. The epidemmiology of peripheral vein infusion thrombophlebits: a critical review. Am J Med. 2002 ago;113(2):146-51. Link DOILink PubMed
Gomes ACR, Silva CAG, Gamarra CJ, Faria JCO, Avelar AFM, Rodrigues EC. Avaliação da ocorrência de flebite, infiltração e extravasamento em neonatos submetidos à terapia intravenosa. Esc Anna Nery. 2011 jun/set;15(3):472-9. Link DOI
O'Grady NP, Alexander M, Burns LA, et al. Guidelines for the prevention of intravascular catheter-related infections. Clin Infect Dis. 2011 may;[cited 2012 may 1];52(9):e162-e193. Disponível em: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/guidelines/bsi-guidelines-2011.pdf Link DOILink PubMed
Rickard CM, McCann D, Munnings J, MacGrail MR. Routine resite of peripheral intravenous devices every 3 days did not reduce complications compared with clinically indicated resite: a randomized controlled trial. BMC Medicine. 2010;8:53. Link DOILink PubMed

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1